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sexta-feira, 10 de fevereiro de 2023

Guiné 61/74 - P24055: Notas de leitura (1552): Uma safra de leituras, sábado na Feira da Ladra, em tempos de pandemia (2) (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 1 de Junho de 2020:

Queridos amigos,
O que há de verdadeiramente relevante nesta brochura, com pensamento de "companheiros de estrada" de inteletuais conservadores britânicos, no início da década de 1960? Era uma política pragmática, já não havia Império das Índias, tudo convergia para a Commonwealth, saber tirar partido do inglês, da educação, do sistema administrativo colonial reconvertido, da ajuda e cooperação. Ter os olhos bem abertos à presença sino-soviética, a grande divisão no bloco comunista estava já anunciada mas ainda não confirmada. Reconhecia-se o papel fulcral das Nações Unidas, como igualmente se reconhecia a existência de problemas momentosos como os da Rodésia e da África do Sul, não havia transigências para o Apartheid e temia-se que os governos de minoria branca incendiassem a África Austral. O império colonial português era considerado pelos conservadores como caduco e a intransigência de Salazar levaria o país para um beco sem saída, já que não existem soluções militares para as lutas de libertação, e o Bow Group propunha ao governo de Londres que ajudasse Portugal a negociar e não lhe vendesse armas com apoio técnico.

Um abraço do
Mário



Uma safra de leituras, sábado na Feira da Ladra, em tempos de pandemia (2)

Mário Beja Santos

É de questionar, antes de mais, qual o grau de utilidade de pôr em cima da mesa uma publicação produzida em 1961 por um think tank de nome Bow Group, que funciona na órbita do Partido Conservador Britânico, ainda hoje afirmando-se com elevado grau de independência, se bem que dirigido pelo antigo primeiro-ministro John Major, para se fazer uma reflexão sobre o que os conservadores britânicos pensavam da nova África independente, no tempo em que já germinava a inclusão das antigas colónias africanas na Commonwealth fundada muitos anos antes. A validade deste exercício é permitir-nos avaliar o realismo britânico que abandonara as fanfarronadas imperiais e que procurava um novo papel junto das suas antigas colónias independentes, ciente de que a África entrara na Guerra Fria, de que se punha com muita agudeza o problema das sociedades multirraciais, havendo que discernir sobre a contribuição britânica nos terrenos da educação, da administração, do desenvolvimento e da segurança interna.

Os britânicos receberam muito bem a mensagem do seu primeiro-ministro Harold Macmillan quando ele anunciou em 1960 os novos ventos da mudança, isto em pleno parlamento da África do Sul, estava dado o mote para repensar o novo enquadramento da cooperação e da ajuda ao desenvolvimento, havia inclusivamente, e isso diz-se sem rebuço na reflexão deste documento, que pugnar pela estabilização dos preços das matérias-primas. A previsão do think tank aparece claramente descrita para um novo desempenho britânico na assistência técnica, na consagração dos novos países na Commonwealth, no incremento dos investimentos, deixando bem claro os problemas concorrenciais com a presença sino-soviética e as transformações que se estavam a operar no bloco francês, sobretudo com a criação de uma comunidade francesa da África Ocidental. É nesse contexto que os membros do think tank são levados a sugerir encorajamento às federações entre países, era uma moda, como hoje se sabe, praticamente todas as federações sugeridas nas Áfricas Ocidental, Central e Oriental acabaram no charco.

A presença comunista é dissecada, fala-se das estações radiofónicas de Moscovo e Pequim, as agências noticiosas, a distribuição de publicações, os convites para viagens e bolsas de estudo. Moscovo tinha transformado a Universidade da Amizade em Universidade Patrice Lumumba, a ela acorriam milhares de estudantes da África, Ásia e América Latina, mas logo ser observa que se bem que três mil ganeses tivessem a estudar em Moscovo, mil e quinhentos ganeses estudavam no Reino Unido. Estes analistas minimizavam os cursos de sindicalismo a africanos dados em Moscovo e Pequim, no contexto internacional o sindicalismo sob a égide do comunismo estava claramente demarcado do sindicalismo dito do “mundo livre”. Havia igualmente que ponderar o apoio britânico ao trabalho das igrejas cristãs e referia-se em concreto o bom trabalho que acontecia graças às atividades dos missionários da Igreja da Escócia na Niassalândia, da Igreja Católica na Rodésia do Sul e dos Missionários Baptistas em Angola. Avançava-se com propostas de trabalho para a nova diplomacia em África: formação da administração colonial, com o intuito de criar administrações locais democráticas, apoiar as diferentes modalidades de voluntariado sobretudo nas áreas da Educação, da Saúde e da Administração Pública.

Devia transformar-se num objetivo predominante que a África Ocidental de língua inglesa se inserisse na Commonwealth, apostar no apoio à construção de economias diversificadas e seguras, e refere-se concretamente a Federação do Tanganica, o Quénia e o Uganda, e admitia-se a possibilidade do Zanzibar, a Niassalândia e a Rodésia do Norte preferirem aderir a uma federação da África Central. E são passados em revista os diferentes problemas políticos: Jomo Kenyatta e o Quénia, a existência de uma base militar britânica em Kahawa (nos arredores de Nairobi), e todos os problemas da agricultura queniana deviam ser cuidadosamente apoiados na ajuda técnica. Do mesmo modo, a brochura analisa a Federação da Rodésia e Niassalândia, não escondem os estudiosos que se avizinham problemas altamente delicados.

A análise da África Ocidental, dizem estes investigadores, que havia de agir numa boa relação diplomática com a França, na medida em que a Mauritânia, Senegal, Guiné, Mali, Togo, Chade, República Centro-Africana, o Gabão, o Congo Brazzaville e os aliados Costa do Marfim, Alto Volta, Daomé e Níger eram países declaradamente francófilos, tirando a Guiné de Sékou Touré, todos os outros aceitavam uma forma de entendimento com a França. O Reino Unido tinha um problema sensível com o Gana, na medida em que Nkrumah não escondia simpatias por Moscovo e tinha um programa pan-africano que estava pronto a pôr em marcha, Nkrumah estabelecera relações com a República Árabe Unida, estava ao lado dos sublevados argelinos, enfim Nasser, Nkrumah e Sékou Touré estavam prontos a receber apoio soviético. Em capítulo separado é apreciada a importância da Nigéria e a necessidade de manter as diferentes etnias coesas no mesmo Estado.

Ao tempo, o governo britânico já tinha imensas dores de cabeça com o Aparteid sul-africano, completamente desaprovado por Londres, em sintonia com as Nações Unidas, o que estes autores propõem é que se continue a criticar o Aparteid mas distinguido entre o governo e o povo da África do Sul. Em capítulo à parte aborda-se Espanha e Portugal em África e o subtítulo é claro: colonialismo fora de moda. Desde que De Gaulle apoiava uma Argélia independente, se bem com forte oposição, as possessões espanholas preparavam-se para alcançar a independência, nesta altura ainda ninguém sobrelevava o problema do Sara Ocidental, Marrocos ainda não lhe tinha lançado a garra, curiosamente não é hoje assunto relevante na cena internacional, o que dá que pensar como as grandes potências se resignam à tirania marroquina.

O Bow Group não tem ilusões de que Salazar, contrariando os ventos de mudança, se iria preparar para uma guerra interminável, e adiantam que não há solução militar para qualquer problema colonial, competia ao governo de Sua Majestade não vender armas, nem dar apoio técnico ou tecnológico às Forças Armadas portuguesas e recusar o uso de armamento da NATO nos territórios africanos portugueses. Concluia-se mesmo este capítulo advogando que a diplomacia britânica devia estar preparada para usar os seus bons ofícios a ajudar as ocupações pacíficas entre Portugal e os movimentos de libertação. E por último, o think tank discreteia sobre o papel das Nações Unidas em África, nomeadamente quanto ao que se estava a passar no Congo e nos territórios portugueses, havendo ainda a questão sul-africana no contexto da África Austral.

O Reino Unido não podia iludir a questão colonial, se necessidade houvesse havia que apelar às Nações Unidas para intervir em Angola. A nova Commonwealth e a nova África tinham-se transformado num assunto político de primeira grandeza, competia ao governo não discurar a tempo e horas a ajuda a África e ganhar a competição aos comunistas.

