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quarta-feira, 17 de novembro de 2021

Guiné 61/74 - P22725: Historiografia da presença portuguesa em África (290): Entre os primeiros contributos para o conhecimento da Guiné: André Alvares de Almada e André de Faro (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 18 de Janeiro de 2021:

Queridos amigos,
Ao folhear os cartapácios referentes à 2.ª Conferência Internacional dos Africanistas Ocidentais, achei curiosas estas notas de Luís Silveira a quem a cultura portuguesa deve a "ressurreição" de dois textos capitais da Literatura de Viagens dos séculos XVI e XVII. Se é facto que as crónicas acabavam por assumir a função de declaração de propriedade dadas pelas expedições náuticas, mostrando a evolução dos percursos, dos encontros e das potencialidades comerciais, as viagens por terra traziam um outro olhar onde se intercalavam o fervor missionário com as revelações do que era procurado por quem estava e por quem chegava. E com vertentes distintas, Almada é inultrapassável e André de Faro é um repórter ingénuo e deslumbrado, mas a ambos podemos dar a conotação de que se pautaram pelo chamado conhecimento pré-científico, podem continuar a ser estudados porque neles não há um manto diáfano da fantasia.

Um abraço do
Mário



Entre os primeiros contributos para o conhecimento da Guiné:
André Alvares de Almada e André de Faro


Mário Beja Santos

No volume referente à 2.ª Conferência Internacional dos Africanistas Ocidentais, que se realizou em Bissau em 1947, no 4.º volume encontrei um curioso texto assinado por Luís Silveira, a quem se deve a divulgação de dois documentos fundamentais da literatura de viagens, assinados por André Alvares de Almada e André Faro. Refere Silveira que as viagens marítimas dos portugueses foram empreendimentos oficiais ou integrados num plano oficial, o que obrigou os cronistas a dispensar-lhe especial cuidado, ao passo que as viagens por terra couberam em muitos casos à iniciativa particular ou devido a encargos oficiais tomados de forma personalizada, despojados do aparato e a grandeza que acompanhava as Armadas. Por isso demorou tanto a reconhecer a importância de algumas peças fundamentais da literatura de viagens, deambulações dos portugueses por terra, acontece que eles foram os primeiros portugueses conhecedores da região, animados pela observação, teimando em analisar o ambiente que iam conhecendo.

“É difícil determinar a cronologia e conhecer com exatidão a história do descobrimento pelos portugueses da África do Noroeste. Referências do Esmeraldo, de Duarte Pacheco Pereira, e de outras fontes, indicam ter havido expedições de que não possuímos notícia certa. Viagens como as de João Fernandes, Diogo Gomes, Diogo Cão, João Afonso d’Aveiro, Rodrigo Reinel e João Colaço não serão as que indicam o completo conhecimento do noroeste africano pelos portugueses, porquanto, além das razões citadas, os lançados cedo penetram arriscadamente pelos rios da Guiné sem que possamos seguir-lhes os passos. Os viajantes de que nos ficaram relatos vão encontrá-los em lugares muito distantes das feitorias e estabelecimentos, ocupados no comércio e chegando a tomar partido nas guerras dos negros, em existência tão aventurosa, irregular e agitada que não parece venha a ser, algum dia, possível traçar a carta que marque os caminhos e os extremos de suas peregrinações. André Alvares de Almada e André de Faro não são dois curiosos visitantes da Guiné, não representaram casos singulares, devem ser tomados como exemplos de uma acção conjunta de larga dimensão no tempo e no espaço”.

E traça-nos as respetivas biografias.
“André Alvares de Almada natural de Cabo-Verde, escreveu um Tratado Verde dos Rios da Guiné de Cabo Verde. António da Costa Vale, em 1733, deu à estampa uma edição infidelíssima do Tratado. Diogo Köpke editou no Porto o livrinho, em 1841, com base em cópia moderna de um manuscrito que estivera no Mosteiro de Tibães. Fiz eu próprio, em 1946, nova edição, com a vantagem de dispor do conhecimento de manuscritos que Köpke não pudera utilizar. Almada dá como redigido o seu livro em 1594. Declara explicitamente no prólogo: ‘Tratarei brevemente das armas, trajes e costumes dos negros, das suas guerras, dos seus risos e de tudo o mais que nas ditas partes há notável; e nos capítulos de cada Reino e Nação tratarei disto no melhor modo que ser possa, porque a minha tenção é tratar na verdade’. Como se vê pelo seu livro, o autor era bem mais homem do mato, todavia, do que perfeito escolar. André de Faro, capucho da Província da Piedade, viaja na Guiné em 1663-64, pregando e catequizando, e deixa de suas viagens uma Relação, manuscrita, que foi parar a um convento de Vila Viçosa e daí passou à Biblioteca de Évora, onde se encontra. Os cronistas franciscanos Manuel de Monforte, Francisco de Santiago e Manuel de Mealhada transcreveram passos dele; o mesmo fizeram modernamente Tomás Lino de Assunção e António Joaquim Dias. Editei o manuscrito integralmente, com comentário, em 1945. O objetivo de André de Faro é a catequese, como o de Alvares de Almada terá sido, porventura, o comércio mas ambos estão animados de espírito científico. Estes dois homens percorreram a Guiné com 60 a 70 anos de diferença no tempo”
.

Animou estes viajantes um incontestável objetivo prático. Visitaram as regiões que descrevem, servem-se de informações de homens práticos com quem falaram nas regiões. “O Noroeste africano era, no tempo de Almada, já percorrido pelos franceses e ingleses e continua a sê-lo no tempo de Frei André. Não conheço, todavia, livro francês ou inglês, anterior ao da época, com descrições ou estudos, feitos diretamente sobre as fontes, da terra e da gente da Guiné. É certo que precedemos os outros povos europeus no conhecimento destas regiões. Mas da segunda metade do século XVI ao fim do século XVII o domínio político da região pelos Portugueses enfraquecera a tal ponto que os nossos dois caminhantes encontram franceses e ingleses viajando livremente, comerciando em perfeito à vontade em quase toda a parte e chegando a ter feitorias permanentes que recebem grossas mercadorias de lançados portugueses”.

Em termos de organização dos seus trabalhos, foram distintos. Almada dividiu o seu trabalho em capítulos distribuídos por etnias. O critério seguido para o estudo de cada um dos grupos étnicos pode tipificar-se do modo seguinte: localização geográfica, delimitação da região, acidentes geográficos, povos vizinhos, produções e comércio geral, costumes, dados históricos. É um plano descritivo que vingou corretamente até à contemporaneidade. Frei André tem outra abordagem, privilegia a descrição das gentes, crenças, hábitos, costumes e tradições, posição perante o Cristianismo, produções da terra e da água, vai pontuando curiosidades.

Procuraram ambos descrever o que viram, em retratos vigorosos e rigorosos. Almada comete alguns exageros, antepondo a Guiné ao Brasil, mas inequivocamente pretendia fazer a defesa da Guiné, chamando a atenção do Rei Habsburgo para a necessidade de atrair emigrantes para aquela costa; Frei André comete ingenuidades, veja-se o pitoresco como ele descreve o elefante: “… o coiro do corpo é grosso, áspero, cheio de verrugas, tem o cabelo mui espalhado, e ruim, que parece pelado, a cor de cinza-escura que o fez parecer muito feio; a cabeça é grandíssima e as orelhas são compridas três palmos; os olhos são vivos, mas pequenos, o olhar sorrateiro como de porco; a boca façanhosa, e nela não tem mais que dois dentes…”.

Luís Silveira enfatiza no final da sua comunicação os documentos deixados por Almada e André dizendo que muitos dos seus contemporâneos não desdenharam, em idênticas circunstâncias, fantasiar ou acolher sem espírito crítico informações que hoje nos espantam. “Lembro, a este propósito, as descrições do italiano Torriani acerca das Canárias, em 1590, onde há, ao lado de informes fidedignos e do maior interesse, indicações monstruosas acerca da longevidade e estatura dos habitantes do arquipélago. Este período do século XVI e XVII está cheio de sombras, de crendices e de ausência de espírito científico até nos melhores nomes da Ciência e da Filosofia. Pretendi com esta nota acentuar que os Portugueses foram descobridores do Litoral da Guiné e também foram os primeiros que percorreram a terra, estudando-a e descrevendo-a com interesse e curiosidade, terão pelo menos direitos ao título de ter tido o propósito de pré-científico”.

E não é por acaso que estes dois autores continuam a ser de leitura obrigatória a literatura de viagens da África Ocidental.

