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quarta-feira, 6 de setembro de 2023

Guiné 61/74 - P24625: Álbum fotográfico do António Alves da Cruz, ex-fur mil at inf, 1ª C/BCAÇ 4513/72 (Buba, 1973/74) (4): Mampatá, maio-julho de 1973


Foto nº 1 > Guiné > Região de Tombali > Mampatá > 1ª CCAÇ / BCAÇ 4513 (Buba, 1973/74) > Junho/lulho de 1973 > Mina anticarro levantada na estrada Cumbijã/Nhacobá. Com todo o cuidado, a mina estava armadilhada. Foi neutralizada pelo ex-furriel mil Reis e ex-alferes mil Torres, do 4º pelotão da 1ª CCAÇ / BCAÇ 4513/72.



Fotos nº 2 e 2A > Guiné > Região de Tombali > Mampatá > 1ª CCAÇ / BCAÇ 4513 (Buba, 1973/74) > Junho/julho de 1973 > Levantamento de mina A/C na estrada Cumbijã / Nhacobá. À esquerda, de faca de mato na mão, o ex-fur mil Reis; ao centro com a HK 21, um camarada de quem  não recordo o nome; e à direita, o ex-alf mil Torres. (Infelizmente o Reis e o Torres já não estão entre nós.)


Foto nº 3 > Guiné > Região de Tombali > Mampatá > 1ª CCAÇ / BCAÇ 4513 (Buba, 1973/74) > Junho/julho de 1973 > Eu, na tabanca de Mampatá, com dois grandes amigos: à direita o ex-furriel Reis, e à esquerda o ex-furriel Victor.


Foto nº 4 > Guiné > Região de Tombali > Mampatá > 1ª CCAÇ / BCAÇ 4513 (Buba, 1973/74) > Junho/julho de 1973 > Eu, com a tabanca ao fundo.


Foto nº 5 > Guiné > Região de Tombali > Mampatá > 1ª CCAÇ / BCAÇ 4513 (Buba, 1973/74) > Junho/julho de 1973 > Eu, com uma menina ao colo.


Foto nº 6 > Guiné > Região de Tombali > Mampatá > 1ª CCAÇ / BCAÇ 4513 (Buba, 1973/74) > Junho/julho de 1973 > Crianças da tabanca



Fotos nº 7 e 7A > Guiné > Região de Tombali > Mampatá > 1ª CCAÇ / BCAÇ 4513 (Buba, 1973/74) > Junho / julho de 1973 > Eu, num posto de vigia junto à enfermaria virado para a estrada do Cumbijã. Vamos ver quem identifica esta metralhadora, de carregador curvo.... (É uma Madsen, dinamarquesa, de 1902!)


Foto nº 8 > Guiné > Região de Tombali > Mampatá > 1ª CCAÇ / BCAÇ 4513 (Buba, 1973/74) > Junho/julho de 1973 > Heliporto, à direita a estrada para o Cumbijã, Colibuia e Nhacobá.


Foto nº 9 > Guiné > Região de Tombali > Mampatá > 1ª CCAÇ / BCAÇ 4513 (Buba, 1973/74) > Junho/julho de 1973 > Durante um patrulhamento o descanso do 3º pelotão para comer uma latita da ração de combate, este pontão estava numa estrada abandonada há muito que ia de Mampatá para Sinchã Cherno e Empada.


Foto nº 10 > Guiné > Região de Tombali > Mampatá > 1ª CCAÇ / BCAÇ 4513 (Buba, 1973/74) > Junho/julho de 1973 > Eu, mais uma vez...

Fotos (e legendas): © António Alves da Cruz (2023). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Continuação da publicação de uma seleção de fotos do álbum do António Alves da Cruz (ex-fur mil at inf, 1ª C/BCAÇ 45113/72, Buba, 1973/74).

Estamos a seguir a ordem cronológica da comissão de serviço na Guiné. Partida do BCaç 4513/72: Embarque em 16mar73; desembarque em 22mar73.

A 1ª Comp, após o treino operacional no subsector de Buba com a CCaç 3398, sob orientação do BCaç 3852, passou a reforçar a actividade daquela subunidade no esforço realizado de contrapenetração no referido subsector e depois integrada no seu batalhão, na função de intervenção que lhe foi atribuída, tendo-se instalado, a partir de 17,ai73, em Mampatá.

Mensagem do António Alves da Cruz, ex-fur mil, 1ª C/BCAÇ 45113/72 (Buba, 1973/74)

Data - sexta, 1/09/2023, 14:55
Assunto - Fotos

Boa tarde, Luís
De maio a julho de 1973, a 1ª Companhia do BCAÇ 4513/72 esteve sediada em Mampatá para reforçar as operações na zona de Nhacobá.

Durante 3 meses andámos como companhia de intervenção. Junto fotos.

Forte abraço amigo Luis
Cruz

PS - Para os senhores censores do blogue, esclareço que a farda que usava, na ocasião, era Pestana & Brito e o boné Dolce & Gabbana.

Fotos > Legenda:

Foto 1 - Mina anticarro levantada na estrada Cumbijã/Nhacobá. Com todo o cuidado, a mina estava armadilhada. Foi neutralizada pelo ex-furriel mil Reis e ex-alferes mil Torres, do 4º pelotão da 1ª C/BCAÇ 4513/72.
Foto 2 - Levantamentode mina A/C na estrada Cumbijã / Nhacobá. À esquerda, de faca de mato na mão, o ex-fur mil Reis; ao centro com a HK 21, um camarada de quem  não recordo o nome; e à direita, o ex-alf mil Torres. (Infelizmente o Reis e o Torres já não estão entre nós.)
Foto 3 - Eu, na tabanca de Mampatá, com dois grandes amigos: à direita o ex-furriel Reis, e à esquerda o ex-furriel Victor.
Foto 4 - Eu, com a tabanca de Mampatá ao fundo.
Fotos 5 e 6 - Crianças de Mampatá
Foto 7 - Mampatá, unho de 73
Foto 8 - Posto de vigia junto à enfermaria virado para a estrada do Cumbijã.
Foto 9 - Mampatá, geliporto, à direita a estrada para o Cumbijã , Colibuia e Nhacobá.
Foto 10 - Durante um patrulhamento o descanso do 3º pelotão para comer uma latita da ração de combate, este pontão estava numa estrada abandonada há muito que ia de Mampatá para Sinchã Cherno e Empada.
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Nota do editor:

Útimo poste da série > 3 de setembro de 2023 > Guiné 61/74 - P24614: Álbum fotográfico do António Alves da Cruz, ex-fur mil at inf, 1ª C/BCAÇ 4513/72 (Buba, 1973/74) (3): Bolama, lugar de passagem

sexta-feira, 5 de agosto de 2022

Guiné 61/74 - P23495: Notas de leitura (1471): "Memórias de um Tigre Azul - O Furriel Pequenina", por Joaquim Costa; Lugar da Palavra Editora, 2022 (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 1 de Agosto de 2022:

Queridos amigos,
Joaquim Costa teve a amabilidade de me oferecer as suas memórias de Cumbijã, edição Lugar da Palavra Editora (telef 220994591/ telem 915416141), tocaram-me pela singularidade com que homenageia pais e irmãos, como faz a apologia da camaradagem sem precisar de bater as palmas e a discrição com que narra a criação de um quartel em terra de ninguém, tudo com o objetivo de procurar asfixiar a prazo a presença do PAIGC na região sul, designadamente naquelas reentrâncias da mata do Cantanhez. A epopeia dos homens ficou lavrada, mas em 1973, ali bem perto, no mês de maio, Guileje cedeu, nada ficaria como dantes, e a Operação Grande Empresa esmoreceu, o 25 de Abril foi a última gota. Foi bom que Joaquim Costa deixasse o seu testemunho, todo ele de emoção contida.

Um abraço do
Mário



Recordar Cumbijã, um dos pilares da Operação Grande Empresa

Mário Beja Santos

O livro de Joaquim Costa, largamente referenciado em textos do blogue, é credor da nossa elevada consideração, a diferentes níveis: a tocante homenagem que presta a pais e irmãos, se é certo que há testemunhos de arromba sobre estas memórias afetivas, inescapáveis, o que Joaquim Costa nos oferece é tocante como homenagem do seu coração. 

