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domingo, 11 de junho de 2023

Guiné 61/74 - P24389: In Memoriam (479): António Branquinho (1947-2023), ex-fur mil, Pel Caç Nat 63 (Fá e Missirá, set/69 - out/71)... Nosso tabanqueiro desde 24/9/2010, era irmão do advogado e escritor Alberto Branquinho, também ele membro da nossa Tabanca Grande


Guiné  > Zona Leste > Região de Bafatá > Sector L1 (Bambadinca) > Xime > Enxalé > O ex-fur mil António Branquinho, no Enxalé


Guiné  > Zona Leste > Região de Bafatá > Sector L1 (Bambadinca) > Xime > Enxalé > Pel Caç Nat 63 (1969/71) > 
1971 > À esquerda o Fur Mil Pires do Pel Caç Nat 63,  e eu à direita. Dos outros não me lembro os seus nomes.


Guiné > Zona Leste > Região de Bafatá > Sector L1 (Bambadinca) > Pel Caç Nat 63 > Missirá > 1971 > Da esquerda para a direita, os fur mil Pires, Branquinho e Amaral


Guiné > Zona Leste > Região de Bafatá > Sector L1 (Bambadinca) > Pel Caç Nat 63 > Missirá > 1971 >  O Branquinho com uma  criança que era filho de um soldado do Pelotão


Guiné > Zona Leste > Região de Bafatá > Sector L1 (Bambadinca) > Pel Caç Nat 63 > Missirá > 1971 > António Branquinho, Amaral e uma bajudinha... O Branquinho simulava tocar um instrumento tradicional, talvez um "nhanheiro". (Segundo a oportuna observação do nosso amigo e consultor permanente para as questões étnico-linguísticas, Cherno Baldé, "o instrumento, na lingua fula, chama-se 'Hoddu', é mais antigo e, provavelmente, serviu de inspiração para a criacão do Kora dos Mandingas.)
Guiné > Zona Leste > Região de Bafatá > Sector L1 (Bambadinca) > Pel Caç Nat 63 > Missirá > 1971 > O Amaral  (também já falecido) e o Branquinho

Guiné > Zona Leste > Região de Bafatá > Sector L1 (Bambadinca) > Pel Caç Nat 63 > Bambadinca > À porta do Depósito de Géneros, com o 1.º Cabo Injai, do Pelotão

Guiné > Zona Leste > Região de Bafatá > Sector L1 (Bambadinca) > Pel Caç Nat 63 > Enxalé> 1971



António Branquinho (Vila Nova de Foz Coa, 1947 - Covilhã, 2023). De seu nome completo, António Júlio Abrunhosa Branquinho. 

Membro da Tabanca Grande, desde 24/9/2010. Foi fur mil, de rendição individual,
no Pel Caç Nat 63 (Fá e Missirá, de setembro de 1969 a outubro de 1971). Era um grande amigo do "alfero Cabral", seu comandante. Tem 23 referências no nosso blogue.

Fotos (e legendas): © António Branquinho (2010) Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem com+plementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Morreu no passado dia 27 de maio, segundo a triste notícia que nos deu o seu irmão, mais velho, Alberto Branquinho (ex-alf mil, CART 1689 / BART 1913, Fá, Catió, Cabedu, Gandembel e Canquelifá, 1967/69). Fazia anos a 21 de abril. Natural de Vila Nova de  Foz Coa, vivia na Covilhã. Casado, tinha uma filha e uma neta.

Era membro da nossa Tabanca Grande desde 24 de setembro de 2010. Contrariamemnte ao irmão não era um homem de grandes escritas. Mas deixou-nos este precioso texto de apresentação (*):

(...) Sou irmão do Alberto Branquinho e como vocês prestei serviço militar na Guiné.

Iniciei a Comissão em 23/09/1969 e terminei-a em finais de Outubro de 1971 (não me lembro da data correcta).

Fui em rendição individual, tendo sido colocado no Pel Caç Nat 63, que era comandado pelo ex-alferes miliciano Jorge Cabral, colaborador do Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné. Desde o primeiro dia que somos amigos. Amizade esta que mantemos até à data.

O Pelotão era composto, na sua maioria, por elementos oriundos da própria Guiné, o alferes, furriéis, cabos e alguns soldados adstritos ao Pelotão eram brancos. Por este facto, os chefes militares e outros, por vezes "esqueciam-se" de nós, nomeadamente, no que dizia respeito ao fornecimento atempado de géneros "frescos", sendo os enlatados (fiambre, conservas várias, chouriço, etc.) a base da nossa alimentação.