No Museu Nacional de Arte Contemporânea estão patentes doações de artistas portugueses. Manuel Botelho é inequivocamente o nome que sobressai nas Artes Plásticas que tem dedicado enorme atenção no seu trabalho às guerras que travámos em África, entre 1961 e 1974. Veja-se este óleo e mais abaixo uma espingarda-metralhadora Kalash, obras que já percorreram várias exposições antes de serem oferecidas como bem nacional.
Duas doações de Manuel Botelho ao Museu Nacional de Arte Contemporânea
Artista Manuel Botelho dá corpo à sua arte
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Nota do editor

Último poste da seérie de 10 DE NOVEMBRO DE 2021 > Guiné 61/74 - P22705: Historiografia da presença portuguesa em África (289): A história turbulenta da delimitação das fronteiras franco-portuguesas da Guiné (4): "As Colónias Portuguesas", por Ernesto Vasconcelos (Mário Beja Santos)

domingo, 30 de agosto de 2015

Guiné 63/74 - P15056: Agenda cultural (421): Exposição de Fantin Latour e Manuel Botelho - Meeting Point - De 26 de Junho a 26 de Outubro de 2015, no Museu Calouste Gulbenkian - Lisboa (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 19 de Agosto de 2015, a propósito da exposição de Fantin-Latour e Manuel Botelho, no Museu Gulbenkian:

Queridos Amigos,
Encontro mais insólito é difícil de prever.
Um categorizado pintor do Segundo Império, Fantin-Latour, é confrontado com os temas da guerra colonial, pelos olhos de Manuel Botelho, o artista que mais se tem dedicado a fotografar, a aguarelar e pintar armas, viaturas despedaçadas, citações de aerogramas, guiões das unidades, fazendo instalações com base em material que adquire na Feira da Ladra, correspondência que o inspira. A Guiné é o seu veio seminal, sem ambiguidades.
Recomendo esta visita ao Museu Gulbenkian, entre a esplendorosa arte oriental e os marfins medievais, duas realidades distintíssimas da natureza-mortas dialogam, e com um êxito assombroso.

Um abraço do
Mário


Desfrute e agonia na provocação de naturezas mortas: 
Fantin-Latour e Manuel Botelho em confronto no Museu Gulbenkian

Beja Santos

Helena de Freitas é uma estudiosa da arte que tem o franco pendor para explorar aproximações e analogias entre épocas, movimentos artísticos e motivações nas diferentes obras que são expostas, gosta de provocar um falso conflito estético e explorar todas as hipóteses de leitura, aposta nos achados curiosos que essas tensões suscitam (ou podem suscitar).

Está patente, de 26 de Junho a 26 de Outubro, no Museu Gulbenkian uma exposição que inclui uma pintura de Fantin-Latour e três fotografias de Manuel Botelho, o artista plástico português que mais intensamente se tem debruçado sobre a guerra colonial que travámos em África. À partida, um zero de semelhanças entre o pintor do Segundo Império, um artista avesso a roturas radicais e que trabalhou para uma clientela de aristocratas e grandes burgueses que apreciavam obras convencionais como esta natureza-morta, como observa a crítica de arte Raquel de Henriques da Silva, salientando o contraste entre o fundo escuro e o branco esquinado e inteiro da toalha, sobre o qual se dispõem, com naturalidade ritualizada, as cores perfumadas das cores e dos frutos. Talvez o único contraste é uma faca que avança para nós, mas é bem possível que ela esteja ali para introduzir uma breve perturbação da ordem que estimula e agrada. Esta harmonia parece chocar com o que há de bélico, manifestamente excessivo nos sinais da agressividade, naqueles despojos arremessados na mesa, a exalar os odores da caserna: dinheiro, sabe-se lá se referentes a quantos e quais jogos da batota, garrafas de vinho, facas e baioneta, beatas de cigarros, moedas, tudo num vendaval de desolação e de fim de festa, a simular um compasso na guerra, onde desconhecemos os protagonistas. Como dialogar a amenidade da pintura de Fantin-Latour com a violenta caserna de Manuel Botelho, ademais aparece exposta uma obra alusiva aos guiões militares portugueses, e um guião é um símbolo da coesão de unidade, à sua sombra partilha-se o heroísmo, a bravura ou os historiais da morte em combate?

A crítica Raquel Henriques da Silva diz que se passa com facilidade de Fantin-Latour para Manuel Botelho e esgrime com a argumentação de Roland Barthes: “A essência da imagem é a de estar toda de fora, sem intimidade, e, contudo, mais inacessível e misteriosa que o pensamento do foro interior. Sem significação, mas apelando para a profundidade de todo o sentido possível; e revelada e, todavia, manifesta, possuindo essa presença-ausência que faz a atração e o fascínio das sereias” (A Câmara Clara, Lisboa, Edições 70). Não partilho deste ponto de vista quanto à facilidade, o confronto das obras reside principalmente em que o pintor francês é um académico exímio, harmónico, exibe com desenvoltura os dotes que o requisitaram no público endinheirado como um pintor de bom gosto e não conflituoso. Manuel Botelho é um experimentalista, procura de há muito explorar um caleidoscópio de possibilidades: em aerogramas, em simulações de tensão militar extrema, mostrando a frio diferentes espingardas e metralhadoras, numa tal encenação que é praticamente instantâneo o chamamento da destruição. As suas aguarelas com viaturas destruídas são a melhor acusação muda que até hoje vi sobre a guerra colonial. Aqui, as fotografias são apresentadas como ração de combate, pode este título aturdir o visitante menos preparado, mas é mesmo uma ração de combate este somatório de jogos visuais. Mas corroboro que a crítica tem razão que Latour e Botelho se visitam ao espelho da beleza, onde Latour revela mestria na polpa e na textura dos frutos, tudo está ali com ar de consumição, e a iluminação é prodigiosa, em Botelho temos a mesma iluminação prodigiosa e toda a inquietação ausente em Latour, o pintor francês é um mensageiro da boa atmosfera burguesa, Botelho é um denunciador de que houve uma guerra sobre a qual continua a não se ousar explicar a sua génese e as profundas razões do seu desfecho, por vezes tão trágico.

A comissária da exposição venceu um estranho desafio, e é muito possível que quem se depara com estas ostensivas dissemelhanças entre os dois artistas acabe por refletir com mais argumentos sobre a natureza da paz e da guerra – os estados em que assentam as aparentemente contraditórias naturezas mortas da exposição.



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Nota do editor

Último poste da série de 28 de julho de 2015 > Guiné 63/74 - P14941: Agenda cultural (420): Sessão de motim organizado, e com consequências preocupantes, imprevisíveis, em 29 de Julho, pelas 18h30, na FNAC Colombo, a propósito do livro "De Freguês a Consumidor - 70 anos de Sociedade de Consumo, História da Defesa do Consumidor em Portugal" (Mário Beja Santos)

sexta-feira, 12 de outubro de 2012

Guiné 63/74 - P10520: Palavras fora da boca... (1): "Nem mais um soldado para as colónias"! (José Corceiro / Manuel Joaquim / Manuel Botelho)



Lisboa > Dia 28 de Abril de 1974, ao fim da tarde, na Rua Fontes Pereira de Melo, antes de chegar às Picoas. Começou espontaneamente o pessoal a aglomerar-se, já depois da Rotunda, e enquanto o diabo esfregou o olho, estruturou-se uma manifestação, com muitos militares da Força Aérea, como se pode ver nas linhas da frente com farda azul e boina verde. As palavras de ordem: 'Nem mais um soldado para o ultramar'… 

Foto (e legenda): © José Corceiro (2010). Todos os direitos reservados.



1. O meu velho, Luís Henriques (1920-2012), gostava muito de falar em verso, de fazer rimas, quadras, versos de pé quebrado, citar provérbios populares, contar anedotas, evocar os seus tempos de expedicionário em Cabo Verde ou relembrar os tempos de jogador de futebol, e de treinador de camadas juvenis... Muitas vezes fazia-nos rir, sorrir, pensar... Tenho pena que muita da sua sabedoria popular tenha ido para a cova com ele... Algumas coisas fomos, eu e os seus netos,  registando, filmando, tomando boa nota... 

Mas ele era um repentista, um espontâneo, um improvisador, incapaz de repetir, com a mesma precisão e graça, o que acabava de lhe sair da boca... Tudo dependia do contexto, das situações, dos interlocutores, e da disposição e da inspiração de momento... E, claro, fiava-se na sua memória de elefante... Tinha um reportório para dar e vender... Nunca o vi escrever um dito, uma história, um verso... 

Tudo isto vem a propósito de uma quadra que ele gostava muito de citar,   apropriada para prevenir situações de conflito...

Palavras fora da boca,
São pedras fora da mão,
Tu mede bem as palavras,
Tira-as do teu coração.

As palavras às vezes magoam como se fossem pedras. Muito mais do que isso, às vezes chegam a ferir e/ou matar. Matam mesmo!... Ou podem matar!...  Quantas dessas palavras não foram lançadas ao vento como autênticos bumerangues que, não atingindo muitas vezes o alvo, se voltavam, no regresso,  contra o próprio lançador ?... 


"Palavras fora da boca" foram/são, muitas vezes, as nossas "palavras de ordem", de ontem e de hoje, slogans, grafitos, títulos de caixa alta nos jornais e, em menor grau, os nossos comentários, as nossas "bocas" bloguísticas... 

