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sábado, 16 de setembro de 2023

Guiné 61/74 - P24662: (Ex)citações (424): Nas nossas já bíblicas idades os planeamentos a longo prazo são sempre eivados de 'relativismo'. Daí que nada melhor do que as bolas de cristal (José Belo, Suécia)


Foto nº 1


Foto nº 2


Foto nº 3


Foto nº 4


Foto nº 5


Foto nº 6


Foto nº 7


Foto nº 8

Suécia > Lapónia > Breve verão de 2023

Fotos (e legendas): © José Belo  (2023). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]




O luso-sueco José Belo (com mais de  250 referências no nosso blogue, membro da Tabanca Grande desde 8 de março de 2009): foi alf mil inf da CCAÇ 2381, "Os Maiorais", Ingoré, Buba, Aldeia Formosa, Mampatá e Empada, 1968/70, é capitão do exército português reformado (poderia ser hoje coronel, se tivesse lutado pelo seu direito à reconstituição da carreira militar); hoje jurista, com família sueca, vive na Suécia há mais de 4 décadas; autor, entre outras, da série "Da Suécia com saudade".

Síntese de mensagens diversas do José Belo, enviadas nesta 1ª quinzena de setembro,em que ele está de partida para a sua casa de Key West, Florida, USA, findo o curto verão lapónico.

(i) "Não é um 'pôr do sol' mas sim a altura máxima do sol no horizonte antes de desaparecer completamente durante os longos meses do inverno Árctico.

Da 'luminosidade' da foto passa-se então à total escuridão... aparentemente infindável apesar da habituação de muitas décadas" (Foto nº 1)

(ii) "A água da foto começou a gelar e ,com o vento, a ténue superfície de gelo parte-se em milhares de partículas que chocando umas com as outras provocam um agradável ,e indiscritível, som de cristais de candelabro de salão." (Foto nº 1)

(iii) Ainda para os saudosos da Guiné:

O heliporto nas traseiras da minha casa; o moderno hospital de Kiruna fica a 55 minutos de voo (Foto nº 2);
As florestas da Lapónia. (Foto nº 6);
Não será bem a praia do Estoril-Tamariz da minha juventude mas é….minha! A água nos inícios de Setembro está a uns convidativos 4 graus positivos (Fotos nº 2, 3 e 5)

(iv) Sobre o mitológico Mampatá ?

 "Don’t let it be forgot,that once there was a spot, for one brief shining moment, that was known as Camelot” (Foto nº 7);

(v) Chamada do recolher:

Herr Professor Luís Graça,

As aves migratórias já partiram em infindáveis bandos rumo ao Sul. É altura deste Lusitano-Lapão (único!) “abalar”, também, rumo ao Sol e à minha casa da Key West (sempre em festa!)

Durante o curtíssimo verão do círculo polar procurei enviar aos Camaradas e Amigos umas 'naïves' fotos locais procurando desmistificar o ideário lusitano quanto a algumas das realidades locais.

Nas nossas já bíblicas idades os planeamentos a longo prazo são sempre eivados de 'relativismo'. Daí que... nada melhor do que as bolas de cristal (Foto nº 8)
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Nota do editor:

(*) Último poste da série > 2 de setembro de 2023> Guiné 61/74 - P24610: (Ex)citações (423): Curiosidades lapónicas: As visitas continuam e qualquer dia entram em casa! (José Belo, Suécia)

quarta-feira, 6 de setembro de 2023

Guiné 61/74 - P24625: Álbum fotográfico do António Alves da Cruz, ex-fur mil at inf, 1ª C/BCAÇ 4513/72 (Buba, 1973/74) (4): Mampatá, maio-julho de 1973


Foto nº 1 > Guiné > Região de Tombali > Mampatá > 1ª CCAÇ / BCAÇ 4513 (Buba, 1973/74) > Junho/lulho de 1973 > Mina anticarro levantada na estrada Cumbijã/Nhacobá. Com todo o cuidado, a mina estava armadilhada. Foi neutralizada pelo ex-furriel mil Reis e ex-alferes mil Torres, do 4º pelotão da 1ª CCAÇ / BCAÇ 4513/72.



Fotos nº 2 e 2A > Guiné > Região de Tombali > Mampatá > 1ª CCAÇ / BCAÇ 4513 (Buba, 1973/74) > Junho/julho de 1973 > Levantamento de mina A/C na estrada Cumbijã / Nhacobá. À esquerda, de faca de mato na mão, o ex-fur mil Reis; ao centro com a HK 21, um camarada de quem  não recordo o nome; e à direita, o ex-alf mil Torres. (Infelizmente o Reis e o Torres já não estão entre nós.)


Foto nº 3 > Guiné > Região de Tombali > Mampatá > 1ª CCAÇ / BCAÇ 4513 (Buba, 1973/74) > Junho/julho de 1973 > Eu, na tabanca de Mampatá, com dois grandes amigos: à direita o ex-furriel Reis, e à esquerda o ex-furriel Victor.


Foto nº 4 > Guiné > Região de Tombali > Mampatá > 1ª CCAÇ / BCAÇ 4513 (Buba, 1973/74) > Junho/julho de 1973 > Eu, com a tabanca ao fundo.


Foto nº 5 > Guiné > Região de Tombali > Mampatá > 1ª CCAÇ / BCAÇ 4513 (Buba, 1973/74) > Junho/julho de 1973 > Eu, com uma menina ao colo.


Foto nº 6 > Guiné > Região de Tombali > Mampatá > 1ª CCAÇ / BCAÇ 4513 (Buba, 1973/74) > Junho/julho de 1973 > Crianças da tabanca



Fotos nº 7 e 7A > Guiné > Região de Tombali > Mampatá > 1ª CCAÇ / BCAÇ 4513 (Buba, 1973/74) > Junho / julho de 1973 > Eu, num posto de vigia junto à enfermaria virado para a estrada do Cumbijã. Vamos ver quem identifica esta metralhadora, de carregador curvo.... (É uma Madsen, dinamarquesa, de 1902!)


Foto nº 8 > Guiné > Região de Tombali > Mampatá > 1ª CCAÇ / BCAÇ 4513 (Buba, 1973/74) > Junho/julho de 1973 > Heliporto, à direita a estrada para o Cumbijã, Colibuia e Nhacobá.


Foto nº 9 > Guiné > Região de Tombali > Mampatá > 1ª CCAÇ / BCAÇ 4513 (Buba, 1973/74) > Junho/julho de 1973 > Durante um patrulhamento o descanso do 3º pelotão para comer uma latita da ração de combate, este pontão estava numa estrada abandonada há muito que ia de Mampatá para Sinchã Cherno e Empada.


Foto nº 10 > Guiné > Região de Tombali > Mampatá > 1ª CCAÇ / BCAÇ 4513 (Buba, 1973/74) > Junho/julho de 1973 > Eu, mais uma vez...

Fotos (e legendas): © António Alves da Cruz (2023). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Continuação da publicação de uma seleção de fotos do álbum do António Alves da Cruz (ex-fur mil at inf, 1ª C/BCAÇ 45113/72, Buba, 1973/74).

Estamos a seguir a ordem cronológica da comissão de serviço na Guiné. Partida do BCaç 4513/72: Embarque em 16mar73; desembarque em 22mar73.