Mapa político de África em 30 de junho de 1961: a cinzento os Estados independentes
John Kennedy e Harold Macmillan, Bermudas, 21 de dezembro de 1961
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Notas do editor

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Último poste da série de 7 DE FEVEREIRO DE 2023 > Guiné 61/74 - P24044: Notas de leitura (1551): Quem mandou matar Amílcar Cabral? (José Pedro Castanheira, jornalista, "Expresso", 22 de janeiro de 2023) - Parte I - Talvez o maior mistério da "absurda e inútil" guerra colonial (Luís Graça)

sexta-feira, 6 de janeiro de 2023

Guiné 61/74 - P23956: Notas de leitura (1540): "O Santuário Perdido: A Força Aérea na Guerra da Guiné, 1961-1974 - Volume I: Eclosão e Escalada (1961-1966)", por Matthew M. Hurley e José Augusto Matos, 2022 (11) (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 5 de Janeiro de 2023:

Queridos amigos,
Os autores passam em revista as facilidades e impossibilidades verificadas para a aquisição de aeronaves, houve uma enorme flexibilidade por parte das autoridades francesas e alemãs ocidentais, foram inúmeras as reticências britânicas e norte-americanas, estas exigiam a declaração formal de que as aeronaves a adquirir jamais iriam ser utilizadas em solo africano; neste trabalho também fica claro o desempenho da FAP na Operação Tridente, como é observado no texto aquela operação nunca teria chegado a bom porto sem o apoio dado aos desembarques, a cadeia de bombardeamentos, os abastecimentos de emergência e o transporte de sinistrados. Penso igualmente que para o blogue é uma fonte de enriquecimento as imagens que Hurley e Matos inscreveram no seu livro e que tiveram a amabilidade de as deixar fixar no nosso blogue.

Um abraço do
Mário



O Santuário Perdido: A Força Aérea na Guerra da Guiné, 1961-1974
Volume I: Eclosão e Escalada (1961-1966), por Matthew M. Hurley e José Augusto Matos, 2022 (11)


Mário Beja Santos

Este primeiro volume d’O Santuário Perdido, por ora só tem edição inglesa, dá-se a referência a todos os interessados: Helion & Company Limited, email: info@helion.co.uk; website: www.helion.co.uk; blogue: http://blog.helion.co.uk/. Percorremos já um longo percurso (esta recensão já abrangeu mais de metade da obra), os investigadores socorrem-se de um processo diacrónico, atravessam toda a cronologia de acontecimentos internacionais e nacionais que se prendem com o fenómeno da descolonização africana e como este afetou a Guiné; depois dão-nos o quadro dos meios aéreos existentes, no início da década de 1960 e a sua evolução até ao desencadear da guerra, a adaptação de infraestruturas (nomeadamente Bissalanca, Cufar e Gabu), o aperfeiçoamento na formação dos pilotos, etc. Estamos exatamente num momento em que os autores abordam os comportamentos militares dos primeiros comandantes-chefes e as aquisições efetuadas, designadamente na Europa Ocidental.

Está historicamente comprovado que o Brigadeiro Louro de Sousa falou inteiramente verdade em Lisboa, perante o Conselho Superior de Defesa Nacional, em 1963, justificando a urgência em reforços e envio de recursos para travar os ímpetos da guerrilha, fundamentava as suas posições com relatórios tanto das forças terrestres, como navais e aéreas, caso do Coronel Krus Abecasis que era o Chefe-de-Estado-Maior da 1.ª Região Aérea. Este identificou as deficiências mais críticas na organização e operacionalidade da FAP: havia muito pouca cooperação entre os serviços e uma supercentralização das cadeias de comando. Observou ele também uma ausência de coordenação entre os pilotos e as forças terrestres, havia uma concentração de informações nos níveis mais altos do comando, mas os pilotos ignoravam-nas. Foram questões gradualmente resolvidas nos anos seguintes pela introdução de vários mecanismos organizacionais que visavam melhorar a coordenação entre as diferentes forças e entre os escalões de comando.

Há também a registar a melhoria na disponibilidade de aeronaves dadas as boas relações militares e políticas com os governos da França e da Alemanha Ocidental. Dizem os autores que Paris procurou com caráter de urgência, tendo uma força nuclear independente fora da NATO, estabelecer uma estação de rastreamento no meio do Atlântico para o seu incipiente programa de mísseis balísticos, escolheu-se a Ilha das Flores como a base ideal, assinou-se um acordo em 7 de abril de 1964, este acordo de arrendamento da base das Flores teve um impacto positivo na ajuda militar francesa. A França tornou-se no principal fornecedor de armas a Portugal entre 1964 e 1971. Como lembrou o ex-Chefe de Estado-Maior da FAP (1977-1984), o General Lemos Ferreira, “não foi difícil para Portugal comprar material de guerra francês. Que eu saiba, nunca levantaram qualquer problema.” E assim se deu o fornecimento de um número impressionante de helicópteros Alouette III, recém-construídos, o primeiro dos quais foi entregue em 1963. O Alouette III iria desempenhar um papel fundamental na evolução da guerra na Guiné.

O apoio da Alemanha Ocidental à FAP não foi menos importante que o da França. Em 1960, o Ministério da Defesa da RFA identificou a necessidade de uma base de formação, depósito de logística e instalações a fixar como área de retaguarda continental da NATO. Lisboa ofereceu-se para construir uma instalação específica em Beja, que foi inaugurada em 21 de outubro de 1964, designada por Base Aérea N.º 11. Beja tornou-se na primeira base aérea estrangeira alemã, desde a Segunda Guerra Mundial, estará operacional até ao final da década de 1980. O acordo que levou à criação da base de Beja assegurou a entrega por parte de Bona de aeronaves, apesar de um embargo de armas da Alemanha Ocidental a Portugal, após o início das hostilidades em Angola. No final de 1963, o Ministério da Defesa da Alemanha Ocidental concordou na entrega de 46 DO-27 novos e usados e 70 T-6, com grandes descontos, sobretudo para os DO-27. Embora tivesse ficado estipulado que as aeronaves permaneceriam em Portugal e seriam usadas em defesa dos interesses da NATO, o governo português encontrou um expediente dizendo que a defesa do Ultramar servia os interesses da NATO. No final da década de 1960, a RFA tinha vendido ou alugado mais de 200 aeronaves à FAP incluindo os DO-27 e T-6, 40 caças Fiat G.91 e 15 Noratlas, aeronaves que serviram em África.

Lisboa encontrou parceiros menos dispostos a fornecer aeronaves, casos do Reino Unido e dos EUA. Entre 1962 e 1964 Portugal tentou adquirir vários tipos de aviões de combate britânicos, incluindo 6 bombardeiros Canberra, 15 bombardeiros Hunter e, pelo menos, uma dúzia de helicópteros de dimensão média Wessex ou Whirlwind. Lisboa elevou o nível dos seus pedidos, mas o Reino Unido recusou fazer acordo justificando o embargo com as guerras que Portugal travava em África, isto a despeito da Grã-Bretanha inicialmente ter estado inclinada a permitir a venda. O Reino Unido insistiu sempre que Lisboa desse a garantia que os bombardeiros não seriam usados em África, Lisboa recusou. O embargo de armas imposto pelos Estados Unidos da América parecia que iria dificultar tudo, invocava-se sempre a NATO, ficava interdita qualquer venda se qualquer das aeronaves fosse utilizada em África. Quando se soube que havia aviões norte-americanos em África, as relações entre Lisboa e Washington ficaram seriamente comprometidas. Franco Nogueira insistia que as aeronaves eram necessárias para dissuadir as frequentes “intrusões do espaço aéreo da Guiné Portuguesa no Senegal”. O principal aliado de Portugal na NATO suspendeu toda as entregas de todas as aeronaves e materiais prometidos no âmbito do Programa de Assistência Militar, incluindo peças de reposição e equipamentos de manutenção. Além dos F-86 terem ficado formalmente interditos, ameaçou-se o embargo aos P2V-5, F-84 e DC-6. Para atenuar as tensões existentes, Lisboa aceitou as exigências norte-americanas e reencaminhou os Sabre para a metrópole no final de 1964. A partida dos F-86 deixaria a FAP sem nenhum avião a jato na Guiné por quase 2 anos.

No último trimestre de 1963, a situação militar estava profundamente delicada, a guerrilha e a sua propaganda falavam na existência da República Independente do Como, o PAIGC deslocara centenas de militantes para esta região onde deixara de haver presença portuguesa. A dita República Independente incluía 3 ilhas: Como, Caiar, Catunco, separadas por canais estreitos, representava um ambiente clássico para operações de guerrilha. Os comandos militares portugueses tomaram nota dos dois riscos: o efeito da propaganda em meios internacionais e o facto destas ilhas estarem bem posicionadas para ataques e emboscadas em todo o Sudoeste da Guiné e poderem perseguir o tráfego marítimo ao longo da costa Sul. As crescentes bases do PAIGC eram também excelentes pontos de partida para a penetração da Península de Tombali e, a partir daí, em todo o Oeste da Guiné. Esta força de centena de homens do PAIGC era comandada por Nino Vieira acolitado por um grupo de 15 assessores militares ou observadores da República da Guiné. A 13 de dezembro de 1963, o Ministério da Defesa Nacional deu luz verde à Operação “Tridente”. O plano previa uma invasão anfíbia ao longo de múltiplos eixos, apoiada por forças aéreas e navais, o objetivo era ocupar as três ilhas e destruir ou obrigar o PAIGC a abandonar os redutos. Não vale a pena aqui voltar a desenvolver o decurso da operação.