Há palavras incendiárias, há palavras que incendeiam o capim... independentemente da intentação ou da vontade de quem as profere... Veja-se há dias a infelicidade do prof Miguel Oliveira e Silva, presidente do Conselho Nacional da Ética para as Ciências da Vida,  tropeçando no trocadilho racionamento/racionalização dos medicamentos... Temos que saber lidar com elas, as palavras... tal como sabíamos com lidar as minas e armadilhas, as nossas e as do IN no TO da Guiné.  

Palavras fora da boca... é o título de uma nova série, que tem um propósito, se quisermos, didático, pedagógico, preventivo... Não é para alimentar polémicas, desgastantes, fraturantes, inúteis, mas para preveni-las.  Não é para a gente  fazer ajustes de contas com o passado, por opções político-ideológicas do passado, ou por tomadas de posição como cidadãos, nos nossos ainda verdes anos... 

É para apenas a gente refletir serenamente, sorrir se for caso disso,  e aprender eventualmente com os nossos erros, individuais, grupais e coletivos... 

E a primeira dessas "palavras fora da boca" aqui vai: "Nem mais um soldado para as colónias"... (Se calhar alguns de nós, a seguir ao 25 de abril, também gritámos palavras de ordem como estas ou parecidas, esquecendo-nos que continuava haver, nos TO da Guiné, de Angola e de Moçambique, camaradas nossos, combatentes, que ainda faziam a guerra, ou que preparavam a paz, ou que cumpriam o plano de retração das NT, ou que muito simplesmente aguardavam o regresso a casa,  em qualquer dos casos continuando  a arriscar o pelo)... 

São pedaços de prosa que repesquei do nosso blogue:


2. Comentário de Manuel Joaquim, em 5 de junho de 2010, ao poste P6526:

Caro Graça de Abreu

Concordo, totalmente, com o que dizes sobre o chamado "socialismo real", expressão usada para camuflar o termo "comunismo". Criaram-se regimes de terror, as provas são evidentes. Só as não vê quem não quer.


Parece-me, no entanto, que estes comentários não andam por aí mas sim pela "nossa" descolonização.O que me irrita e enoja é o espectáculo dos/das velhas virgens que andam por aí, de hímen reconstruído, a injuriar e a diabolizar a descolonização, a amesquinhar o comportamento militar em combate, a invectivar a "entrega da nossa Pátria aos comunas", a arrotarem "verdades" sobre personagens e situações que, de verdade, só têm as sílabas das palavras ditas.

Não são as vítimas da descolonização que me irritam com as suas queixas furibundas, às vezes injustas, nem sequer aqueles que defendem as asneiras que, politicamente, fizeram quando tiveram de decidir.

Quem me enoja são aqueles que eu vi, logo a partir de Maio/74 (*), com faixas e aos gritos "Nem mais um soldado para as colónias!".

Estas palavras de ordem propagaram-se como fogo em palha seca. Imaginei logo o que iria acontecer: a destruição de todas as hipóteses possíveis de entendimento com o IN, de qualquer energia ainda existente nos nossos combatentes, de qualquer hipótese válida de se formarem contingentes para render tropas no terreno.

Bem recordo alguns, hoje altos expoentes ideológicos de direita, altos cargos políticos, de Lisboa a Bruxelas, altos cargos na comunicação social, a liderarem tais manifestações, quer na rua quer na rádio, na TV, nos jornais.

Hoje vejo-os por aí causticando o modelo descolonizador e, paradoxo, incensados pelas vítimas da descolonização!

Seria muito interessante consultar a imprensa de 1974/75, falada e escrita, e ver como se expressavam sobre este assunto certas "aves raras" que hoje se pavoneiam por aí, "arrotando postas de pescada".
Um abraço 

Manuel Joaquim


3. Excerto de depoimento de Manuel Botelho, artista plástico (Poste P6789)

(...) “Nos últimos anos vi crescer o meu desejo de identificação com os homens da minha geração que há muito tempo embarcaram para Angola, Guiné e Moçambique, escondidos atrás de um camuflado e uma G3. 


"Sei que não fui um deles. Tive a fortuna de estar no último ano do curso de arquitectura quando o 25 de Abril pôs termo ao pesadelo que me ensombrou a adolescência, e já não experimentei a guerra ao vivo e em directo. Mas vivi-a intensamente, numa antecipação obsessiva que durou toda juventude.

"Desde então muito tempo passou, e a minha perspectiva da vida mudou também. A guerra na África portuguesa deixou de me interessar enquanto fenómeno político e passei a prestar uma outra atenção aos que a fizeram. Muitos (a esmagadora maioria), ainda estão vivos; têm sensivelmente a minha idade; estão carecas e cansados como eu. Alguns serão um pouco mais velhos, mas pertencemos todos a um mesmo tempo, a uma mesma condição. 


"E eis-me a viver um estranho paradoxo: eu, que andei pelas ruas a berrar “nem mais um soldado para as colónias”, comecei a ter sentimentos de culpa por não ter partilhado esse tempo de abnegação e sacrifício. E a minha pintura começou a falar das memórias dessa guerra, como em “Escombros de Wiryiamu”, o massacre no norte de Moçambique que escandalizou o mundo e que evoquei através de um soldado (eu, já velho), sob a ameaça de insectos gigantescos e segurando desoladamente uma G3. Foi essa G3 que quis fotografar de seguida. (...)
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Nota do editor:

(*) "4 de Maio de 1974 > Militantes do MRPP impedem, pela primeira vez, um embarque de tropas para as colónias. Palavra de ordem: Nem mais um soldado para as colónias!" (Fonte: Centro de Documentação 25 de Abril / Universidade de Coimbra > Cronologia Pulsar da Revolução)

sexta-feira, 18 de maio de 2012

Guiné 63/74 - P9921: Agenda cultural (203): "Confidencial / Desclassificado", uma exposição do artista Manuel Botelho, até 7 de Julho de 2012 no Espaço Fundação PLMJ, em Lisboa (Mário Beja Santos)

1. Mensagem de Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, Comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70) com data de 10 de Abril de 2012:

Queridos amigos,
Para quem vive na área de Lisboa ir a esta exposição é uma proposta irrecusável.
Botelho sabe manejar a comunicação para dosear o sofrimento ou os saltos da memória. Visitar estas fotografias prodigiosas é ficar de posse de uma dimensão fulcral do projeto que ele leva a cabo há cerca de 5 anos, ao que parece sem desfalecimento.
Temos aqui armas a que só falta falar, o militar e o seu duplo (será a sua consciência?), aquartelamentos transformados em pandemónio, há por ali muitas facas, sexo em segredo, militares incompreendidos do lado de cá, como aliás fomos.

Um abraço do
Mário


Confidencial / Desclassificado, por Manuel Botelho 

Beja Santos 

Esta exposição de Manuel Botelho está patente até 7 de Julho, de 4.ª feira a Sábado, das 15 às 19 horas, no espaço Fundação PLMJ, na Rua Rodrigues Sampaio, 29, em Lisboa. O curador da exposição, Miguel Amado, refere na introdução a que intitulou “Imagens de Guerra” que “A guerra constitui um dos principais assuntos da cultura visual moderna. Tanto no presente como no passado, a imagética bélica marca significativamente os modos de ver o mundo no plano cultural”. E refere o quadro de Goya, “O 3 de Maio de 1808 em Madrid”, as reportagens de Robert Capa, o Apocalypse Now, de Copolla, os diretos televisivos da Guerra do Golfo Pérsico da CNN. Anota que nas artes plásticas estas imagens acabam por emergir como uma das áreas de trabalho mais prementes, há uma atração e uma recusa no espetáculo do aparato militar, o artista tem outra lógica de tratamento, distancia-se do universo noticioso, a sua imaginação pode socorrer-se de um conflito particular que acabe por assegurar a sua problematização à guerra em geral.