Durante bastante tempo (muitos meses) estivemos privados de gerador de electricidade e de arca ou frigorífico a petróleo e consequentemente do prazer de uma bebida fresca. Era uma festa quando nos deslocávamos à sede do Batalhão (Bambadinca), bebiam-se umas "bazucas" e uns uísques gelados, era até cair - tirava-se "a barriga de misérias". (...)

Quando o Pelotão era mudado para outro Destacamento, o que se verificava frequentemente, era uma carga de trabalhos, uma vez que os soldados do Pelotão tinham consigo as mulheres e filhos, pelo que tinha de se arranjar transporte para toda aquela gente. Além das respectivas famílias, eram as galinhas, os cabritos e toda a traquitana inerente às lides domésticas (tachos, pilões, panelas, cabaças, alguidares, etc.). Era uma confusão! Eu passava-me.

O Jorge Cabral incumbia-me sempre destas missões, dizia que eu tinha uma certa sensibilidade para estas "operações". Tomava esta decisão por ser o furriel mais antigo e,  talvez, por uma questão de confiança. 

Numa das várias mudanças de Destacamento que efectuámos, apareceu-me com uma garrafa de wisky na mão, para festejarmos o fim da instalação do Pelotão. Estava tão desgastado e stressado que lhe tirei a garrafa da mão, mesmo à temperatura ambiente ia bebendo tudo de um só trago. Como era de esperar,  apanhei tamanha bebedeira, que passei o dia todo a dormir.

Após várias deslocações, estive em vários Destacamentos, na zona de Bambadinca: Fá, Missirá, Bambadinca, Ponte do Rio Udunduma, Nhabijões, Xime, etc.

Durante a minha Comissão, estive adstrito a dois Batalhões, sediados em Bambadinca (Sector L1): BCAÇ 2852 (1968/70) e BART 2917 (1970/72.

Terminei a Comissão em beleza, a não ser um senão, incompatibilizei-me com o substituto de Jorge Cabral, em Bafatá. Era uma pequena cidade, mas tinha muitas mordomias de que já há muito não estava habituado.

Escrevi este pequeno texto, como cartão de apresentação, havendo muito mais histórias para contar, desde que haja disponibilidade e pachorra para tal. (...)


2. Comentário do editor LG:

Alberto, mais uma notícia devastadora para a nossa comunidade de antigos combatentes da Guiné, a   a morte do teu mano e nosso querido camarada António Branquinho, que fur mil do Pel Caç Nat 63, ao tempo do "alfero Cabral", e do meu tempo (CCAÇ 12, Contuboel e Bambadinca, junh 61/mar 71). Se bem que ele fosse quatro meses mais no Sector L1

Um abraço solidário na dor para ti e para restante família (a tua cunhanada, a tua sobrinha, o teu sobrinho-neto e demais família. Sei que o teu irmão era muito estimada na Covilhã onde viveu e está hoje sepultado.  

Entende este poste como uma pequena homenagem. O Jorge Cabral falava-me dele com muita estima, amizade e camaradagem. Mas eu nunca mais o encontrei depois da Guiné, se a memória me não falha. Fizemos algumas operações em conjunto, no Sector L1.  Não convivemos muito. Havia o rio Geba a separar-nos,  quando eles foram de Fá para Missirá. Um abraço fraterno.

PS - O teu mano devia ser de 1947, mais novo do que tu, dois anos oiu três... Não? Confirma.



António  Júlio Abrunhosa Branquinho. 
Foto: cortesia do facebool da Casa da Covilhã em Lisboa
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Notas do editor:

(*) Vd. poste de 24 de setembro de 2010 > uiné 63/74 - P7029: Tabanca Grande (245): António Branquinho, ex-Fur Mil do Pel Caç Nat 63 (Fá e Missirá, 1969/71)

Vd. também poste de 16 de novembro de 2010 > Guiné 63/74 - P7291: Estórias avulsas (100): A mina, que seriam duas (António Branquinho)