Não me recordo de tal texto ter aparecido no blogue, se não estou enganado, incito-o a dá-lo à estampa, a nossa assembleia merece; se é certo que ele nos vai dar um itinerário muito comum de recruta e especialidade, subidas e descidas por quartéis até à formação da unidade que irá partir para a Guiné, também aqui ficam uns pingos de camaradagem da melhor água, uma camaradagem que percorre transversalmente a sua narrativa; e para quem ainda não atendeu às diferentes facetas da Operação Grande Empresa, destinada a reocupar o Cantanhez, o testemunho de Joaquim Costa é vibrante quanto ao confronto com os grupos do PAIGC instalados na região, quase desde a primeira hora, Spínola intentava provocar um cerco a “lugares santos”, impedindo abastecimentos, circulação de pessoas, fuga de populações, foi uma operação de sangue, suor e lágrimas que não pôde completar-se devido aos acontecimentos que envolveram Guileje, Gadamael e Guidaje. O que se passou no Cumbijã foi uma pequena epopeia de que Joaquim Costa deixa um relato singelo.

Primeiro, a homenagem à família, ele é o sétimo filho de José e de Gracinda, um casal que viveu a miséria em tempos conturbados, o pai Zé trabalhou numa pedreira, abriu uma pequena mercearia/taberna, ele não esqueceu uma viagem que fez na sua companhia até Ermidas do Sado para ir visitar o irmão Manuel, que estivera na Guiné e regressara com uma grande pneumonia; a mãe Gracinda é a imagem da devoção maternal, levanta-se pela alva para preparar os comes, tudo sem um queixume. E fala-nos do mano mais velho, o Eduardo, da sua paixão pelos pombos, da Maria, a irmã mais velha, uma cúmplice deste furriel do Cumbijã. E deixo ao leitor a faculdade de saber mais sobre o Avelino, o Manuel, o João, a Noémia, o Joaquim, os sete manos vão aparecer em bela fotografia, há mesmo casacos e gravatas para se entender que o clã lutou pela vida para conhecer dias mais risonhos.

Segundo, a ficha curricular, com todas aquelas peripécias nos coube experimentar, no caso dele Caldas da Rainha, Tavira, é um sargento de armas pesadas que vai dar instrução a Chaves, segue-se Estremoz (que lhe deixou imensas saudades), já está delineada a CCAV 8351, os Tigres de Cumbijã, tendo como maestro Vasco Augusto Rodrigues da Gama, a quem tive a honra de dar instrução em Mafra e de descrever em sede própria que daria um competentíssimo comandante de companhia. 

Ainda há Portalegre pelo caminho, toma-se um avião, há uma curta passagem pelo Cumeré, segue-se a Aldeia Formosa depois de uma viagem até Buba. Festa de Natal com repasto de macaco-cão assado. Não são esquecidas as peripécias com lavadeiras e roupas dispersas.

Terceiro, cumprida a missão de proteger colunas para Buba e dar proteção ao grupo de Engenharia na construção da estrada Mampatá-Nhacobá, vamos ao âmago da história, toca a marchar para Cumbijã, o PAIGC não queria abrir mão de Nhacobá, não bastava a estrada a partir de Mampatá, havia que estender o cerco. Chega-se a Cumbijã e levantam-se cerca de 30 minas, assim vai começar o calvário dos estropiados e mortos, as imagens são eloquentes, faz-se um quartel de raiz, ele diz com simplicidade: 

“Ao mesmo tempo que avançava a construção para Nhacobá e os trabalhos da adaptação do Cumbijã para receber e unir definitivamente toda a família da CCAV 8351, ia-se criando, em cada um de nós, a sensação, agridoce, de que estávamos a construir a nossa modesta casinha, porventura no sítio menos aconselhável.” 

Alimentação a rações de combate, flagelações constantes, fazer tijolos e erguer casas. Visita de Spínola, apresenta-se a lista de reclamações, o Comandante-Chefe responde positivamente. Passa a haver segurança e mesmo casernas com conforto básico. Chega a hora da operação “Balanço Final”, o assalto a Nhacobá, encontrou-se gente, documentação, muito arroz, há tiroteios, Spínola chega a fazer uma visita relâmpago a Nhacobá, visita rápida, já que o rebentamento de uma mina provocada por uma máquina de Engenharia projetou uma enorme quantidade de terra que atingiu ao de leve o general. 

Se Cumbijã já era um descampado, preparar o terreno em Nhacobá para novo quartel não foi pequena a odisseia. Estamos nisto quando se dão os acontecimentos do ataque a Guileje, que Joaquim Costa esmiúça. Vem de férias e no regresso a Bissau tem más notícias do que se passa em Cumbijã e arredores. O autor aproveita um texto do nosso confrade António Murta, repescado do nosso blogue para se voltar à operação “Balanço Final”.

Assim se chegou ao 25 de Abril, é o regresso a casa, as durezas da adaptação. E há os acasos da sorte, Joaquim tem o filho a trabalhar na Guiné na construção da Ponte S. Vicente, é o regresso, a vida continua, o Cumbijã não lhe sai da memória, vai trabalhar como professor, orientador pedagógico e dirigente escolar. 

E assim aconteceu, talvez fruto da pandemia, o Furriel Pequenina deu à costa com as suas memórias de guerra, teve a gentileza de me contactar para me oferecer o seu livro, li-o de um só fôlego, confessei-lhe a admiração pelo modo como trata pais e irmãos, como hasteia a bandeira da camaradagem e é sóbrio descrever os episódios do Cumbijã. E muito contente fiquei quando descobri que ele e eu éramos devotos admiradores daquele Vasco da Gama que em vez de ir à Índia esteve brioso a comandar o que a ele dizia respeito ali perto do rio Cumbijã naquela operação tão promissora mas que já não tinha força para reverter os ventos da História.

O destacamento de Cumbijã, região de Tombali, em 1973. Foto gentilmente cedida por Joaquim Costa.
Tabanca de Nhacobá, região de Tombali, ocupada num “golpe de mão” pela CCAV 8351 no dia 17 de maio 1973 na operação Balanço Final (17 a 23 maio 1973). Foto gentilmente cedida por Joaquim Costa.
Região de Tombali > Construção da estrada Mampatá / Cumbijã, no fim de mais um dia de trabalho. Foto gentilmente cedida por Joaquim Costa.
Região de Tombali, Cumbijã > O capitão da CCAV 8351 (Os Tígres de Cumbijã) e o Sargento Redondeiro. Foto gentilmente cedida por Joaquim Costa.
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Nota do editor

Último poste da série de 1 DE AGOSTO DE 2022 > Guiné 61/74 - P23480: Notas de leitura (1470): Como nasceram as fronteiras da Guiné-Bissau (Mário Beja Santos)

segunda-feira, 20 de dezembro de 2021

Guiné 61/74 - P22824: Paz & Guerra: memórias de um Tigre do Cumbijã (Joaquim Costa, ex-Furriel mil arm pes inf, CCAV 8351, 1972/74) - Parte XXI: A "marcha louca" na véspera do Natal de 1973



Foto nº 1 


Foto nº 1A

Foto nº 1 >  Guiné > Região de Tombali > Cumbijã > CCAV 8351 (1972/74 > c. Natal de 1973 Algures entre Cumbijã e Nhacobá > Base de lançamento das granadas de canhão sem recuo do IN contra o Cumbijã... São bem visíveis  duas valas cavadas feitas à medida do apontador e do municidor do canhão s/r  (Foto nº 1A) > Foto: Cortesia de Carlos Machado 



Foto nº 2

Foto nº 2A

Foto nº 2 B

Foto nº 2 >  Guiné > Região de Tombali > Cumbijã >  CCAV 8351 (1972/74 >  c. Natal de 1973  > Pelotão da “Marcha Louco” > Marchar, marchar… até encontrar o covil do IN e seu amigos Cubanos... 2º pelotão sendo eu o primeiro de pé à esquerda  (Foto nº 2A) e o líder “louco” da marcha, alferes Afonso, o primeiro de pé à direita (Foto nº 2B).