O Comandante-Chefe Louro de Sousa revelava otimismo quanto ao sucesso da operação, otimismo que era igualmente compartilhado pela FAP, o comandante da ZACVG, Coronel Francisco Delgado, deu o seu aval ao plano geral das operações, direcionando as suas unidades para: proteger as zonas de desembarque, em cooperação com a marinha, realizar reconhecimento aéreo, evacuação médica, abastecimento de emergência e fornecer um posto de comando aerotransportado. Antes dos primeiros desembarques (14 de janeiro) foram lançados panfletos nas ilhas, alertando a população civil, era uma tentativa para reduzir as baixas de não combatentes, apesar da perda de surpresa operacional que tal alerta inevitavelmente causava. Os F-86, T-6, bombardeiros P2V-5 foram destacados para os bombardeamentos aéreos, enquanto os Do-27, Auster e os Dakota iriam cumprir as inúmeras funções de apoio; pelo menos um C-47 também foi colocado em serviço e três Alouette III foram envolvidos na operação, foi num desses helicópteros que viajou o ministro da Defesa, General Gomes de Araújo até ao comando de operação na fragata Nuno Tristão, ali se construiu uma plataforma improvisada para a aterragem de helicópteros.

Foram frequentes as avarias dos F-86 na Guiné, os motores tiveram que ser reenviados para Portugal depois de aproximadamente 200 horas de operação (Coleção Touricas)
Dois Alouette III em atividade operacional, no canto esquerdo está um Do-27 (Coleção Tiago Nóbrega)
Portugal tentou comprar bombardeiros Canberra B.2 no princípio dos anos 1960, mas a venda nunca se materializou, acabou-se por comprar aeronaves B-26 (Coleção Fred Willemsen)
Em 1964, Portugal foi obrigado a retirar os F-86 da Guiné devido à decisão norte-americana (Arquivo Histórico da Força Aérea)
Guerrilheiros do PAIGC na Ilha do Como (Coleção Alberto Grandolini)
Guerrilheiro do PAIGC a colocar uma mina antipessoal (Coleção Alberto Grandolini)
Operação Tridente, janeiro-março de 1964 (Matthew M. Hurley)
Chegada do ministro da Defesa Nacional, general Gomes de Araújo, à fragata Nuno Tristão (Arquivo Histórico da Marinha)

(continua)

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Notas do editor:

Postes anteriores de:

28 DE OUTUBRO DE 2022 > Guiné 61/74 - P23745: Notas de leitura (1511): "O Santuário Perdido: A Força Aérea na Guerra da Guiné, 1961-1974 - Volume I: Eclosão e Escalada (1961-1966)", por Matthew M. Hurley e José Augusto Matos, 2022 (1) (Mário Beja Santos)

7 de Novembro de 2022 > Guiné 61/74 - P23769: Notas de leitura (1514): "O Santuário Perdido: A Força Aérea na Guerra da Guiné, 1961-1974 - Volume I: Eclosão e Escalada (1961-1966)", por Matthew M. Hurley e José Augusto Matos, 2022 (2) (Mário Beja Santos)

11 DE NOVEMBRO DE 2022 > Guiné 61/74 - P23776: Notas de leitura (1515): "O Santuário Perdido: A Força Aérea na Guerra da Guiné, 1961-1974 - Volume I: Eclosão e Escalada (1961-1966)", por Matthew M. Hurley e José Augusto Matos, 2022 (3) (Mário Beja Santos)

18 DE NOVEMBRO DE 2022 > Guiné 61/74 - P23794: Notas de leitura (1519): "O Santuário Perdido: A Força Aérea na Guerra da Guiné, 1961-1974 - Volume I: Eclosão e Escalada (1961-1966)", por Matthew M. Hurley e José Augusto Matos, 2022 (4) (Mário Beja Santos)

25 DE NOVEMBRO DE 2022 > Guiné 61/74 - P23815: Notas de leitura (1522): "O Santuário Perdido: A Força Aérea na Guerra da Guiné, 1961-1974 - Volume I: Eclosão e Escalada (1961-1966)", por Matthew M. Hurley e José Augusto Matos, 2022 (5) (Mário Beja Santos)

2 DE DEZEMBRO DE 2022 > Guiné 61/74 - P23839: Notas de leitura (1526): "O Santuário Perdido: A Força Aérea na Guerra da Guiné, 1961-1974 - Volume I: Eclosão e Escalada (1961-1966)", por Matthew M. Hurley e José Augusto Matos, 2022 (6) (Mário Beja Santos)

9 DE DEZEMBRO DE 2022 > Guiné 61/74 - P23859: Notas de leitura (1530): "O Santuário Perdido: A Força Aérea na Guerra da Guiné, 1961-1974 - Volume I: Eclosão e Escalada (1961-1966)", por Matthew M. Hurley e José Augusto Matos, 2022 (7) (Mário Beja Santos)

16 DE DEZEMBRO DE 2022 > Guiné 61/74 - P23886: Notas de leitura (1533): "O Santuário Perdido: A Força Aérea na Guerra da Guiné, 1961-1974 - Volume I: Eclosão e Escalada (1961-1966)", por Matthew M. Hurley e José Augusto Matos, 2022 (8) (Mário Beja Santos)

23 DE DEZEMBRO DE 2022 > Guiné 61/74 - P23909: Notas de leitura (1535): "O Santuário Perdido: A Força Aérea na Guerra da Guiné, 1961-1974 - Volume I: Eclosão e Escalada (1961-1966)", por Matthew M. Hurley e José Augusto Matos, 2022 (9) (Mário Beja Santos)

30 DE DEZEMBRO DE 2022 > Guiné 61/74 - P23930: Notas de leitura (1538): "O Santuário Perdido: A Força Aérea na Guerra da Guiné, 1961-1974 - Volume I: Eclosão e Escalada (1961-1966)", por Matthew M. Hurley e José Augusto Matos, 2022 (10) (Mário Beja Santos)

Último poste da série de 2 DE JANEIRO DE 2023 > Guiné 61/74 - P23938: Notas de leitura (1539): "Noites de Mejo", por Luís Cadete, comandante da CCAÇ 1591; edição de autor, com produção da Âncora Editora, 2022 (2) (Mário Beja Santos)

sexta-feira, 25 de novembro de 2022

Guiné 61/74 - P23815: Notas de leitura (1522): "O Santuário Perdido: A Força Aérea na Guerra da Guiné, 1961-1974 - Volume I: Eclosão e Escalada (1961-1966)", por Matthew M. Hurley e José Augusto Matos, 2022 (5) (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 21 de Novembro de 2022:

Queridos amigos,
Dando continuidade à exposição que os autores fazem quanto ao elenco de aeronaves que participaram nos 3 teatros de operações, aqui se procede a uma súmula de quem foi quem no combate aéreo, no transporte de seres humanos e armamento, na vigilância aérea durante as operações terrestres, entre outras atividades. Aqui se fala nos helicópteros de que guardamos memória, os Alouette II e III, o Dakota e o DO-27, cada um de nós guarda seguramente memórias de viagens benignas ou associadas a operações ou transporte de feridos. Os autores recordam a doutrina da NATO para a defesa euro-atlântica a como esta se revelou dinâmica na preparação de pilotos que foram confrontados, sobretudo pelos franceses e pelos britânicos do que era o combate à contrainsurgência. Aparentemente, tudo levava a crer nessa fase inicial de que a superioridade aérea não merecia discussão, o fornecimento da sofisticada artilharia e mais tarde dos mísseis terra-ar ainda não estava previsto.
Veremos adiante como se processou a escalada da guerra.

Um abraço do
Mário



O Santuário Perdido: A Força Aérea na Guerra da Guiné, 1961-1974
Volume I: Eclosão e Escalada (1961-1966), por Matthew M. Hurley e José Augusto Matos, 2022 (5)


Mário Beja Santos


Este primeiro volume d’O Santuário Perdido, por ora só tem edição inglesa, dá-se a referência a todos os interessados: Helion & Company Limited, email: info@helion.co.uk; website: www.helion.co.uk; blogue: http://blog.helion.co.uk/. Depois de sumariar o prefácio, entrámos no primeiro capítulo intitulado “O Vento da Mudança”, verificaram-se as alterações operadas no início da era de descolonização e as consequências que vieram a ter na colónia da Guiné.