(**) Último poste da série > 3 de junho de 2023 > Guiné 61/74 - P24363: In Memoriam (478): Mário Vargas Cardoso, cor inf ref (1935-2023), ex-cap inf, CCAÇ 2402 / BCAÇ 2851 (Có, Mansabá e Olossato, 1968/70) e ex-cmdt do BCAÇ 3884 (Bafatá, 1972/74) (João Bonifácio, ex-fur mil SAM, CCAÇ 2402, 1968/70, a viver no Canadá); Manuel Oliveira Pereira, ex-fur mil at inf, CCAÇ 3547, Contuboel, 1972/74)

segunda-feira, 16 de janeiro de 2023

Guiné 61/74 - P23987: Notas de leitura (1543): "Na Tenda do Mestre Isaías", edição de autor de Emídio Vieira Soares, 2004 (Mário Beja Santos)



1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 6 de Janeiro de 2023:

Queridos amigos,
Devo inúmeras atenções ao Dr. João Horta, bibliotecário na Liga dos Combatentes, informa-me regularmente da chegada de publicações como esta alusiva às notas esparsas de um antigo combatente, foi alferes do 4.º pelotão da CART n.º 1689, a sua edição de autor insere um bom número de imagens dos diferentes locais por onde andou, poderá dizer-se que como companhia de intervenção teve uma invulgar itinerância por toda a Guiné. Usa da maior discrição quanto à atividade operacional desenvolvida por esta unidade militar, saltita entre as suas memórias angrenses e alguns episódios vividos na guerra da Guiné e não se furta a emitir opiniões críticas à vida política portuguesa. Acho que nos deixa um conjunto de pistas que outros camaradas da CART n.º 1689, nossos confrades no blogue, bem podiam desenvolver, pessoalmente fico curioso com que eles andaram a fazer por Missirá, como é referido no documento alusivo ao ex-1.º Cabo José Maria Silva Ribeiro, onde fui buscar uma súmula da atividade operacional da unidade militar.

Um abraço do
Mário



Um terceirense, alferes da CART n.º 1689, que andou por meia Guiné, entre 1967 e 1969

Mário Beja Santos

Na Tenda do Mestre Isaías, é uma edição de autor de Emídio Vieira Soares, que comandou o 4.º pelotão da CART n.º 1689, 2004. São recordações de um terceirense, notas avulsas da sua vivência na Ilha Terceira, fala-se da Terra-Chã, dos locais e costumes da terra, gente que chegava e partia para o Canadá e para o Brasil, inevitavelmente uma referência aos touros e à tourada à corda, as zangas entre o sr. Bispo de Angra e as populações por causa da administração do dinheiro dos Impérios, recorda o sr. Padre Saramago que nasceu no Corvo e estudou no seminário de Angra, e nestes seus apontamentos onde coligiu memórias informa-nos que em 1967 foi para a Guiné. Na medida em que toda a sua narrativa é saltitante entre o passado remoto, os tempos da guerra e as suas observações críticas sobre a vida política portuguesa, procurei saber um pouco mais sobre esta CART n.º 1689, de que há felizmente referências no nosso blogue. Vejamos em primeiro lugar o que se escreve na apresentação do ex-1.º Cabo José Maria Silva Ribeiro no “Dos Veteranos da Guerra do Ultramar”:

“Partem no navio Uíge, em 26 de Abril de 1967, chegam a Bissau em 1 de Maio de 1967. Logo após a chegada, embarcam de imediato na lancha BOR, em direção a Bambadinca, tendo como destino final a localidade de Fá Mandinga.
A Companhia ficou em regime de intervenção, às ordens do Comando do Agrupamento de Bafatá, responsável pela zona leste da província.
Durante a permanência na referida região, realizou várias operações na zona do Xime, (Ponta do Inglês e Ponta Varela), zona de Enxalé e Missirá a norte do rio Geba, bem como na vasta região do Oio, a norte do destacamento de Banjara.
Em Julho de 1967, a Companhia embarcou em Bambadinca, a bordo de três lanchas LDM, com destino a Catió, sector sul da província, para onde fora transferida, tendo ficado em regime de intervenção.
Nesse sector foi desenvolvida intensa atividade operacional, bem como nos subsectores de Cufar, Bedanda, Empada, implantação do destacamento de Gubia, na península do Cubisseco, e Gandembel, (Operação Bola de Fogo) também para implantação de um aquartelamento, no chamado corredor de Guileje, junto à fronteira com a Guiné-Conacri. Em Junho de 1968, a Companhia rumou para o subsector de Cabedu, para onde foi transferida, tendo aí desenvolvido intensa atividade operacional.
O aquartelamento foi atacado em 13 de Julho de 1968, tendo falecido o Alferes da Academia Militar, Henrique Ferreira de Almeida, que era então o Comandante da Companhia.