E estamos chegados à guerra colonial, temática incómoda ou que deixou durante décadas o artista indiferente. Manuel Botelho está a investir muito num projeto singular que ele intitula “Confidencial/Desclassificado”, desde 2007, quase que abruptamente, o artista que aparecia dominado por uma linha expressionista, muito agarrado às figuras retocadas, dispostas quase numa sequência narrativa, lançou-se num projeto experimental sobre os conflitos da guerra, manejando o vídeo, a fotografia, a montagem e aguarela. Depois escolhe temas: as aguarelas têm legenda que ele vai buscar a aerogramas, temos quartéis, partidas de barcos, madrinhas de guerra, viaturas explodidas por minas; a sua série de fotografias tiradas a espingardas provoca agitação interior, o banal de uma arma dentro da fotografia ganha, graças ao recurso da iluminação, aspetos letais, proporções descomunais; autorretrata-se em fardamento de guerra, explora o grotesco na dicotomia civil/militar, numa aceção de que o civil permanece como uma intranquilidade no tempo militar; e esgota-se fisicamente na imagem, toda aquela exaustão de um certo militar ser fotografado num estado de abatimento e indiferença leva o espetador a afastar-se, tal o contágio da inquietação; o artista monta cenas de guerra com tabaco e cinza, garrafas empoeiradas, copos com bebidas, dinheiro espalhado, cartas de jogar, um garrafão, um gira-discos e ilumina de tal modo que a imagem se torna sufocante, incómoda. Um prato com sardinhas em tomate, em cima de um imaginário mapa é suficientemente nojento para ter que se admitir que aqueles alimentos, dignos de uma ração de combate, são expostos propositadamente com facas de mato para nos causar náusea; há códigos subtis como um Estado-Maior ser representado como um baralho de cartas montadas em castelo, também sob um mapa, apoiadas em copos e tendo por baixo pratos cheios de restos, seguramente que o código é que de tudo é periclitante nas decisões tomadas à porta fechada; há maços de cartas presos por atilhos como se clamassem por segredos a serem desvendados, gritos guardados, sofrimentos quase pessoais e intransmissíveis; e há o autêntico arrebol das montagens, fala-se do sexo interdito, imagem de derrisão; montagens barrocas, com copos, material de campanha, baldes, um militar à espreita debaixo de panos de tenda, como se estivesse a descobrir qual é a lógica da guerra; há a ilusão de um mundo caótico onde coabitam bombas de inseticida, troféus, chapa ondulada, catanas, serrotes, vestígios de material de construção civil; há os seus vídeos intermináveis, imagens do Natal do Soldado, tudo sem som como se competisse ao espetador impor uma forma de comunicação dentro de um cerimonial onde o espetador não cabe.

O que se acaba de referir é muito pouco para as linhas criativas de um artista que anda à procura de aerogramas, que reconstitui numa instalação as conversas do Nando, a militar no Bachile, com a sua namorada em Lisboa, gera o horror da incomunicação, ela expõe a sua vivência quotidiana, o soldado das transmissões descreve permanentemente que se encontra no deserto.

Questiono muitas vezes o que levou um artista consagrado, com carreira universitária, a entregar-se a um quase exorcismo que mete flagelações, olhares paranoicos, aproveitamentos de aerogramas, a tornar fotograficamente uma arma com elemento consagrado à morte, em estado expectante, criando simulações de ambientes em aquartelamentos de guerra, em possíveis fantasias eróticas, explorando novas dimensões do corpo como até então nunca praticara, misturando sonho com fantasmas, onde é permanente um diálogo silencioso entre ele e o seu duplo. Haveria um tempo, digo eu, em que as artes plásticas tivessem de pôr a nu a tal indiferença, a tal incomodidade que a guerra colonial causou em gente que só era sobressaltada quando o membro da família embarcava para aquelas regiões do Equador. Aos 60 anos, Botelho lançou-se impetuosamente na recriação de bastidores, na reificação de armas, no emudecimento do Natal do Soldado, numa certa paródia de códigos, numa viagem desassossegada a todos os meandros da guerra. Usando fantasmas, parece que os quer exorcizar. O que era confidencial, fingidamente atirado para trás das costas, ele desclassifica, brutaliza ou enternece.

Temos aqui Manuel Botelho para durar. Felizmente que alguém procura ir ao fundo dos diferentes poços fundos e das muitas linhas de água por onde se forjou a guerra colonial.
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 18 de Maio de 2012 > Guiné 63/74 - P9920: Agenda Cultural (202): No Dia Internacional dos Museus, inauguração e animação do Museu da Guerra Colonial, V. N. Famalicão

sexta-feira, 20 de abril de 2012

Guiné 63/74 - P9776: Tabanca Grande (332): Alice Carneiro, a quem o Blogue muito deve, esposa e irmã de ex-combatentes, participante no filme "Quem Vai à Guerra" e mãe de um médico cooperante

1. Como é sabido através até de diversas publicações no nosso Blogue, temos na tertúlia um grupo de pessoas a que chamamos amigos, que,  não sendo ex-combatentes, estão de algum modo ligados à Guiné: como naturais daquele país, cooperantes, etc. Outros(as) amigos(as) estão ligados(as) a militares que fizeram a guerra colonial, principalmente as senhoras, na qualidade de esposas, namoradas, madrinhas de guerra, etc.


Hoje venho pedir um pouco de espaço entre nós para uma mulher que sem dúvida nenhuma merece pertencer à tertúlia e ao grupo dos amigos dos ex-combatentes deste Blogue. Porquê?

i) Viveu desde jovem, na pele assim se pode dizer, a guerra colonial  pois tem dois irmãos que combateram, um em Angola (o José Carneiro, o mais novo de 6 irmãos) e outro em Moçambique, sendo um deles deficiente das Forças Armadas (o António Carneiro, o mais velho).

ii) Esta mulher, nortenha, do Marco de Canaveses,  foi também madrinha de guerra de militares que nem conhecia; escreveu, e leu, cartas por quem não dominava minimamente esta forma de comunicar com os seus filhos algures na guerra de África.

iii) Em Março de 2008 acompanhou o seu marido, também ele ex-combatente da Guiné, ao Simpósio Internacional de Guiledje, revivendo assim o passado dos homens que ama (irmãos e esposo).

iv) Em 2011 participou no filme, feito exclusivamente por mulheres, "Quem Vai à Guerra", que aborda o papel das mulheres que, de uma maneira ou de outra, "foram à guerra", incluindo a problemática do stress pós traumático de guerra e as consequências desta doença no seio familiar dos ex-militares vítimas desta síndrome.

v) Esta mulher é hoje madrinha de uma linda menina que vive e cresce na Guiné-Bissau, a Alicinha, de Farim do Cantanhez, filha da Cadi, uma bela jovem nalu que ela conheceu em 2008.

vi) Esta mulher que em seis edições dos Encontros da Tabanca já realizados, apenas falhou a um por impossibilidade física.

vii) Esta mulher é apenas e só a esposa do fundador deste Blogue, chama-se Maria Alice Ferreira Carneiro, faz anos a 18 de agosto  e apoia o seu marido nesta árdua tarefa que é manter esta página viva, símbolo da união e reunião de um Batalhão de ex-combatentes da Guiné.


Abram alas para deixar entrar esta grande senhora, também mãe de um jovem médico e músico, o João Graça, também ele já com uma experiência como cooperante na Guiné-Bissau, e por direito próprio, tertuliano deste Blogue.


Fotos ilustrativas da apresentação desta nossa nova ("velha") tertuliana. Quem não a conhece? Tem, além, uma muita ativa página no Facebook. Será a nossa tabanqueira nº 551. E estará presente no nosso VII Encontro Nacional, amanhã, em Monte Real, com o seu companheiro de uma vida, Luís Graça, e com a filha  de ambos, Joana Graça.


Guiné-Bissau > Bissau > Aeroporto Osvaldo Vieira >  29 de fevereiro de 2008 > Alice Carneiro, pisando pela primeira vez o solo daquela terra verde e vermelha...
 

Guiné-Bissau > Região de Tombali > Cantanhez > Iemberém > 1 de março de 2008 > A Alice entre as mulheres da população local, em dia festivo...


Lisboa, CulturGest > 13 de Maio de 2011 > Alice Carneiro (à direita) e a nossa querida Enfermeira Paraquedista Giselda Pessoa numa aparição pública a propósito do filme "Quem Vai à Guerra", da jovem realizadora Marta Pessoa.


Esta linda menina guineense é a Alicinha, a afilhada da nossa tertuliana Alice Carneiro. Mora em Farim do Cantanhez. A mãe é a Cadi. O pai, António Baldé, está em Portugal.

Guiné-Bissau > Bissau > Bairro do Quelelé > Setembro de 2010 < Casa do Pepito e da Isabel  (Levy Ribeiro) > A Alicinha do Cantanhez, de oito meses (à direita),  que tem na Alice Carneiro (que vive em Alfragide, Portugal) uma madrinha, quase tão babada e ternurenta como a sua mãe, a Cadi (à esquerda)... O pai, da criança, vive e trabalha na Linha de Cascais como segurança de uma empresa. A Cadi é de Farim do Cantanhez. Na altura ela fala pouco português, mas tem vindo a melhorar... De tempos a tempos, a Alice manda à Cadi as roupinhas e outras coisas que fazem da Alicinha uma pequena princesa do Cantanhez... Pelo meio, vai rezando ao Nhinte Camatchol para que proteja esta menina (e a mãe), bem como todas as meninas e todas as mães da Guiné-Bissau...  

Fotograma do filme 'Quem vai á guerra', da cineasta portuguesa Marta Pessoa, 2010 > Maria Alice Carneiro, irmã de 2 militares em África (Moçambique e Angola - um dos quais gravemente ferido), e correspondente de outros militares nos três teatros de operações. Tem um espólio de cartas e areogramas da ordem das centenas.