Dando continuidade ao capítulo “Aviões com a Cruz de Cristo”, depois de ter falado do Neptune, Invader, Harvard, Sabre e do Fiat G.91, é a vez de introduzir o Alouette II e o Alouette III. O Alouette II, de 5 lugares, foi o primeiro helicóptero a turbina, veio suplantar os motores de pistão mais pesados. Entrou em funções em junho de 1955 e a sua produção acabou 20 anos depois, foi usado em cerca de 50 países. O Alouette II teve grande desempenho na Argélia, no Congo, na Rodésia, bem como na África colonial portuguesa. Este helicóptero chegou ao Montijo em 1957, em 1960 já estava em Angola. O Alouette III beneficiou de algumas melhorias, tinha um motor mais potente e uma maior capacidade de carga (até 6 passageiros ou 2 toneladas de carga). Um piloto português observou que era uma “aeronave extraordinariamente robusta e fácil de pilotar”. Tinha fatores muito positivos do seu lado: exigia apenas meia hora de manutenção a cada hora de voo, possuía maior robustez, e era conhecido por sobreviver a fogo de armas ligeiras e até mesmo disparos de rockets antitanque. O Alouette III fez história durante décadas, andou nos combates no Zimbabué e nos conflitos fronteiriços da África do Sul, na guerra indo-paquistanesa, nos 3 teatros da guerra que Portugal travou em África. A FAP recebeu 142 Alouettes III entre 1963 e 1975, a sua carreira lendária findou em 2020.

O Auster foi muito utilizado na Segunda Guerra Mundial, era uma aeronave multiusos, possuía uma manutenção rudimental; chegou a Portugal em 1961, foram adquiridas 15 aeronaves no Reino Unido e outras 147 foram montadas nas Oficinas Gerais de Material Aeronáutico, dos quais 102 estiveram ao serviço operacional em África. Não era muito apreciado por ter uma descolagem um tanto difícil e os pilotos temiam a sua tendência de fazer um loop no solo. No entanto, teve um papel de destaque na fase crucial da guerra. Transportava os feridos, servia como posto de comando e pousava em pistas rudimentares. Foi retirado do serviço da FAP em 1976.

O Broussard foi concebido para satisfazer exigências do exército francês, entrou em serviço operacional na Argélia em operações e missões de busca e salvamento, tendo seguido mais tarde para o Chade. Portugal encomendou 5 aeronaves para entrega em 1960, estiveram ao serviço até 1976. O DO-27 foi produzido em massa na Alemanha. Foi das aeronaves mais apreciadas nos diferentes teatros de operações, pelo seu desempenho, a sua capacidade operacional e a facilidade de manipulação. Precisava de apenas 70 metros para descolar e apenas de 50 para pousar. Entrou ao serviço em dezembro de 1961 e foi retirado em 1979. O Dakota era o nome por que era conhecido no Reino Unido o Douglas C-47, ganhou estatuo lendário pela sua participação nas mais célebres campanhas de transporte aéreo, logo na operação Overlord, o desembarque da Normandia em 6 de junho de 1944. Serviu para transporte de tropas, avião de carga, bombardeiro, avião de reboque planador, transporte de feridos. Entrou na FAP em 1943, esteve na guerra de África e foi retirado em 1976 do serviço da FAP. O Skymaster nunca atuou na Guiné. Foi da maior importância o seu desempenho quando os soviéticos cercaram Berlim, os Skymaster tiveram desempenho fundamental no abastecimento da cidade cercada. Foi a primeira aeronave a seguir para Luanda, perderam-se 3 em acidentes, esteve operativo até 1973.

O DC-6 era o concorrente direto da Douglas com a Lockheed, atuou na guerra da Coreia. Portugal comprou 10 aviões usados DC-6 à Pan American, foi-lhes destinado o serviço ultramarino, viagens entre Lisboa e Moçambique. Esteve operacional até 1978. O Boeing 707 gozou de uma grande popularidade, era o símbolo de uma nova tecnologia e de um moderno design, a Boeing construiu 1000 aeronaves entre 1958 e 1978; possuía variantes militares para vigilância e reconhecimento, comando e controlo. Os TAP adquiriram três 707 para uso comercial, adquiriram-se outros tantos para o serviço da frota transoceânica.

Importa acrescentar que muitas das aeronaves da FAP foram projetadas e fabricadas para cumprir os papéis do poder aéreo segundo a doutrina da NATO. O F-86F, por exemplo, distinguiu-se em combates aéreos contra caças soviéticos; o F-84G foi utilizado por Portugal em Angola; o Neptune foi otimizado para a guerra submarina e o Fiat G.91 foi explicitamente concebido para satisfazer um requisito da Aliança Atlântica. As aeronaves da FAP envolvidas na política de defesa euro-atlântica da NATO tinham base permanente em Portugal Continental e nos Açores.

A adesão à NATO teve um sério impacto nas Forças Armadas e introduziu mudanças radicais na formação, táticas e doutrina. Com o incentivo de Humberto Delgado (adido militar em Washington) e do Chefe de Estado-Maior, General Botelho Moniz, um número crescente de oficiais da Força Aérea esteve em cursos e exercícios no estrangeiro – é a geração NATO, que induziu os comandos das Forças Armadas a mudar a orientação para um uso adequado do poder aéreo. Os principais aliados nesta operação de formação foram a França e a Grã-Bretanha, eram os dois maiores impérios europeus e estavam confrontados com sublevações nacionalistas, tinham larga experiência em campanhas de contrainsurgência. A FAP não possuía experiência de combate para enfrentar estes conflitos armados, enviou oficiais para formação, vieram inclusivamente palestrantes e até docentes que lecionaram no Instituto de Altos Estudos Militares quanto ao papel da aviação em guerra subversiva.

Entre 1959 e 1963, um punhado de oficiais frequentou cursos de teoria revolucionais e contrainsurgência orientadas pelas Forças Armadas francesas, britânicas, norte-americanas e até belgas. Publicaram-se manuais de apoio aéreo na contraguerrilha. A expetativa para a FAP parecia lisonjeira, os franceses na Indochina e na Argélia, os britânicos na Malásia e no Quénia, entre outros, desfrutavam inequivocamente de uma superioridade sobre inimigos que não podiam adquirir ou operar com meios aéreos nem possuíam artilharia antiaérea. Teve-se inicialmente a ilusão de que a FAP só precisava de meios relativamente modestos e que as aeronaves da FAP poderiam ser usadas numa grande variedade de funções.

A evolução da guerra comprovou que era mesmo ilusão, havia que evoluir para adversários cada vez melhor equipados.
Alouette II
O Alouette III foi o mais importante helicóptero utilizado por Portugal em África
A enfermeira paraquedista Maria Arminda dentro de um DO-27
Um Dakota na Guiné

(continua)

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Notas do editor

Poste anterior de 18 DE NOVEMBRO DE 2022 > Guiné 61/74 - P23794: Notas de leitura (1519): "O Santuário Perdido: A Força Aérea na Guerra da Guiné, 1961-1974 - Volume I: Eclosão e Escalada (1961-1966)", por Matthew M. Hurley e José Augusto Matos, 2022 (4) (Mário Beja Santos)

Último poste da série de 24 DE NOVEMBRO DE 2022 > Guiné 61/74 - P23811: Notas de leitura (1521): "Uma longa viagem com Vasco Pulido Valente", de João Céu e Silva (Lisboa, Contraponto, 2021, 2924 pp) - O Estado Novo, a guerra colonial, o Exército e o 25 de Abril (Luís Graça) - Parte III: Salazar, Caetano e as Forças Armadas... (Considerar os capitães milicianos como "voluntários" e "mercenários", raia o insulto, não?!..)

sexta-feira, 18 de novembro de 2022

Guiné 61/74 - P23794: Notas de leitura (1519): "O Santuário Perdido: A Força Aérea na Guerra da Guiné, 1961-1974 - Volume I: Eclosão e Escalada (1961-1966)", por Matthew M. Hurley e José Augusto Matos, 2022 (4) (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 8 de Novembro de 2022:

Queridos amigos,
Temos agora o repositório das aeronaves que a FAP foi adquirindo (ou procurou adquirir) para as três frentes da guerra de África. Recordo que me limito à recensão de factos que reputo de relevantes, julgo não ter aqui cabimento entrar em detalhes técnicos, em que os autores são competentes e rigorosos. Temos aqui o histórico das compras, uma boa parte delas bem-sucedidas, recusas e tentativas de aquisições a vendedores privados.Com o andar da guerra, foram crescendo as dificuldades, noto como curiosidade que perto do 25 de Abril o ministro Rui Patrício parecia estar a ter sucesso na compra de aviões Mirage, nessa altura já estava adquirido um sistema de defesa antiaérea para Bissalanca, o Crotale, admitia-se a probabilidade de ataques aéreos, o Crotale fora o sistema aprovado. Com o 25 de Abril, foi revendido.