Em 30 de Julho desse ano, a Companhia foi transferida para Canquelifá, sector de Nova Lamego (Gabu), zona nordeste da província, na confluência das fronteiras do Senegal e Guiné-Conacri.
Um grupo de combate ficou sediado no destacamento de Dunane, sito a meio do percurso entre Pitche e Canquelifá.
A parte restante da companhia ficou instalada no aquartelamento de Canquelifá, tendo aqui desenvolvido ações de natureza operacional e psicossocial.
Finda a sua comissão de serviço, a Companhia de Artilharia 1689 regressou à Metrópole, tendo embarcado em Bissau no navio Uíge, em 03 de Março de 1969 e desembarcado no cais da Rocha Conde de Óbidos, em Lisboa, no dia 09 do referido mês.
A CART n.º 1689 percorreu muitas localidades: Bambadinca, Fá Mandinga, Xime, Enxalé, Missirá, Bafatá, Banjara, Catió, Ganjola, Cufar, Bedanda, Cachil, Bolama, Gubia, Empada, Fulacunda, Buba, Aldeia Formosa (Quebo), Chamarra, Gandembel, Cabedu, Nova Lamego (Gabu), Pitche, Dunane, Canquelifá e finalmente Bissau.”


Emídio Soares refere o choque que sentiu quando o levaram a visitar a cadeia do Quartel-General em Santa Luzia, teria 30 metros de comprimento e 15 de largura: “Havia um corredor desde a porta de entrada, até ao fundo, as paredes do corredor eram grades de ferro de um lado e outro. E de um lado e outro estavam os presos em pé, sem espaço para se sentarem no chão. O cabo que me convidara para ver a cadeia deu-me determinados pormenores do destino daquela gente. Abandonei o edifício. O cabo seguiu-me e estava estupefacto com a minha reação, depois começou a chorar, interveio um Furriel, eu expliquei-lhe o que se estava a passar. De imediato o Furriel pegou no braço do cabo, numa atitude de conforto moral. Senti a minha cobardia em não falar disso a ninguém, teria pisado terrenos proibidos. Soube que o General Spínola, uns meses depois de chegar à Guiné pusera termo à cadeia do Quartel-General.” Veio à frente da sua Companhia, e depois embarcou no Pidjiquiti em direção a Bambadinca num barco com o nome de “Vencedor”, sentiu muito a inquietação quando o barco entrou no Geba estreito e passou a navegar em meandros até Bambadinca, a bordo seguiam a mulher do comandante e a mulher do médico.
Faz uma referência genérica a uma operação no Oio, foram cercados pelos guerrilheiros e sujeitos a tiroteio. No princípio, não houve reação das nossas forças até que um Furriel a peito descoberto começou a disparar, o que deu ânimo a todos. Fala-nos depois de Catió e da Operação Tridente, não regateia a admiração ao Capitão João Bacar Djaló, à sua bravura, ao seu heroísmo. Segue-se uma outra referência a uma operação que se efetuou a Cabolol, tinha o nome de código de Vassourada Final, na região do Como. O batalhão estava em Catió, em Cabolol havia uma população controlada pela guerrilha. Entraram em Cabolol sem um tiro, a população fugira para o tarrafe. Quando regressaram ao quartel, o comandante estava à porta de armas, ninguém percebia porque é que ele gritava “Eles levaram uma sova! Eles levaram uma sova! E se quiserem mais, é só dizer”. Fala das baixas em Gandembel, como o Soldado Nadir e o Furriel Belmiro.