Foto nº 3 


Foto nº 3 A

Foto nº 3 > Guiné > Região de Tombali > Cumbijã > CCAV 8351 (1972/74 > 1974 > Algures entre Cumbijã e Nhacobá: Os furriéis: Machado e Costa... Na base móvel do PAIGC utilizada com sucesso nos ataques ao Cumbijã com canhóes sem recuo. O Machado tentando encontrar o local das minas por ele colocadas depois deste ser alvo de uma queimada, fazendo desaparecer as referências da sua localização. Esta desminagem ocorreu já depois do 25 de Abril de 74, com o objetivo de sinalizar o local com tampas de “bidon” pintadas (Foto nº 3A). Na altura o Furriel Machado já usava calças da moda, rotas nos joelhos! 

Fotos (e legendas): © Joaquim Costa (2021). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]







O ex- furriel mil Joaquim Costa: natural de V. N. Famalicão,
vive hoje em Fânzeres, Gondomar, perto da Tabanca dos Melros.
É engenheiro técnico reformado.
Tem pronto o seu livro de memórias (, a sua história de vida),
de que estamos a editar alguns excertos, por cortesia sua. 
Tem um pósfácio da autoria do nosso editor Luís Graça.


Paz & Guerra: memórias de um Tigre do Cumbijã (Joaquim Costa, ex-Furriel mil arm pes inf, CCAV 8351, 1972/74) - Parte XXI




“A MARCHA LOUCA” 
(para garantir que não haveria “fogo de artifício” no dia de Natal)




Não tenho nenhuma memória do meu segundo Natal no TO da Guiné (1973), contudo julgo que esta “marcha louca” teve lugar nas vésperas desta quadra, tendo em conta o redobrar dos esforços no sentido de garantir alguma tranquilidade neste dia, do qual a tradição não fala de fogo de artifício...

As nossas rotinas continuavam: Patrulhamentos de reconhecimento e proteção na mata, fazer segurança aos trabalhos da estrada, levantar minas e proteger pontões, e, aceitar como fizesse parte destas rotinas as recorrentes flagelações com canhão sem recuo.

Sempre que as flagelações atingiam em pleno o perímetro do destacamento não descansávamos até encontrar o local do lançamento das mesmas, que mais tarde ou mais cedo lá conseguíamos.

Não estávamos preparados para aceitar mais mortes dentro do próprio destacamento com estas flagelações!

Não tínhamos dúvidas que os operadores destes canhões sem recuo eram elementos cubanos,  muito bem preparados tecnicamente. Impressionante a forma como à segunda ou terceira tentativa as metiam quase todas dentro do destacamento. Contudo, é minha convicção que algo mais havia para além da competência técnico dos operadores… “No creo em las brujas, pero hay”.

Enquanto as granadas caiam fora do destacamento,  lá íamos tolerando a ousadia do IN (e seus amigos cubanos). Contudo, quando começavam a cair dentro do perímetro do destacamento a coisa “piava mais fino” e todas as contas eram feitas no sentido de confirmar a direção das mesmas e aferir a distância do local, tendo em vista a sua “caça”.

Geralmente o ataque começava ainda com a luz do dia e acabava já noite posta. Sempre assim atuavam. A noite sempre foi a “praia” do IN, deslocando-se, montando minas e infiltrando-se para o interior do território sem nenhum obstáculo a não ser uma ou outra emboscada noturna e uma ou outra granada de obus.

Os ataques nesta “nesga” de tempo tinha como objetivo evitar a nossa perseguição bem como não denunciar a sua posição,  tendo em conta o clarão provocado pela saída das granadas. Contudo, as últimas canhoadas, já com a noite a cair, acabavam por denunciar a sua direção. Quanto à distância? Alguém disse com toda a propriedade: “é só fazer as contas”, sabendo que a velocidade do som é de 340 m/s...

Já dois pelotões tinham saído com o objetivo de encontrar a base de lançamento das granadas de canhão sem recuo. Nada foi encontrado, pelo que chegou a nossa vez de tentar a sorte. Nesta altura já estava no meu pelotão o meu grande amigo “alfero” Afonso (amigo para a vida), que, não tendo passado todo o calvário da companhia até aí, estava, contudo, imbuído de uma determinação, quase doentia, em encontrar o local do ataque. Na saída vira-se para mim e diz-me com toda a convicção: "Costa, só regressamos ao destacamento depois de encontrarmos a base". Ao que eu repliquei: "Então era melhor reforçarmos as rações de combate !"

Inicia-se assim a “marcha louca”, atravessando trilhos, bolanhas e rasgando a mata com a faca de mato na direção do objetivo que o homem tinha gravado na sua cabeça, sem o auxílio de mapas ou bússolas, que segundo ele só complicavam.

Assumiu a dianteira, substituindo-se ao guia, tornando-se cada vez mais difícil acompanhar o seu andamento. A determinação era tanta que nem nos apercebemos que já estávamos a algum tempo a andar em círculo, com o primeiro da coluna a juntar-se ao último (perante o susto e a estupefação dos dois), caminhando em passo cada vez mais acelerado, mas não saindo do mesmo sítio.

Todas estas voltas se justificavam já que o seu “GPS” marcava que tínhamos chegado ao destino/objetivo. Este estava bem dissimulado na mata. “Manga de ronco”, o nosso homem conseguiu!

Encontramos o local junto a um Baga Baga com duas valas cavadas para se protegerem das nossas granadas de obus (Foto nº 1).

Regressamos ao Cumbijã,  eufóricos e só não demos uma medalha ao nosso “herói” porque foram todas gastas no torneio de futebol inter- turmas (pelotões).

Se o Marcelo da altura fosse o Marcelo de hoje, havia medalha!

No dia seguinte um outro pelotão foi ao local minar a zona, tendo encontrado uma das valas minada.

Felizmente tivemos sossego durante algum tempo, ao fim do qual a rotina voltou…

Continua...

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Nota do editor:

Último poste da série > 26  de novembro de 2021 > Guiné 61/74 - P22754: Paz & Guerra: memórias de um Tigre do Cumbijã (Joaquim Costa, ex-Furriel mil arm pes inf, CCAV 8351, 1972/74) - Parte XX: outras guerras, outros protagonistas: os mosquitos, as abelhas, as formigas, as matacanhas...

quarta-feira, 25 de agosto de 2021

Guiné 61/74 - P22482: Paz & Guerra: memórias de um Tigre do Cumbijã (Joaquim Costa, ex-furriel mil arm pes inf, CCAV 8351, 1972/74) - Parte XIV: " Bora lá... para a nova casa, Nhacobá" (Op Balanço Final)


Foto nº 1 > Guiné > Região de Tombali > Nhacobá > Maio de 1973 > Foi com mágoa que vimos as máquinas a destruírem esta bela tabanca, com vistas privilegiadas para a magnífica bolanha. Foto de Joaquim Costa.


Foto nº 2 > Guiné > Região de Tombali > Nhacobá > Maio de 1973 > 
A grande bolanha de Nhacobá > Um importante celeiro da PAIGC > Foto A. Murta, com a devida vénia

Fotos (e legendas): © Joaquim Costa (2021). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]




Joaquim Costa, ontem e hoje. Natural de V. N. Famalicão,
vive em Fânzeres, Gondomar, perto da Tabanca dos Melros.
É engenheiro técnico reformado.


Paz & Guerra: memórias de um Tigre do Cumbijã (Joaquim Costa, ex-Furriel mil arm pes inf, CCAV 8351, 1972/74) (*)


Parte XIV: " Bora lá... para a nova casa, Nhacobá"  
(Op Balanço Final)


Com a nossa entrada em Nhacobá, nos dias seguintes entraram também as máquinas de engenharia, vencendo paulatinamente todos os obstáculos colocados pela mata densa para atingir a tabanca, preparando o terreno para aqui nos instalarmos definitivamente.

Foi com inexplicável indiferença que, depois do assalto, recebemos a notícia, já esperada, que também nos cabia a nós consolidar a ocupação da tabanca, recomeçando tudo de novo (outra vez), depois de ocupar e construir a pulso Cumbijã.

Embora já previsto, que esta seria a nossa futura casa, não esperávamos que fosse nestas condições, tínhamos a ilusão que seria uma coisa estilo “chaves na mão”.