Um abraço do
Mário



O Santuário Perdido: A Força Aérea na Guerra da Guiné, 1961-1974
Volume I: Eclosão e Escalada (1961-1966), por Matthew M. Hurley e José Augusto Matos, 2022 (4)


Mário Beja Santos

Este primeiro volume d’O Santuário Perdido, por ora só tem edição inglesa, dá-se a referência a todos os interessados: Helion & Company Limited, email: info@helion.co.uk; website: www.helion.co.uk; blogue: http://blog.helion.co.uk/.

Depois de sumariar o prefácio, entrámos no primeiro capítulo intitulado “O Vento da Mudança”, verificaram-se as alterações operadas no início da era de descolonização e as consequências que vieram a ter na colónia da Guiné. Começou a luta armada na Guiné, já se verificou que a NATO se recusou em ceder meios, considerou que as guerras de África excediam a defesa atlântica; o que obrigou a uma reviravolta substancial das prioridades do regime na área da defesa. Referiu-se que em 1957, Kaúlza de Arriaga, então Subsecretário de Estado da Aeronáutica, ordenou à Força Aérea que se preparasse para a sua implantação em África. Em conformidade, a FAP iniciou em 1958 um conjunto de missões para determinar quais os requisitos organizacionais nos territórios africanos. Em 1960, o Conselho Superior de Defesa Nacional decidiu as prioridades no planeamento num contexto exterior ao da NATO. No que respeita à Guiné portuguesa, a missão fundamental das Forças Armadas tinha dois objetivos: manter a ordem e a paz no território e garantir, a todo o custo, a manutenção da nossa soberania. Articularam-se três prioridades imediatas: formação de uma eficaz vigilância interna e das fronteiras, deu-se o reforço da presença da PIDE; disseminação das forças de segurança ao longo das fronteiras e em pontos estratégicos; estreitamento da cooperação civil-militar.

Peixoto Correia, governador, assumiu o comando das duas companhias de infantaria e tinha o apoio de uma bateria de artilharia, meios manifestamente insuficientes para a nova realidade; o Estado-Maior recomendou o reforço imediato e foram despachados contingentes militares, entre eles um pequeno quadro de aviadores, paraquedistas e pessoal de apoio – eles irão travar a campanha aérea mais intensa da história de Portugal.

Entramos agora no segundo capítulo “Aviões com a Cruz de Cristo”. Os autores recordam que a FAP foi formalmente constituída em 1 de julho de 1952, tinha dois serviços, o Serviço Aeronáutico Militar e o Serviço de Aviação da Armada. Foram adquiridas aeronaves atribuídas a cinco aeródromos operacionais, perto de trezentos aviões, é explicada a natureza e a utilização de tais aeronaves, detalha-se a sua fixação em aeródromos e composição orgânica. A FAP foi afetada por lhe ter sido alocada um equipamento obsoleto, manifestamente inadequado para uma guerra aérea moderna, mesmo para padrões da década de 1950.

Como membro fundador da NATO, Portugal obteve acesso a novas fontes de material e a formação compatível. Chegaram em 1952 dois aviões britânicos de treino Havilland Vampire T.55; no ano seguinte, os EUA enviaram cem novos caças-bombardeiros F-84G, a FAP entrava na era do jato, criaram-se dois esquadrões, era na Ota e em Tancos que se dava instrução complementar. Em 1954, a FAP recebeu o seu primeiro helicóptero, um Sikorsky YH-19 Chickasaw e 65 aviões Sabre F-86F. Estas aquisições custaram cerca de 348 milhões de dólares, qualquer coisa com um quarto dos gastos da defesa de Portugal nesse período.

A FAP está nesta altura sob a tutela do Subsecretário de Estado da Aeronáutica Kaúlza de Arriaga, que também criou o Batalhão de Caçadores de Pára-quedistas. Apesar destas novas aquisições, era manifesto o atraso da FAP face aos seus homólogos da NATO, isto no final da década de 1950. Na verdade, a maioria das forças aéreas aliadas já voavam em aviões de combate supersónicos, Portugal tinha acabado de receber o F-86F que tinha sido o avião de caça mais usado na Guerra da Coreia. Estes F-86F chegaram a servir em África, bem como os F-84G. Eram estes os aviões que estavam na linha da frente em Portugal e na Turquia. Com a eclosão da guerra em Angola, em fevereiro de 1961, a FAP levou para Luanda os F-84G. Este contingente F-84G representou o primeiro destacamento operacional de aviões militares portugueses para a África, desde o período imediatamente a seguir à Primeira Guerra Mundial.

Com a guerra de África em três frentes, a FAP adaptou as aeronaves de que dispunha às necessidades operacionais. O PV-2 Harpoon foi despachado para África para combater a guerrilha. Vários modelos da família T-6 foram adaptados para transportar armamento ofensivo. À medida que a década de 1960 avançava, a FAP procurou melhorar as suas capacidades adquirindo novas aeronaves, mas manteve uma frota largamente obsoleta na guerra de África. O F-86 era um avião de sucesso, mesmo na era pós-1945. Os pilotos gostavam deste avião de caça pela sua agilidade. Foi muito importante na guerra da Coreia e mostrou-se superior ao MiG-15 soviético e mesmo sobre o MiG-17. Teve uma apreciável carreira, até se “aposentar” ao serviço da Força Aérea Boliviana, em 1994. Portugal adquiriu 65 aviões em segunda mão aos Estados Unidos e à Noruega, deu origem aos “Falcões”, sediados na base aérea de Monte Real, foram entregues como parte do rearmamento da NATO e destinados ao uso na “Área da NATO”, o que os excluía dos territórios africanos.

Centenas de milhares de aviadores norte-americanos e aliados aprenderam a voar em T-6 norte-americanos, chamados SNJ na Marinha dos EUA e Harvard no Reino Unido, no decurso da Segunda Guerra Mundial. Com licença dos EUA, estiveram ao serviço nas forças armadas de 55 nações, participaram em 40 guerras, conflitos e revoltas. A FAP recebeu um total de 251 T-6.

O Fiat G.91 entrou em funções na NATO para apoio terrestre e reconhecimento de ataque. Só a Itália e a Alemanha Federal aceitaram o G.91. EM 1966, quando Portugal se apercebeu da inviabilidade em adquirir novos aviões de combate nos EUA e Reino Unido, recorreu à Alemanha Federal para obter o Fiat G-91. Portugal adquiriu 12 aviões para patrulha marítima Neptune construídos nos EUA, foram comprados em segunda mão através da Holanda, em 1960. Era originalmente destinado à vigilância marítima e à guerra submarina, foi depois adaptado para missões ar-terra, mas detetou-se a falta de um sistema de precisão que limitava a sua utilidade em ataque terrestre; podia transportar até 6 toneladas de bombas, rockets, torpedos ou cargas de profundidade. O último Neptune foi retirado do serviço de Portugal no ano de 1977.

O Douglas B-26 Invader fez uma breve aparição na Guiné. Era capaz de transportar grandes cargas, entrou em combate em 1944, fez a guerra do Pacífico e a da Coreia, destruindo dezenas de milhares de estradas e ferrovias inimigas, esteve presente na crise do Congo, na invasão da Baía dos Porcos e na guerra do Biafra. Portugal começou por pedir para comprar 24 B-26, mas foi-lhe recusado, tentou-se a sua compra através de um fornecedor privado norte-americano, apenas 7 foram entregues antes dos restantes terem sido apreendidos pelas autoridades norte-americanas. Dois B-26 foram enviados para a Guiné em 1971 para uma avaliação operacional antes de seguirem para a Angola. Na Guiné realizaram 55 missões de combate, incluindo três dúzias de bombardeamentos.

Vamos seguidamente falar do Alouette II.


Salazar conversa com Dirk Stikker, Secretário-Geral da NATO, 1961, os dois primeiros à direita são Gomes de Araújo e Franco Nogueira
Kaúlza de Arriaga, Subsecretário de Estado da Aeronáutica
A Base das Lajes nos Açores, em meados de 1950, veem-se aviões da FAP e da Força Aérea dos Estados Unidos
As bases da Força Aérea em 1952-1959
Um dos aviões de treino Havilland Vampire T-55 entregues a Portugal

(continua)
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Notas do editor:

Poste anterior de 11 DE NOVEMBRO DE 2022 > Guiné 61/74 - P23776: Notas de leitura (1515): "O Santuário Perdido: A Força Aérea na Guerra da Guiné, 1961-1974 - Volume I: Eclosão e Escalada (1961-1966)", por Matthew M. Hurley e José Augusto Matos, 2022 (3) (Mário Beja Santos)

Último poste da série de 18 DE NOVEMBRO DE 2022 > Guiné 61/74 - P23793: Notas de leitura (1518): "Uma longa viagem com Pulido Valente", de João Céu e Silva (Lisboa, Contraponto, 2021, 2924 pp) - O Estado Novo, a guerra colonial, o Exército e o 25 de Abril (Luís Graça) - Parte II: A guerra de África não foi nada parecido como o trauma da I Grande Guerra...