Ameira, Montemor-o-Novo, 14 de novembro de 2006 > I Encontro Nacional da nossa Tabanca Grande (na altura, tertúlia= > Alice Carneiro (camisola listada) ouve atentamente o nosso camarada José Luís Vacas de Carvalho... A Dina Vinhal, outra das nossas tertulianas,  totalista dos nossos últimos seis encontros (e inscrita para o VII), está na ponta direita, vestida de camisola vermelha.

Texto: Carlos Vinhal
Fotos do Arquivo do Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné


2. Nota de L.G.:

Obrigado, Carlos, pela agradável surpresa que foi a tua iniciativa. A Alice é uma pessoa modesta que não gosta de aparecer sob as luzes da ribalta, embora seja  muito sociável, solidária, prestável e generosa. Em todo o caso, a tua proposta é mais do que justa e, por minha parte, eu associo-me a ela, congratulando-se com a ideia de ver, formalmente, o nome da Alice Carneiro (ela não usa o meu apelido) na lista dos nossos amigos e camaradas da Guiné. Eu já lhe jurei que a culpa é toda tua... Entende-te amanhã com ela, em Monte Real. Devo acrescentar que só a conheci depois de regressar da Guiné...

Não sei onde foste buscar todos os detalhes da vida da Alice no que diz respeito ao nosso blogue e à Guiné-Bissau. Na realidade, o nosso blogue é um "livro aberto", para o bem e para o mal (por ex., devassa da privacidade das pessoas). Mas já que estás a apadrinhar a entrada da Alice na Tabanca Grande, acrescenta mais esta nota "curricular":

A Alice disponibilizou a sua coleção de cartas e areogramas da guerra colonial (cerca de três centenas e meia) para um projeto de investigação, chamado FLY.  Cito aqui a investigadora e doutoranda Leonor Tavares, da Equipa FLY, do Centro de Linguística da Universidade de Lisboa:

(...) "O projecto FLY - Cartas Esquecidas (1900-1974) é um projecto que procura recolher, digitalizar e editar cartas do século XX dos contextos de prisão, exílio, guerra (colonial e mundial) e emigração. Este projecto continua  o projecto CARDS - Cartas Desconhecidas (1500-1900) que já conta com 2000 cartas transcritas. Os dois projectos estão neste momento parcialmente disponíveis no site http://alfclul.clul.ul.pt/cards-fly/.

"O objectivo do projecto FLY é recolher e editar 2000 cartas dos contextos referidos, sendo que se estipulou um total de 700 cartas para o contexto da guerra colonial. Este arquivo digital (composto pelas 2000 cartas do projecto CARDS e as 2000 do projecto FLY) estará disponível para investigadores de várias áreas (principalmente as áreas da Linguística, da História e da Sociologia), para que os documentos (as cartas) sejam imortalizados como objectos históricos de grande relevância linguística. Os estudos que podem ser feitos a respeito deste tipo de documentos compreendem, entre muitas outras hipóteses, aspectos relacionados com a sintaxe, a fonologia, a pragmática, a história cultural e/ou social e aspectos da sociologia das migrações, das desigualdades e classes sociais.

"O projecto FLY compromete-se a omitir todos os dados pessoais dos intervenientes nas cartas, nas transcrições e nas imagens disponibilizadas on-line. (...)".
Pormenor curioso, até já o artista plástico  Manuel Botelho utilizou excertos das suas cartas em um ou mais dos seus quadros inspirados na guerra colonial...
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Nota de CV:
 

Vd. último poste da série de 20 de Abril de 2012 > Guiné 63/74 - P9775: Tabanca Grande (331): António Mateus, de Guifões/Matosinhos, ex-1º Cabo At Inf, CCAÇ 12 (Contuboel e Bambadinca, 1969/71), nosso tabanqueiro nº 550 

quinta-feira, 29 de março de 2012

Guiné 63/74 - P9675: Agenda Cultural (190): Confidencial / Desclassificado, exposição do artista plástico Manuel Botelho, a inaugurar no dia 4 de Abril de 2012, às 18h30, no Espaço Fundação PLMJ, Rua Rodrigues Sampaio, 29 em Lisboa

C O N V I T E

1. No passado dia 27 de Março recebemos uma mensagem do artista plástico Manuel Botelho* dando notícia da inauguração da sua próxima exposição "Confidencial / Desclassificado" que estará patente ao público a partir do próximo dia 4 de Abril no Espaço Fundação PLMJ, Rua Rodrigues Sampaio, 29 em Lisboa, até ao dia 7 de Julho de 2012.



Nota de Manuel Botelho:

A minha exposição vai integrar obras das várias séries do meu projeto mais recente: Confidencial/Desclassificado. O tema é a guerra na África Portuguesa. Irei expor fotografias da série Inventário, realizadas em 2006-2007 no Museu Militar de Lisboa, e que retratam armas utilizadas ou apreendidas pelas nossas tropas. Haverá também trabalhos de série Emboscada, onde um velho combatente confronta um duplo de si próprio, num exorcizar de pesadelos pessoais, de receios ou remorsos. Da Ração de Combate e Estado-Maior haverá imagens que falam do tempo sem fim vivido nas unidades de quadrícula, onde vemos surgir mapas de lugares incertos, restos de comida, castelos de cartas. Por último, a série Madrinha de Guerra convoca uma presença feminina; não é certa a origam dessa personagem, que pode ser real ou apenas o fruto da imaginação e desejo de soldado que com ela contracena. 

Um abraço a todos. 
Manuel Botelho
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Notas de CV:

Vd. postes anteriores de Manuel Botelho clicando aqui

Vd. último poste da série de 25 de Março de 2012 > Guiné 63/74 - P9658: Agenda Cultural (190): A banda portuguesa Melech Mechaya em Lisboa, Cinema São Jorge, sábado, 31 de Março, 21h30... Convidada especial: Mísia...Ganda ronco! (João Graça)

domingo, 15 de janeiro de 2012

Guiné 63/74 - P9356: Agenda cultural (181): Laboratório das Artes, Guimarães: Exposição sobre a guerra de África, de 20/1 a 25/2/2012: Convite do autor, Manuel Botelho


1. Mensagem do artista plástico Manuel Botelho:


 Data: 12 de Janeiro de 2012 22:11

Assunto: Exposição de Manuel Botelho

Caros editores e amigos:

Vou inaugurar mais uma exposição sobre a nossa guerra em África.  Quero convidar todos os membros do vosso blogue a estarem presentes na inauguração ou a visitarem esta exposição.

A todos um abraço

Manuel Botelho

[Vd. também página do artista na Net: vd ainda texto do crítico João Pinharanda sobre a anterior exposição do autor, Cartas de amor e saudade, 2011]

Manuel Botelho | Marcha Lenta

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Portugal, final dos anos sessenta, a guerra em África. Entre realidade e ficção, interroga-se o presente evocando o passado.

1º piso: enormes panos de tenda; castelos de cartas; espingardas ferrugentas emergindo da terra avermelhada; mapas de lugares incertos. Das acções militares aos intermináveis tempos de espera; um império à beira do colapso. 

2º Piso: uma parede feminina, cor-de-rosa, isola o espaço da instalação. Nando, radiotelegrafista em comissão na Guiné, e Lenita, empregada de escritório em Lisboa, são nomes fictícios de personagens reais; "Cartas de amor e saudade" baseia-se nas cartas que trocaram durante 2 anos, num formato que relembra as novelas radiofónicas dos anos sessenta.

3º Piso: um muro de velhos panos de tenda individuais; uma bandeira dobrada, outra cobrindo um corpo; regresso inglório; Marcha lenta.

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Laboratório das Artes
Edifício do café Milenário | Largo do Toural | 4800 Guimarães
Inauguração: 20.1.2012 às 22:00h
Até 25.2.2012
4ª a sábado das 16:00h às 19:00h

2. Nota do editor

Sugestão adicional: Aproveitemtambém, caros amigos e camaradas, para conhecer a Guimarães 2012, Capital Europeia da Cultura, que começa a 21 de janeiro de 2012. O centro histórico de Guimarães é, além disso, património mundial da humanidade. Tenhamos orgulho no que é nosso e no que fazemos de bom  ou melhor do que os outros.  LG

PS - Veja-se também o suplemento Fugas do jornal Público, de ontem. Belíssima capa (foto de Nelson Garrido), escolhida pelos leitores. Tudo (ou quase tudo) sobre este evento que vai durar um ano.
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Nota do editor:

sexta-feira, 15 de julho de 2011

Guiné 63/74 - P8559: Agenda Cultural (143): Cartas de Amor e Saudade, por Manuel Botelho, no Centro Cultural de Cascais até ao dia 28 de Agosto de 2011 (Mário Beja Santos)

1. Mensagem de Mário Beja Santos* (ex-Alf Mil, Comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 12 de Julho de 2011:

Queridos amigos,
Recomendo vivamente um passeio ao Centro Cultural de Cascais, pode muito bem acontecer que encontremos nesta instalação de Manuel Botelho as cartas de amor, as recordações no nosso abandono, os nossos apelos afectivos, a nostalgia daquela expectativa que era a chegada do nosso correio.
Creio que Manuel Botelho venceu esta prova ao prodigalizar o amor posto à prova pela distância, dá-nos um retrato da vida incerta e da fragilidade dos vínculos. Aquele Nando que não escreve e que consome no coração da Lenita terá sido um pouco de todos nós, naquele tempo.