Passado uns dias (sétimo dia após o assalto – 23 Maio 1973), depois de uma noite bem dormida, dado o cansaço e o whisky, recebemos a notícia à muito anunciada: vamos ocupar definitivamente Nhacobá e deixar a casa que construimos, com “sangue suor e lágrimas”, e recomeçar tudo de novo.

Já estavam em marcha os preparativos com o transporte das tendas, anteriormente utilizadas no Cumbijã, em transito para Nhacobá. De manhã cedinho, com um nó na garganta por abandonarmos a nossa “linda”casinha” (que, para ser perfeita, só lhe faltava um S. José de Azulejo), lá arrancamos nós para uma nova e arriscada empreitada.

A azáfama era grande na preparação do terreno para montarmos as familiares tendas de lona, bem como construir uma frente de valas para garantir uma segurança mínima em caso de ataque, previsível, do IN.

Ao vermos as máquinas destruir parte da tabanca, estranhamente, muitos de nós sentiu uma ou outra lágrima correr-lhe o rosto.

Ocupados com estas atividades vimos com preocupação a chegada de altas patentes com semblantes carregados, não augurando nada de bom. Estas altas esferas conversavam entre si ignorando todo aquele frenesim.

Chegada a hora da verdade, com toda a gente que não é de cena a sair de cena, ficando só nós entregues à nossa sorte, reparamos que as altas patentes, mais o seu grupo de proteção, também ficou. O tempo foi passando, as conversas das altas patentes continuavam, perturbando o nosso descanso depois de um dia intenso.

Estávamos incrédulos, os homens do “pionés no mapa” na frente de combate, pernoitando neste inferno, com uma visita do IN garantida!

Eis que, inopinadamente, por volta das 21 horas, estava escuro como breu (como quando o Benfica apagou os lampiões no estádio da Luz quando o Porto foi aí campeão), chega a ordem para preparar todo o pessoal para arrancarmos até Cumbijã. Ficamos todos estupefactos, num misto de alívio e preocupação. Dando crédito ao que se falava entre dentes, estaria para chegar todo o grupo do prestigiado guerrilheiro Nino Vieira (mais tarde presidente da Guiné) para arrasar (estilo Jorge Jesus !) com Nhacobá.

Arrancamos, todos de mão dada (como no jardim de infância), para ninguém se perder no caminho. Lá fomos (Lá vamos cantando e rindo levados..,), novamente, para a nossa linda casinha. Já em Cumbijã (a horas não habituais do IN – 5 horas da manhã), ouvimos uma “trovoada” de explosões na zona de Nhacobá, ou talvez Guileje, diziam alguns. Provavelmente as duas coisas… se, em Nhacobá, desperdício de munições...uff!

Se me tivessem caído estrelas ou galões nos ombros (!),  jamais abandonaria o local naquelas condições. Uma emboscada ou apenas um disparo acidental criaria o pânico com consequências que poderiam ser dramáticas já que se não via um palmo à nossa frente. Foi para todos nós uma caminhada noturna com a tensão nos limites.

Nunca entendi a razão de abandonar o local, nem ninguém nos explicou, naquelas condições. O motivo mais plausível, presumo, foi dar entender ao IN que iamos ocupar definitivamente o seu antigo refúgio, obrigando-os a enviar forças para defesa deste importante corredor que estavam na eminencia de perder definitivamente. Assim se aliviava (de acordo com os rumores que já circulavam) o cerco que o IN tinha montado ao aquartelamento de Guileje e, saindo pela calada da noite,  evitávamos um confronto desigual numa altura em que todos estávamos exaustos (convenhamos que foi de retirada em retirada que Kutuzov venceu Napoleão...).

Depois desta possível “manobra de diversão” (e desta minha “comovente” dissertação sobre estratégia militar), no dia seguinte reocupamos novamente Nhacobá dando a entender ao IN que nunca o abandonámos. Contudo, com a confirmação de Guileje e Gadamael a ferro e fogo, a ocupação definitiva de Nhacobá deixou de ser prioridade.

Entretanto, acontece o impensável, Guileje, o aquartelamento mais bem fortificado da Guiné, e muito próximo de nós, foi abandonado, no dia anterior à nossa retirada de Nhacobá - 22 Maio 1973, pelas nossas tropas, (uma companhia que se formou ao mesmo tempo que nós em Estremoz, todos nossos amigos), em consequência do ataque em massa, com armas pesadas e durante vários dias consecutivos, causando várias vítimas entre militares e população.

Com o aparecimento, recente, dos misseis Strela,  de fabrico Soviética, tudo se altera no teatro de operações com a queda (atingidos por esta nova arma) de 3 aviões Fiat (caças bombardeiros), reduzindo drasticamente a sua atividade operacional  e ponde em causa o apoio determinante às forças no terreno.

O primeiro caça bombardeiro Fiat a ser abatido por esta nova arma, cuja aparecimento mudou definitivamente o rumo da guerra, em 25/03/73, pilotado pelo Ten PilAv Miguel Cassola Cardoso Pessoa.

Este acidente acabou por ter um final feliz, acabando mesmo em casamento do piloto Pessoa com uma das nossas “queridas enfermeiras paraquedistas” (como nós carinhosamente lhe chamavámos) que lhe prestou os primeiros socorros, e o acompanhou durante a evacuação (e não mais o abandonando até hoje!) para o Hospital de Bissau depois de ser resgatado do mato por um grupo de tropa especial (esta bonita história de amor em tempo de guerra era claramente digna de um filme – um “Dr. Jivago à Portuguesa” …).

Estas jovens militares e enfermeiras (#), postas em permanente perigo, voando de Heli, DO, ou Dacota, fazendo arriscadas evacuações e prestando os primeiros socorros nas zonas mais problemáticas, foram um exemplo maior de coragem, competência e solidariedade.

É neste ambiente de grande instabilidade que,  depois de todos os esforços, se desistiu de reocupar, de imediato, Nhacobá, continuando, contudo, a construção da estrada e o patrulhamento da zona.

(Continua)
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Nota do autor:

(#) Eram mesmo enfermeiras formadas nas escolas superiores de enfermagem – num universo de enfermeiros, formados em 3 meses, com diferentes formações na vida civil, de eletricistas a carpinteiros, salvo raras exceções, mas que cumpriram exemplarmente as suas funções e cuja presença nos dava um grande conforto
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domingo, 1 de agosto de 2021

Guiné 61/74 - P22422: Passatempos de Verão (24): A cabra Joana de Nhacobá e o cão rafeiro Tigre de Cumbijã: fábula 2: "Ao que parece, nem os macacos se salvaram" (Joaquim Costa)


1. Dando continuidade aos nossos devaneios de verão, aqui vai mais uma versão da história fantástica da  cabra Joana e do cão rafeiro Tigre, contada aos meninos da escola,  desta vez da lavra do escritor minhoto de contos infantis Joaquim Costa, com residência oficial em Fânzeres, Gondomar (*)




A cabra Joana e o cão Tigre

por Joaquim Costa


Era uma vez, numa terra distante, de uma beleza que se entranhava no corpo e alma, como a areia no corpo  numa tarde de vento na praia,. 

Aqui viviam duas famílias desavindas por causa de uma bandeira (quando forem mais crescidos vão perceber porquê… ou talvez não). Uns eram a família IN, que viviam em Nhacobá, outros a família Tigre, que morvam em Cumbijã.

Os arrufos eram constantes com investidas ousadas a casa uns do outros,  tentando a expulsão dos mesmos.

Entretidos nestes arrufos,  os DDT,  os Donos Disto Tudo (ou melhor, os Donos Daquilo Tudo, daquela terra), decidiram (,sem consultar ninguém, ) que os Tigres investiriam em força sobre a família IN, impondo a sua lei.

Assim foi, mas com perdas irreparáveis e inocentes de um lado e do outro.

Como é comum, desde os primórdios, quem vence tem direito aos despojos: Arroz, cigarros, fósforos (que se acendem riscando na sola da bota, em estilo John Wayne), livros escolares com mensagem estilo Estado Novo (mas cujos heróis eram outros) e... uma cabra que chamou a atenção pela sua indignação pela invasão da sua privacidade,  levantando as patas a qualquer um sem receios.

Esta irredutível cabra passou a fazer parte do despojos,  pelo que acompanhou os Tigres de volta a casa, em Cumbijã. 