sexta-feira, 28 de outubro de 2022

Guiné 61/74 - P23745: Notas de leitura (1511): "O Santuário Perdido: A Força Aérea na Guerra da Guiné, 1961-1974 - Volume I: Eclosão e Escalada (1961-1966)", por Matthew M. Hurley e José Augusto Matos, 2022 (1) (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 21 de Outubro de 2022:

Queridos amigos,
O Zé Matos teve a gentileza de me enviar o mail com o miolo deste livro que ele escreveu em parceria com um reputado especialista, Matthew Hurley. Oxalá que surja a possibilidade de haver uma tradução portuguesa, pelo menos as instituições da Força Aérea deviam cuidar de quem investiga em sua memória. Aqui vai a introdução, só lhe introduzo um reparo acerca da estagnação económica que os autores referem sobre o período. Não foi nada assim, autores da maior probidade e rigor já esclareceram como os anos 1960 foram decisivos de diferentes títulos: a tumultuosa emigração, a avalanche turística no Algarve, os investimentos estrangeiros, a explosão industrial, etc., são dados indiscutíveis. O mesmo não acontece com os primeiros anos de 1970, e a crise petrolífera atingiu-nos em cheio, é contemporânea de uma situação aguda em mobilizar mais jovens para os conflitos africanos. Ainda bem que vemos investigadores portugueses envolvidos em trabalhos que possam circular na arena internacional da pesquisa e confronto de posições.

Um abraço do
Mário



O Santuário Perdido: A Força Aérea na Guerra da Guiné, 1961-1974
Volume I: Eclosão e Escalada (1961-1966), por Matthew M. Hurley e José Augusto Matos, 2022 (1)


Mário Beja Santos

Este primeiro volume d’O Santuário Perdido por ora só tem edição inglesa, dá-se a referência a todos os interessados: Helion & Company Limited, email: info@helion.co.uk; website: www.helion.co.uk; blogue: http://blog.helion.co.uk/.

É um pequeno volume onde, depois de se dar informação sobre abreviaturas e notas terminológicas, se faz uma curta introdução, a que os autores intitulam “Crocodilos e Bombas”. Na edição de hoje, sumariamos, por conta e risco próprios, o essencial de tal introdução.

Em 1960 ocorre uma mudança extraordinária na aviação militar, aparecem no terreno aviões supersónicos, misseis e o radar concorreu para o modo de fazer a guerra. Em Portugal, nesse mesmo período, a mudança foi outra. De 1961 para 1975, Portugal combateu em África e a Força Aérea Portuguesa (FAP) travou uma guerra a baixa-altitude com aparelhagem eletrónica rudimentar contra a guerrilha. Estas operações da FAP eram de baixa intensidade. É uma das razões por que a guerra portuguesa em África passou praticamente sem nenhum estudo de observadores contemporâneos, em Portugal ou fora de África.

Mesmo com estas limitações, a FAP, no teatro africano da Guiné, mostrou o valor e as vulnerabilidades do poder aéreo num contexto irregular, como instrumento da contrainsurgência. De 1963 a 1974 a FAP desempenhou sucessivamente missões que incluíram bombardeamentos ofensivos e atividades humanitárias. No nível de ação direta e de resultados militares imediatos a FAP provou ser a mais importante arma contra a guerra subversiva e, em alguns momentos, o seu modesto desempenho pareceu levar a insurgência ao colapso. Contudo, devido à efetividade da FAP, o aparelho imperial – e especialmente a sua componente militar – foi crescendo excessivamente dependente da operacionalidade aérea. Os independentistas viram-se obrigados a dar prioridade à defesa aérea. Os imperativos da competição envolveram as capacidades da FAP e da guerrilha e acabaram por se constituir o pivô do resultado da guerra.

Durante a guerra que Portugal travou na Guiné, a FAP demonstrou um notável poder de intervenção, e assim se conseguiu manter uma campanha ao longo de uma década em ambiente austero apesar das deficiências crónicas em meios aéreos, armamento e pessoal – fragilidades devidas à estagnação económica interna (?), mudanças demográficas e hostilidade internacional ao império português.

Há ainda que ter em conta a resiliência da FAP tendo em conta a existência de outros teatros de operações e o enquadramento logístico exigido pela NATO (recorde-se que a NATO exigiu a retirada dos F-86 da Guiné). A adaptabilidade da FAP e a utilização hábil dos seus meios permitiram manter sempre o apoio a um exército disperso em alguns dos terrenos mais inóspitos do planeta. Antigos comandantes portugueses e historiadores têm assinalado esse excelente desempenho da FAP e alguém disse que se tratou de “uma notável proeza de armas”, independentemente do desfecho da guerra.

Acontece que a situação mudou radicalmente com o aparecimento em primeira mão dos teatros de guerrilha dos misseis terra-ar, que exigiram procedimentos estritos à FAP, quando no passado dispunha de uma supremacia quase absoluta, e a partir do momento em que os outros ramos das Forças Armadas se aperceberam do caráter retrátil dessa operacionalidade, acusaram emocionalmente a baixa.

A guerra aérea na Guiné Portuguesa continua em grande parte inexplorada nos círculos militares e mesmo académicos, merece maior audiência o seu estudo pela forma económica e eficaz com que atuou não só num enquadramento geopolítico tumultuoso e de rápida mudança tecnológica.

Imagem do “DO”, a aeronave que nenhum dos antigos combatentes esqueceu pela sua tão estimável presença

(continua)
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Nota do editor

Último poste da série de 24 DE OUTUBRO DE 2022 > Guiné 61/74 - P23734: Notas de leitura (1510): "O Negro Sem Alma", romance de Fausto Duarte, 1935 (1) (Mário Beja Santos)

quarta-feira, 2 de dezembro de 2020

Guiné 61/74 - P21602: Da Suécia com Saudade (85): A base aérea de Beja e o apoio alemão ao esforço de guerra de Portugal em África (José Belo)



José Belo, ex-alf mil, CCAÇ 2381 (Ingoré, Buba, Aldeia Formosa, Mampaté e Empada, 
1968/70); cap inf ref, jurista,  autor da série "Da Suécia com Saudade;  vive na Suécia 
há mais de 4 décadas; régulo da Tabanca da Lapónia; tem 180 referências no nosso blogue: 


1. Mensagem de José Belo:

Date: terça, 10/11/2020 à(s) 01:39
Subject: A base aérea de Beja e o apoio alemão

A localizacão estratégica da planície alentejana, longe de um possível teatro de guerra, foi decisiva para a instalação de uma estrutura militar de grandes dimensões que deveria funcionar como plataforma entre a Europa e os Estados Unidos no caso de uma ofensiva militar soviética sobre a Alemanha.

A instalação desta base teve papel preponderante no auxílio alemão a Portugal, destacando-se o fornecimento de equipamentos militares,sem os quais seria muito difícil a Portugal enfrentar as guerras em África. "garantindo ao mesmo tempo o tratamento em hospitais alemães de militares portugueses gravemente feridos em combate!.

Quando foi conhecido o teor do acordo entre os dois países de imediato surgiram críticas por parte dos governos africanos, obrigando o governo alemäo a "prestar mais atençã à sua posicäo externa de solidariedade com os justos anseios dos povos africanos".

A partir de 1964 assistiu-se a um progressivo arrefecimento nas relacöes luso-alemãs,  designadamente no campo militar, com reflexos na utilização prevista para a base de Beja.

Dá-se ento uma alteraÇÃo no conceito estratégico de defesa da NATO.

A obtenção de paridade nuclear entre as duas superpotências em 1966 relegava para segundo plano a rede de apoio logístico na retaguarda que tinha sido concebido para Beja.  (Será detalhe interessante o facto de o governo espanhol só autorizar a passagem de aeronaves alemãs pelo seu espaco aéreo com destino a Beja desde que os pedidos fossem solicitados com uma semana de antecedência e "caso a caso").

Foi programado alojar em Beja 5.250 cidadãos da RFA [República Federal Allemã],entre militares,funcionários,e respectivas famílias.

Näo era possível antecipar do ponto de vista humano as consequências resultantes deste súbito acréscimo de população estrangeira com um "nível de vida e culturalmente superior ao da grande maioria dos residentes da cidade".

Esperavam-se profundas transformações na ordem sócio-económica local.

E, quase espelhando problemas com as bajudas-lavadeiras na Guiné..., uma das preocupações residia no relacionamento dos militares estrangeiros com as... mulheres de Beja!

A comissäo luso-alemã que presidia à instalação do projeto militar, reclamava um código de conduta que "deveria servir de guia aos forasteiros quanto aos costumes locais". Principalmente quanto às relações com as mulheres, pois "seriam mais susceptíveis de causar conflitos com a população masculina". (G'anda alentejanos!)