Um abraço do
Mário


Cartas de amor e saudade

Beja Santos

Um conceituado artista plástico, porventura aquele que mais tem trabalhado sobre a guerra colonial, com um olhar inovador e o recurso a diferentes estéticas no recurso da fotografia, do vídeo e da instalação, vem agora propor-nos uma viagem ao valor sentimental das cartas de amor trocadas entre o Nando e a Lenita, algo que se passou nos anos 60/70, é uma partilha de sentimentos, de relações de família, um poderoso testemunho de usos e costumes que permitem questionar o peso das cartas de amor entre alguém que ficou à espera de um namorado a viver num lugar chamado Bachile, algures na Guiné. “Cartas de Amor e Saudade” é o mais recente trabalho de Manuel Botelho, pode ser visitado no Centro Cultural de Cascais até 28 de Agosto.

Trata-se de uma instalação sui generis, o visitante entra num amplo espaço decorado com panos de tenda, simbolicamente uma antecâmara onde é possível encenar essas cenas de amor de dois seres humanos em dois continentes. Numa parede estão penduradas três impressões fotográficas, alguém escreve fardado para alguém que é um perfeito estereótipo das jovens dos anos 60, segue-se um maço de correio atado por cordel e depois a bandeira portuguesa enrolada. Num palco há dois projectores prontos a iluminar a protagonização da Lenita e do Nando, ela sentada, ele de bota em cima de um cunhete de munições.

Em termos de representação, é possível que ambos dissertem para as paredes, no afã de derrubar a distância. Nando escreve: “Amorzinho da minha vida, então como estás? Olha querida, o teu amor cá continua ao cimo da água neste barco monstro que corta as ondas sem piedade e cada vez nos separa mais. Queridinha, posso dizer-te que neste momento estou triste, e digo-te mais, até estou com os olhos rasos de lágrimas com tantas saudades que tenho de todos vós, do meu pai, da minha querida mãe, e tuas, pombinha querida, as três pessoas que mais adoro neste mundo, tirando Deus”. Lenita responde: “Sem ti, meu amor, tudo parece vazio e sem significado. Os únicos momentos menos tristes que tenho são aqueles em que te escrevo e em que recebo cartas tuas, nos outros passo a vida a representar uma boa disposição que não sinto”. Nando retoma o discurso: “Aqui não tem havido ataques, mas tal como em Bissau ouvem-se tiros e rebentamentos e há sempre muita tropa a entrar e a sair. Olha, sabes meu amorzinho, estamos a contar a ir em breve para uma terra que fica próximo daqui chamada Bachile”. Lenita escreve atemorizada: “Hoje de manhã contaram-me que em Teixeira Pinto tinham morrido dois majores, um capitão e um alferes e que também tinha ficado ferido um rádio telegrafista… Ainda não recebi qualquer notícia tua e estou o que se pode dizer desesperada”. Nando tranquiliza-a: “Gostava de saber quem foi o parvalhão que te deu essa notícia. Na realidade morreram três majores e um alferes, mas nem sequer foi nesta zona. Portanto, nada de susto, ok meu amor?". Lenita não esconde as suas preocupações, quer saber por que é que o Nando foi para o Bachile, quer pormenores sobre a comida, a água, o quartel, a falta de notícia corta-lhe o coração, terminando por dizer que é a noiva mais apaixonada do mundo. Nano volta à carga, fala-lhe no calor sufocante, na guerra que se ouve à distância. Deve ter mandado fotografias do Bachile à Lenita que faz comentários muito críticos. Revela ter ciúmes, não ande o Nando enfeitiçado por alguma preta ou mulata, di-lo abertamente: “De verdade que nunca beijaste nenhuma mulher daí, nem mesmo uma cabo-verdiana? Tenho medo, muito medo que me esqueças. Nos últimos tempos este pensamento assalta-me o espírito constantemente".

Nando e Lenita tratam-se ternamente, usam palavras como bichaninho, meu adorado noivo, tenho a tua fotografia bem junto de mim, sentem-se tristes e ao mesmo tempo felizes. Os meses passam, inevitavelmente os termos e a substância da escrita acusam o desgaste da distância, ela chega a falar nos antigos namoros do Nando, no Bachile ele tranquiliza-a. Ficamos a saber que a Lenita tem um trabalho muito rotineiro: “Tenho andado a tratar das facturas mensais dos clientes de Lisboa que são 490. É um serviço monótono e sem interesse nenhum, que me dá imenso sono". O Nando também não esconde a monotonia dos seus dias, fala nas chuvas torrenciais, desvela que há operações, há sofrimento, um alferes pisou uma mina, etc. Lenita queixa-se da falta de notícias, ele já não escreve duas folhas cheias ou até mesmo mais. Nando vai passar férias à metrópole, no regresso reinstala-se a melancolia da separação, falam ambos em saudades, em desespero, insistem obcessivamente no seu compromisso de noivado, ele imprime mais meiguice ao discurso: “Tu és a luz que alumia o meu coração, sem o teu carinho não consigo resistir”. Mas Nando é ciumento, pede para não ir a festas, pede para ter juízo, também ele anda cheio de ciúmes. Os meses passam, é uma toada de solidão, ambos dizem que andam com lágrimas nos olhos, ela reza, ele promete fazê-la muito feliz, quando a guerra acabar. Nando volta de férias, a entoação dramática entra no crescendo, ficamos a saber que ela está triste e vazia e ele procura ser carinhoso: “Morro de saudades meu grande amor, minha coisinha mais querida do mundo. E a propósito, como vai a coisinha querida? Tenho tantas saudades dela. Ai quando nos casarmos canichita querida”. Lenita começa a tomar Valium 5, Nando confessa que está a atravessar uma crise de saturação. E chega o silêncio, que vai enformar a instalação de Manuel Botelho. Lenita passou a ter um discurso dilacerante, pede ao Nando para escrever, torna-se patética: “Estou saturada da incerteza em que tenho vivido… nem quero pensar que continues a não escrever apesar de todos os rogos que te fiz. A mágoa que sinto é tão grande que me põe fora de mim. Desde que te foste embora passaste por várias fases. Ao princípio procedias como realmente procedem as pessoas que se amam de verdade. Depois, ao regressares à Guiné, tornaste-te mais ciumento, o que também era sinónimo de amor”. É um discurso desinsofrido, acusa-o de ter um coração frio como uma pedra, ela grita-lhe que não aguenta tanta incerteza, chega-lhe a suplicar para que o Nando lhe mande um telegrama a dizer que está bem. E chegamos ao ponto culminante, compete ao artista lançar a semente da dúvida: “Não imaginas como anseio o teu regresso. Tenho tanta gente à minha volta e no entanto sinto-me tão só!. Meu Deus, se vejo o dia em que desembarcarás no cais e correrás para mim, suspirarei de alívio e até crescerei um palmo por me ver liberta deste grande sofrimento”. Como manda a lei das cartas de amor e saudade, o autor não nos deixa vislumbrar o desfecho de tanto suspiro e de tanta espera.

Na apresentação deste texto pungente, o crítico João Pinharanda lembra-nos o Álvaro de Campos que fala de todas as cartas de amor são ridículas e que não seriam cartas de amor se não fossem ridículas. Isto como chamada de tensão de que o ridículo só é provável quando lamentamos o passado, bem ou mal vivido. O crítico terá razão quando observa que estas cartas podem ser perspectivadas como um retrato ideológico do Portugal de então e que agora, transformadas em obras de arte, questionam-nos numa dimensão que ultrapassa a metáfora: o que sentimos perante a possibilidade da nossa morte ou da morte do ser que amamos? Aqueles amores entre o Bachile e Lisboa (?) aparecem recortados, excessivamente encenados nas suas pequenas alegrias, espantos, aspereza de modos, súplicas persistentes, o puro terror das perdas. É por isso que apropriadamente são cartas de amor e saudade em tempos de guerra. É por isso que vale a pena recordar o que foi a juventude que viveu aqueles tempos de guerra.
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Notas de CV:

(*) Vd. poste de 14 de Julho de 2011 > Guiné 63/71 - P8556: Em busca de... (170): Guiões das Unidades mobilizadas para a Guerra Colonial (Manuel Botelho / Mário Beja Santos)

Vd. último poste da série de 6 de Julho de 2011 > Guiné 63/74 - P8519: Agenda Cultural (142): Apresentação do livro “CATARSE” do Capelão Militar Abel Gonçalves

quinta-feira, 14 de julho de 2011

Guiné 63/71 - P8556: Em busca de... (170): Guiões das Unidades mobilizadas para a Guerra Colonial (Manuel Botelho / Mário Beja Santos)

1. Mensagem de Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, Comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 12 de Julho de 2011:

Meus queridos confrades,
O pintor Manuel Botelho não pára, não lhe chegam as fotografias com armamento, as histórias dos aerogramas, uma instalação gigantesca com vídeos no tempo do Natal do Soldado.