Aqui quem reinava era o cão rafeiro Tigre,  pelo que, no dia da chegada, a cabra foi apresentada ao rei. Não foi um encontro fácil e só não se chegou a vias de facto dada a pronta atuação da guarda pretoriana.

Esta irredutível cabra ganhou a simpatia de toda a população, ou quase,  já que em todo o lado há ovelhas ranhosas em qualquer rebanho.

Tinha esta irreverente cabra, de seu nome Joana,  4 predadores:

(i) O rei Tigre que nunca aceitou partilhar o protagonismo com este estranho animal (, contudo, neste caso,  não se sabia quem era o predador de quem);

(ii) O vagomestre Ferreira, que tratava dos comes & bebes, e  que fitava a Joana com os olhos vermelhos de quem já a está a ver a ser esfolada e transformada em estilhaços de carne para o arroz;

(iii) Os três agricultores improváveis , estes com razão, já que a Joana não resistia às viçosas alfaces, saltando a cerca das três hortinhas, e  lambusando-se toda com a frescura das mesmas com a compreensível indignação dos proprietários das plantações.

Na defesa da Joana passou a haver, 24 sobre 24 horas, um guarda-costas, armado de G3 com bala na câmara.

Foi assim que a mesma resistiu até ao dia em que os Tigres abandonaram a  sua casa, no Cumbijã,  a caminho de Bissau, para apanhar o barco (que os levaria finalmente a sua terra de origem),  e em que todos, sem exceção, verteram uma lágrima, já com saudades da cabra Joana e do cão Tigre.

Não se sabe o que aconteceu depois, mas teme-se que esta história, infelizmente, dos relatos que foram chegando aos Tigres, não tenha acabado nada bem...

Ao que parece,  nem os macacos se salvaram....

Joaquim Costa

30 de julho de 2021 às 17:00

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Nota do editor:

(*) Vd. postes de:

sábado, 31 de julho de 2021

Guiné 61/74 - P22420: Passatempos de Verão (23): A cabra Joana de Nhacobá e o cão rafeiro Tigre de Cumbijã: fábula 1: "Não se pode servir dois senhores ao mesmo tempo" (Luís Graça)



Guiné > Região de Tombali > Cumbijã > CCAV 8351 > Diz o Joaquim Costa: "Oj encontro, não muito amistoso, da cabra “Joana” que trouxemos de Nhacobá no dia da operação Balanço Final, com o “rei” do destacamento do Cumbijã - o cão rafeiro “Tigre”... Com o tempo lá foram partilhando o protagonismo."... Mas segundo o Luís Graça, esta história  terá acabado mal... Foto acima: um típico pratod e chanfana, cortesia da RTP.




A Joana e o Tigre (1973). Foto:
cortesia de Joaquim Costa


1. Já temos pelo menos  dois textos, em resposta ao nosso desafio,  lançado no poste anterior desta série, "Passatempos de verão" (*)


Fábula 1: 
"Não se pode servir dois senhores 
ao mesmo tempo"

por Luís Graça



Sou a cabra Joana de Nhacobá. Minha terra fica no sul da Guiné-Bissau, na região de Tombali, dizia minha dona.

Já não cheguei a conhecer a Guiné-Bissau. Sou do tempo dos “tugas”. Tive um amigo, o Tigre do Cumbijã, um cão rafeiro,  que pertencia aos “tugas”. Mas ele era tão guineense quanto eu.

A minha história é triste. Fui apanhada pelos “tugas” quando bombardearam com aviões e atacaram por terra a minha querida tabanca, Nhacobá. Fui levada para Cumbijã, como prisioneira.  Não me trataram mal, a princípio. Mas, no fim, acabei morta e cortada aos pedaços num alguidar, coberto de vinho do Cartaxo (, não havia vinho do Dão, dizia o malvado do cozinheiro.)

Se bem percebi pelas conversas que marcaram os últimos minutos da minha vida, queriam fazer, comigo, um prato “tuga”, horrível, a que chamavam “chanfana”, da cor do alcatrão. Uns desgraçados de uns milícias aproveitaram a minha linda pele para fazer um ou mais jambés.

Não fui morta à moda dos fulas, degolada. Deram-me um tiro de pistola Walther, 9 mm de aço. Fechei os olhos. Não quis ver a cara do carrasco. Não sei se era branco ou negro. No quartel havia milícias.  Estava nervosos, e com pressa.

A minha história é triste mas também tem um lado exaltante e até heróico. Dizem que eu vim de um tabanca mais a norte, ainda no quarto crescente da lua da guerra. No início da luta, o Cabra Matcho Nhô Vieira chegou lá e disse: “Partido manda pessoal procurar abrigo nas matas do Cantanhez que tem árvore grande. Se não, vem avião ‘tuga’ e lança bomba e mata povo”. 

Eu era pequenina, ainda de leite. Mas minha dona trouxe-me ao colo para a nova morança.  Só me lembro de Nhacobá onde cresci e por onde passava coluna grande do Partido com armas e bianda. Manga de canseira.

Um dia dei leite para Cabra Matcho Nhô Vieira que estava com febres. Ele ficou muito agradecido e deu ordem: “Ninguém faz mal à cabra Joana. É uma grande combatente da liberdade da Pátria”. 

Todas as vezes que ele passava em Nhacobá (, raramente cá ficava,) ia-me visitar à minha morança e fazer uma festinha… Não sei se “tugas” sabiam desta história. Não deviam saber, se soubessem mandavam logo  lá o Marcolino da Mata para me apanhar à mão. O Marcolno também era um cabra matcho, dizia o povo de Nhacobá.  Odiava o Nhô Vieira, eram irmãos  da mesma tribo mas rivais. 

Um dia quiseram apanhar Cabra Matcho Nhô Vieira, mas em vez dele apanharam capitão cubano. Foi coisa dos paraquedistas de que tínhamos muito medo. Até que um dia manga de tropa cercou a tabanca, houve mortos e feridos, minha dona não conseguiu mais segurar-me. E um tal “tuga” Djoquim Costa me prendeu com corda grossa e me trouxe para Cumbijã. Vim  o caminho todo a dar marradas, até ficar exausta.   Chorei, nesse dia.  Cabra Matcho Nhô Vieira estava mais abaixo, na batalha do Guiledje, não me pôde defender nem salvar.

Fiquei no quartel dos “tugas”, em Cumbijã, mais de um ano. E confesso (, que os camaradas aqui não me ouvem!): fui lá feliz e diverti-me. Eu e o meu amigo, o cão rafeiro Tigre do Cumbijã. Só queríamos mesmo era brincadeira. E fazer estragos na horta dos "tugas".  Davam-me de comer mas eu também trabalhava. Dava leite aos doentes e limpava os chão do quartel: apanhava tudo o que fosse comestível,  de trapos a papel.

Um dia quis saltar o arame farpado para ir até à bolanha, desentorpecer as pernas, mas fiquei lá presa, no arame.  O cão rafeiro Tigre do Cumbijã foi a correr, a ladrar, chamar o “tuga” Djoquim Costa, que era o meu novo dono. Lá me safou. Levou-me à enfermaria. Furriel enfermeiro, manga de bom pessoal, cuidou de mim.

Acho que quase todos os "tugas" gostavam de mim. Até o general Caco Baldé foi ver a cabra do Cabra Matcho.  Mas havia alguns que andavam sempre a rosnar: "A fome é negra"...Nunca cheguei a saber qual era a cor da fome: se era negra para os brancos, ou branca para os negros.  Para mim, era de todas as cores. Eu sou cabra, não sou burrra...

Mas chegou a véspera do fatídico dia de entrega do quartel de Cumbijã aos camaradas do Partido. A data estava aprazada para 7 de agosto de 1974. 

Os “tugas” sabiam que o Cabra Matcho Nhô Vieira estava farto de procurar por todo o lado a sua cabra favorita. Que era eu. Com medo de alguma surpresa desagradável, ou contratempo de última hora, os “tugas” deram-me a sentença de morte. Não sei quem foi. E para mostraram que eram imparciais e justos como o  rei Salomão, ¥¥  mandaram matar também o pobre do meu amigo cão. A mim comeram-me, de chanfana. Ao Tigre do Cumbijã fizeram-lhe um funeral com honras militares e tudo. 