Imprevistamente voltamos à Boa-Hora, uma localidade que faz parte da freguesia de Nossa Senhora de Belém, mais conhecida por Terra-Chã, a 8 quilómetros de Angra, novas recordações. Tece considerações sobre a colonização e a descolonização, volta à Terra-Chã, estamos agora na Lisboa em 1963, o Emídio Soares veio fazer exame de admissão ao Instituto Superior Técnico e passamos para Dunane, onde esteve destacado o seu pelotão, dá-nos a localização e fala-nos na lepra:

“Num dia de coluna Canquelifá, Dunane, Pitche, Nova Lamego, as tropas pararam em Dunane. Dirigiram-se à enfermaria, eu estava à porta do meu abrigo, notei um certo nervosismo na multidão e o Furriel Enfermeiro estava zangado. Aproximei-me da multidão e verifiquei que havia muitos leprosos. Eram militares. Homens sem mãos, com uma guita agarrada à zona do cotovelo, seguravam, com o que restava do braço e do antebraço, uma arma encostada ao peito. Aguardavam que lhes dessem os comprimidos, a que cada um tinha direito. Eram as milícias de Canquelifá. Percebi a função da guita amarrada ao cotovelo. Reparei bem na guita e vi que ela estava também agarrada ao gatilho da arma. Era assim que eles disparavam.”

Há referências ao Tenente Bajana em Canquelifá, teria ligações ao PAIGC, o tenente foi fuzilado depois da independência. Deixa-nos uma extensa referência ao Alferes Monteiro morto em Gandembel, o oficial já tinha concluído a sua missão, mas veio na coluna de Aldeia Formosa a Gandembel, para abastecimento. No regresso, rebentou uma mina anticarro, saíram dois pelotões de Gandembel e deparou-se-lhes o horror, o corpo desfeito do Alferes Monteiro entre muitos soldados africanos mortos.

Voltamos à ilha Terceira, Emídio Soares tem as suas observações à economia das décadas de 1940 e 1950. E vemo-lo já em 1979 a dirigir obras na ilha de S. Jorge. É dentro desta miscelânea de recordações que lembra a canoa que transportava as gentes da CART n.º 1689 de Ponta Varela para o Enxalé: “Não havia barcos de borracha como os fuzileiros tinham, ou lanchas ligeiras. Os 120 homens da 1689 foram transportados de uma margem para a outra em canoa. Era arrepiante, o soldado entrava na canoa, sentava-se no lugar que lhe indicavam e não se podia mexer mais. A altura da canoa fora de água não tinha 10 centímetros. A sensação era de quem entrasse naquela água deixava de ser visto.” Faz também uma observação crítica às colunas de abastecimento de Madina do Boé e à natureza do transporte no rio Cheche, uma jangada tosca. E ficamos por aqui. Bom seria que os nossos confrades da CART n.º 1689 adiantassem mais pormenores sobre a história desta companhia que teve uma inusitada vida itinerante em zonas de indiscutível risco, em que não faltou Gandembel.

Entrega da Flâmula de Honra à CART n.º 1689, em Catió, imagem pertencente ao ex-1.º Cabo Atirador, José Maria Silva Ribeiro, constante do blogue Dos Veteranos da Guerra do Ultramar, com a devida vénia
Museu do Guiledje - Uma antiaérea do PAIGC
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Nota do editor

Último poste da série de 13 DE JANEIRO DE 2023 > Guiné 61/74 - P23979: Notas de leitura (1542): "O Santuário Perdido: A Força Aérea na Guerra da Guiné, 1961-1974 - Volume I: Eclosão e Escalada (1961-1966)", por Matthew M. Hurley e José Augusto Matos, 2022 (12) (Mário Beja Santos)

sábado, 25 de junho de 2022

Guiné 61/74 - P23383: Os nossos seres, saberes e lazeres (509): Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (56): De novo em São Miguel, é infindável a romagem de saudade - 1 (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 12 de Abril de 2022:

Queridos amigos,
Era fatal como o destino, a primeira ancoragem depois do confinamento tinha de ser aqui, por razões do coração, pela aprendizagem recebida, há bem mais de meio séculos atrás. Em qualquer um destes lugares desta ilha, digo-o sem fanfarra, devo ter posto os pés. Logo à chegada à Lagoa, é assim que esvoaçam as lembranças, me recordei daquele Natal de 1967, que foi preparatório do milagre que se deu no Natal de Missirá, no ano seguinte, graças a mãos amigas, andei a saudar quem tinha feito a recruta comigo, andei pela Ribeira das Tainhas, Remédios, Lomba da Maia, Ribeirinha, e muitíssimo mais, as viagens multiplicaram-se, entranhou-se o gosto por este mundo ilhéu, o seu falar doce, com um picante um tanto francês, um certo espavento quando os familiares e os amigos se encontram, a gostosa comida e doçaria, tudo somado e multiplicado em trouxe a São Miguel, e já no rescaldo anda por aqui uma moinha a pedir para voltar.