As famílias abastadas de Beja foram confrontadas com o alastramento do "fenómeno militar alemão".
Não estavam a conseguir garantir a continuidade do "pessoal para servicos domésticos do sexo feminino a que habitualmente se dá a designação de...criadas de servir". (E o ditador lá voltou a "meter água" junto dos seus amigos do latifúndio. )

Os alemães ofereciam um salário mensal de 1.500 escudos que contrastava com os 300 escudos pagos pelas famílias abastadas.[em 1965, equivaleriam, a preços de hoje a cerca de 590 euros, e 118 euros, respectivamente, ou seja, os alemãs pagavam cinco vezes mais].

Por outro lado as instalacöes destinadas ao pessoal alemäo "näo deveriam incluir instalações para as criadas de servir." Estas exigências locais, entre outras, foram recusadas.

Em 1966 chegou à Base o primeiro contingente militar alemäo. Ali se mantiveram até 1993.

A estrutura militar que os alemães ergueram em Beja estava preparada para receber aeronaves de grande porte.

A própria NASA selecionou a pista como alternativa de aterragem para o Space Shuttle. Foram pistas classificadas como as de maior extensão a nível europeu.

Com uma área de mais de 800 hectares, tem condições para receber aeronaves de grande porte para além de 60 aviões tipo C-130 e mais de 300 aviões F-16.

Esta capacidade de acolher grandes meios aéreos é de importäncia extrema como base de retaguarda.
Concluídas muitas décadas desde o arranque de um projecto dimensionado para fazer face a um determinado contexto geoestratégico, cresceram as dificuldades com a manutencäo desta estrutura de grande dimensão pelos elevados custos envolvidos.

As restrições orcamentais impostas pelo governo reduziram a actividade militar na FAP e vieram a reflectir-se na manutenção e funcionamento desta Base.

Mas, e à distância no tempo, talvez seja melhor concentrarmo-nos no sério problema então surgido com as...criadas de servir!

Adaptação / condensação: J. Belo

Fontes: "Folha de S. Paulo", jornal "Público", Ana Mónica Fonseca, historiadora ("Política Externa Portuguesa/Dez anos de relaçöes luso-alemäs 1958-1968").
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Nota do editor:

Último poste da série > 7 de novembro de  2020 > Guiné 61/74 - P21524: Da Suécia com Saudade (84): Ainda as “anedotas” do outro lado da “Cortina de Ferro”: recordações da Deutsche Demokratische Republik (José Belo)

quarta-feira, 4 de fevereiro de 2015

Guiné 63/74 - P14218: Gloriosos Malucos das Máquinas Voadoras (32): Falei ao telefone com o comandante Pombo, amigo de Luís Cabral e de 'Nino' Vieira... e sobretudo um orgulhoso sobrevivente dos Strela (em 1973/74) e da "Operação Atlas", em agosto de 1961 (travessia, com uma esquadra de F-86F “Sabre”, Monte Real-Bissalanca, num total de 3888 km e o tempo de 7h50 sobre o Atlântico) (Luís Graça, com José Cabeleira, cap TMMA ref, Leiria)

1º Srgt Pombo, piloto de F-86-F Sabre,
BA 5, Monte Real, 1961.
Cortesia de José Cabeleira (2011)
1. Tive anteontem o privilégio de falar com o comandante Pombo. A filha, Maria João, ligou-me e passou-me o telemóvel. Ela tinha ido com o pai a uma consulta médica.

O nosso camarada, José Luis Pombo Rodrigues, popular e carinhosamente conhecido como o comandante Pombo, começou por falar-me dos problemas de saúde que o preocupam de momento, mas que vai superar, seguramente. Foi a convicção que lhe transmiti, em meu nome e em nome dos amigos e camaradas da Guiné. Depois disso, recuperada a saúde, ele arranjará, por certo, disposição para passar à escrita muitas das suas histórias e memórias e partilhá-las connosco.

Nunca nos encontrámos pessoalmente na Guiné, embora no tempo em que eu lá estive (CCAÇ 12, Contuboel e Bambadinca, maio de 1969/março de 1971), o comandante Pombo já fosse uma figura conhecida e respeitada. Aliás, eu transmiti-lhe (e reforcei) essa ideia, que pode ser colhida pela leitura do nosso blogue. A filha tem-lhe falado do blogue.

O Pombo é hoje capitão pil, reformado Fez, segundo bem percebi, 4 comissões na Guiné. Voltou há pouco para Portugal, vive hoje em Bucelas, e é amigo pessoal do major gen paraquedista Avelar de Sousa, que passou pelo TO da Guiné, integrando o BCP 12, como comandante da CCP 123 (1970/71), e foi ajudante de campo, entre 1976 e 1981, do gen Ramalho Eanes, 1º presidente da república eleito democraticamente no pós 25 de abril. E esse fato é relevante para se perceber a influência, discretíssima, que o comandante Pombo terá tido na libertação do ex-1º primeiro ministro da Guiné-Bissau, Luís Cabral, depois do golpe do ‘Nino’ Vieira em 1980.

O comandante Pombo privou com os dois, e dos dois era amigo. Ao ‘Nino’ Vieira tratava-o inclusive por tu. E o Pombo continuou a ser o comandante Pombo, depois da independência da Guiné-Bissau. Terá havido um acordo entre as novas autoridades de Bissau e o governo português para que ele ficasse na Guiné... O PAIGC não tinha pilotos. O comandante Pombo pilotava o pequeno Falcon que fora oferecido ao Luís Cabral. Este gostava muito dele, e sempre que viajava com ele trazia-lhe uma garrafa de.. champagne.

Depois veio o golpe do ‘Nino’ e o Luis Cabral ficou preso na Amura… Sem cinto!... O comandante Pombo foi visitá-lo e encontrou-o sem cinto, com as calças na mão… Diziam-lhe, os seus carcereiros,  que era para ele não poder fugir. Achando essa uma situação indigna, o Pombo foi falar ao seu amigo ‘Nino’, que lhe deu razão…

Mais tarde o Pombo moveu as suas influências, junto do Avelar de Sousa… O presidente Ramalho Eanes, como é sabido publicamente, exerceu forte influência junto de ‘Nino’,  no sentido de obter a libertação de Luís Cabral que, primeiro, foi para Cuba e mais tarde para Portugal, onde veio a morrer. Ramalho Eanes e Luís Cabral tinham muita estima mútua.

Mas, e contrariamente ao boato que corria na Guiné, no tempo da guerra colonial, o comandante Pombo não estava feito com os “turras”… E a prova disso é que umas das aeronaves (não era um Cessna, era uma outra avioneta tipo DO 27…) foi perseguida por dois mísseis Strela, já depois do último avião da FAP ter sido abatido…

Ele contou-me os pormenores ao telemóvel: deve ter sido, deduzo eu, por volta de março ou mesmo abril de 1974, um ano depois do aparecimento dos Strela. O comandante Pombo vinha de Bissau para Farim, na “carreira normal” dos TAGP… O PAIGC conhecia o horário e os apontadores do Strela estavam à espera dela nas imediações de Farim… Havia a indicação de que a guerrilha queira mesmo cortar todas as ligaçãoes aéreas com nordeste da Guiné. Deve ter havido falhas na segurança militar, nas imediações da pista de aviação… Para iludir os guerrilheiros, o comandante Pombo vinha coma sua avioneta a baixa altitude e a baixa velocidade. Mas antes de chegar ao destino ele fez uma mistura de combustível que não deixava rasto, isto é,  fumaça…  E, antes de aterrar, terá feito uma manobra de subida, na vertical,  seguida de um voo a pique… Foi o que eu percebi, desculpem-me se o relato é tecnicamente grosseiro… Mesmo assim não se livrou de ver passar-lhe, por perto,  dois Strelas que lhe vinham dirigidos…

Mas, finalmente, conseguiu aterrar em segurança… "Não ganhei para o susto: os auscultadores saltaram-me da cabeça!" ...

Enfim, é uma história incrível que merece ser, deste já, registada e partilhada aqui, com os nossos leitores.

Espero que o comandante recupere rapidamente a saúde e aceite o meu convite para se sentar à sombra do poilão da nossa Tabanca Grande e nos poder contar, na primeira pessoa,  estas e outras histórias da sua longa vida na Guiné…


2. O que muita gente não sabia (e eu também não …) é que o comandante Pombo é um orgulhoso sobrevivente da “Operação Atlas”, a primeira (e única) travessia Monte Real – Bissalanca, feita pela Esquadra 51/201 (BA 5), constituída por aviões F-86F “Sabre”, realizada em agosto de 1961… Era então um jovem 1º sargento piloto...

Fiquei com o bichinho da curiosidade e fui tentar saber mais, depois da nossa conversa ao telefone, que demorou ainda uns bons 20 minutos.