Quando chegaram os camaradas do Partido, para a entrega do quartel, perguntaram por mim. Os “tugas” responderam, cinicamente, que eu não fazia parte do inventário. E que por azar tinha saltado o arame farpado e pisado uma mina. O que era mentira. Eu era endiabrada mas não era suicida. 

Entregaram apenas um embrulho com os meus ossinhos, todos pretos. Sei, já no céu dos animais, que  o "tuga" Djoquim Costa, bom pessoal,  chorou por mim,  e que o Cabra Matcho Nhô Vieira também teve um grande desgosto. Como se tivesse perdido uma das suas mulheres. 

Em minha  homenagem, o Partido mandou-me inumar no Panteão Nacional, lá em Bissau, debaixo de um grande poilão, com uma placa a dizer o seguinte: “Aqui jaz a cabra Joana de Nhacobá, grande combatente da liberdade da Pátria”.

Moral da história,: "Não se pode servir dois senhores ao mesmo tempo.  Um dos dois fica mal servido".

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Nota do editor:

sexta-feira, 30 de julho de 2021

Guiné 61/74 - P22417: Passatempos de verão (22): A fábula da cabra Joana de Nhacobá e do cão rafeiro Tigre do Cumbijã, obrigados a coexistir pacificamente até ao final da guerra


Guiné > Região de Tombali > Cumbijã > CCAV 8351 > O encontro, não muito amistoso, da cabra “Joana” que trouxemos de Nhacobá no dia da operação Balanço Final, com o “rei” do destacamento do Cumbijã - o cão rafeiro “Tigre”... Com o tempo lá foram partilhando o protagonismo. Foto: cortesia do Carlos Machado.

Foto (e legenda): © JOaquim Costa (2021). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



1. A foto da cabra Joana de Nhacobá e do cão rafeiro Tigre do Cumbijã, da autoria do Carlos Machado, é um espanto!... Um "instantâneo" muito feliz!...

Dá para os "miúdos da escola" (aqui ou na Guiné-Bissau) escreverem uma fábula sobre a "estupidez da guerra" ou qualquer coisa parecida... (O que é que será mais parecido com a "estupidez da guerra" ?  A guerra e a estupidez.).

Ou então dá, também, para os nossos leitores escreverem uma história para os seus  netos, partindo das suas memórias já muito esbatidas daquela terra, que era outrora era verde e vermelha, e estava a ferro e fogo... 

Leitores de Portugual, leitores da Guiné-Bissau, ou outros, que a "estupidez da guerra" é de todos os tempos e lugares... Fica aqui o desafio, retomando uma série, já antiga,  do nosso blogue, "Passatempos de Verão", ams inactiva desde 2017 (**).

A cabra Joana de Nhacobá foi apanhada pelo pessoal da CCAV 8351, justamente em Nhacobá, tabanca até então controlada  pelo  PAIGC,  no "corredor de Guileje", no decurso da Op Balanço Final (17-23 de maio de 1973). Nhacobá era um lugar de importância estratégica para ambos os contendores.

Foi levada, a Joana,  para Cumbijã, sendo obrigada a coexistir, pacificamente, com o cão rafeiro, o "Tigre de Cumbijã", mascote do pessoal. Não sabemos como esta história acabou, a pequena, insignificante, história destes dois animais domésticos. 

Enfim, mais uma pequena história que não cabe na grande História com H. Ou será que cabe (ou devia caber) ?... Talvez um dia os senhores historiadores se lembrem de juntar, aos homens, as cabras e os cães, que os acompanhavam na paz e na guerra. Tal como os vírus, bactérias, parasitas, protozoários, fungos e bacilos que os dizimavam, aos homens e aos seus animais domésticos.

O Valdemar Queiroz comentou (**): 

"A cabra Joana e o cão Tigre,,, Até dava uma fábula, 'tá bem, mas atenção que as crianças são curiosas e poderiam atirar com: a Joana ao ataque e o Tigre encolhido. Ou os habituais reparos: mais uma a deitar abaixo a nossa tropa (um tigre) a encolher-se a um ataque no IN (uma cabra)." (...)

O nosso editor Luís Graça, mauzinho, também deu a sua dica (**): 

"Aposto que a cabra Joana acabou no prato dos Tigres do Cumbijã. Chanfana, de cabra velha. Mesmo nascida depois da guerra,  no final, em 1974,  já devia ser dura que nem um corno. Se assim foi, e o Joaquim confirmará, a pobre Joana terá sido um dos últimos despojos do império. Como a malta não comia cão (a menos que houvesse algum macaense na CCav 8351), o resultado só pode ter sido Tigre 1, Joana 0. Mas pode haver outras narrativas"...

E são essas narrativas, de preferência sob a forma de "fábulas", 
bem humoradas, mais ou menos infantis, politicamente incorretas, que esperamos da parte dos/as nossos/as leitores/as... 

Para já o poste não tem numeração (, será o P00000, volante, de modo a aparecer todos os dias em destaque na página de rosto do blogue). Queremos assim dar oportunidade (e visibilidade) aos nossos leitores para que os seus  talentos literários (incluindo a sua imaginação e sentido de humor) se manifestem, este fim de semana, de preferência sem quaisquer entraves nem  censuras...

Toda a gente já leu ou ouviu uma fábula do grego Esopo ou do francês La Fontaine... Fábula (latim fabula, -ae, conversa, lenda, conto, narrativa) tem várias aceções ou significados. Por exemplo: 1. [Literatura] Composição literária, em verso ou em prosa, geralmente com personagens de animais, com características humanas, e em que se narra um facto cuja verdade moral se oculta sob o véu da ficção.

Fonte: "fábula", in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [em linha], 2008-2021, https://dicionario.priberam.org/f%C3%A1bula [consultado em 29-07-2021].



Mandem os vossos textos (, curtos, dois ou três  parágrafos, meia página A4) para os endereços dos nossos editores que estão de serviço neste final de julho / princípio de agosto do ano da (des)graça de 2021:

(i) Luís Graça (Lourinhã):

luis.graca.prof@gmail.com

(ii) Carlos Vinhal (Leça da Palmeira / Matosinhos):

carlos.vinhal@gmail.com


2. Operação Balanço Final, Região de Tombali, Nhacobá, Sector S2, 17 a 23Mai1973


Com a finalidade de ocupar Nhacobá, S2, em que intervieram forças das CCaç 3399, 3ªC/BCaç 4513/72, CCaç 18, CArt 6250/72, CCav 8351/72, 2° Pel Art (10,5 cm), 14° PelArt (14 cm), e 1 Pel/ERec 3431, quando se deslocavam no itinerário Cumbijã-Nhacobá, tiveram 2 contactos com o inimigo de que resultaram 7 mortos para este e 1 morto, 5 feridos graves e 9 ligeiros para as NT. 

Foram apreendidas ao inimigo 1 esp autom "Simonov", 3 esp autom "Kalashnikov", 1 esp "Mauser", l LGFog "RPG-7" e 1 gran de LPFog  "RPG-7", além de material diverso.

Três dias depois pelas 09H50 as nossas forças foram emboscadas por um grupo IN na região próxima de Guileje. As NT sofreram 1 morto, 1 ferido grave e 2 ligeiros. O inimigo sofreu baixas prováveis.


Fonte: Excertos de: CECA - Comissão para Estudo das Campanhas de África: Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África (1961-1974) : 6.º Volume - Aspectos da Actividade Operacional: Tomo II - Guiné - Livro III (1.ª edição, Lisboa, Estado Maior do Exército, 2015), pág. 304

quinta-feira, 29 de julho de 2021

Guiné 61/74 - P22413: Paz & Guerra: memórias de um Tigre do Cumbijã (Joaquim Costa, ex-furriel mil arm pes inf, CCAV 8351, 1972/74) - Parte XIII: O Dia Mais Negro: o segundo murro no estômago (Op Balanço Final)

 



Foto nº 1
  > Guiné > Região de Tombali > Cumbijã  > CCAV 8351 > O encontro, não muito amistoso, da cabra “Joana” que trouxemos de Nhacobá no dia da operação Balanco final,  com o “rei” do destacamento do Cumbijã - o cão rafeiro “Tigre” > Com o tempo lá foram partilhando o protagonismo. Foto: cortesia do Carlos Machado.