Um abraço do
Mário



Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (56):
De novo em São Miguel, é infindável a romagem de saudade - 1


Mário Beja Santos

Aqui arribei no início da segunda semana de outubro de 1967, promovido a aspirante fui recambiado para dar recrutas no Batalhão Independente de Infantaria N.º 18, sito nos Arrifes, a cerca de 7km de Ponta Delgada, aqui tinha quarto, janta, alguns fins de semana por minha conta, o entardecer, o anoitecer, era a descoberta de me ter por conta e risco, e sem nenhuma ilusão de que em breve seria convocado para uma área de combate nas Áfricas. Ainda não contei tudo sobre este período de felicidade, as amizades feitas e duradouras, a descoberta desta ilha esplendente, o prazer de conversar e ouvir o acento tão melódico do ilhéu, uma linguagem ímpar. Fizera a jura ser aqui a primeira deslocação depois do período do confinamento, vim em romagem de saudade, mesmo de gratidão, pois foi aqui que pude sentir, naquela convivência das recrutas, que possuía algum dom para a liderança, muito jeito me deu para a vida que levei até agosto de 1970, depois mudei de agulha, até na vida profissional fugi do comando, adquiri outros interesses. Guardo ainda a imagem daquele meio da tarde em que o Carvalho Araújo sulcava em direção a Ponta Delgada, sempre em paralelo com aquelas reentrâncias, falésias a pique, rochedos de negrume, a bruteza das águas a espumar sobre as penedias, a alvura das casas, um belo contraste, as grotas a verter caudais de água, como toda aquela massa vulcânica expelisse em permanência todo aquele líquido, por desnecessário. Aqui cheguei, era o fim do inverno, mão amiga me acompanhou até à Lagoa, havia que amesendar, foi um luxo, não pelo queijo fresco com pimenta da terra ou as lapas com molho Afonso, o banquete foi um peixe porco bem grelhado, inhames, legumes saborosos, e vinho do Pico para apaladar. Pois a primeira imagem era para homenagear quem preparou o banquete, aqui se mostra uma área portuária da Lagoa, tudo me remeteu para aquela segunda semana de outubro de 1967, a era do meu descobrimento.
Depois da Lagoa, pedi ao meu anfitrião que me deixasse ver as praias, muito antes do Pópulo temos a praia das Milícias, que tanto aprecio, sempre me deslumbrou esta articulação entre a rocha verdejante, a areia e a ondulação. Melhor receção eu não podia ter. Arrumada a tralha na cidade, houve o gosto de ir até aos jardins, todos eles são assombrosos.
Ponta Delgada tem alguns dos jardins mais aprazíveis que eu conheço, o Jácome Correia, foi palácio de marqueses, hoje é residência oficial do presidente do Governo Regional; o de José do Canto, outra formosura, tal como o jardim botânico António Borges, também cheio de plantas exóticas, é delicioso estar sentado num banco de jardim a contemplar o monumento a Antero de Quental, bem perto da biblioteca municipal da Igreja do Colégio, hoje núcleo de arte sacra do museu Carlos Machado. Mas tive saudades do jardim da Universidade dos Açores, aqui me receberam para palestrar, aqui entrevistei para um programa de televisão o professor Vasco Garcia, aqui vim visitar um querido professor, Machado Pires, que foi reitor desta casa. É um jardim modesto, mas tem o quanto basta para me lavar a alma, os metrosideros, as araucárias, as estrelícias, a terbentina, as obrigatórias azálias, a fiteira, a sumaúma, o dragoeiro. Entro no jardim e demoro a ver estas raízes que lutam contra o asfalto, bem podemos molestar a natureza, no fim ela é sempre imperativa e possidente.
Está no ADN do ilhéu a convivência floral, os primitivos povoadores, os que desembarcaram no que hoje se chama a Povoação devem ter ficado estarrecidos com tanto matagal, houve que o desbastar para produzir comida e habitação, tudo sempre cheio de temores, segundo o grande cronista Gaspar Frutuoso, viviam aterrados com os roncos que vinham do Vale das Furnas, houve quem pensasse que para lá daquela imensidão verde havia um inferno. A jardinagem e o gosto pelas flores faz parte do direito costumeiro, mesmo aqui, que não é um ambiente luxuriante como no jardim António Borges, onde não há nem estufas nem pavimentos em bagacina vermelha, apetece contemplar estes troncos rugosos, talvez fibras para têxteis ou cordas de ancoragem, ou cestas, esta palmeiras que lembram coqueiros, o dragoeiro com a sua seiva vermelha, lá fora, isso sim, proliferam os plátanos, permanentes sentinelas nas estradas.
E não falta uma gruta, já vi arcos armados em rocha vulcânica, aqui é tudo singelo, tudo rocha vulcânica, não há chamamento ao mistério ou caminhos sinuosos, ela lá se impõe e nos chama à atenção no meio de intensa vegetação.
Anoiteceu e ando em busca do meu passado, ali mais ou menos em frente à torre da Câmara Municipal e não longe da estátua dedicada ao Arcanjo havia um café-restaurante onde eu era comensal. Estou no Largo da Matriz, em frente de uma porta lateral ao sabor manuelino, mais tarde aqui irei entrar, sempre deambulei por estas Portas da Cidade, e percorria a avenida Infante D. Henrique, e lá longe me era dado avistar, entre as brumas, todas aquelas penedias em direção ao Salto do Cavalo, se não era bem assim eu imaginava. Pois aqui me detive para recordar doces lembranças de há 55 anos atrás.