A 1ª Comp, após o treino operacional no subsector de Buba com a CCaç 3398, sob orientação do BCaç 3852, passou a reforçar a actividade daquela subunidade no esforço realizado de contrapenetração no referido subsector e depois integrada no seu batalhão, na função de intervenção que lhe foi atribuída, tendo-se instalado, a partir de 17,ai73, em Mampatá.

Mensagem do António Alves da Cruz, ex-fur mil, 1ª C/BCAÇ 45113/72 (Buba, 1973/74)

Data - sexta, 1/09/2023, 14:55
Assunto - Fotos

Boa tarde, Luís
De maio a julho de 1973, a 1ª Companhia do BCAÇ 4513/72 esteve sediada em Mampatá para reforçar as operações na zona de Nhacobá.

Durante 3 meses andámos como companhia de intervenção. Junto fotos.

Forte abraço amigo Luis
Cruz

PS - Para os senhores censores do blogue, esclareço que a farda que usava, na ocasião, era Pestana & Brito e o boné Dolce & Gabbana.

Fotos > Legenda:

Foto 1 - Mina anticarro levantada na estrada Cumbijã/Nhacobá. Com todo o cuidado, a mina estava armadilhada. Foi neutralizada pelo ex-furriel mil Reis e ex-alferes mil Torres, do 4º pelotão da 1ª C/BCAÇ 4513/72.
Foto 2 - Levantamentode mina A/C na estrada Cumbijã / Nhacobá. À esquerda, de faca de mato na mão, o ex-fur mil Reis; ao centro com a HK 21, um camarada de quem  não recordo o nome; e à direita, o ex-alf mil Torres. (Infelizmente o Reis e o Torres já não estão entre nós.)
Foto 3 - Eu, na tabanca de Mampatá, com dois grandes amigos: à direita o ex-furriel Reis, e à esquerda o ex-furriel Victor.
Foto 4 - Eu, com a tabanca de Mampatá ao fundo.
Fotos 5 e 6 - Crianças de Mampatá
Foto 7 - Mampatá, unho de 73
Foto 8 - Posto de vigia junto à enfermaria virado para a estrada do Cumbijã.
Foto 9 - Mampatá, geliporto, à direita a estrada para o Cumbijã , Colibuia e Nhacobá.
Foto 10 - Durante um patrulhamento o descanso do 3º pelotão para comer uma latita da ração de combate, este pontão estava numa estrada abandonada há muito que ia de Mampatá para Sinchã Cherno e Empada.
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Nota do editor:

Útimo poste da série > 3 de setembro de 2023 > Guiné 61/74 - P24614: Álbum fotográfico do António Alves da Cruz, ex-fur mil at inf, 1ª C/BCAÇ 4513/72 (Buba, 1973/74) (3): Bolama, lugar de passagem

sexta-feira, 25 de agosto de 2023

Guiné 61/74 - P24588: Tabanca Grande (552): António João Alves Cruz, ex-fur mil, 1ª CCAÇ/BCAÇ 4513/72 (Bolama, Aldeia Formosa, Nhala e Buba, mar1973 / set1974); senta-se sob o nosso poilão no lugar nº 880

António Joáo Alves Cruz, ex-fur mil, 1ª CCAÇ/BCAÇ 4513/72 (Bolama, Aldeia Formosa, Nhala e Buba, mar1973 / set1974)


António João Alves da Cruz: foto atual: "alfacinha",  vive em Almada, trabalhou na Lisnave

Foto nº 1

Foto nº 2


Foto nº 3

1. Mensagem do novo membro da Tabanca Grande, nº 880, António Alves da Cruz:

Data: quarta, 23/08/2023, 17:29
Assunto - Pedido de ingresso no Blogue Luis Graça & camaradas da Guiné

Caro amigo, estes são os meus dados;
  • Nome completo: António João Alves da Cruz
  • Data de nasdcimento: 01-03-1951
  • Naturalidade: Belém -Lisboa
  • Posto: Furriel Miliciano
  • Recruta e especialidade (Atirador) tiradas em Tavira. 
  • Fui dar instrução para Elvas (BC 8) onde fui mobilizado para o CTIG,  indo  formar batalhão (o BCAÇ 4513/72) em Tomar. 
  • Parti para a Guiné no dia 16-03-73.
Agradeço a possibilidade de poder fazer parte do vosso blogue. Anexo as duas fotos da praxe.

Um forte abraço.

2. Resposta do editor LG, no mesmo dia, 23/08/2023,  às 20:23:

Obrigado, camarada. Tudo OK. Vou publicar... És recebido de braços abertos. E já viste com certeza o poste (*):

https://blogueforanadaevaotres.blogspot.com/2023/08/guione-6174-p24581-facebookando-33.html

Um alfabravo, Luís


3. Nova mensagem do novo membro da Tabanca Grande, com data de hoje, às 17h20:


Caro amigo Luís

Publiquei no Face as fotos porque no blogue não vi a minha inscrição. A partir de agora vão por email. Pode publicar onde quiser os slides são meus não tem problema algum. Em breve enviarei "slides" sobre a nossa saída em setembro de 1974.

Legenda:
  • Foto nº 1: saída de Buba para operação em Ponta Nova;
  • Foto nº 2: a malta  bordo da LDM: o terceiro camarada que está na conversa é o ex furriel Oliveira da 1ª Companhia do BCAÇ 4513 que faz parte do blogue;
  • Foto nº 3: Depois do "festival".  chegada a Buba nas LDM (uma delas, a 113).
Abraço


4. Comentário do editor LG:

Obrigado, camarada. A nossa regra nº 1 é tratarmo-nos por tu, como camaradas que fomos e continuamos a ser... Felizmente que já não vivemos no sistema de "apartheid" que ainda conhecemos na tropa e na guerra: "clero, nobreza e povo"... 

Ficaste apresentado  à Tabanca Grande: ficas sentado à sombra do nosso poilão, no lugar nº 880.

 Diz-me de tens "slides" suficientes para abrirmos uma série só tua, do género "Álbum fotográfico do António Alves da Cruz"... Ou preferes ser tratado por António João Cruz?... Se tiveres umas vinte ou trinta fotos, devidamente digitalizadas (e com boa resoluçao, quanto maior melhor...) podemos ir publicando regularmente... Digamos, semana a semana... 

Estas que me mandaste, da saída em LDM para uma operação em Ponta Nova,  parecem-me bem, mas têm fraca resolução (entre 41 kb, 49 kb, 191 kb)... O ideal é digitalizares as fotos com maior resolução: por exemplo, 300, 500 kb, 1Mb ou até mais... (Assim posso editá-las melhor, recortá-las, etc.)... 

Os créditos fotográficos serão sempre teus!...

Um abraço, António. 
Luís Graça.

PS 1 - Temos um editor em Almada, o Jorge Araújo (tem passado largas temporadas nos Emiratos Árabes Unidos; é do teu tempo).

PS2 - Continua a usar este meio (o email) para fazeres chegar as tuas coisas até mim (que passo a ser o teu editor)... Mas podes sempre publicar no nosso Facebook... Como sabes, quem é "amigo" do nosso Facebook, não é automaticamente membro da Tabanca Grande, até por que a maioria dos "amigos" do Face não são ex-combatentes da Guiné...