 


Foto nº 2 > Encontro anual dos Tigres do Cumbijã > À esquerda o nosso querido Furriel Enfermeiro, que no dia mais negro da companhia teve a coragem, o sangue frio e competência na estabilização do nosso camarada alferes com um ferimento muito grave na garganta. Neste dia negro para além do ferido muito grave sofremos o segundo morto em combate e vários feridos ligeiros.

Fotos (e legendas): © Joaquim Costa (2021). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]




Joaquim Costa, ontem e hoje. Natural de V. N. Famalicão,
vive em Fânzeres, Gondomar, perto da Tabanca dos Melros. 
É engenheiro técnico reformado. Há dias, a 15 do corrente, 
 escreveu-nos o seguinte: 

(...) "Reconfortado pela café oferecido pelo régulo 
da Tabanca dos Melros, que rasgou os ares da Guiné no seu T6, o Gil Moutinho, 
com direito a visita guiada ao magnífico museu (que não paguei,
já que apresentei o meu cartão de antigo combatente) 
e pela agradável conversa com os catedráticos e velhinhos do blogue
o Carvalho de Mampatá e o Ferreira da Silva.
Uma tabanca a 10 minutos a pé da minha casa 
e que ainda não a tinha visitado enquanto tal. Sem desculpa!" (...)


Paz & Guerra: memórias de um Tigre do Cumbijã (Joaquim Costa, ex-Furriel mil arm pes inf, CCAV 8351, 1972/74) (*)


Parte XIII: O Dia Mais Negro: o segundo murro no estômago 
(Op Balanço Final)

 

Ao terceiro dia da Operação Balanço Final, dois grupos de combate da companhia saem de Cumbijã com destino a Nhacobá para render os outros dois grupos de combate que aí pernoitaram.

Percorridos uns quilómetros, numa zona de vegetação densa, somos emboscados por um grande grupo de guerrilheiros que nos surpreende com um forte poder de fogo de armas ligeiras, RPG e morteiro. Dada a surpresa e a configuração do terreno demoramos algum tempo a reagir.

Depois da surpresa lá conseguimos rechaçar o ataque, fazendo estragos ao IN, mas com consequências dramáticas para nós: um soldado morto, um Alferes ferido com muita gravidade e alguns feridos ligeiros. 

Depois de acionado o pedido de ajuda à aviação, bem como o pedido de um possível helicóptero para evacuação urgente do alferes gravemente ferido, era indescritível o sentimento em cada um de nós, obviamente de medo no primeiro momento, mas depois de raiva com a vontade de irmos atrás de quem provocou todo aquele horror, num sentimento primário de vingança (compreensível).

Depois de cumprida a evacuação dos nossos camaradas; pois que a preocupação maior era dar segurança ao extraordinário trabalho do furriel enfermeiro e à sua equipa nos primeiros socorros aos feridos bem como assegurar a operação de evacuação; caímos em nós e ninguém conteve compulsivamente as lágrimas.

O nosso camarada alferes, evacuado para o Hospital de Bissau, foi passado pouco tempo, dada a gravidade dos ferimentos, evacuado para Lisboa.

Depois da bem sucedida, complexa e arriscada operação de assalto a Nhacobá, esta emboscada foi um dos confrontos mais duros e de maior dramatismo para a companhia. O IN queria mostrar que a ocupação definitiva da sua antiga base não era assunto encerrado.

As flagelações constantes ao destacamento bem como os ataques ao arame eram momentos de grande aflição, mas o controlo da situação era quase absoluto já que nos viamos uns aos outros e nos sentimos todos juntos a enfrentar a situação. Num contacto no mato, só vemos o camarada que está à nossa frente e o que está atrás de nós. Disparamos por instinto, de onde ouvimos os disparos do IN, mas sem ter a certeza da configuração e disposição no terreno das nossas forças, correndo sérios riscos de fogo amigo. 

A mobilidade do grupo IN que conhece bem a zona e se pode movimentar e dispersar reagrupando-se facilmente num outro local, são fatores que os colocam em situação de grande desvantagem já que a nossa movimentação tem de ser sempre organizada e em grupo sem nunca perder de vista o camarada da frente e o de trás. Quem se perder dificilmente alcançará o destacamento.

Este foi, para mim, o momento mais difícil dos dois anos passados na Guiné. Pelas perdas que nos apertava o coração e nos enchia os olhos de lágrimas, mas também pelo que nos dava a conhecer do que seria o futuro próximo, instalados na antiga base do PAIGC, sem o mínimo de condições de segurança e habitabilidade.

Sentíamos que, o que nos era exigido, depois da ocupação do Cumbijã e o assalto a Nhacobá, para além de injusto (dado tudo o que já tínhamos sofrido), era algo de desumano.

Este foi também o momento de viragem, onde passamos, inexplicavelmente, a relativizar perdas, onde todos perdemos um pouco de nós (tal como éramos) e passamos a ser outros sem deixarmos de ser nós próprios. Confuso, mas foi assim mesmo…

Passamos a esquecer o dia de ontem rapidamente (em defesa da nossa saúde mental); a viver o presente intensamente (não deixando de viver a nossa juventude, mesmo naquelas condições, em convívio com um grupo de amigos que as contingências da guerra nos unia ao ponto de o sofrimento ou alegria de um ser o sofrimento e a alegria do grupo) e a não pensar muito com o amanhã (aprendemos com o tempo a não sofrer por antecipação). 

Lendo tudo o que outros disseram sobre nós (alguns excertos aqui publicados) é claramente percetível o que acabo de afirmar.

Dou comigo, hoje, passados todos estes anos, a ter dificuldade em reconstruir a fita do tempo. Questiono-me muitas vezes se tudo o que a minha memória guardou é verdade ou ficção. Se tudo o que a minha memória me diz é realidade ou sonho.

Não faz parte destas minhas memórias (nunca o faria) transformar os confrontos da CCav 8351 com os guerrilheiros do PAIGC como se de um jogo de futebol se tratasse,  contabilizando os mortos e feridos de um lado e do outro. Contudo, não deixa de ser perturbador o que está vertido em documentos oficiais do exército, bem como em relatos de outros camaradas, transcritos nestas memórias no capítulo: “O que outros disseram de nós”

Uma das imagens que várias vezes me ocorrem à memória, e me continuam a perturbar, é a visão de dois guerrilheiros mortos, já despojados dos seus haveres e “roncos” por milícias africanos, deixados na mata no primeiro dia da operação “Balanço Final”. 

Arrepia-me a indiferença como o fizemos e como permitimos a profanação dos seus cadáveres despojados até das suas fardas. Não concebo, nem aceito, este desprezo pela vida humana. Tinha uma réstia de esperança que tal não passava de um sonho, tudo era fruto da minha imaginação. Infelizmente tal não se confirmou. Fui confrontado com a realidade pura e dura ao ver, duas fotografias, tiradas por um colega de uma outra companhia que participou na operação, com a imagem dos dois guerrilheiros mortos no momento em que passavamos por eles já despojados, pelas nossas milícias, dos seus haveres e “roncos”. Por mais que tente contextualizar, esta imagem continua a ser muito dolorosa e perturbadora…

(Continua)
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Nota do editor:

(*) Últimos cinco postes anteriores da série;

8 de julho de 2021 > Guiné 61/74 - P22350: Paz & Guerra: memórias de um Tigre do Cumbijã (Joaquim Costa, ex-furriel mil arm pes inf, CCAV 8351, 1972/74) - Parte XII: A primeira noite em Nhacobá (Op Balanço Final)

23 de junho de 2021 > Guiné 61/74 - P22308: Paz & Guerra: memórias de um Tigre do Cumbijã (Joaquim Costa, ex-Furriel mil arm pes inf, CCAV 8351, 1972/74) - Parte XI: Op Balanço Final: Assalto a Nhacobá ou o dia mais longo

7 de junho de 2021 > Guiné 61/74 - P22261: Paz & Guerra: memórias de um Tigre do Cumbijã (Joaquim Costa, ex-Furriel mil arm pes inf, CCAV 8351, 1972/74) - Parte X: a segunda "visita dos vizinhos" (com novo ataque ao arame)