José Cabeleira, cap TMMA ref, Leiria
E a propósito encontrei um referência a este marco da história da FAP num blogue do cap TMMA ref José Cabeleira (que vive em Leiria, terra onde tenho bons amigos). O blogue chama-se Trajecto de uma vida entre o mar e o ar – Memórias. E tem apenas um poste com data de 17 de novembro de 2011 > Operação “Atlas” fez 50 anos (1961-2011).

José Cabeleira, que veio da aviação naval, é um histórico da Esquadra 51 da BA5 (Monte Real). É  autor do livro “Trajecto de uma vida entre o mar e o ar – Memórias 1948-83” (edição de autor, J. Cabeleira, Leiria, J. Cabeleira, 2005).

O poste acima referido é uma transcrição do seu livro (que não consta da PorBase - Biblioteca Nacional)… Nele descreve os preparativos desta arrojada missão e as etapas emocionantes vividas pelos seus protagonistas (pilotos e mecânicos) desde o dia da partida (8 de agosto de 1961) ao dia de chegada a Bissalanca (15 de agosto de 1961), com várias escalas técnicas (Base do Montijo, aeroporto de Gando, nas Canárias, aeroporto do Sal, em Cabo Verde).

À guisa de conclusão escreve o José Cabeleira:

“Quero ainda sublinhar que foi a primeira e única “travessia” em aviões de “reacção” (F-86F “Sabre”) de Monte Real para a Guiné-Bissau (no total de 3.888 km e o tempo de 07H50 sobre o Atlântico) e pelo menos não é do meu conhecimento que estas aeronaves estando ao serviço de Forças Aéreas de outros países, nomeadamente os da NATO, tivessem percorrido distância semelhante sobre os Oceanos.”

Participaram na “travessia” Monte Real – Guiné-Bissau os seguintes pilotos:

 (i) cap pilav Ramiro de Almeida Santos, chefe de missão;

(ii) cap pilav José Fernando de Almeida Brito;

(iii) ten pilav Aníbal José Coentro Pinho Freire;

(iv) ten pilav Alcides Telmo Teixeira Lopo;

(v) 1sgrt pil António Rodrigues Pereira;

(vi) 1Srgt pil José Luís Pombo Rodrigues

(vii) 1sgrt pil Humberto João Cartaxo da Silva; e

(viii) 2sgrt pil Rui Salvado da Cunha.



Oito gloriosos "malucos" das máquinas voadoras, alguns infelizmente já desaparecidos (como o Almeida Brito, abatiodo por um Strela em 1973)... 


Para além da perícia e coragem dos seus pilotos,  esta façanha da FAP foi possível graças a uma vasta equipa que o José Cabeleira evoca e enumera individualmente, e com toda a justiça: (i) equipa técnica de apoio durante o movimento (escalão prrecursor); (ii) equipa técnica do escalão de apoio no destino; e (iii) equipa técnica de apoio às aeronaves do “ferry” na BA6 – Montijo.

Estes homens, nossos camaradas da FAP, reunem-se anualmente em Monte Real para relembrar e celebrar este feito. Imaginei um brilhozinho nos olhos do comandante Pombo quando ele me falou deste feito e do encontro anual dos que ainda estão vivos.

E conclui o nosso camarada José Cabeleira (que deve ser um "jovem" camarada com 80 e picos anos e para quem envio um abraço com votos de grande apreço, homenagem e muita saúde):

“Finalmente, alguns militares que tiveram a alegria de participar neste evento, que na época foi um risco, mas como ficou provado muito bem calculado e superiormente executado (com o factor sorte do nosso lado), já não estão connosco em corpo, aqui lhes presto a minha singela e comovida homenagem e quem sabe, talvez ainda haja tempo de lhes prestar uma justa e merecida homenagem a título póstumo.”

Paraq quem quiser saber mais, a pormenorizada descrição da Operação Atlas está disponivel aqui. [E, a propósito, é triste que não haja um único comentário, de aplauso e de apreço pela partilha destas memórias, no blogue do José Cabeleira].




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quinta-feira, 6 de novembro de 2014

Guiné 63/74 - P13853: Da Suécia com saudade (43): A ajuda sueca ao PAIGC, de 1969 a 1973, foi de 5,8 milhões de euros (Parte IV): Rússia e Suécia, vizinhos e inimigos fidalgais, foram os dois países que mais auxiliaram o partido de Amílcar Cabral (José Belo)


Guiné-Bissau > PAIGC > s/l> Novembro de 1970 > Algures, nas "áreas libertadas", foto do norueguês Knut Andreasson, com um grupo de homens, jovens adultos, possivelmente balantas e guerrilheiros, a maioria deles descalços, ostentando todos eles o livrinho de leitura da 1ª classe, o primeiro em uso nas escolas do PAIGC (e que, se não erro, foi oferecido por estudantes noruegueses e impresso na Suécia, num total de 20 mil exemplares).

Fonte: Nordic Documentation on the Liberation Struggle on Southern Africa  [Com a devida vénia]

[As fotos podem ser usadas, devendo ser informado o Nordic Africa Institute (NAI)  e o fotógrafo, quando for caso disso. Este espólio fotográfico  de Knut Andreasson (, relativo à visita ao PAIGC  e, alegadamente,  às áreas sob o seu controlo, em novembro de 1970,  de uma delegação sueca) foi doado pela viúva ao NAI.]


Imagens da capa de "O NOsso Livro Livro da 1ª Classe", o primeiro livro de leitura, usado nas escolas do do PAIGC... Exemplar capturado pelo nosso camarada Manuel Maia no Cantanhez, possivelmente em finais de 1972 ou princípios de 1973. Vê-se que esse exemplar tinha uso. A capa teve de ser reforçada com uns improvisados adesivos (aparentemente autocolantes, que acompanhavam embalagens de apoio humanitário, vindas do exterior).

Foto: © Manuel Maia (2009). Todos os direitos reservados

José Belo

1. Continuação de alguns dados e notas de contextualização sobre a ajuda sueca ao PAIGC, a partir de 1969, e depois à Guiné-Bissau, a seguir à independência (*):


Data: 3 de Novembro de 2014
Assunto:   O exemplo sueco é seguido por outros países


Resumo: 

Durante a guerra o governo sueco enviou para o PAIGC um total de 53,5 milhöes de coroas, ao valor actual [c. 5,8 milhões de euros]. Destinaram-se a financiar a maioria das actvidades civis do partido: alimentacäo, transportes, educação, saúde, incluindo um vasto número de avultados fornecimentos às Lojas do Povo. 

A Guiné foi posteriormente incluída (como único país da África Ocidental) nos chamados "países programados" para a distribuicäo da assistência sueca ao desenvolvimento. Recebeu durante o período de 74/75 a 94/95, um total de  2,5 mil milhões de coroas suecas [c. 270 milhões de euros], colocando a Suécia entre os 3 maiores assistentes económicos da Guiné-Bissau. 

A Suécia nunca deu nenhum cheque em branco ao PAiIGC, tanto mais que Portugal era um dos seus importantes parceiros comerciais no âmbito da EFTA - Associação Europeia do Comércio Livre, a que ambos os países pertenciam, e de que foram membros fundadores. Ainda em vida de Cabral, em abril de 1972 o Comité ds Nações Unidas para a Descolonizacäo tinha adoptado uma resolução reconhecendo o PAIGC como o único e legítimo representante do território da Guiné-Bissau. Foi um tremendo sucesso político-diplomático para o PAIGC. Isso em nada alterou o pragamtismo da diplomacia sueca. A Suécia só irá reconhecer a Guiné-Bissau como país independente, em 9 de agosto de 1974, ano e meio depois da  morte de Amílcar Cabral (que também era um político pragmático).


1. O auxílio sueco ao PAIGC abriu caminho a um cada vez maior número de apoios de outros países ocidentais.

A Noruega estabeleceu em 1972 uma assistência oficial e directa,semelhante ao modelo sueco, que veio a ter grande repercussão política internacional pelo facto de ser um país membro da NATO.

Neste período eram a Suécia e a Uniäo Soviética  (URSS) os países que mais apoiavam o PAIGC.

Um apoio de modo algum coordenado mas... real, numa divisäo "de facto" de funções entre os dois países, que mais tarde se veio a manter em relação aos outros movimentos de libertação africanos.

Apesar de tanto os Estados Unidos como outros países ocidentais acusarem a Suécia de fazer causa comum com o bloco comunista, isto não veio impedir que o Parlamento Sueco e o Governo Social Democrata continuassem a aumentar gradualmente a assistência não militar.

Deve-se no entanto ter o cuidado de colocar estas acusações dentro de uma perspectiva realista da história local.

O "inimigo histórico tradicional" da Suécia é a Russia,  e para tal basta abrir um qualquer livro de 
história da instrução primária sueca.

Isto independentemente de ser a Rússia do séc XVII, a Rússia dos comunistas ou...a Rússi actual.

José Belo

(continua)
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Nota do editor