5. As nossas dez regras de convívio (que temos o dever de transmitir a todos os novos membros da Tabanca Grande, e recordar aos antigos):

(i) respeito uns pelos outros, pelas vivências, valores, sentimentos, memórias e opiniões uns dos outros (hoje e ontem);

(ii) manifestação serena mas franca dos nossos pontos de vista, mesmo quando discordamos, saudavelmente, uns dos outros (o mesmo é dizer: que evitaremos as picardias, as polémicas acaloradas, os insultos, a insinuação, a maledicência, a violência verbal, a difamação, os juízos de intenção, etc.);

(iii) socialização/partilha da informação e do conhecimento sobre a história da guerra do Ultramar, guerra colonial ou luta de libertação (como cada um preferir);

(iv) carinho e amizade pelo nossos dois povos, o povo guineense e o povo português (sem esquecer o povo cabo-verdiano!);

(v) respeito pelo inimigo de ontem, o PAIGC, por um lado, e as Forças Armadas Portuguesas, por outro;

(vi) recusa da responsabilidade colectiva (dos portugueses, dos guineenses, dos fulas, dos balantas, etc.), mas também recusa da tentação de julgar (e muito menos de criminalizar) os comportamentos dos combatentes, de um lado e de outro;

(vii) não-intromissão, por parte dos portugueses, na vida política interna da actual República da Guiné-Bissau (um jovem país em construção), salvaguardando sempre o direito de opinião de cada um de nós, como seres livres e cidadãos (portugueses, europeus e do mundo);

(viii) respeito acima de tudo pela verdade dos factos;

(ix) liberdade de expressão (entre nós não há dogmas nem tabus); mas também direito ao bom nome;

(x) respeito pela propriedade intelectual, pelos direitos de autor... mas também pela língua (portuguesa) que nos serve de traço de união, a todos nós, lusófonos.

PS - Defendemos e garantimos a propriedade intelectual dos conteúdos inseridos: texto, imagem, vídeo, áudio...). Em contrapartida, uma vez editados, não poderão ser eliminados, tanto por decisão do autor como do editor do blogue, mesmo que o autor decida deixar de fazer parte da Tabanca Grande.

Qualquer outra utilização desses conteúdos, fora do propósito do blogue,  necessita de autorização prévia dos ediores e dos autores (por ex., publicação em livro ou jornal,    programa de rádio ou televisão).

Luís Graça & Camaradas da Guiné
31 de Maio de 2006, revisto em 25 de agosto  de 2023
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6. Primeiros comentários de camaradas que te saúdam (*):

(i) António Carvalho:

Tenho andado arredado deste precioso e bem nosso blog, mas tive agora a sorte de, ao abri-lo, deparar com mais um camarada que andou pelos meus lados e por certo se cruzou comigo, quanto mais não fosse, num encosto ao balcão do bar de Mampatá, ou numa passagem pela enfermaria em busca de qualquer mesinho.

Um grande abraço para o Luís, para o Cruz do 4513 e para todos os combatentes.

Carvalho de Mampatá
~

(ii) António Murta:

Olá, camarada António J. Alves da Cruz.

Confesso que já não me recordo do teu rosto nem do teu nome (nem de outros mais recentes!), mas desde Tomar, desde a viagem no Uíge, passagem por Bolama e da permanência na mesma área da Guiné, por certo que nos cruzámos muitas vezes. Eras um dos meus vizinhos de Buba, onde eu ia tantas vezes.

Foi um prazer e uma agradável surpresa ver mais um contemporâneo a juntar-se à Tabanca Grande.

Sejas bem vindo. Se tiveres fotografias envia-as porque eu (e não só) iria gostar muito. E histórias também.

Grande abraço do António Murta, de Nhala.



(**) Último poste da série > 31 de julho de 2023 > Guiné 61/74 - P24522: Tabanca Grande (  ): cor inf ref Cunha Ribeiro (Gondomar, 1926 - Porto, 2023), antigo 2º cmdt, BCAÇ 2852 (Bambadinca, 1968/70), fica simbolicamente inumado, à sombra do nosso poilão, no lugar n.º 879

sábado, 16 de julho de 2022

Guiné 61/74 - P23435: Frase do dia (4): Quer queiramos, quer não, na Guiné era diferente de Angola e Moçambique... É a minha segunda pátria. Confesso que em Mampatá do Forreá sentia-me em casa e ainda hoje tenho lá "ermons", "sobrinhos" e até "filhos". Para outros sou "avô". Até já me ofereceram uma casa para eu ir para lá viver (José Teixeira, ex-1º cabo aux enf, CCAÇ 2381, Buba, Quebo, Mampatá e Empada, 1968/70)

1. Comentário de José Teixeira ao poste P23429 (*):

(i) ex-1.º Cabo Aux Enf,  CCAÇ 2381 (Buba, Quebo, Mampatá e Empada, 1968/70);

(ii)  um dos históricos do nosso blogue, integrando a Tabanca Grande desde 14/12/2005; 

(iii) autor de diversas séries (Estórias do Zé Teixeira; Crónicas de uma viagem à Guiné-Bissau: de 30 de abril a 12 de maio de 2013: reencontros com o passado; O meu diário); 

(iv) tem 374 referências no nosso blogue: é autor de vários livros, entre contos e poesia, o último dos quais "Palavras que o Vento (E)leva", 2022, 138 pp., edição da Poesia Impossível, a ser lançado em novembro próximo; 

(v) um fundadores e régulos da Tabanca Pequena de Matosinhos; 

(vi) voltou à Guiné-Bissau por diversas vezes; 

(vii) gerente bancário reformado; 

(viii) avô babado de três netos; 

(ix) mora em São Mamede de Infesta)


Quer queiramos, quer não, na Guiné era diferente de Angola e Moçambique. Afirmo isto porque tenho,  entre os meus amigos, como todos nós, gente que andou por essas bandas, com quem tenho dialogado. 

O teatro de guerra era pequeno, tanto quanto a "província". A maior parte dos que estavam no interior tinha o seu aquartelamento com tabancas ao lado, ou, como eu, vivia na própria tabanca. 

As operações, apesar de duras e violentas, eram de curta duração, na maioria dos casos. Alguns de nós, como eu, passávamos muito tempo na tabanca. A população recebia-nos bem -sabia acolher e conviver. 

Confesso que em Mampatá do Forreá sentia-me em casa e ainda hoje tenho lá "ermons" "sobrinhos" e até "filhos". Para outros sou "avô". Até já me ofereceram uma casa para eu ir para lá viver. Todos os dias tenho alguém a pedir-me amizade no FB dizendo-se filho de A, neto de B, etc. De Empada nem tanto porque a tabanca ficava ao lado do quartel e o convívio era menor, mas quando lá estive em 2005, 2011 e 2013 fui reconhecido, bem recebido e mimado.

Quando entrei no barco - O Niassa - para regressar a casa, lembro-me de ter dito cá para mim: "Adeus Guiné para sempre, jamais cá voltarei"... E, passados uns anos, a saudade daquela gente, a beleza daquela terra, começou a atormentar-me. Agora é a minha segunda Pátria.

Ainda há dias, filha do Chefe de tabanca de Mampatá, e creio que à data Régulo do Forreá, esposa do atual Régulo de Contabane, ao chegar a Lisboa, me telefonou para saber com estou e a minha "senhora" e para nos encontrarmos em breve.