Agora quero trabalhar guiões, guiões verdadeiros, em tamanho real.

Olhou para mim, surpreso, quando lhe disse que não tinha guiões e, como ele sabe por experiência própria, é coisa que não aparece na Feira da Ladra.

O melhor nestas coisas é aproximar o consumidor do produtor, o artista de quem possuiu, eventualmente, as ditas flâmulas. Peço encarecidamente a quem puder ajudar o Manuel Botelho que o contacto através do email manuelbot@netcabo.pt ou pelo telefone 967 073 648. Confesso-me antecipadamente grato por quem puder ajudar o artista plástico que, desde sempre, mais tem feito pela nossa causa.

Um abraço do
Mário


2. Mensagem de Manuel Botelho dirigida a Mário Beja Santos

Caro Mário
Agosto aproxima-se, e com ele a promessa de um breve momento de maior disponibilidade para o meu trabalho plástico. Como sabes tenho andado a fazer fotografias com miniaturas de guiões das companhias mobilizadas no ultramar; desejava agora, se possível, ter acesso a guiões verdadeiros, em tamanho real! Haverá alguém que tenha ficado com esse tipo de material e mo possa emprestar durante uns tempos para fazer o meu trabalho fotográfico?

No blogue aparece, por exemplo, a foto deste guião… onde estará? Em Abrantes, no Regimento de Infantaria?

Guião do Batalhão de Caçadores nº 2879
Regimento de Infantaria 2 - Abrantes
Foto - ex-Fur Mil Carlos Silva
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Notas de CV:

(*) Vd. poste de 13 de Julho de 2011 > Guiné 63/74 - P8549: Notas de leitura (256): Amílcar Cabral – Vida e morte de um revolucionário africano, por Julião Soares Sousa (2) (Mário Beja Santos)

Vd. último poste da série de 14 de Julho de 2011 > Guiné 63/71 - P8554: Em busca de... (169): Pessoal do CAOP 1, Teixeira Pinto, 1969 a 1971 (Albino Silva)

quinta-feira, 30 de junho de 2011

Guiné 63/74 - P8490: Agenda Cultural (140): Inauguração da exposição: Cartas de Amor e Saudade, de Manuel Botelho, no Centro Cultural de Cascais, dia 1 de Julho de 2011, às 21,30h (Mário Beja Santos)

1. Mensagem de Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, Comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 24 de Junho de 2011:

Queridos amigos,
Há uns largos sábados atrás, encontrei o Manuel Botelho na Feira da Ladra, estava exuberante, tinha acabado de adquirir uma chusma de aerogramas, correspondência de um militar lá para as bandas do Cacheu e a sua namorada. Foi assim que nasceu este projecto “Cartas de Amor e Saudade”.
Na justa medida em que é um dos raríssimos artistas plásticos de primeira água que trata da Guiné com o desvelo comprovado, sinto-me no dever de pedir a quem viva na órbita de Cascais que vá visitar estas cartas transfiguradas em arte.


Um abraço do
Mário


Manuel Botelho: CARTAS DE AMOR E SAUDADE / LETTERS OF LOVE AND LONGING

Centro Cultural de Cascais, 1 de Julho (6ª feira)

21:30h - Inauguração da exposição
22:00h - Leitura ao vivo por Inês Lapa Lopes e Francisco Martins


Centro Cultural de Cascais
Avenida Rei Humberto II de Itália, Cascais
tel. 214 848 900/3 



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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 30 de Junho de 2011 > Guiné 63/74 - P8488: Agenda Cultural (139): 115.º Jantar de Amizade UNICEPE, dia 1 de Julho de 2011, com apresentação do livro Amílcar Cabral (1924-1973), do guineense Julião Soares Sousa + mais fado de Coimbra

quarta-feira, 9 de março de 2011

Guiné 63/74 - P7917: Caderno de notas de um Mais Velho (Antº Rosinha) (13): Emigração para as Colónias, só com Carta de Chamada







Fotos de: Luis Graça, 2010. (Com a devida vénia ao autor, Manuel Botelho,  o artista plástico português, nascido em 1950,  que mais se tem interessado pela guerra colonial e que já tem utilizado materiais do nosso blogue)...

Título da obra: "Matchbox: Portugal is not a small country" [ O autor ter-se-á inspirado em material cartográfico, publicado sob o título Portugal não é um país pequeno em Lisboa, s/d,  pelo Secretariado da Propaganda Nacional,  sob a direcção literária de Henrique  Galvão (1895-1970). Mapa a cor, com 55 x 38 cm, escala circa  1:13000000. No canto inferior direito contém a seguinte legenda: "Superfícies do Império Colonial Português comparadas com as dos principais países da Europa"].


 
Esta obra do pintor, arquitecto e professor de belas artes Manuel Botelho,  neto do grande pintor Carlos Botelho (1899-1982), esteve exposta em Res Publica 1910 e 2010 face a face. Exposição organizada pelo CAM/FCG [, Centro de Arte Moderna / Fundação Calouste Gulbenkian] em parceria com a Comissão Nacional para as Comemorações do Centenário da República. Piso 0 e 01 do edifício central da sede da Fundação e jardim. Lisboa, 8 de Outubro de 2010 a 16 de Janeiro de 2011. Curadoria: Helena de Freitas e Leonor Nazaré.  (LG).




1. Mais um pensamento do nosso Mais Velho António Rosinha, enviado em mensagem do dia 7 de Março de 2011:


Caderno de notas de um Mais Velho (13) > Emigração para as colónias e a "Carta de Chamada" . Por que Salazar não deixou "europeizar" em força as colónias?


A Carta de Chamada  consistia em um termo de responsabilidade assinado por um comerciante ou um funcionário público residente na colónia, a responsabilizar-se por um candidato à emigração, o que fazia que muita gente que,  não tendo familiares ou amigos para assinar essa carta, desistia e ia para a América ou Brasil onde tinha parentes que o mandavam ir.


Escreve-se tanto sobre Salazar, muitas coisas não passam mesmo de deduções de quem escreve, pois o homem nunca se abriu muito, que podemos perguntar a nós mesmos, e falava-se efectivamente, porque Salazar viu tanta gente ir para o Brasil e EUA, nos anos 50, e não encaminhou essa gente para Angola, Guiné e Moçambique.


Exceptuando os militares ou funcionários em comissão de serviço, ou deportados para o Tarrafal, Salazar só deixava ir par as colónias, colonos, selecionados, ou emigrantes com carta de chamada como se fossem para o estrangeiro.


Isto nos anos 50 do outro século, no imediatamente antes da guerra do ultramar, ou seja, já estavam em marcha as independências francófonas e anglófonas, e Agostinho Neto, Amílcar, Luandino Vieira, etc. já tinham ideias formadas.


Havia várias dificuldades para se emigrar para as colónias portuguesas, até que apareceu a guerra do ultramar em 1961, acabando a maioria das complicações. A partir dessa data já não era preciso ter um familiar em Angola para o mandar ir.


Não recorrendo a documentos, falando apenas de casos popularmente conhecidos ou propalados, houve casos como o Zé do Telhado [, 1818-1875,] que foi para Angola como degredado [em 1861] e, recorro a este exemplo, porque foi um processo usado pela Justiça durante séculos para punir criminosos e simultaneamente ajudar à colonização por portugueses.


Ainda durante a chamada 1.ª República, foram pensados uns colonatos em Angola para serem enviados colonos brancos para esses lugares, portanto era uma maneira de se emigrar com a família para as colónias por convite, ou aliciamento, ou como quisermos interpretar esse processo.


Salazar também usou esse processo do colonato, mas no caso de Angola não foi muito numerosa essa emigração, como às vezes se ouve em certos escritos, e no caso da Guiné, penso que nem existiu essa prática. Em Angola havia o colonato da Cela no planalto central e Capelongo junto do Cunene, os que verdadeiramente chegavam a formar uma pequena vila rural portuguesa.


Quem foi muito apologista da emigração branca para Angola, de uma maneira maciça, foi o célebre anti-salazarista General Norton de Matos [, 1867-1955], muito conhecedor de Angola devido aos anos passados lá como governador e outras atividades políticas dedicadas ao ultramar.


Sobre Norton de Matos, fundador da cidade de Nova Lisboa (Huambo),  em Angola, diziam muitos africanistas angolanos que tinha ele uma visão de desenvolvimento para as colónias, que,  a ser seguida a política dele, transformava Portugal e as suas colónias numa grande potência económica.