26 de maio de 2021 > Guiné 61/74 - P22225: Paz & Guerra: memórias de um Tigre do Cumbijã (Joaquim Costa, ex-Furriel mil arm pes inf, CCAV 8351, 1972/74) - Parte IX: O primeiro murro no estômago

1 de maio de 2021 > Guiné 61/74 - P22159: Paz & Guerra: memórias de um Tigre do Cumbijã (Joaquim Costa, ex-Furriel mil arm pes inf, CCAV 8351, 1972/74) - Parte VIII: A primeira visita... dos "vizinhos", com ataque ao arame!

quinta-feira, 8 de julho de 2021

Guiné 61/74 - P22350: Paz & Guerra: memórias de um Tigre do Cumbijã (Joaquim Costa, ex-furriel mil arm pes inf, CCAV 8351, 1972/74) - Parte XII: A primeira noite em Nhacobá (Op Balanço Final)


Foto nº 1  > Guiné > Região de Tombali >  Nhacobá > CCAV 8351 > O furriel Costa: depois do assalto,  a primeira noite na nova casa 

Foto (e legenda): © Joaquim Costa (2021). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



Foto nº 2  > Guiné > Região de Tombali >  Nhacobá >
 Dias depois do assalto > Foto A. Murta  / Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné,  com a devida vénia



Foto nº 3  > Guiné > Região de Tombali >  Nhacobá > CCAV 8351 > Operação “Balanço Final” > Assalto e ocupação da base do PAIGC > A grande e bonita bolanha de Nhacobá

Foto de A. Murta com a devida vénia



Foto nº 4 > Guiné > Bissalanaca > BA 12 > Um caça Fiat G.91 R/4 dos “Tigres” da Guiné. Crédito: Paulo Alegria






Joaquim Costa, ontem e hoje. Natural de V. N. Famalicão,
vive em Fânzeres, Gondomar, perto da Tabanca dos Melros.
É engenheiro técnico reformado.



Paz & Guerra: memórias de um Tigre do Cumbijã (Joaquim Costa, ex-Furriel mil arm pes inf, CCAV 8351, 1972/74)

Parte XII: A primeira noite em Nhacobá (Op Balanço Final) 



Consumado com sucesso o assalto a Nhacobá, tomámos posse definitiva da base do PAIGC pernoitando aqui, evitando a sua reocupação. Não era hora de questionar decisões superiores pelo que, conscientes que nos esperava uma visita do IN antes do anoitecer (belo filme tendo como cenário o parque do Prater em Viena de Áustria, onde o Porto, em 1987, foi muito feliz bem como a minha família quando o visitamos em 2011), lá metemos mãos à obra com cada um de nós a abrir um pequeno abrigo com o que tinha mais à mão, neste caso, a faca de mato. Pela primeira vez (e única) fiquei com bolhas nas mãos.

Com a certeza da visita do IN, como o da Páscoa ao domingo (ou vitória do Porto na Luz), lá nos enroscamos no pequeno buraco cavado com a nossa faca do mato, numa espera “stressante”, estranhamente desejando que as “coisas” começassem, já que não suportávamos mais esperas. Já estávamos por tudo. Falando baixinho (com receio de me considerarem já por irremediavelmente apanhado), dizia para com os meus poucos botões do camuflado: "Já que tem que ser,  vamos a isto", permitindo assim algum descanso até ao amanhecer. No momento, era mais violenta a espera do que o confronto com o IN.

A resposta do IN (felizmente?), chegou cedo e com tudo a que “tínhamos direito”: desde morteirada a RPG, através da outra margem do rio. Dada a distância,  “amochámos” assistindo impotentes ao espetáculo das explosões das granadas de RPG nas copas das árvores, com pedaços de árvore caindo sobre as nossas cabeças, fazendo-se dia com os contínuos clarões e os rebentamento das granadas de morteiro por todo o lado, pois as nossas armas dificilmente alcançariam a outra margem, deixando essa tarefa aos obuses do Cumbijã.

Entretanto acontece o impensável: ao pedirmos apoio da artilharia a Cumbijã as granadas dos nossos obuses começam a cair, também, em cima das nossa cabeças (o chamado fogo amigo), o rápido contacto rádio, já em desespero (… e a ajuda preciosa do amuleto/mapa do Machado?), fez com que a segunda leva de granadas, com grande alívio do grupo, já passassem por cima das nossas cabeças. Felizmente não teve consequências. 

Quando chegámos no dia seguinte ao Cumbijã,  o Alferes artilheiro (um engenheiro químico, meu amigo, da Póvoa do Varzim) pediu desculpa e chorou perante o grupo. Não fossem os buracos cavados com as facas de mato e por ventura esta narrativa seria bem mais dramática… ou simplesmente, não haveria narrativa!?

Foi uma noite muito difícil, com uma grande sensação de impotência, dada a quase impossibilidade de ripostarmos ao ataque pois que nem o pequeno morteiro nem a bazuca conseguiam intimidar o IN muito mais bem equipados que nós. Ao mesmo tempo respiramos de alívio já que o nosso receio (não medo?) era um confronto direto tendo em conta as nossas precárias condições de defesa. O IN também receou e atacou da outra margem do rio…

Não obstante o volume e intensidade do fogo IN, e o fogo amigo, não tivemos nem baixas nem feridos graves, apenas feridos ligeiros. Enfim, algum descanso até ao amanhecer, como era o meu desejo.

Exaustos, sujos, desidratados e mal alimentados (não confundir com: feios, porcos e maus), fomos rendidos ao amanhecer (belo filme…).

Ao ver chegar os nossos camaradas que nos vinham render, depois de um longo dia de canseiras, tivemos de refrear um pouco o nosso entusiasmo pois o nosso desejo era atirarmo-nos aos braços destes “anjos” que chegavam e beijá-los.  Fo
i aquela sensação, tão agradável, do regresso a casa do lavrador, depois de um dia intenso de trabalho no campo! 

Esperava-nos um banho de água com gasóleo, umas “bejecas” fresquinhas, um arroz com estilhaços (do qual já tínhamos saudades) e, depois do jantar, um jogo de cartas (King) com um whisky Johnnie Walker, em amena cavaqueira sobre tudo (como ouvir as lições de política do Furriel Aleixo ) menos guerra.

Entretanto! Mais uma visita do “paizinho” General Spínola.

Não nos podemos queixar de sermos ignorados pelo Homem Grande da Guiné: Boas vindas no Cumeré; visita a Aldeia Formosa onde lhe prestei guarda de honra (com a minha farda “acabadinha” de ser lavada pela minha simpática lavadeira); visita a Cumbijã e agora visita relâmpago a Nhacobá

O homem sempre fez questão de mostrar que estava na linha da frente com os seus homens visitando zonas onde ocorreram sucessos militares com alguma complexidade. Foi neste contexto que, consolidado o assalto, fez uma visita relâmpago a Nhacobá sem antes mandar na sua frente dois aviões Fiat para bater a zona em frente na outra margem do rio de onde éramos atacados. 

Esta foi uma visita “de médico” já que uma mina rebentou acionada por uma máquina, felizmente sem consequências a não ser a projeção de terra para o impecável camuflado do General. Sendo de facto um militar destemido não deixou de sacudir a terra e dizer para os seus ajudantes de campo: "Vamos, vamos embora daqui!...

Foi a primeira vez que assisti (de camarote VIP), à atuação dos nossos Fiat (caças bombardeiros), fazendo voo picado sobre o objetivo largando as bombas e disparando as metralhadoras colocadas nas asas. Se não fosse a situação periclitante em que estávamos, e as bombas fossem de carnaval, teria batido palmas como se estivesse numa das espetaculares exibições dos “Asas de Portugal” (Li em algum lado, ou sonhei, que o Piloto “strelado” Miguel Pessoa chegou a fazer parte dos Asas de Portugal – Faz sentido!)


Continua...
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Nota do editor:

Último poste da série > 23 de junho de  2021 > Guiné 61/74 - P22308: Paz & Guerra: memórias de um Tigre do Cumbijã (Joaquim Costa, ex-Furriel mil arm pes inf, CCAV 8351, 1972/74) - Parte XI: Op Balanço Final: Assalto a Nhacobá ou o dia mais longo