Zé Teixeira
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quinta-feira, 14 de julho de 2022

Guiné 61/74 - P23430: Estórias do Zé Teixeira (53): Amores em tempo de guerra: II - Correspondência desviada (José Teixeira, ex-1.º Cabo Aux Enfermeiro da CCAÇ 2381)

1. Mensagem do nosso camarada José Teixeira (ex-1.º Cabo Aux Enfermeiro da CCAÇ 2381, Buba, Quebo, Mampatá e Empada, 1968/70) com data de 11 de Julho de 2022, trazendo-nos a segunda estória para a subsérie de Amores em tempo de guerra.

Amores em tempo de guerra

II - Correspondência desviada

Depois da passagem de rotina pelos postos de sentinela, o alferes recolheu aos seus aposentos e adormeceu rapidamente. Acordou-o um ruído de vozes, onde sobressaía a fala do Joaquim Santos, o “perna-marota” onde se fundia a língua portuguesa com o crioulo. Vestiu uns calções e seguiu ao encontro dos desordeiros. O tempo de regresso à Metrópole aproximava-se, provocando nos seus homens uma certa inquietação e alguma euforia, que era preciso conter, sobretudo, era preciso evitar ruído noturno, e mais redobrada atenção quanto aos comportamentos.

O tempo de Guiné já ia longe demais, as vicissitudes da guerra impunham as suas marcas, era preciso calma, atenção e respeito pelo caminho que cada um dos seus homens estava a fazer. Para si, como comandante daquele grupo, o sonho era fazê-los regressar a casa, na Metrópole. O Cais da Rocha em Lisboa, de onde partiram, era a meta de chegada, onde todos deviam apresentar-se, pelo menos os que restavam: três já tinham partido, sendo que um fora num doloroso sobretudo de pinho, e os outros feridos em combate.

Imbuído deste espírito, o Alferes José Barbosa dirigiu-se ao abrigo de onde provinha o ruído. Três soldados brancos e um africano, discutiam. Cansados de acordar nas noites anteriores com o ruído que o Joaquim Santos produzia e os palavrões que lhe saltavam pela boca fora, quando acabava a sua hora de sentinela, os camaradas rodearam-no para uma chamada de atenção e ele reagiu de forma incorreta, como era seu costume.
- Joaquim chegue aqui! E vocês vão deitar-se. Acabou a festa!

Ao deparar com o Joaquim de G3 na mão, um pouco alcoolizado, o que não era seu hábito, e bradando palavras inconsistentes, logo pensou em admoestá-lo e redigir uma participação ao comandante da Companhia. Avaliando melhor a situação, filou-o por um braço e conduziu-o à porta da sua habitação. Sentaram-se, silenciosamente, num monte de cascalho, e a G3 entrou em descanso na mão do alferes. O pobre do soldado começou a chorar.

O Joaquim Santos, a quem fora dado pelos camaradas da recruta a alcunha “perna marota”, porque sofria de um pequeno tique na perna direita, era uma pessoa irritante, pela forma provocadora como reagia aos seus superiores e na relação com os camaradas. Até a voz, grossa e rouca, incomodava e ele sabia-o, pelo que abusava da fama para tirar proveito. Aparentemente não tinha grandes amigos e o alferes acompanhava-o de perto, para evitar sarilhos.
- Ah agora chora?! Mas há minutos despertou toda a gente do abrigo, e não foi a primeira vez. São seus colegas, devem merecer-lhe respeito. Disse-lhe o alferes, zangado. Que se passa Joaquim? Parece que está interessado em levar com uma participação ao comandante e apanhar mais meio ano de comissão!
- Se o meu alferes soubesse...
- Quero saber, antes de pensar no castigo que lhe vou dar!? Fale!

O silêncio que se seguiu entrecortado por soluços disse ao alferes, que algo de grave se passava, pelo que esperou pacientemente.
- O meu alferes sabe que sou casado e tenho uma filha. Tinha dois meses quando abalamos para a Guiné. Não sente a dor que me persegue... não pode sentir... amo a minha mulher... adoro a minha filha que mal conheço...
- Talvez, mas também tenho outras dores, que você não sente. Essa é a sua dor, mas todos nós, que aqui estamos, sofremos. A saudade mata, bem sabe... e cada um tem os seus dilemas. Temos de saber gerir os problemas com senso e você... se pensa que essa dor lhe dá o direito de incomodar os seus camaradas estás enganado!
- Não, meu alferes. Peço desculpa... estou confuso... não sei o que hei de fazer...
- Desembuche homem!
- Todas as semanas escrevo à minha mulher, e ela me escreve. Desde há dois meses queixa-se que não recebe a minha correspondência, e eu sempre lhe escrevi. Juro! Acusa-me de abandono, e até insinua que a troquei por uma madrinha de guerra. Não sei que fazer... eu amo-a e não quero perdê-la nem à minha filhinha! Alguém me desvia a correspondência, mas quem? Quem está interessado em arruinar o meu casamento? Ou será ela que me está a fintar?

O problema era grave. Não havia palavras que atenuassem a dor do Joaquim, pensou o alferes, optando por alimentar o diálogo. Talvez conseguisse que o Joaquim encontrasse a solução. Mais ninguém o conseguiria.
- Diga-me uma coisa. A sua família mora por perto?
- Sim. E aí é que está o problema. A minha mãe, que vive a cerca de dois quilómetros, escreve-me maravilhas da Ana Maria e da Anita. Passa lá por casa todos os dias com a menina. Almoça aos sábados e dispõe a tarde para ela, e a menina conviverem com os meus pais. O meu tio, que nos cedeu uma casinha junto à sua, para ela lá viver, para economizar uns cobres, acusa-a de ser depravada, porque nunca está em casa e que deve ter-me trocado por outro.
- E você em que acredita? Na sua mãe? Ou no seu tio...
- Eu quero acreditar na minha mãe, mas... ela está trolaró desde que o meu irmão morreu na guerra, em Angola. O meu tio... ela vive lá... e ele vê tudo.
- O seu irmão morreu em combate?
- Sim. Era condutor e pisou uma mina anticarro. O meu alferes sabe que essas não perdoam...
- Sim... Lamento... disse o alferes, comovido.

O alferes pensou: tenho de arranjar maneira de despachar este homem para casa, talvez a lei o permita, dado que o irmão morreu em combate, mas agora devo ajudá-lo a resolver o problema.
- Tem de encontrar formas de fazer chegar os seus aerogramas à sua mulher. Nunca se lembrou em enviá-los para a morada da sua mãe?
- Pois! E a minha mãe ficava a saber os nossos segredos. Nunca!
- Já pensou em ir de férias? Assim descobria o segredo da correspondência desviada... via a menina e aclarava a vossa relação afetiva. Merece ser feliz.
- Meu alferes o senhor sabe que na tropa ganhamos muito pouco. Dá para a cerveja e pouco mais.
- Porra! Tem ou não dinheiro para comprar a passagem? O que está primeiro, o dinheiro ou a sua felicidade e a da sua esposa? Amanhã vamos falar com o sargento e vai de férias. É uma ordem.
- Se o meu alferes assim entende! Ai que bom será, ver a minha menina!
- E a sua mulher. Ela merece confiança. Por favor, acredite na sua mãe. Amanhã vai escrever-lhe uma carta. Eu forneço-lhe o papel e o envelope. Mete dentro um aerograma para a Ana Maria e pede à tua mãe para lho entregar. Até ir de férias é assim que vai fazer e o seu problema fica resolvido. Pode crer.

E aqueles dois homens calejados por uma guerra ingrata, perderam-se na conversa, e encerraram este encontro, já o sol despontava, abraçados um no outro.

José Teixeira

(Continua)
Abril de 2008 > José Teixeira em Canamine
Abril de 2008 > Recepção em Guileje
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Nota do editor

Último poste da série de 14 DE JUNHO DE 2022 > Guiné 61/74 - P23351: Estórias do Zé Teixeira (52): Amores em tempo de guerra: I - Um dia de festa em tempo de guerra (José Teixeira, ex-1.º Cabo Aux Enfermeiro da CCAÇ 2381)

terça-feira, 14 de junho de 2022

Guiné 61/74 - P23351: Estórias do Zé Teixeira (52): Amores em tempo de guerra: I - Um dia de festa em tempo de guerra (José Teixeira, ex-1.º Cabo Aux Enfermeiro da CCAÇ 2381)

O José Teixeira em Ingoré, em 2015, rodeado de crianças

1. Mensagem do nosso camarada José Teixeira (ex-1.º Cabo Aux Enfermeiro da CCAÇ 2381, Buba, Quebo, Mampatá e Empada, 1968/70) com data de 12 de Junho de 2022, trazendo-nos uma estória de amor, em tempo de guerra, como não podia deixar de ser. Quem não conheceu uma bela Binta na Guiné? A minha lavadeira chamava-se Binta e era bem bonita.


Amores em tempo de guerra

I - Um dia de festa em tempo de guerra

Não havia luar naquela noite. A obscuridade formigava de estrelas tão vivas que se tornavam ofuscantes aos olhos da Binta. Deitada na margem do regato avivado pela água das fortes chuvadas, ali mesmo ao lado do arame farpado que rodeava a tabanca, Binta deixara-se embalar em pensativo sonho, naquele local onde o mensageiro do Braima a ia visitar, em silêncio, longe a longe, fora das vistas de sentinelas, para lhe trazer novas do seu amado.

“Há quanto tempo lhes resisto... fui lavadeira de alferes, furriéis e até soldados que passaram por aqui. De uns gostei mais, mas nenhum me prendeu o coração. Quantas vezes tive de lhes dizer não!... quantas vezes tive de controlar as suas investidas maliciosas... O facto de ser filha do sargento da milícia e estar noiva do Braima, filho do Mamadu, tem sido a minha arma, que os obriga a respeitar-me. Se eles sonhassem onde anda o Braima, o que ele faz na mata... onde estaria eu?... Obrigada, minha mãe por me ensinares esta mentira, tu, que nunca na vida mentiste e me ensinaste que a mentira é usada pelos homens de cabeça grande, os que se perdem na bebida… na soberba ou na ganância…

...O alferes José Barbosa é diferente... Há dias pegou-me na mão, olhou-me nos olhos e eu pude ver bem dentro dele. Tem uns olhos transparentes, com um pouco de azul-celeste no contorno. Uns olhos destes não mentem, a mentira provocaria uma sombra, estou certa... E ele disse-me: “se o teu Deus é assim tão poderoso que pode criar uma mulher tão bela como tu, ficarei feliz por me submeter à sua lei para o resto da minha vida. Direi contigo: Allah é grande e não há outro Deus senão Ele. Casa comigo, eu dou ao teu pai tudo quanto ele me pedir, casa comigo”, insistiu... insistiu e eu fugi dos seus braços...

...Barbosa... eu amo Braima e esperarei por ele. Já recusei e continuarei a recusar entregar o meu corpo... O meu pai correu com pretendentes velhos e novos. Apesar de não ter recebido o quinhão prometido pelo pai do Braima, naquela noite. Para ele só há uma palavra, a dele. Respeito-o como pai, respeito-o como homem e amo o Braima... cabe-me guardar para ele o maior prazer.
- Mas onde está esse Braima que ninguém vê por aqui? Perguntou-me com ar inquiridor.
- Tive de lhe responder com a mentira que a minha mãe me ensinou.

Onde estará ele a esta hora?... talvez a dormir dentro de uma barraca... ou sobre o chão quente... ou a atacar um quartel... Olossato ou lá o que é, nem sei onde fica...
- Não! Está deitado a contemplar as estrelas, a pensar em mim... será possível que um homem e uma mulher, separados por esta luta violenta, esta guerra maldita; por rios e florestas cerradas; quilómetros de picadas cheias de perigos, possam enlaçar os seus olhos e pensamentos através das estrelas e viver o seu amor?... Braima do meu coração foge da guerra que nos mata... vem meu amor...
Quero-te a meu lado, quero ler o nosso futuro nos teus olhos, amar, ter filhos... maldita luta que me afastaste do meu amor!”

E Binta deixou-se adormecer como tantas vezes, sonhando com o seu amado. Acordaram-na os passos do cabo de ronda na sua tarefa noturna de manter as sentinelas em alerta.

José Teixeira

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Nota do editor

Último poste da série de 11 DE JUNHO DE 2022 > Guiné 61/74 - P23342: Estórias do Zé Teixeira (51): Há festa na Tabanca (José Teixeira, ex-1.º Cabo Aux Enfermeiro da CCAÇ 2381)

sábado, 11 de junho de 2022

Guiné 61/74 - P23342: Estórias do Zé Teixeira (51): Há festa na Tabanca (José Teixeira, ex-1.º Cabo Aux Enfermeiro da CCAÇ 2381)

Xitole, 2013 > Festa de casamento para a qual o José Teixeira fora convidado
Foto: © José Teixeira

1. Mensagem do nosso camarada José Teixeira (ex-1.º Cabo Aux Enfermeiro da CCAÇ 2381, Buba, QueboMampatá e Empada, 1968/70) com data de 10 de Junho de 2022, trazendo-nos mais uma das suas belíssimas estórias:


Há festa na Tabanca

Naquele princípio de noite de quinta-feira, o alferes notou que algo de anormal estava a ocorrer na tabanca. Do Iero, apenas recebera um alegre sorriso, quando o interpelou sobre o que estava acontecendo com a população. As mulheres andavam num algaraviado rodopio, as bajudas passaram a tarde no “cabeleireiro” apresentando-se com belos e inabituais penteados, os homens, como de costume, tagarelavam animadamente debaixo ao majestático poilão, que o alferes já fora tentado a abater, pois considerava que era um excelente ponto de mira para o inimigo e se ainda não o destruíra foi pelo respeito que lhe merecia aquela simpática gente. A sua frondosa sombra era a sala de honra onde os homens grandes se reuniam e tomavam as decisões importantes para a vida comunitária local, o salão de festas comunitário, a escolinha onde as crianças, sentadas no chão, ouviam o mestre, na sua aprendizagem corânica.

Ao apreciar esta azáfama deixou-se invadir por um sentimento de felicidade. A sua tabanca estava viva e ativa. Adorava aquela gente, o seu calor humano, os sorrisos que recebia e lhe preenchiam a alma. Havia um inimigo por perto que a todo o momento podia surgir e quebrar aquela harmonia, pelo que se decidiu a visitar, ao cair do sol, todos os abrigos e postos de sentinela e recomendar aos seus homens uma especial atenção para a noite que se aproximava. Como era seu hábito, ficava uns minutos largos numa silenciosa cavaqueira com cada militar em serviço de vigia e proteção, pelo que recolheu ao seu leito, um pouca tardiamente, depois de se refrescar à moda fula, com umas latadas de água colhida no bidon que tinha à porta da casa.

Sexta-feira, manhã cedo, foi acordado por uma voz feminina que o chamava docemente. Aferes! Alferes, vem, quero falar contigo!
Não reconheceu a voz de quem o estava a chamar. Olhou para o relógio, eram sete horas. Voltou-se para o outro lado e deixou-se ficar decumbente a saborear a manhã que se avizinhava bem cálida. Mas a voz insistiu; alferes! alferes, vem falar comigo! Sou a Djubae, a mãe do Adulai, o teu menino.

Levantou-se célere, enfaixou-se na toalha de banho e abriu a porta. Habitava uma casa típica local que lhe fora cedida pelo Iero. As paredes em cana entrançada recobertas de barro vermelho, encaixavam-se num chão térreo cobertas de palha de capim, que ladeava a casa até a um metro do chão providenciando ao espaço interior uma agradável frescura. Inclinou-se para passar a umbreira da porta e deparou com a Djubae toda aperaltada, com bonito vestido que lhe realçava a juventude e a beleza, com um lenço de seda pura na cabeça. Impulsivamente deixou-se espreguiçar enquanto o pensamento lhe devolvia o que tinha apreciado na tarde anterior e pensou: a festa vai continuar… que se passará com esta gente, meu Deus!?

- Alferes, o Adulai vem convidar-te para a sua festa!
- Que festa? Questionou, esfregando os olhos ensonados a precisar de uma chapada de água fresca para acordar.
- Hoje, a tabanca tem festa grande. Allah, louvada seja Ele, deu o dom da vida ao meu menino. Vem visitar-nos o grande Cherno Rachid para fazer oração a Allah o misericordioso, louvado seja Ele. Queremos que venhas à festa do Adulai, disse, num ato repentino como que a despejar um recado que lhe avassalava o coração e se atrofiava na garganta.
- Hum! Mas… O Cherno Rachid vem cá e vocês não me informaram para eu criar condições de segurança. Vou ter uma conversinha com o Iero!
- Tem calma alferes, o Aldje Cherno Rachid pode viajar por toda a Guiné sem risco de vida. É muito respeitado, até pelos bandidos que estão no mato. É um escolhido de Allah e só Allah é Deus protetor e misericordioso, disse calmamente, enquanto pegava na mão do alferes e a encostava ao seu coração.
- Djubae! Djubae! Faltavas tu para prenderes ainda mais o meu coração a esta terra maravilhosa, a esta gente de coração puro, que não merece a pouca sorte a que está votada. Maldita seja a puta da guerra! Vociferou aturdido pelo mavioso convite que acabara de receber. Uma lágrima libertou-se do seu coração e escorregou-lhe pela face duramente queimada pelo agreste sol africano. Lágrima que a Djubae recolheu religiosamente na manga do seu vestido domingueiro.
- Vai, disse meigamente o alferes, beijando ternamente a mão da Djubae. Eu não demoro. Quero alimentar-me do vosso júbilo, da vossa enorme vontade de viver. Vai, minha querida!

…E chegou a hora da festa, chamemos-lhe de batizado, para melhor compreendermos o grande significado que tem para este povo, a entrada na comunidade de uma nova vida.
Xitole, 2013 > Festa de casamento
Foto © José Teixeira

Em tempo de guerra não é aconselhável usar o “bombolom” ou os “tam tam” para fazer o aviso e lançar o convite para a festa. Todavia, a tabanca enchera-se de caras que o alferes Barbosa não se lembrava de ter visto por ali. Os homens da terra e das tabancas vizinhas, vestidos de longa batina branca, com a cabeça coberta, solenemente sentados à sombra do poilão aguardavam a chegada do idolatrado Cherno Rachid, emblemático líder religioso a quem toda a Guiné muçulmana independentemente da opção político-militar, se curvava em respeito pelos seus profundos conhecimentos corânicos e pela sua forma de ser e estar no quotidiano da vida. Esta forma de viver tornara-o no homem de Deus mais respeitado em toda a Guiné e até países limítrofes, a quem o governador da província se inclinava com respeito e ousava consultar sobre os grandes problemas. Pelas mesmas razões era respeitado pelo bureau político da PAIGC e considerado intocável, pelo que se movia em paz pelas meandrosas picadas da Guiné, sem correr riscos de vida.

As mulheres grandes, aformoseadas nos seus trajes típicos, linguarejavam ruidosamente, sempre com o olho fixo na picada de onde surgiria o homem de Deus, enquanto a juventude se divertia a seu modo aguardando o momento mais solene.

O alferes José Barbosa sentado em lugar de honra no meio dos homens, ao lado do felizardo pai do Adulai, ouvia as conversas em linguagem crioula sobre o passado, o presente e o futuro da Guiné, tentando, nos seus parcos conhecimentos linguísticos locais, compreender de que falavam. O sentimento que tivera de se sentir a mais naquele meio desvanecera-se rapidamente. Sentia-se envolvido por um ambiente de bem-estar. Era como se fosse um filho da terra. Um estranho filho da terra.

Ao verem ao longe, no carreiro, a onda branca com o séquito do clérigo, gerou-se um alvoroço espontâneo:
- Dois jovens, engalanados com os mais belos trajes e pinturas guerreiras pelo corpo, munidos de estridentes assobios e braceletes musicais, agarraram os seus tambores, o djembé e o bougarabou, e prepararam-se para iniciar a festa.
- Quatro bajudas entre elas a Binta, aproximaram-se dos pilões e tomaram nos macetes, colocando-se em posição de começar a ação de pilar do arroz.
- O artista convidado afinava o Kora, um instrumento musical feito de madeira ou bambu com ranhuras transversais e uma caixa de ressonância obtida de uma cabaça partida ao meio. Instrumento de origem mandinga que gera uma musicalidade divinal, o que vai dar mais vida à festa do Adulai.
- O recém-nascido vestido apenas com o fato que a natureza divina lhe dera, é colocado no colo do avô, que tira do bolso uma farpa acastanhada de vidro, arrancada, talvez, de uma inútil garrafa de cerveja.
- O açougueiro segura, pelo pescoço, o carneiro que vai ser sacrificado em honra do glorioso, o senhor supremo do Universo, louvado seja Ele. Uma naifa afiada na mão espera pacientemente.
- A mulherada faz então uma longa roda que envolve todo este ambiente, fechado num silêncio espontâneo e expectante. Convidativo à meditação sobre o valor de uma vida. Uma vida humana que nasceu para ser feliz. Merece ser feliz.

O Califa, depois de ser cumprimentado religiosamente pelos presentes, entra no recinto, abre os braços aos céus e começa a orar.
Momento mágico para os olhos e coração do alferes que vê soltarem-se as mãos das bajudas, dos tocadores de batuque, das mulheres, de toda a gente, até do velho avô que começa a rapar com o vidro da gasta garrafa de cerveja, o cabelo negro do bebé Adulai, enquanto o carneiro dá o seu último mééé!

O início da festa que irrompe ritmadamente ao som do bater do pilão, dos toques e assobios dos tamborileiros, acompanhados por dezenas de mãos a baterem palmas, com os corpos a gingarem num frenesim e as vozes num harmonioso coro de louvor a Allah, o Criador. Não faltou o acender da fogueira com a panela devidamente colocada pelas ágeis mãos das cozinheiras de serviço. Tudo num simultâneo festejar da vida do Adulai.

A sonoridade do macete a bater no pilão, alimentado pela cantilena mais linda, que o alferes jamais ouvira, ritmada pelo bater de palmas das suas jovens manobradoras numa cadência alucinante, com os seios, o mais belo símbolo da sua feminilidade, a acompanharem o bailado, revolvendo-se majestaticamente nos seus bronzeados corpos a pingar longas gotas de suor. Um espetáculo divinal, a que aqueles sons arrancados vigorosamente do fundo dos tambores, alimentados pela musicalidade do kora, com o seu toque especial, davam vida e cuja mensagem não conseguia interpretar. Tudo isto transporta o alferes Barbosa ao seu Portugal, à sua terra, entre o Douro e o Minho das desfolhadas, dos bailaricos animados pela viola e pela concertina, das cantigas ao desafio, deixando-o por momentos perdido na saudade que o devorava.

Procurou o olhar da Binta, mas não o encontrou. Queria suavizar a dor que lhe ia na alma, lado a lado com a alegria de estar ali, a viver com o seu povo (assim o considerava) uma festa tão linda. Precisava de esquecer, nem que fosse por momentos, a sua aldeia natal, nos braços da mulher africana que lhe prendera o coração.
A Binta, sentia-se aturdida. Faltava-lhe o seu Braima, que tantas vezes animara festas como esta. “Agredia” o pilão com a raiva desmedida, enfiada dentro dela, cantando sem nexo. O seu coração bailava longe dali. Como ela adorava tê-lo por perto, para lhe transmitir num olhar sereno todo o afeto que lhe enchia a alma. Talvez não estivesse distante assim, pensou, tentando consolar-se. As boas notícias voam rapidamente… perdeu-se no ritmo da festa e continuou a cantarolar, olhando de través para o alferes de quem gostava, mas não se prendia de amores. A vida continuava, mesmo com seu o Braima escondido na mata, não a podia perder.

E assim se passou a manhã, enquanto as mulheres e bajudas davam o seu passo de dança típica e se libertavam dos maus irãs, os homens alinhavam em conversas soltas, até que chegou a hora do almoço. Homens a um lado, mulheres a outro, algumas com as suas crianças. Grandes bacias cheias de arroz e pedaços de cabrito envolvidos em saboroso molho de chabéu, são espalhadas no recinto. Aninhados no chão, depois de lavarem as mãos, os convidados banqueteiam-se calmamente conversando de tudo e nada, porque o importante é viver o momento.

Para o alferes reservaram uma pequena bacia de arroz, com a melhor tranche de cabrito e uma colher, que o Barbosa recusou preferindo aninhar-se junto do Iero e partilhar do almoço comum, para alegria dos presentes que o acolheram com um rasgado sorriso de contentamento.

A tarde foi serena. Alguma música e muita conversa. Os visitantes aproveitaram para, em convívio, trocarem ideias, recordarem velhos tempos, projetarem o futuro.
E foram partindo discretamente ante que o sol se escondesse para além da mata.
E chegou a noite. Voltou o silêncio. Voltaram os medos.

O Alferes foi ter com os seus homens. Em cada posto de sentinela uns olhos vigilantes espreitavam o futuro.
Sábado seria um novo dia.

José Teixeira

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Nota do editor

Último poste da série de 7 DE AGOSTO DE 2021 > Guiné 61/74 - P22441: Estórias do Zé Teixeira (50): Amores em tempo de guerra - O sonho da Luisinha (José Teixeira, ex-1.º Cabo Auxiliar Enfermeiro da CCAÇ 2381)

sábado, 7 de maio de 2022

Guiné 61/74 - P23240: Efemérides (368): Foi imposta a Medalha Comemorativa das Campanhas (Guiné, 1968-70) ao Maioral António Maria Úrsula, que apesar de sofrer de grave doença, se deslocou a Santa Margarida para com orgulho e alegria a receber (José Teixeira, ex-1.º Cabo Aux Enfermeiro)

1. Mensagem de 6 de Maio de 2022 do nosso camarada José Teixeira (ex-1.º Cabo Aux Enfermeiro da CCAÇ 2381, Buba, QueboMampatá e Empada, 1968/70) com a notícia da imposição da Medalha Comemorativa das Campanhas (Guiné, 1968-70) ao seu companheiro Maioral, António Maria Úrsula, entregue em Santa Margarida, onde se deslocou para a receber apesar da doença grave que o atormenta:

Meus caros editores
Envio um texto sobre um camarada que se encontra há vários anos imobilizado numa cama pela ELA e ficou muito feliz por ainda chegar o tempo de poder receber a medalha a que tinha direito.

Fraternal abraço
Zé teixeira



MEDALHA COMEMORATIVA DAS CAMPANHAS - GUINÉ, 1968-70

O orgulho de um Combatente

O António Maria Úrsula, mas conhecido pelo Chamusca sofre há muito da ELA – Esclerose lateral amiotrófica, que o tem vindo a desgastar, estando há vários anos prostrado na cama, praticamente imobilizado.

O bom gigante do 1.º Grupo de Combate da CCaç 2381, o homem da MG. Homem simples e comunicativo, amigo do seu amigo, sempre alegre e bem disposto, está muito doente, mas teima em viver. Apoia-se na mulher que escolheu para esposa. Frágil, muito frágil, mas resistente. Resiliente e com um amor sem limites, quer o seu António em casa. Quer ser ela a cuidar dele. Entrega-se totalmente para que o seu António resista à doença que o devora lentamente. Durante vinte e quatro horas ao lado do António, para lhe fazer a higiene total, o alimentar, o ouvir a gemer de dor e desespero. Uma lição de amor que deve ser cantada aos quatro ventos. Enquanto o António pôde, (os braços foram os últimos a ceder) ajudava-o a sentar-se na cadeira e levava-o todos os dias ao café para estar com os amigos. Depois aproveitava a presença dos filhos para a ajudar a colocá-lo na cadeira para que pudesse ir ter com os amigos.

Durante vários anos, o Chamusca apareceu nos convívios anuais da Companhia, na cadeira de rodas, sempre acompanhado pela esposa e por um dos filhos. O convívio era para ele um ponto de encontro anual que não dispensava. Bem disposto, com a sua piada na ponta da língua, preso na sua companheira sob a vigilância atenta da esposa, adorava estar com os camaradas.

Convívio dos Maiorais de 2012
No Convívio dos Maiorais de 2016 já o Úrsula compareceu numa cadeira de rodas

Um ano descobriu que já não podia ir ao convívio. O corpo não obedecia para entrar dentro do automóvel. Ficou triste e nós, os Maiorais, sentimos a sua falta.

Por último, o António, o bom gigante, o meu amigo como todos os Maiorais, já não sai da cama há uns anos, não consegue movimentar o corpo, quase não se percebe a sua fala, mas teima em viver e não está sozinho. A extremamente dedicada esposa sempre a seu lado e os filhos por perto dão-lhe o alento necessário.