Alguns mais entusiastas por Angola, até imaginavam uma capital portuguesa em Nova Lisboa.


Mas, diziam os africanistas e antisalazaristas, que o Salazar atrofiava as ideias dos portugueses empreendedores, usando processos e burocracias atrasadas.


E aí, aparece a burocracia da CARTA DE CHAMADA, da qual Salazar não abria mão. Acompanhada de outras burocracias como vacinas, registo criminal e três contos e quinhentos por cabeça, para viajar de porão. Não sei se crianças, normalmente muitas, pagavam por igual.


Para evitar a burocracia da Carta de Chamada havia uma solução, era pagar as viagens de ida e volta, com direito a receber a devolução das viagens de regresso, quando passassem seis meses ou um ano, conforme as informações sobre a adaptação à nova terra.


Também era dispensada a Carta de Chamada, a quem casasse por procuração com um residente nas colónias. Foi um meio usado com muita frequência.


Quem era a favor de uma forte ocupação branca das colónias, principalmente Angola, condenava a política de Salazar em que este se contradizia, em que ao mesmo tempo que dizia que era tudo Portugal, e ao mesmo tempo tinha que haver a tal carta de chamada.


Também se dizia que Salazar não deixava colonizar e desenvolver fortemente Angola, por medo de os brancos fazerem como os da Africa do Sul, isto é, abandonar o "pobre rectângulo".


Já se ouvia antes da guerra bocas como aquela em que Angola valia a pena, mas a Guiné e Cabo Verde era só prejuízo, e outras coisas deste género. Mas não era o Salazar que dizia isso, antes pelo contrário, o que transparecia era que nem um centímetro quadrado era para ceder.


Isto eram conversas à mesa do café, sem medo da PIDE, à vontade, em toda a Angola, menos nuns certos cafés da baixa de Luanda onde circulavam uns tantos popularíssimos inspectores da dita policia, conhecidos de todos os frequentadores habituais. Em Luanda, toda a gente se conhecia, não sei explicar como, mas era assim mesmo.


Penso que PIDE tinha instalações apenas em Luanda, no resto de Angola nunca ouvi falar, a não ser depois de 1961.


Antes de a guerra começar, já era conhecido o petróleo de Angola, os diamantes, o algodão, o café, o cobre etc, e aquilo que hoje ouvimos sobre o que as riquezas angolanas estão a fazer, desde ter mantido uma guerra de quase 30 anos, e hoje dá trabalho a milhares de chineses, brasileiros e portugueses, pergunta-se muita gente, porque Salazar não criou riqueza, desenvolveu, ocupou... com aquela riqueza toda à mão de semear.


Mas ninguém que escreve sobre Salazar tenta outra explicação para o impedimento de um grande povoamento europeu, que não fosse o medo de perder o controle e haver uma independência.


E, porque depois de tantos anos que passaram, sabendo que Salazar não fazia nada sem ser tudo bem pensado, não será de imaginar que haveria naquela cabeça certezas bem desastrosas, com as piores consequências de uma qualquer independência, havendo uma enorme ocupação europeia?


Para já, tenho a dizer que conhecendo a Guiné como conhecemos, em que a capital era numa ilha, Bolama, e cidades com direito a esse nome era Bissau e Bafatá, bem diminutas, todos consideramos que Portugal nunca fez grande colonização, nem asfalto, nem escolas, mas apenas uns postos administrativos espalhados em grandes áreas.


Se alguém pusesse em dúvida o nosso direito a considerar a Guiné, colónia portuguesa, não sabemos num caso de conflito, se não aconteceria o mesmo como Goa e depois com Timor.


Mas se a Guiné estava naquele atraso em 1963 que todos conhecem, talvez leiam pela primeira vez, mas Angola, proporcionalmente estava várias vezes mais "isenta" de qualquer colonização. Isto vi eu, porque conheço exaustivamente as duas ex-colónias. Para isso, não tive tempo de viajar para lá de Olivença, pelo que não me considero europeísta.


Para dar um exemplo dessa falta de colonização, refiro a quantidade de asfalto em Angola em 1961: havia asfalto nas principais ruas das principais cidades; mas nas estradas, viajava-se em asfalto de Luanda a Catete, aproximadamente 70Km, entre Benguela e Lobito, 20Km, um troço experimental de asfalto de 30Km, entre Lucala e Camabatela, e acabou.


O resto eram picadas e jangadas, ou seja, como exemplo ir de Lisboa a Paris, (de Luanda ao Cazombo) íamos de asfalto até Pegões, daí em frente preparávamo-nos com alimentação, roupa, combustível para semanas em tempo seco, e para meses em tempo de chuva até chegar a Paris.


Qualquer colonização europeia que se encontrasse no caminho não passava de comerciantes isolados ou chefes de posto, sem comunicação rádio, e se tivessem um jeep Willys, era um luxo.


Quando se chegava a uma capital de distrito ou a uma missão católica ou protestante, aproveitava-se para reabastecer combustíveis gerais e actualizar novidades.


Como Salazar sabia melhor que ninguém que de 1933, quando fica com as rédeas do poder na mão, até 1961 não tinha ocupado nem desenvolvido as colónias (Uns anos antes de Salazar, Lisboa não acendia as luzes em Lisboa por falta de dinheiro para o carvão que vinha da Inglatera). Salazar sabia também que dando muita visibilidade às riquezas angolanas ficava sem "passada" para acompanhar os ventos da história, que era mais tufões do que vento.


Ninguém tinha o mais pequeno respeito pela "nossa missão colonizadora", e desde os tripulantes de barcos nórdicos até aos americanos que aportavam em Luanda a carregar café, algodão, etc, dia e noite os guindastes em movimento, achavam escandaloso, ridículo, e com uns brandys no bucho perguntavam-nos na cara se não tínhamos vergonha de ser tão pequenos e pobres, e explorar aquela terra tão grande e rica.


Hoje vemos os americanos a gozar com a compra dos submarinos pelo tal de Portas e vemos o que se passa hoje com os nossos europeístas a serem gozados em Berlim e Bruxelas por causa dos orçamentos, porque tal como antes, hoje também queremos dar passadas maiores que as nossas pernas, e todos acham que é um descaramento querermos ser do clube dos grandes.


Podemos hoje conjecturar que as dificuldades portuguesas de há 50 anos eram historicamente das mais complicadas dos nossos 800 anos, (os 800 anos foram lembrados em Berlim, recentemente à Frau Merkel) e que Salazar usou de muitas manhas para atingir os fins.


E podemos conjecturar que,  graças à Carta de Chamada, provavelmente no 25 de Abril houve um número inferior a um milhão de portugueses retornados. O que seria se não fosse essa Carta que Salazar cuidadosamente exigia?


Será que Salazar não previa um fim de império? É que os estudiosos portugueses falam sempre do que Salazar nos obrigava a enfrentar: emigração, manter as colónias, manter uma agricultura arcaica e uma pesca controlada pelo Tenreiro, uma indústria insignificante, etc. e uns direitos sociais miseráveis, mas esses estudiosos já estão a tempo de escrever que há muitas dúvidas hoje, qual o perigo de darmos passadas maiores que as nossas pernas.


E esses estudiosos de Salazar já estão a tempo de escrever que a ditadura ganhava vida com as dificuldades que lhe eram criadas com casos como as revoltas nas colónias, o assalto ao Santa Maria por Henrique Galvão e, até quando Humberto Delgado foi assassinado, a ditadura aproveitou para espalhar que a oposição (os do contra, como se dizia), é que o atraiçoou e o conduziu a uma cilada.


Escreve-se sempre que estes casos "abanavam os alicerces da ditadura" mas não era essa a sensação, e hoje vemos que Salazar cai da cadeira em 1968 e apenas em 1974 se dá o "o fim do império e da ditadura".


Não estou com isto a armar-me em salazarista, mas considero que o papel de Salazar no que toca ao assunto colonial, que ele também herda de uma maneira muito complicada, não é analisada de uma maneira isenta de preconceitos, nem os que apoiam nem os que condenam o Botas.


E, aquilo que hoje é dado como ponto assente sobre o pensamento de Salazar, que estava ultrapassado e isolado internacionalmente, é fácil de mostrar o contrário.


Termino para dizer que o homem que assinou a minha CARTA de CHAMADA para eu emigrar para Angola, foi assassinado no Norte de Angola nos massacres da UPA.


O Norte de Angola, zona cafeeira, podia considerar-se provavelmente que era a única área verdadeiramente colonizada com missões, escolas e uma economia cafeeira importante.


Um abraço e desejo boa disposição aos editores para continuarem com ânimo


Anº Rosinha
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Nota de CV:


Vd. último poste da série de 8 de Fevereiro de 2011 > Guiné 63/74 - P7744: Caderno de notas de um Mais Velho (Antº Rosinha) (12): Os guineenses apenas assumem o idioma português como língua oficial