(continua)

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Nota do editor

Último poste da série de 18 DE JUNHO DE 2022 > Guiné 61/74 - P23363: Os nossos seres, saberes e lazeres (508): Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (55): Christine Garnier na Guiné e nos Açores (Mário Beja Santos)

sexta-feira, 28 de janeiro de 2022

Guné 61/74 - P22944: Memória dos lugares (435): Missirá, regulado do Cuor, Sector L1 (Bambadinca), 23 de dezembro de 1966 (José António Viegas, ex-fur mil, Pel Caç Nat 54, 1966/68)

Foto nº 1

Foto nº 2

Foto nº 3



Foto nº 3A

Foto nº 4



Foto nº 4 A

Foto nº 5


Foto nº 5A


Fpoto nº 6


Foto nº 7


Foto nº 7A


Foto nº 8


Foto nº 8A


Foto nº 9



Foto nº 9A


Foto nº 10


Foto nº 10A


Foto nº 11



Foto nº 11A



Foto nº 11B


Foto nº 12


Foto nº 12A


Foto nº 13


Foto nº 13A


Guiné > Região de Bafatá > Sector L1 (Bambadic«nca) > Missirá > CCAÇ 1439 /1965/67) e Pel Caç Nat 54 (1966/68) > 23 de dezembro de 1966...  Algumas legendas: 

Foto nº 1: sítio do Unimog, debaixo da 'cabaceira'; 

Foto nº 8 / 8 A: Alguns elementos do Pel Caç Nat 54 e da CCaç 1439, fotografados num cenário de destruição, na sequência do ataque do PAIGC;

Foto nº 9 ( 9 A: alf mil Marchand (Pel Caç Nat 54), comandante do destacamento, a avaliar os estragos do ataque de 22/12/1966, três dias antes da noite de Consoada;

Foto nº 10 /10A: José António Viegas (Pel Caç Nat 54); 

Foto nº 11 / 11A: morança dos furriéis (Pel Caç Nat 54)  alf mil Freitas (CCAÇ 1439), que comandou uma coluna de socorro a partir do Enxalé;   

Foto nº 12 / 12 A: a messe que escapou, por milagre, ao ataque, com balas incendiárias;

Foto nº 13 / 13A: a  morança do comandante do destacamento, que também não foi atingida.

Fotos (e legendas): © José António Viegas (2007). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné].



1.  [ Foto à esquerda:  José António Viegasex-fur mil art, Pel Caç Nat 54 (Mansabá, Enxalé, Missirá, Porto Gole, Bolama, Ilha das Cobras e Ilha das Galinhas, na altura, colónia penal); vivehoje  em Faro; é um dos régulos da Tabanca do Algarve; tem meia centena de referências no nosso blogue].