Há uns cinco, seis anos, o capitão levou impressos para solicitar a "Medalha Comemorativa das Campanhas - Guiné, 1968/1970", que nos foi atribuída no fim da Comissão, mas que não nos foi entregue na devida altura. Alguns dos camaradas presentes subscreveram o impresso e ainda hoje aguardam a medalha. O António sonhava com a medalha, queria receber a medalha, um direito. Sempre que nos encontrávamos ou falávamos, perguntava pela medalha. Até doía ouvi-lo, por ver o tempo a passar e a medalha do António sem chegar ao seu destino e sobretudo por sentir que ele não tinha condições para a ir receber a um quartel qualquer.

Há dias recebi um telefonema da esposa para saber da nossa saúde e dar notícias do António, como vem sendo hábito partilhado e para me dar a notícia que o António recebeu uma convocatória para ir ao Quartel de Santa Margarida receber a medalha e ficou muito feliz.

Os filhos organizaram a viagem, ajudaram-no a levantar-se e levaram o António ao quartel para receber a medalha a que tinha direito. Que alegria! Que orgulho de medalha ao peito! Um momento de felicidade.

Depois regressou ao seu cantinho e continua pacientemente a resistir, tendo como companhia a mulher e os filhos.

Obrigado, António, pelas lições de vida que me tens dado. Um agradecimento especial à tua esposa e aos teus filhos pela humanidade com que te tratam.

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Nota do editor

Último poste da série de 6 DE MAIO DE 2022 > Guiné 61/74 - P23237: Efemérides (367): Faz hoje precisamente 55 anos que um estrangeiro, o ten-cor H. Meyer, adjunto do Adido Militar Americano em Lisboa, participava, com as NT (CART 1525, Bissorã, 1966/67) na Op Beluário... Não sabemos em que circunstâncias nem a que título (Virgínio Briote)

quinta-feira, 31 de março de 2022

Guiné 61/74 - P23129: Cartas de amor e paz em tempo de guerra (José Teixeira, ex-1.º Cabo Aux Enf da CCAÇ 2381) (2): Carta à Luizinha

Empada - José Teixeira escrevendo

Em mensagem do dia 30 de Março de 2022, o nosso camarada José Teixeira (ex-1.º Cabo Aux Enfermeiro da CCAÇ 2381, Buba, Quebo, Mampatá e Empada, 1968/70), enviou-nos esta Carta à Luizinha para a série Cartas de amor e paz em tempo de guerra:


Cartas de amor e paz em tempo de guerra (2)


3 - Carta à Luizinha

Chamarra, 6 de fevereiro de 1969

Minha querida Luisinha

A noite de ontem foi vivida no seio da mata. Chegou-nos uma informação de que íamos ser atacados, pelo que decidi partir a meio da tarde com parte dos meus homens, e internar-me na floresta, perto do local de onde costumamos ser atingidos. De vez em quando aparecem ao cair da noite, e raras vezes, de manhã cedinho. Prevenir é sempre o melhor remédio… lá fomos nós dormir ao relento, o que por estas bandas até se torna agradável se não houver mosquitos a apoquentar-nos.

Deitado na terra húmida deixei-me envolver pela noite estrelada e um sentimento de autoconfiança veio substituir a confusão e o medo que antes sentia ao caminhar por entre lianas entrelaçadas pendentes de altas árvores com copas gigantescas talvez centenárias. O negro da noite estendeu-se sobre a terra como um abismo insondável, envolvendo-me. Quanto mais profundas são as trevas mais sombria se torna a minha vida e a minha alma. Porém, a escuridão da noite estrelada, sem a luz da lua por perto, assemelhava-se a um tecido negro e transparente onde miríades de pequeninas luzinhas bailavam no cosmos. O negro da noite ganhou vida e me convidou a retornar ao presente. Por vezes, o céu cobria-se de nuvens e o mundo ficava envolvido num negro tão negro que os nossos olhos como que cegavam. Nessas ocasiões vemos com os olhos da alma que nos convida a sermos persistentes e a mantermo-nos ainda mais atentos ao que nos rodeia.

Na alta madrugada, tempo em que o perigo tinha passado, deixei-me passar por um leve sono.

O dia preparava-se para sair do ventre da noite quando acordei. No cosmos, os astros já tinham perdido o seu inebriante brilho. As estrelas perdiam os seus raios de luz e ganhavam uma cor prateada que o sol nascente, a pouco e pouco fez desaparecer. Apenas uma a mais brilhante atraiu a minha atenção. Um fino raio da sua luz penetrou através dos olhos do meu coração. Deixei-me embalar por esta estrela que me ousara fitar de tão longe, rompendo a densa ramagem da floresta. A lesta imaginação, de uma mente perdida de saudade, leva-me, num ápice, até à minha terra, até junto de ti. Talvez tu, meu amor, te tivesses levantado cedo, como é teu costume, para te dedicares aos livros, e ao veres a estrela da manhã te lembrasses de mim e me encomendasses nas tuas orações a Nossa Senhora.

O sol renascido vertia mil raios de luz e calor, sobre a verdura da copa das árvores que nos protegiam, enquanto a límpida e fresca água do rio murmurava suavemente, espreguiçando-se nas margens do tarrafe em tempo de maré vazante, onde milhares de coloridos caranguejos se passeiam lentamente em busca do pequeno-almoço, tornando as margens num tapete natural de inimaginável beleza. Uma brisa leve e suave bateu-me na face amenizando o extremo calor matinal que o sol teima em projetar. Assim, mal dormidos e mal acordados levantamos a emboscada e seguimos alegres e confiantes o caminho de regresso a casa.

A receber-me, com um monte de roupa lavada e passada a ferro com todo o esmero, estava a minha lavadeira, a Binta. Os seus olhos escuros e penetrantes refletem tranquilidade. A paz em tempo de guerra. Os seus lábios parecem talhados em pedra púrpura, tão precisos são os seus contornos, assim como a fina linha dos seus grandes olhos, debaixo de umas sobrancelhas naturais e bem delineadas, pregadas numa face de tal forma bem desenhada pelo artificie divino que a tornam na mais bela mulher africana que conheci até hoje. As maçãs do seu rosto, de um preto rosado vivo e macio, dão-lhe um toque especial, que aliado ao seu aberto e transparente sorriso a tornam divinal.

Não tenhas ciúmes, minha querida Luisinha. A Binta vai casar brevemente com o Braima, filho do chefe de uma tabanca, não muito longe daqui, que está sob a minha proteção, com quem gosto de jogar às cartas enquanto conversamos sobre o mundo que nos rodeia. O mundo aqui, é muito pequeno, está fechado dentro de duas fiadas de arame farpado. Não fora a guerra que nos atormenta e estaríamos no paraíso, onde toda a gente se conhece e se dá bem, partilha alegrias e tristezas e o pão vai chegando para matar a fome.

Fico-me por aqui, contigo no coração. Sinto tanta necessidade dos teus abraços, do teu sorriso, de te poder dizer olhos nos olhos – amo-te.

E para que não fiques preocupada, os “nossos amigos” devem ter mudado de ideias ou passaram ao largo sem nos incomodar.

Um terno beijinho do teu
Zeca.
Algures no Sul da Guiné

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Nota do editor

Poste anterior de 4 DE JULHO DE 2017 > Guiné 61/74 - P17544: Cartas de amor e paz em tempo de guerra (José Teixeira, ex-1.º Cabo Aux Enf da CCAÇ 2381) (1): Navio Niassa, 5 de Maio e Bissau/navio Niassa, 7 de Maio de 1968