Estas fotos, que acima se reproduzem (de 1 a 13), foram tiradas pelo nosso camarada e amigo José António Viegas, e são reveladoras da violência da guerra em finais de 1966. Neste caso, do ataque do PAIGC ao destacamento e tabanca de Missirá, a norte do rio Geba Estreito, no regulado do Cuor, Sector L1 (Bambadinca), região de Bafatá. zona leste. Foram reproduzidas há muitos anos, na série "Recordações do 1º Comandante do Pel Caç Nat 52 (Henrique  Matos)" (*)

O ataque começou por volta das 22h30 do dia 22 de dezembro de 1966, três dias antes da Consoada. 

O destacamento e a tabanca eram defendidos pelo Pel Caç Nat 54,  comandado pelo alf mil Marchand  (, foto à direita,) e por um pelotão de milícia, comandado pelo alferes de 2ª linha e régulo da tabanca, Malan Soncó.  O destacamento pertencia ao subsector atribuído à CCAÇ 1439, que estava então no Enxalé  (**)

O fur mil Viegas ainda era periquito: tinha partido para o CTIG em rendição individual, em 30/7/1966.  Completaria 25 meses de comissão, tendo regressado a casa em 22/9/1968. 

2. Ele já  descreveu aqui o aconteceu nessa noite (***):

(...) 22 de Dezembro 1966. 22h30 da noite estavam os 3 furriéis conversando á espera do sono, eis que atravessa a palhota uma saraivada de balas incendiárias, tracejantes, explosivas, um pouco acima dos mosquiteiros.

Fui pegar na G3, meio vestido, a caminho do abrigo. A palhota já ardia, no caminho duas morteiradas certeiras entram no depósito de géneros alimentícios, acertando no bidão de óleo e de azeite o que provocou um fogo de artifício.

Já no abrigo ajudo o meu cabo a municiar a MG [42, a célebre metralhadora do exército alemão na II Guerra Mundial], no meio daquele fogacho ele diz que ouve falar espanhol, presume-se que estavam lá Cubanos .

O ataque já ia avançado e as nossas munições escasseando, o único Unimog que tínhamos estava debaixo de um embondeiro [, "cabaceira", em crioulo] e caiam morteiradas junto, com as palhotas na maioria a arder.

Parecia Roma vista de Bambadinca , o condutor da CCAÇ 1439 arranca debaixo de fogo e põe o Unimog a trabalhar para o retirar da zona de fogo. Como ele estava a escape livre, a barulheira foi muita e o IN, pensando que eram reforços, retirou. Este soldado condutor foi condecorado com a cruz  de guerra de 4ª classe. 
[ Soldado, condutor auto, nº 5406064, António dos Santos Campos ].

Tendo ido montar emboscada em Mato Cão, já calculando que a CCAÇ 1439, sediada em Enxalé, viria em nosso socorro, o que aconteceu, e como tal caíram debaixo de fogo, não havendo feridos do nosso lado. Houve um tiro caricato no Furriel Monteirinho, do Pel Caç Nat 52, do Alf Matos [, o açoriano Henrique José de Matos Francisco] , que lhe passou no meio das nádegas deixando somente queimaduras.

Ao nascer do dia, feito o balanço, tivemos dois mortos na população  
[, quatro mortos, segundo relatório da CCAÇ 1439, ] (**)   e alguns feridos ligeiros e muitas palhotas destruídas, alguns de nós ficaram só com a roupa que tínhamos no corpo.

Aproximava-se a véspera de Natal, e para o rancho pouco havia... O meu cabo nativo Ananias Pereira Fernandes sugeriu que ia tentar caçar qualquer coisa e caçou, arranjou óleo de chabéu e arroz e cozinhou uma maravilha que todos na messe gostaram, mas quando chegou a altura de mostrar o troféu, a cabeça do macaco cão, houve quem não aguentasse o estômago... Guardei essa caveira do macaco por anos.

E foi este o primeiro Natal na Guiné do Pel Caç Nat 54. (...) 
 (***)

Num tipo de guerra como  esta ("subversiva", diziam as NT; "de libertação", dizia o PAIGC), não se fazia, de um lado e do outro, uma clara distinção entre alvos civis e alvos militares...A "militarização" (, sistema de autodefesa e formação de milícias, ) do povo fula, aliado tradicional das autoridades portuguesas de então,  teve consequências como estas, com todo o seu cortejo de mortos, feridos, casas incendiadas, víveres destruídos, dor e ódio: muitas tabancas fulas eram atacadas "com fúria e em força", de noite, com armamento pesado e balas incendiárias...  (****)
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Notas do editor:

(*) Vd. postes de: