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terça-feira, 5 de março de 2024

Guiné 61/74 - P25241: A 23ª hora: Memórias do consulado do Gen Inf Bettencourt Rodrigues, Governador-geral e Com-chefe do CTIG (21 de setembro de 1973-26 de abril de 1974) - Parte VIII: Um adeus a Nova Sintra (texto e fotos de Ramiro Figueira, alf mil op esp, 2ª C/BART 6520/72, Nova Sintra, 1972/74)


Foto nº 1 > Guiné > Região de Quínara > Nova Sintra > 3ª C/BART 6520/72 (1972/74 ) > c. jan/fev 1974 > Chegada do helicóptero com o general Bettencourt Rodrigues


 Foto nº 2 > Guiné > Região de Quínara > Nova Sintra > 3ª C/BART 6520/72 (1972/74 ) > c. jan/fev 1974 >  Transporte no Unimog, com o General ao lado do condutor; e eu,  de costas, a falar com o condutor.


Foto nº 3 > Guiné > Região de Quínara > Nova Sintra > 3ª C/BART 6520/72 (1972/74 ) > c. jan/fev 1974 > - Visita ao quartel. De costas, o mais alto, o capitão Machado. 3º comandante que tivemos ao longo da comissão; à sua esquerda,  um coronel ajudante de campo do General, creio que o coronel Monteny.


Foto nº 4 > Guiné > Região de Quínara > Nova Sintra > 3ª C/BART 6520/72 (1972/74 ) > c. jan/fev 1974 > Fotografia 4 – Visita ao meu grupo de combate, novamente de costas o capitão Machado.



Foto nº 5 > Guiné > Região de Quínara > Nova Sintra > 3ª C/BART 6520/72 (1972/74 ) > c. jan/fev 1974 > Localização de Nova Sintra no sector de Tite, região de Quínara. No mapa é referido Gatongó, que era a denominação da tabanca que lá existia antes e que foi destruída pelos bombardeamentos da FA, tendo sido construído na mesma localização o aquartelamento.





Foto nº 6, 6A e 6B  > Guiné > Região de Quínara > Nova Sintra > 3ª C/BART 6520/72 (1972/74 ) > c. jan/fev 1974 > Vista aérea de Nova Sintra


Fotos (e legendas): © Ramiro Figueira  (2024) . Todos os direitos reservados (Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné)


 



O nosso camarada Ramiro Alves de Carvalho Figueira, médico na situação de reforma:  foi alf mil  Op Especiais, 2.ª CART/BART 6520/72 (Nova Sintra, 1972/74); faz parte da Tabanca Grande desde 23 de junho de 2022, sendo o membro nº 863.


1. Mensagem do Ramiro Figueira, com data de hoje, 5 do corrente, 13:05


Assunto - General Bettencourt Rodrigues em Nova Sintra

Boa tarde

Na minha visita, práticamente diária, ao blog encontrei fotografias de Fulacunda, do meu bom amigo Jorge Pinto, alferes da 3ª Companhia do BART 6520/72 que estava justamente em Fulacunda (*) e lá esteve o mesmo tempo que nós, do mesmo batalhão, mas nós em Nova Sintra.

Por volta dessa mesma altura (Jan/Fevereiro de 74), o general foi a Nova Sintra que, como referi em anteriores posts, se situava numa ponta Sul da região de Quínara, sector de Tite, perto de S. João e distante de Fulacunda.


Não era um aquartelamento como Fulacunda onde havia população de uma razoável tabanca. Nova Sintra resumia-se a um quadrado de cerca de 100m x 100m com uma microscópica tabanca que era suposto fazer segurança a Bissássema e, de certo modo, a Bissau.


Por volta da mesma altura em que o general esteve em Fulacunda deslocou-se a Nova Sintra (suponho que na mesma visita) . Do que me recordo dessa visita, chegou de helicóptero, “arengou” à tropa, deu uma volta ao quartel e foi-se embora.


Apesar de ter sido uma visita-relâmpago deixo o registo para as memórias do blog que, não sendo um colaborador assíduo, visito regularmente.

Um abraço, Ramiro Fuigueira


2. Comentário do editor LG:

O gen Bettencourt Rodrigues, no início do seu mandato, tinha pelo menos 225 guarnições para conhecer e visitar... Não deve tê-lo conseguido, uma vez que terminou, abruptamente, a sua comissão em 26 de abril de 1974. Mas sabemos que visitou, pelo menos, Fulacunda (*) e agora Nova Sintra, que pertencia ao mesmo setor (Tite) e ao mesmo batalhão (BART 6520/72).

Defendia, tal c0mo o CEMGFA, gen Costa Gomes (depois de visita ao CTIG ainda no final do mandato do gen Spínola), a retração do dispositivo militar (para um número próximo dos 80 e ta). O que era essa alteração ? Em 1998, em entrevista à investigadora Maria Manuela Cruzeiro, do Centro de Documentação 25 de Abril,o então marechal explicou: 

"Significava a retirada  de todas as forças colocadas nas fronteiras para um espaço onde não fôssemos vítimas dos morteiros de 120  (uma arma terrível que eles utilizavam com muita facilidade) e pudéssemos perseguir os guerrilheiros do PAIGC. 

"Na altura, com o dispositivo utilizado, as forças  no interior estavam muito enfraquecidas, porque demasiado concentras nas fronteiras. E, a meu  ver,  com enorme desvantagem, já que não há nada pior  do que combater para a retaguarda. 

"Por variadíssimas razões,  sobretudo morais,  as tropas são capazes de atos heróicos quando perseguem o inimigo na direção que elas consideram lógica, ou, seja, do inetrior para a fronteira. 

"A operação 'Mar Verde' foi um desastre e a 'invasão' do Senegal pelos comandos foi outro. Melhor: ainda que,  taticamente, a operação levada a efeito no Senegal tenha registado algum sucesso, a questão fundamental centrou-se nas Nações Unidas, onde fomos ameaçados de sanções graves se voltássemos a violar as fronteiras dos países limítrofes. 

"De facto, a extensão da fronteira terrestre (enorme para o tamanho da Guiné) desmoralizava as tropas e dava uma vatagem fantástica ao inimigo; é que ele atacava-nos quando queria; tinha a inicativa das operações, e nós não podíamos ripostar a não ser com armas de fogo, ou seja, sem liberdade de movimentos".

(Fonte: "Costa Gomes, o último marechal: entrevista de Maria Manuela Cruzeiro"- Lisboa, Editorial Notícias, 1998, pág. 159).

(Revisão / fixação de texto, itálicos: LG)

sexta-feira, 14 de julho de 2023

Guiné 61/74 - P24476: Notas de leitura (1597): Histórias dos “Boinas Negras”, por Jorge Martins Barbosa; Fronteira do Caos Editores, 2018 (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 11 de Julho de 2023:

Queridos amigos,
É o itinerário do costume, cerca de meio século depois um alferes recebe a incumbência de juntar os elementos soltos, os testemunhos de outros participantes daquela guerra, não fica esquecido o jornal "O Boina Negra", um mensário, pasme-se, ficamos com uma ideia clara de como evoluiu a guerra nesta área do Quínara, Jabadá, Enxudé, Tite, Fulacunda, Nova Sintra, ali participou e teve o seu maior desastre um grupo de combate da 15.ª companhia de Comandos, fez-se obra, conta-se a verdade, olhando para aquele mapa e na sequência das operações, a população afeta ao PAIGC produzia alimento e os guerrilheiros não estavam inativos. Motivo maior de satisfação terá sido o regresso voluntário de população dispersa no setor. Coube a Jorge Martins Barbosa dar forma de livro, ele que tivera tanta responsabilidade no jornal, foi cuidadoso dirigindo-se primeiro a leigos e depois mais diretamente aos "Boinas Negras". Iniciativa tão tocante que teve sequência noutra obra que em breve iremos falar.

Um abraço do
Mário



Histórias dos “Boinas Negras”, a CCAV 2482, 1969-70

Mário Beja Santos

Compete a Jorge Martins Barbosa, alferes do 4.º pelotão da CCAV 2482 explicar ao leitor o essencial do percurso dos “Boinas Negras”, entre fevereiro de 1969 e dezembro de 1970, nessa altura ainda o autor não sabia a repercussão que a obra ia ter junto da rapaziada de outras companhias, isto para alertar que temos outras histórias para vos noticiar. Estas são da autoria de Jorge Martins Barbosa, Fronteira do Caos Editores, 2018. Teve a preocupação de explicar a leigos a localização, dimensão e ambiente da Guiné-Bissau onde os “Boinas Negras” combateram, dá-nos conta da mobilização e a preparação da companhia, integrada no BCAV 2867 (lema: Somos Como Somos – Audácia, Coragem, Decisão, Firmeza); dá conta de pormenores dessa mesma mobilização e sua partida para a Guiné em 23 de fevereiro de 1969. O comandante de companhia (hoje coronel reformado) era o Capitão Henrique de Carvalho Morais.

Ficamos a saber que o batalhão tinha um jornal, o “Boina Negra”, e dá-se a seguinte informação: “Quando – a partir de 31 de julho de 1961 – o Exército Português começou a utilizar a boina como parte do seu fardamento, a mesma era de cor preta, por bastantes em stock. Todavia, ao fim de algum tempo a boina negra foi reservada para a Arma de Cavalaria, assim como a verde para Paraquedistas, a vermelha para Comandos, etc. Visando uma maior uniformização, e procurando evitar eventuais rivalidades entre as diferentes Armas, cedo foi obrigatória a utilização exclusiva da boina castanha para todas as unidades do Exército português". Por despacho do General Spínola, de 28 de maio de 1970, os “Boinas Negras” foram autorizados a utilizar a boina negra no teatro de operações da Guiné. A sede do batalhão era Tite e as unidades espalhavam-se por Fulacunda, Nova Sintra e Jabadá. Os “Boinas Negras” embarcam em 4 de março rumo ao porto de Enxudé. Na manhã de 8 ocorre a primeira calamidade. Pedro Graça, padeiro na vida civil, de Abitureiras, Santarém, apresentado como homem são de eterno sorriso, pisa uma mina antipessoal na carreira de tiro de Tite, a perna direita fica reduzida a um coto. O PAIGC irá praxá-los com flagelações. Começa a vida dos operacionais a visitar as tabancas vizinhas do aquartelamento.

A primeira operação a nível do batalhão irá levá-los até Bissássema, passam por tabancas abandonadas, contornam bolanhas e lalas, Spínola aparecerá na manhã seguinte. Aqui e acolá Jorge Martins Barbosa socorre-se de trabalhos de Rogado Quintino para nos apresentar os povos da Guiné. Já estamos em abril, prosseguem os patrulhamentos e emboscadas, há recontos com o PAIGC, nova mina antipessoal estropiou um pé ao 1.º Cabo Agripino Cascalho. Em finais de abril, o Comando-Chefe impõe nova operação, envolve tropas do batalhão, meios navais e aéreos, vão em direção à região de Gampará, dão com campos agrícolas cultivados, há flagelações, dia e noite. Na manhã seguinte está toda a tropa junta, a operação demorara 5 dias, regressam com as fardas sujas e rasgadas, foi descoberto e capturado muito arroz e fardamento.

Martins Barbosa vai apresentando as etnias guineenses e eis que chegou a ordem da companhia partir para Fulacunda, houvera uma curta estadia na região do Gabu, em Canjadude, faz-se uma larga descrição do apoio ali dado. Voltam para Fulacunda, prossegue a vida operacional e dá-nos o relato do pior desaire da 15.ª Companhia de Comandos que sofreu 7 mortos, quando iam a caminho do porto, para reembarcar para Bissau. Haverá depoimento de Luciano Garcia Lopes, que era o Comandante de Companhia, e é hoje Major-General reformado (foi meu instrutor em Mafra, em 1967), é um relato merecedor de leitura para nos apercebermos das vicissitudes a que pode estar sujeita mesmo um contingente militar que tem o apelativo de tropa de elite. Se aquele mês de agosto de 1969 não correra bem, setembro começou mal, António Cardoso pisa uma mina antipessoal. Sucedem-se os patrulhamentos, as operações a nível do batalhão, caso da operação “Sexto Desforço” na região de Gã Formoso. Os “Boinas Negras” recebem o reforço de dois obuses. Em novembro, quando um pelotão “Boina Negra” seguiu para Nova Sintra, uma Mercedes acionou uma mina anticarro provocando mortes e feridos graves. Em janeiro, o jornal “O Boina Negra” publica o seu n.º 6, Spínola agradece o exemplar recebido.

E assim se passam uns meses, em março, quando a companhia já completara um ano sobre a data da sua chegada à Guiné, o ativo operacional merecia distinção. Mas o PAIGC também não dava descanso, flagelações sob o quartel e a tabanca. Nesse mesmo mês, os “Boinas Negras” vão até à região de Cufada (operação “Cabeça Negra”), trarão no regresso população e gado. Haverá obras de beneficiação em Fulacunda, novo fontanário, construção de uma escola, funcionará uma classe de ginástica. Em agosto, as chuvas aumentaram de intensidade, mesmo assim os “Boinas Negras” montaram emboscadas e efetuaram patrulhamentos. O autor observa que o PAIGC aumentou de atividade, flagelando mais vezes o aquartelamento do setor e conseguindo que as populações dessem menos informações às nossas tropas. No mês de setembro sai do 19.º jornal “O Boina Negra”, terá ainda um 20.º com a publicação das fotografias de todos os “Boinas Negras”. Há informações que se encontrava em Injassane, a leste de Fulacunda um grupo de foguetões, mas o mês decorreu sem foguetório. A comissão caminha para o fim, regressam no Uíge em 22 de dezembro de 1970, no Cais da Rocha do Conde de Óbidos aguardam-nos os familiares e o Pedro Graça, vítima de uma mina antipessoal em 8 de março de 1969.

A obra inclui depoimentos, como o do Major-General Luciano Garcia Lopes, o testemunho do Alferes Miliciano Médico Rustom Framrose Bilimória, do Alferes Ilídio Vaz Saleiro Maranhão, dos Furriéis Carlos de Jesus Gouveia Rodrigues, Daniel Resende de Oliveira, Domingos Robalo, do 1.º Cabo Júlio Gago de Almeida, do Soldado Patrício Manuel dos Santos, Fernando Agostinho de Sousa Duarte, Jorge Ferreira Damásio dos Santos, Carlos Alcântara da Conceição Domingues, do 1.º Cabo António dos Santos Craveiro e Susana Duque, filha do Furriel José Alberto Sequeira Duque. Segue-se um álbum de imagens da comissão e a lista completa dos “Boinas Negras”.

A obra permite estudar a evolução da guerra nesta região do Quínara entre 1969 e 1970.


No interior da capela do quartel de Tite, imagem pertencente a Nicolau da Silva Esteves, ex-1º cabo radiotelegrafista do BCAÇ 1860, com a devida vénia
Bolanhas de Tite a caminho de Enxudé. Foto de José da Câmara, ex-furriel militar da CCAÇ 3327 e Pel Caç Nat 56
A placa afixada na parede pode ler-se, “Administração de Fulacunda”. Notar o traje do “antes da guerra”. (fotografado circa 1960). Adaptação de foto, cortesia do Instituto de Investigação Científica Tropical, Arquivo Histórico Ultramarino.
Imagem parcial do quartel de Fulacunda. Foto gentilmente enviada por, Carlos Silva, ex-furriel militar do BCAÇ 2879 / CCAÇ 2548; originária de Paulo Bastos, Pel Caç Ind 953
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Nota do editor

Último poste da série de 10 DE JULHO DE 2023 > Guiné 61/74 - P24468: Notas de leitura (1596): "O Capitão Nemo e Eu, Crónica das Horas Aparentes", por Álvaro Guerra; Editorial Estampa, 1973 (Mário Beja Santos)

quarta-feira, 7 de dezembro de 2022

Guiné 61/74 - P23854: (Ex)citações (419): Após o 25 a Abril foi nascendo e ganhando raízes, em Nova Sintra, a sensação de que finalmente íamos ficar livres daquele inferno... (Ramiro Figueira, ex-Alf Mil Op Esp)

1. Mensagem do nosso camarada Ramiro Alves de Carvalho Figueira, médico na situação de reforma, ex-Alf Mil Op Especiais da 2.ª CART/BART 6520/72 (Nova Sintra, 1972/74), com data de 5 de Dezembro de 2022:

Boa tarde

Como sempre, acompanho todos os dias os posts que vão surgindo no blog e este, sobre as relações com o PAIGC pós-25 de Abril suscitou-me várias memórias.(*)

Após o 25 a Abril foi nascendo e ganhando raízes, em Nova Sintra, a sensação de que finalmente íamos ficar livres daquele inferno e rapidamente regressar a nossas casas depois de dois anos (na verdade mais alguns meses) de sacrifício com a morte a rondar diariamente e as provações contínuas a que fomos sendo submetidos que enumerar aqui seria fastidioso para quem por lá andou e tem memória dos anos de guerra.

Em Julho de 1974 (a 17, segundo o nosso amigo Carlos Barros, que também publicou sobre este tema) tinha recebido do capitão a indicação de que nesse dia iriam chegar ao quartel elementos do PAIGC que iriam substituir-nos e que eu iria recebê-los dado que falava crioulo (acrescento que sou natural de Cabo Verde e falava crioulo sim mas de Cabo Verde, diferente do da Guiné). Dias antes, portanto já bem depois do 25 de Abril, uma Berliet da nossa companhia tinha accionado uma mina na estrada de S. João e só por sorte não houve feridos, só um enorme susto para quem estava na viatura que ficou com a parte traseira feita em cacos.

Cumprindo o determinado lá fui até ao 4.º grupo que dava para a bolanha para onde se saía a caminho de Ganfudé Mussá, tabanca já sob duplo controle nosso e do PAIGC e onde capturámos algum armamento e um guerrilheiro. E assim, logo pela manhã começou a surgir um grupo, aparentemente pequeno, de homens armados que precedia um outro já mais numeroso. Desci pelo carreiro ao encontro deles, confesso que com algum receio e ensaiei umas palavras de crioulo ao que me responderam em português.

- Bom dia, sou o major Quinto Cabi e venho em nome do PAIGC para o quartel de Nova Sintra.

Acompanhavam-no um pequeno grupo de homens que, conforme se foram identificando, foram como campainhas que tocavam na minha cabeça. O comandante Tchambú Mané que comandava a artilharia que muitas vezes nos brindou com canhoadas e morteiradas, o Bunca Dabó que liderava os guerrilheiros que nos emboscavam e causaram tantas dores de cabeça, o Armando Napoca que tratava de colocar as malfadadas minas que tanta chatice nos deram, um comissário político cujo nome já não me recordo e vários outros. Caminhei com eles ao longo do arame farpado até à porta de armas por onde entraram e onde os aguardava o capitão e demais pessoal da companhia e a pequena população da minúscula tabanca que existia em Nova Sintra. Não consigo imaginar o que passava pela cabeça daquela gente, tantos anos junto da tropa e de repente viam o inimigo entrar pela porta dentro do quartel onde se abrigavam, embora tivessem conhecidos e família junto do PAIGC a sensação devia ser no mínimo confusa.

Entraram no quartel e foram-se espalhando entre os soldados e tabanca aparentemente convivendo como se tivessem sempre andado por ali…

Ao fim da manhã, vindo de Tite, chegou o comandante do batalhão, Ten. Coronel Almeida Mira, que reuniu na parada com os quadros do PAIGC numa longa conversa que não acompanhei, apenas o Capitão Machado que comandava a companhia estava presente. Seguiu-se um dia mais ou menos estranho de convívio entre a tropa e a guerrilha e dormimos todos pacificamente no quartel. No dia seguinte subimos para as viaturas e deixámos Nova Sintra para sempre a caminho do Cumeré e depois Lisboa. Interrogo-me hoje sobre o que sentia nesse momento. Acho que senti apenas alívio, depois de dois anos que só quem por lá andou é capaz de definir é a única coisa de que me recordo, outros terão outras sensações, eu apenas queria sair dali quanto mais depressa melhor.

Foto 1 – Viatura Berliet após accionar uma mina na estrada para S. João. Vê-se da esquerda para a direita o alferes Pereira, o furriel Elias e o furriel Sousa
Foto 2 – A chagada do PAIGC a Nova Sintra. À frente da esquerda para a direita, eu, o major Quinto Cabi, o comissário político e o comandante Tchambú Mané
Foto 3 – Reunião na parada do quartel de costas o ten. coronel Almeida Mira, de boné azul o major Quinto Cabi, de lado o mais alto o capitão Machado e de camisa branca o comandante da milícia
Foto 4 – Na parada do quartel o furriel Duarte conversa com o Bunca Dabó
Foto 5 – Dentro de uma Berliet eu a dizer adeus a Nova Sintra
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Notas do editor

(*) - Vd. poste 5 DE DEZEMBRO DE 2022 > Guiné 61/74 - P23847: Casos: a verdade sobre... (32): o pós-25 de Abril no CTIG, as relações das NT com o PAIGC, a retração do dispositivo militar e a descolonização

Último poste da série de 30 DE OUTUBRO DE 2022 > Guiné 61/74 - P23749: (Ex)citações (418): O termo "Brassa" como os Balantas se auto-denominam, na verdade, trata-se da denominação histórica de uma grande área geográfica que correspondia à província mandinga de Braço, B'raço ou Brassu (Cherno Baldé)

quinta-feira, 23 de junho de 2022

Guiné 61/74 - P23379: Tabanca Grande (535): Ramiro Alves de Carvalho Figueira, ex-Alf Mil Op Esp da 2.ª CART/BART 6520/72 (Nova Sintra, 1972/74). Senta-se à sombra do nosso poilão no lugar n.º 863

O médico Ramiro Alves de Carvalho Figueira


1. Mensagem do nosso camarada e novo tertuliano Ramiro Alves de Carvalho Figueira, médico na situação de reforma, ex-Alf Mil Op Especiais da 2.ª CART/BART 6520/72 (Nova Sintra, 1972/74), com data de 21 de Junho de 2022:

Boa tarde. Chamo-me Ramiro Alves de Carvalho Figueira, fui alferes de Operações Especiais na 2.ª CART do BART 6520/72 em Nova Sintra entre Julho de 72 e Julho de 74.

Sou médico já reformado, embora continue com alguma actividade, um médico reformar-se totalmente não é muito fácil…

Chegámos a Bissau em 23.06.1972, partimos para Bolama onde fizemos a IAO. Nesta altura, com duas semanas de Guiné, no batalhão aconteceu logo a morte de dois camaradas na carreira de tiro, o oficial de tiro (Alferes Carlos Figueiredo, também de Operações Especiais) e um soldado de que não me recordo o nome que pertencia a uma companhia independente que foi depois para Mampatá, ambos vitimados pelo manuseamento de um dilagrama em circunstâncias que não foram muito esclarecidas e também pouco importa agora.[1]

O comandante do batalhão “ofereceu-me” a prenda de ser eu a substituir o Figueiredo na carreira de tiro, onde estive durante toda a IAO. O Carlos Figueiredo era um companheiro desde os tempos de Lamego, fomos depois os dois colocados em Penafiel para formar batalhão e embarcámos para a Guiné, era um bom amigo e a morte dele foi duramente sentida, quer por mim quer por todos, especialmente os outros alferes que vieram de Lamego. O Carlos Barros se não me engano tem uma das histórias dele dedicadas a este triste episódio.[2]
O Alf Mil Op Esp Ramiro Figueira durante as filmagens das mensagens de Natal em 1973

Partimos depois para Nova Sintra, um aquartelamento meio perdido nos confins do sector de Tite, na ponta sul do Quínara que mais não era que um pequeno quadrado de arame farpado com cerca de 100m de lado rodeado de mato. Fomos recebidos pelos “velhinhos” com as habituais praxadelas (mas muito bem recebidos) e quinze dias depois a companhia assumiu o sector. Iniciámos a actividade operacional com patrulhamentos e logo, creio que em Setembro, num desses patrulhamentos um mina vitimou um dos alferes da companhia, o João Neves, natural de Avis, e feriu o guia Bunca Turé. Para início de comissão começávamos bem…
Vista aérea de Nova Sintra

A actividade operacional prosseguiu, com o ânimo que todos por aqui bem conhecem, e no mês de Outubro tive o meu primeiro contacto com o PAIGC. Durante um patrulhamento a uma tabanca abandonada, Aldeia Nova, o homem da bazuca, de seu nome Ribeiro pisou uma “viúva negra” e ficou de imediato sem uma perna. Seguiu-se a confusão e o medo, que todos também bem conhecem, socorremos o homem o melhor que foi possível e veio o helicóptero ali à bolanha fazer a evacuação. Logo que o heli descolou rumo a Bissau, começámos a levar pancada, trocaram-se tiros e morteirada que felizmente não maltratou ninguém do nosso lado e regressámos ao quartel sem mais percalços, já não era pouco…

A saga de Nova Sintra prosseguiu e no final de 1972 (cerca de Novembro) novo encontro com o PAIGC. Desta vez saíamos na direcção do local onde habitualmente nos bombardeavam, um local ligeiramente mais alto chamado Serra Leoa, e percorridos cerca de 100 a 200 metro do quartel demos de caras com um pequeno grupo que, aparentemente, se preparava para montar uma base de fogos para atacar o quartel. Armou-se uma enorme confusão e comunicando ao capitão o acontecido este decidiu chamar a Força Aérea e de repente vimo-nos sobrevoados por dois FIAT que lançavam foguetes e metralhavam por todo o lado a que se seguiu o helicanhão (o celebre Lobo Mau) que parecia perseguir alguma coisa capim fora aos tiros. Um espectáculo magnífico e terrivelmente assustador. O regresso ao quartel fez-se sem qualquer problema. Tínhamos ainda não seis meses e a coisa parecia compor-se…

Pouco depois vim de férias à Metrópole e voltei a Bissau penso que no dia 6 de Dezembro de 1972 e mal chego à messe a primeira coisa que me dizem foi “Então o teu aquartelamento levou porrada séria esta noite”, andei às voltas a tentar saber o que se tinha passado e fiquei a saber que três furriéis tinham ficado gravemente feridos num ataque ao quartel e tinha havido um morto. Fui logo para o HMBIS na tentativa de saber notícias, mas só consegui ver um dos furriéis e mesmo assim tinha sido operado e estava sedado pelo que só o pude ver, mas não falar. Os outros ainda estavam no bloco operatório. De regresso a Nova Sintra fiquei então a saber que tinham os três sido feridos quando fugiam da cantina, ao perceber-se do ataque, e o morto era um soldado do 4.º Grupo de que só conhecia a alcunha, o “Russo”. O moral no aquartelamento era deplorável. As descrições que me fizeram daquela noite eram simplesmente aterradoras, incluído a visita de uma alta patente do Comando-Chefe (cujo nome não recordo) logo no dia seguinte ao malfadado ataque, em que reuniu as tropas para arengar às massas com apelos ao patriotismo e grandes promessas (que nunca se cumpriram) da vinda de material de construção e arcas frigoríficas e mais não sei o quê…

O ano de 1973 trouxe-nos a ausência temporária (e depois permanente) do nosso capitão, o Armando Cirne, que acabou por ficar em Bissau. Só estávamos dois alferes na companhia, eu e o meu bom amigo Garcia, o alferes do 4.º Grupo, o Neves, tinha morrido logo no início e o 3.º Grupo estava destacado em GãPará, sendo eu o mais antigo fiquei a comandar, aguardando a chegada de um novo capitão. Foi um período relativamente calmo, continuou a actividade operacional e fomos sofrendo alguns ataques que, estranhamente, começavam a tornar-se uma rotina doentia. Ao fim de alguns meses lá chegou o novo capitão. Homem do quadro permanente de seu nome Campante de Carvalho, capitão de artilharia. Teve uma estadia curta em Nova Sintra, penso que cerca de dois ou três meses e acabou transferido para o QG em Bissau. Mesmo assim não se livrou de pelo menos um ataque violento em que caiu uma granada em cima de um poste de sustentação da caserna do 2.º Grupo de combate sem consequências. Novamente fico a comandar a companhia a aguardar novo capitão. Chegou um novo alferes para o 4.º Grupo e quase logo a seguir o Garcia é destacado para as companhias africanas e colocado em S. João, junto a Bolama, foi depois enviado para Guidaje onde passou pelas chamas do inferno que ali se viveu, voltando nós a ficar só com dois alferes. Passaram alguns meses e novo capitão chega a Nova Sintra, desta vez um capitão miliciano de seu nome Machado, homem do Porto.

Os dias iam passando de patrulha em patrulha que iam entremeando com alguns ataques e uma actividade que se repetia, penso que de dois em dois meses, que era o reabastecimento no, pomposamente chamado, porto de Lala. Ficava a cerca de 5 – 6 quilómetros de Nova Sintra e a descarga das caixas, sacos, bidons e mais sei lá o quê era feita à mão com água pelo peito. O reabastecimento implicava picagem da estrada, segurança e com o tempo contado. Se não se fizesse durante a maré cheia as LDM e as canoas iam embora ou então teríamos de ficar a fazer segurança toda a noite até que apanhassem calado para zarpar, apesar de tudo eram umas horas de descompressão e sempre dava para tomar uma banhoca.

Reabastecimento em Lala

Neste ano de 1973 chegou ao aquartelamento um novo alferes para comandar o 2.º Grupo substituindo do Garcia, o Felício, homem de Castro Daire que já tinha cumprido parte da comissão no Ingoré, bom amigo. Foi nesse ano que surgiu a necessidade de abrir novo poço para o abastecimento de água potável. Para isso foi necessário abrir a estrada Nova Sintra - S. João para transportar o material e pessoal que ia tratar do dito poço o que significou dias e noites de segurança, de ficar de emboscada de caminhadas sem fim. Ao mesmo tempo o novo comandante do batalhão em Tite, o Tenente-Coronel Almeida Mira, decidiu que se deveria abrir a estrada Tite – Nova Sintra o que duplicou os trabalhos do pessoal. Entretanto nova evolução nos alferes. O Felício terminou a comissão e vem novo alferes para o seu lugar, bem como um outro para o 3.º Grupo, o Domingues. O 3.º Grupo que tinha estado destacado em GãPará regressou a Nova Sintra, era furriel deste grupo o Carlos Barros que tem escrito algumas histórias no blog. A abertura da estrada para Tite trouxe ainda mais riscos e, como seria de esperar, começaram a acontecer mortos e feridos. No meu grupo um dos picadores, o Guedes, fez rebentar uma mina antipessoal e foi atingido na cara tendo ficado parcialmente cego. Foi um tempo terrível o que levou a abertura desta estrada onde para além do Guedes não houve mais nenhuma baixa na nossa companhia felizmente.

Muita coisa aconteceu durante esse ano de 1973 e seria fastidioso enumerar tudo, no entanto não poderia deixar de referir o período a partir de Março em que começamos a deixar de ter apoio da Força Aérea, os Strela tinham entrado na Guiné e o PAIGC fazia bom uso deles.

Depois disto passou o tempo e chegámos a Abril de 1974. As coisas acalmaram e depois pararam. A guerra tinha acabado assim de repente, até custava a acreditar. Em Julho de 74 recebemos um grupo grande de guerrilheiros, comandados pelo major (pelo menos dizia que era…) Quinto Cabi, todos armados até aos dentes. Dormimos uma noite em Nova Sintra com os guerrilheiros e partimos para Tite, depois no mesmo dia Enxudé, Bissau, Cumeré e finalmente o voo Bissalanca – Lisboa.

E fica alinhavada a minha passagem pela Guiné, com o andar das coisas escreverei mais alguma coisa.

Abraço
Ramiro Figueir
a

Fotos: © Ex-Alf Mil Op Esp Ramiro Figueira - Todos os direitos reservados


********************
2. Comentário do coeditor

Caro Ramiro Figueira, sê bem-vindo à tertúlia do nosso Blogue.

Muito obrigado pela tua apresentação, que nos trouxe uma panorâmica muito precisa, embora resumida, da actividade da tua Companhia. Na verdade não foi fácil para a maioria de nós cumprir a sua comissão de serviço e no vosso caso foi um osso duro de roer. Referes as habituais e sempre inoportunas substituições de capitães e alferes. Na minha Companhia, um alferes, falecido em combate, teve dois substitutos; capitães, comandantes de Companhia, tivemos 6. Em todas as Unidades, enquanto isso, os alferes assumiam o Comando das Companhias e os furriéis comandavam Pelotões. No teu tempo já quase não se encontrava um capitão do QP no comando das Companhias, eram os milicianos, feitos capitães à pressa, a assumir a responsabilidade de comandar mais de 150 homens, tivessem ou não jeito para a guerra. Estou convencido que a maioria não tinha.


Voltando a ti, vens juntar-te ao grupo de Médicos existente na tertúlia, alguns mesmo antigos Alferes Médicos. Se não esquecer de nenhum, serão: o ex-Alf Mil Médico Adão Cruz, o ex-Alf Mil Médico Amaral Bernardo, o ex-Alf Mil Art C. Martins, o ex-Alf Mil Cav Ernestino Caniço, o ex-Alf Mil At Francisco Silva, o ex-Alf Mil Médico Mário Bravo e o ex-Alf Mil At Vítor Junqueira.

Lembro que estamos disponíveis para receber e publicar o que tiveres para nos contar da tua vivência na Guiné, incluindo fotos, que assim ficarão a fazer parte do nosso espólio. Será o nosso testemunho enquanto antigos combatentes.

Só por uma questão estatística, és o 863.º elemento da nossa tertúlia, que inclui 120 companheiros e amigos, que nos tendo já deixado, continuam cada dia mais presentes.

Deixo-te o habitual abraço de boas-vindas em nome do editor e fundador do Blogue, Luís Graça, dos coeditores, dos colaboradores permanentes e da tertúlia em geral.

Abraço
CV

____________

Notas do editor:

- [1] - A outra vítima mortal do acidente com o dilagrama, em 10 de Julho de 1972, foi o Soldado Atirador José António Mata da CART 6250/72

- [2] - Vd. poste de 5 DE NOVEMBRO DE 2020 > Guiné 61/74 - P21517: Pequenas histórias dos Mais de Nova Sintra (Carlos Barros, ex-fur mil at art, 2ª C/BART 6520/72, 1972/74) (10): Relembrando a morte, por acidente com um dilagrama, no CIM de Bolama, em 10/7/1972, do alf mil Carlos Figueiredo


- Mensagem de 20 de Junho de 2022 do nosso camarada Ramiro Figueira, enviada ao Blogue através do Formulário de Contacto do Blogger:

Boa tarde
Chamo-me Ramiro Figueira. Fui alferes miliciano de Operações Especiais na 2.ª CART do BART 6520/72 e sempre em Nova Sintra, sector do Quínara, com oa comando do batalhão em Tite.
Tenho seguido o blog há anos e lendo os testemunhos que lá vão colocando, mas até agora não aderi.
E é por isso que aqui venho contactar convosco.
Um grande abraço
Ramiro Figueira


- Mensagem de resposta com data de 21 de Junho:

Caro camarada de armas Ramiro Figueira
Permite-me o tratamento por tu, usual no nosso Blogue pelo facto de sermos irmãos de armas e termos pisado a mesma terra vermelha da Guiné.
Muito obrigado pelo teu contacto e pela tua vontade de aderires à nossa tertúlia.

Do teu Batalhão temos alguns camaradas, e da tua Companhia, particularmente, o ex-Fur Mil Carlos Barros, com vários textos publicados. Podes ver aqui:

 https://blogueforanadaevaotres.blogspot.com/search/label/Carlos%20Barros 
A fim de seres recebido formalmente na tertúlia, manda-nos uma foto actual e outra, fardado, do teu tempo de combatente. Podes, a título de apresentação, falar de ti, julgo teres sido atirador, contares-nos alguma história vivida na Guiné e enviar-nos algumas fotos alusivas, acompanhadas das respectivas legendas.

Sendo tu nosso leitor habitual, saberás que o blogue tem como fim o registo de memórias escritas e fotográficas dos antigos combatentes da Guiné, no entanto confere aqui "O ESSENCIAL SOBRE O BLOGUE LUÍS GRAÇA & CAMARADAS DA GUINÉ": (https://blogueforanadaevaotres.blogspot.com/p/o-essencial-sobre-o-blogue-luis-graca.html).

Fico ao teu dispor para alguma dúvida suscitada.

A tua correspondência deverá ser enviada simultaneamente para luis.graca.prof@gmail.com e para carlos.vinhal@gmail.com para teres a certeza de ser lida pelo Luís e por mim.
Recebe um abraço e os votos de boa saúde.
Carlos


- Último poste da série de 9 DE MAIO DE 2022 > Guiné 61/74 - P23249: Tabanca Grande (534): António Sebastião Figuinha, ex-Fur Mil Enfermeiro da CCS/BCAÇ 2884 (Bissau, Bula e Pelundo, 1969/71). Senta-se à sombra do nosso poilão no lugar n.º 861

Vd. também poste de 18 de maio de 2022 > Guiné 61/74 - P23275: (In)citações (206): Maria Ivone Reis (1940-2022), a primeira enfermeira paraquedista que eu conheci, em 1967, no Porto (Rosa Serra)

(...) Este depoimento (poste P5971) é um bom retrato do perfil humano e psicoprofissional da nossa saudosa Maria Ivone Reis. Aproveitamos, entretanto, para suprir um lamentável lapso nosso: o seu nome já há muito, desde 2009, deveria figurar na lista alfabatética dos membros da Tabanca Grande. E estávamos convencidos que sim, que lá figurava. Entra agora, a título póstumo, sob o nº 862. Saibamos honrar a sua memória. (...)

segunda-feira, 21 de fevereiro de 2022

Guiné 61/74 - P23012: O segredo de... (37): Demburri Seidi: demorou mais de dois anos para sair da sua boca o testemunho sobre os trágicos acontecimentos de Cuntima, em novembro de 1976, devido em parte ao medo que sentia e a manifesta dificuldade em falar sobre a "justiça revolucionária" praticada pelos vencedores contra os vencidos (Cherno Baldé)



O Comandante das FARP Quemo Mané (Canjabel, região de Quínara, c. 1932 - Moscovo, 1985). Fonte:  Plataforma Casa Comum / Fundação Mário Soares > Arquivo Amílcar Cabral... Pasta 05248.000.024Reproduzido com a devida vénia...

Citação:
(1966-1973), "Quemo Mané", Fundação Mário Soares / DAC - Documentos Amílcar Cabral, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_43764 (2022-2-19)



Título de viagem (servindo de passaporte),  emitido pelo Ministério da Defesa e da Segurança Nacional,  da República da Guiné. Data: Conacri, 17 de junho de 1968. Titular: Quemo Mané, de nacionalidade guineense, nascido por volta de 1932, em Canjabel, caçador de profissão (sic), residente em Conacri,  B, 1º 298. Motivo da viagem: tratamento médico na URSS. Validade: um ano.

Fonte:  Plataforma Casa Comum / Fundação Mário Soares > Arquivo Amílcar Cabral... Pasta   07200.172.017. Reproduzido  com a devida vénia...

Citação:
(1968), "Título de viagem", Fundação Mário Soares / DAC - Documentos Amílcar Cabral, Disponível HTTP:
http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_41544 (2022-2-19)


1. Em 2013,  quando publicámos o relato de Cherno Baldé sobre os acontecimentos em Cuntima, no norte da Guiné-Bissau (*), estávamos perante  a revelação de um duplo segredo:  (i) o de Demburri Seidi (nome fictício, por razões de segurança) de quem foi obrigado a assistir às execuções públicas, da inteira e única responsabilidade do comandante das FARP Quemo Mané (c.1932-1985); (ii) mas também do Cherno Baldé, que levou o seu tempo (dois anos) a recolher e a traduzir esse depoimento... e mais uns tantos até decidir publicá-lo no nosso blogue...

Daí fazer todo o sentido publicar um comentário do Cherno Baldé ao poste P11762 (*), transformando-o em poste desta série "O segredo de...".  Passados mais de 8 anos não temos conhecimento de mais nenhuma outra versão sobre estes acontecimentos que, de resto, são do domínio público na Guiné-Bissau, mas que o tempo já fez esquecer. Infelizmente Cuntima não foi exceção, nos primeiros anos que se seguiram à independência.

Em 23 de junho de 2013 escrevemos (*):

(...) Estamos então em condições de publicar hoje, num único poste, o notável e inédito documento que ele nos pede para publicar no nosso blogue (que também é dele, e de todos os guineenses, homens e mulheres de boa vontade, que querem construir connosco as pontes do futuro sem destruir os vestígios dos bons e dos maus momentos do nosso passado comum). 

 Embora extenso, é importante que se publique na íntegra, num só poste, para manter a unidade de leitura. Naturalmente, estamos abertos à publicação de outros testemunhos, de outras fontes, que contestem, ou corrijam, ou complementem, ou melhorem esta versão que contem as recordações de Demburri Seidi quando jovem, em Cuntima, novembro de 1976. (...)

Mais recentemente, republicamos em parte este poste (**).  


2. Aqui vai então o comentário do Cherno Baldé (***)

"Pode ser até que se trate de uma etapa obrigatória da evolução de todos os povos... É só analisar a História dos povos velhos do mundo e tirarmos as conclusões objectivas." (A.P. Costa)

"Sejamos pragmáticos com a História, o país Guiné-Bissau nasceu assim. Houve vencedores e vencidos e as represálias dos vencedores sobre os vencidos pressentiam-se na sua 'cartilha' comportamental, no uso, pelo PAIGC, da violência interna para dirimir conflitos». M. Joaquim.

"...Para tudo há explicações, mas para isto não há justificação". (L. Graca).


Caros amigos, ex-combatentes,

Muito obrigado pelo feedback ao pequeno texto que se foi relativamente facil de traduzir e trabalhar, demorou mais de dois anos para sair da boca do Demburri Seidi que testemunhou estes acontecimentos em 1976, em parte pelo medo que ainda o habita e, também, por manifesta dificuldade de falar sobre esta justiça revolucionária praticada contra os "fracos".

Para quem não sabe, eu venho de longe e, como tal, durante muitos anos, acreditava no que o Manuel Joaquim, na esteira do A. P. Costa, chama de "conclusão objectiva" (ver citação acima).

Inclusive acreditava piamente que as vítimas do comunismo da era estalinista se justificavam plenamente em nome da necessidade suprema do progresso dos povos. Hoje sei, felizmente, que estava redondamente enganado.

Eu, pessoalmente, estou tanto revoltado contra a prática criminosa do PAIGC como a prática, não menos criminosa e insensata, das chefias do MFA que, aparentemente, não só não tinham o controlo da situação, mas também não quiseram ter em conta a posicão da JSN - Junta de Salvação Nacional, no processo da descolonização. 

Se calhar já era tarde demais, não sei, mas se a solução era política e não militar, como se dizia, não se compreende que sejam os militares a ditar as linhas basilares da orientação estratégica a seguir num momento e sobre assuntos cruciais da história de Portugal e das suas extensões territoriais em África.

De qualquer modo e para não me alongar muito, vou ao encontro do Luís Graça para dizer que, de facto, para tudo pode haver explicacões... mas não há justificação para o que aconteceu na Guiné no pós-independência.

Não consigo esquecer uma frase que o Marcelino da Mata proferiu numa das suas raras interevenções públicas, mais ou menos nestes termos: "Nós éramos muitos, provavelmente muito mais numerosos que as FARP, e, se nos permitissem, podíamos impor uma solução negociada que conduzisse a um referendum nacional sobre o território"-

Se havia o perigo do deflagrar de uma nova guerra, de qualquer modo, no fim haveria, presumo, maior respeito e contenção entre os adversários e não a humilhação que foi a sina de todos quantos estavam do lado Português. Revejam as palavras de Abbaro Candé que preferia a morte à humilhação a que estavam sujeitos, todos os dias.

Espero não ter posto mais lenha no fogo. Mantenhas.

Um abraço amigo a todos,
Cherno Balde
26 de junho de 2013 às 11:46 


3. Informação de hoje, em que o Cherno Baldé dá mais detalhes sobre o testemunho de Demburri Seidi:


O Demburri Seidi (nome fictício) é Oinca (da região do Oio, sector de Cuntima) que viveu alguns anos refugiado no Senegal (Casamansa) durante a guerra colonial. 

Fula de origem, mas mandinga de educação e cultura, um pouco como todos os fulas do Norte, pela longa convivência num meio de maioria mandinga, nesta região em concreto. Ele domina ambas as línguas desses grupos. 

A tradução foi de fula para o portugués, mas o mais difícil, primeiro, foi convencé-lo a depor e depois, foi preciso esperar que ele pudesse se recompor e ultrapassar a evidente dificuldade de falar sobre um acontecimento que o tinha profundamente traumatizado, pelo que, algumas vezes, tivemos que interromper por vários dias/semanas/meses, porque de cada vez que revia aquelas cenas macabras consumia-se num choro convulsivo e não conseguia continuar a narrativa porque ainda se ressentia do efeito, passados que eram mais de 35 anos sobre os acontecimentos. 

Foi preciso muita paciência e alguma insistência da minha parte, pois como dizem na Guiné "Quem teve a amarga experiência com um Cankuran, tem medo do Baga-Baga", porque ambos sao da mesma cor de terra vermelha.

A localidade de Candjabel ou Gan-Djabelia (em Biafada) que consta no documento sobre Quemo Mané, está situada no troço que liga Fulacunda a Nova Sintra, onde foi sepultudo, mesmo à beira da estrada do lado direito, no sentido Fulacunda/Nova Sintra.

Abraços,

Cherno Baldé

21 de fevereiro de 2022 às 14:39



Guiné > Região de Quínara > Carta de São João (1955) > Escala 1/50 mil > Posição relativa de Canjabel, a nordeste de Nova Sintra.

Imfografia: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2022)

___________

Notas do editor:

(*) Vd. poste de 25 de junho de 2013 > Guiné 63/74 - P11762: Memórias do Chico, menino e moço (Cherno Baldé) (45): Horror e terror em Cuntima, em novembro de 1976: a revolta de um grupo de antigos milícias, a execução pública de Soarê Seidi e de Abbaro Candé, por ordem do histórico comandante do PAIGC, Quemo Mané (Recordações de Demburri Seidi, tradução e texto de Cherno Baldé)

(**) 18 de fevereiro de 2022 > Guiné 61/74 - P23006: Adeus, Fajonquito (Cherno Baldé) - IV (e Última) Parte: Cuntima, 16 e 17 de novembro de 1976: terror e violência de Estado, a execução sumária e pública de antigos milícias, "cães dos colonialistas", por ordem do famigerado comandante das FARP Quemo Mané

(***) Último poste da série > 11 de fevereiro de 2022 > Guiné 61/74 - P22988: O segredo de... (36): Jorge Araújo, ex-fur mil op esp / ranger, CART 3494 (Xime e Mansambo, 1971/74): louvado pelo comando do BART 3873, por, no decorrer da Acção Guarida 18, em 3/2/1973, em Ponta Varela, "ter a peito descoberto enfrentado o IN, abatendo um guerrilheiro"

segunda-feira, 19 de abril de 2021

Guiné 61/74 - P22118: Pequenas histórias dos Mais de Nova Sintra (Carlos Barros, ex-fur mil at art, 2ª C/BART 6520/72, 1972/74) (24): "O papagaio embriagado"...



O Periquito-massarongo [, nome científico Poicephalus senegalus], não confundir com o Papagaio-Cinzento-de-Timeneh, em vias de extinção, nativo dos Bijagós.. Fonte: Guia das aves comuns da Guiné Bissau / Miguel Lecoq... [et al.]. - 1ª ed. - [S.l.] : Monte - Desenvolvimento Alentejo Central, ACE ; Guiné-Bissau : Instituto da Biodiversidade e das Áreas Protegidas da Guiné-Bissau, 2017, p. 43- Ilustração: PF - Pedro Fernandes. (com a devida vénia...)



1. O Carlos Barros, ex-fur mil, 2ª C/BART 6520/72 (Bolama, Bissau, Tite, Nova Sintra, Gampará, 1972/74), "Os Mais de Nova Sintra", mandou-nos, em 14 do corrente, "mais uma estória para a História"...


O papagaio embriagado...


O destacamento de Nova Sintra, no sector do Quínara, estava ocupado pela 2ª CART do BART 6520, companhia “baptizada” pelos “Os Mais de Nova Sintra”, tendo no seu crachá , a imponente figura do Obélix ,em destaque.

O destacamento de Nova Sintra, desde 1972 a 1974, foi alvo de flagelações, minas, emboscadas, patrulhamentos constantes, armadilhas mas os seus militares estiveram sempre à altura e responderam com afinco e eficácia, às investidas do inimigo. Eram soldados, como muitos outros disseminados pelos recantos da Guiné, com elevado índice de coragem, com grande espírito de sacrifício e muito empreendedores tanto na mata como dentro do arame farpado, nos diversos trabalhos que lhe eram incumbidos.

Fugindo um pouco à situação belicista em que vivíamos, com a minha memória, ainda um pouco refrescada, talvez pelo orvalho desta manhã, surge mais uma “estória” real que surgiu dos empreendimentos aventurosos dos nossos companheiros de Nova Sintra.

O 1º cabo Carlos Cripto (, o António Carlos de Jesus Ribeiro,) certo dia conseguiu apanhar um papagaio, que parecia mais um emplumado periquito. Andava com esta simpática e colorida, ave ao ombro pelo destacamento, o que despertava muita curiosidade e, provavelmente, uma certa inveja, aos seus companheiros de Nova Sintra.

Os furriéis Elias (.José Pereira da Silva Elias, mecânico auto) e Mendonça (,Jorge Manuel Santos C. Mendonça, transmissões) nos seus patrulhamentos dentro do destacamento, municiados com a sempre presente cerveja ou bebida similar, foram ter com o seu amigo Carlos Cripto para fazerem umas festinhas ao papagaio.

Esta dupla de furriéis, sempre empreendedores em aventuras, pegaram na avezinha ternurenta, abriram-lhe o bico e enfiaram-lhe “whisky” pela goela abaixo, apesar do “esbracejar” do periquito…A intenção dos furriéis era ver um periquito bêbado e observar o seu comportamento!

Naturalmente, passado algum tempo, a infeliz ave nunca mais se levantou, apesar dos esforços de reanimação que tentaram fazer e o óbito foi confirmado no local e, penso que a "certidão de óbito” foi passada pelo furriel enfermeiro Tavares (, José Manuel Dias Tavares), uma certidão de óbito, digamos, virtual!

O Carlos Cripto ficou desesperado e revoltado com a perda do seu amigo papagaio , encostou-se a um canto do edifício das transmissões, serenou e anestesiou o seu nervosismo e com o seu dedo indicador ameaçou mesmo os seus companheiros, com uma queixa ao capitão Cirne (, Armando Fonseca Cirne), que, mais tarde, soube deste incidente, achou-o engraçado e com muita piada !

Como, em Nova Sintra, não havia cemitério para os animais ou aves, fez-se um enterro “voador” já que o papagaio foi lançado pelos ares para o meio do ressequido capim que abundava nas circunscrições territoriais do destacamento.


Carlos Barros
(Ex- furriel Miliciano)
BART 6520 - 2ª CART
“Os Mais de Nova Sintra”
Esposende 10 de abril de 2021


C/ a colaboração de: António Carlos de Jesus Ribeiro-Operador Cripto | José Pereira Silva Elias-Furriel mecânico |  Jorge Manuel Santos C. Mendonça-Furriel das Transmissões |  José Manuel Dias Tavares - Furriel enfermeiro.

2. Comentário do editor LG:

Carlos, papagaio ou periquito ? 

Pel tua descrição, inclino-me, com toda a segurança, para a segunda hipótese... O periquito é que era vistoso, colorido... Deveria ser um Periquito-massarongo [, nome científico Poicephalus senegalus]. 

Originalmente, os militares que chegavam à Guiné eram chamados "maçaricos" (tal como em Angola, e "checas" em Moçambique). Mas o termo foi depois substituído, e com muito melhor propriedade", por "periquito" ou "pira" (e lê-se "p[i]riquito" (O Dicionário Priberam da Língua Portuguesa ainda não grafou esta aceção do vocábulo, embora ela se use há mais de meio século por nós, antigos combatentes!)...

Segundo o guia das aves da Guiné-Bissau, este periquito é uma ave que tem 23 cm de comprimento, portanto mais pequeno que o papagaio-cinzento (que tem 33 cm)... 

"O seu chamamento agudo ouve-se com frequência em zonas de savana arbórea e de floresta. Encontra-se também em zonas de cultivo com árvores e em cidades. Apesar de ser muito capturado para cativeiro, é ainda comum na maior parte do país. Observa-se aos casais ou em pequenos grupos em ramos expostos. Alimenta-se de frutos e de sementes." (Fonte: Guia das aves comuns da Guiné Bissau / Miguel Lecoq... [et al.]. - 1ª ed. - [S.l.] : Monte - Desenvolvimento Alentejo Central, ACE ; Guiné-Bissau : Instituto da Biodiversidade e das Áreas Protegidas da Guiné-Bissau, 2017, p. 43. Com a devida vénia).

Sobre o papagaio-cinzento-de-Timneh, ver aqui, na mesma fonte e na mesma página (Ilustração também de Paulo Fernandes. Reproduzido com a devida vénia.)



domingo, 11 de abril de 2021

Guiné 61/74 - P22094: Facebook...ando (63): fotos de Nova Sintra, 2ª C/BART 6520/72: entrega do destacamento ao PAIGC, em 17 de julho de 1974 (Mário Ferreira / Carlos Barros)

Foto nº 1 

Foto nº 2


Foto nº 3

Foto nº 4

Guiné > Região de Quínara > Nova Sintra > 2ª C/BART 6520/72 (1972/74) > 17 de julho de 1974 >  Retração do dispositivo > Entrega do destacamento ao PAIG


1. Fotos postadas na página do Facebook da Tabanca Grande, com data de 6 do corrente, pelo nosso camarada Carlos Barros, com a seguinte lacónica legenda:

(i) Entrega do destacamento de Nova Sintra, Setor do Quínara, em 17/7/1974:  Entrada dos guerrilheiros do PAIGC em Nova Sintra. Realce-se que não houve problemas e existiu uma confiança mútua,o que é de de salientar. Eu estive lá (ex-furriel Barros, 3º Pelotão,  2ª CART / Bart 6520). [Fotos nºs 1, 2, 3 e 4] (*)

(ii) Agradeço estas fotografias ao soldado amigo do meu Pelotão (3º), Mário Ferreira , da Trofa que me enviou hoje mesmo. Bem como mais estas duas [em baixo, Fotos nº 5 e 6]: Mais um patrulhamento em Nova Sintra (23 de fevereiro de 1973) [Foto nº 5]; e Reabastecimento em Lala, cais, em Nova Sintra (15 março de 1973) [Foto nº 6]. (**)


Foto nº 5

Foto nº 6

Fotos (e legendas): © Mário Ferreira / Carlos Barros  (2021). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]
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Notas do editor:

(*) Vd. também poste de 2 de março de 2021 > Guiné 61/74 - P21962: Pequenas histórias dos Mais de Nova Sintra (Carlos Barros, ex-fur mil at art, 2ª C/BART 6520/72, 1972/74) (20): a entrega do nosso destacamento aos guerrilheiros do PAIGC, em 17 de julho de 1974

[Sabemos, pelo Carlos Barros, que no  ato  estiveram presentes, entre outros, o comandante do Setor do PAIGC, Quinto Cabi; e pelas NT,  o Tenente-Coronel Fernando José de Almeida Mira (já falecido,   comandante do BART 6520/72, com sede em Tite); e o Capitão Mil Inf João Barbosa Machado, cmdt da 2ª C / BART 6520/72, de Nova Sintra.]

(**) Último poste da série >  de março de 021 > Guiné 61/74 - P21986: Facebook...ando (62): Um dos que participou na Op Mar Verde foi o 2.º Srgt Fuzileiro Domingos Demba Djassi, a quem dei trabalho depois de desmobilizado, e que desapareceu em 21 de março de 1975 (Mário de Oliveira, BIssau e Alcaide, Fundão)

quinta-feira, 1 de abril de 2021

Guiné 61/74 - P22055: Pequenas histórias dos Mais de Nova Sintra (Carlos Barros, ex-fur mil at art, 2ª C/BART 6520/72, 1972/74) (23): Estorninhos e pardais, todos somos iguais

1. O Carlos Barros, ex-fur mil, 2ª C/BART 6520/72 (Bolama, Bissau, Tite, Nova Sintra, Gampará, 1972/74), "Os Mais de Nova Sintra", mandou-nos,  em 24 de fevereiro passado, mais uns pequenos textos para "reviver as nossas vivências na Guiné". com a seguinte nota de apreço  e amizade, que agradecemos  e retribuímos:  "Boa tarde, amigo. Um abraço grande de amizade do Barros. E parabéns pelo teu trabalho no seio do blogue".
A sinfonia dos estorninhos…

por Carlos Barros


Após um “lauto” jantar, na caserna do 3º grupo de combate, eu, o furriel Barros, estava a conversar com o soldado condutor Fernando de Almeida, natural de Oliveira de Azeméis, sobre as suas madrinhas de guerra que eram de Ovar, por sinal, irmãs…Falávamos dos amores e traições sofridas.

A Guiné dispunha de uma fauna apreciável e relativamente importante, com destaque especial para as aves: pelicano, gaivina, íbis, garça e flamingo, na costa marítima.

No mangal, zonas de água doce e húmidas, o corvo marinho, mergulhão-serpente, egreta –grande, pássaro-martelo, cegonha, singanga, maçarico, serpentário, águi , picanço-bárbaro, pica-peixe, jabiru, patos, gansos, pavão, grou, tarambola, pardal, poupa, andorinha, rola, gavião, águia, cuco, pavão, noitibó, mocho, calão-grande, abelharuco, papagaio, periquito, picanço pomba-verde, palrador, melros , estorninhos…

Era já noitinha, e deliciava-me a ouvir os cânticos dos melros, pousados nos ramos das palmeiras, bem lá no alto e dizia eu para o Almeida:

− Há dias matei um destes estorninhos, precisamente naquela palmeira e estou muito arrependido porque perdi o seu canto, que seria belo no seio daquele “bando coral”, lembrando-me do grupo do Canto Coral do meu tempo de estudo, primeiramente na Escola Primária, com a Professora D. Isolina como maestrina e, mais tarde, no Externato Colégio Infante Sagres, de Esposende , cujo maestro era o Padre Avelino…

Foram longos minutos a ouvir “obras musicais canoras” daquela “melrada” afinadinha, uma delícia para o meu ouvido, já destreinado da sua sensibilidade inicial, porque os estrondos das bombas dos bombardeamentos, dos RPG 2 e 7, e o matraquear das “costureirinhas e das Kalashese tinham-me ferido os tímpanos daí, minha actual perda parcial de audição, num dos meus ouvidos.

Esta sessão foi bruscamente interrompida porque fomos flagelados, mais uma vez, pelos canhões e morteiros dos guerrilheiros do PAIGC e, como defesa, encentámos uma fuga rápida para os nossos abrigos, valas e espaldões de morteiros para responder ao inimigo.

Foram momentos de angústia e de tremenda pressão porque a morte estava sempre a pairar no ar…

Os estorninhos, esses, antes das granadas explodirem e com o seu barulho ensurdecedor, partiram a grande velocidade para destinos incertos!

Ainda hoje, no quintal de Vila Cova, adoro ouvir os melros cantarem e até, como agradecimento, coloquei uma pia para eles beberem e refrescarem-se, com algum alimento-produto  a acompanhar!

São os remorsos da guerra,  contudo, as Associações Protectoras de Animais, e até o PAN - Partido das Pessoas, Animais e Natureza,  perdoar-me-ão estes atos e isso aconteceu porque estava eu “apanhado da guerra” e os nossos sentimentos e personalidade encontravam-se transtornados daí, a condescendência para estes comportamentos, nem sempre compreensíveis para os humanos que nunca viveram a guerra com quem convivemos, no meu caso e de outros camaradas   durante 25 meses e 18 dias no inferno da da Guiné (1972/74).

− Estou crente que os familiares do estorninho  falecido me perdoarão por ter abatido um deles! − pensei cá para comigo. − E, parafraseando o provérbio popular da nossa terra, também  eles concordarão comigo; "Estorninhos e pardais, todos somos iguais!"...

Um dos momentos mais felizes da minha vida foi o meu regresso à Metrópole, a Lisboa, deixando a guerra para trás, na altura um jovem, que era um homem de paz com profundo défcie de liberdade que o 25 de Abril me deu como prenda saborosa…

Usufruindo dessa liberdade, arduamente conquistada, quero deixar aqui um agradecimento especial ao nosso amigo editor, o professor Luís Graça  que,  com o seu / nosso Blog Tabanca Grande,  dá voz àqueles que nunca tiveram voz antes do dia 25 de Abril 1974.

Estamos,  com as nossas estórias reais, vividas na Guiné, a construir a História da Guerra Colonial, que nem sempre, é compreendida ou por ignorância, ou por má fé…

Dessa aterradora realidade da guerra apenas me restou a amizade entre os militares e, não é por acaso, que nos reunimos anualmente, há 45 anos consecutivos em convívios e essa “palavra aurífera”, em teoria e em atos, a amizade, continua reluzente, fresquinha,  ativa…

Carlos Manuel de Lima Barros

(Ex-furriel Miliciano,
Bissau, Bolama, Tite, Nova Sintra, Gampará, 1972/74)

Esposende 14 de fevereiro de 2021
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Nota do editor:

Último poste da série > 10 de março de 2021 > Guiné 61/74 - P21991: Pequenas histórias dos Mais de Nova Sintra (Carlos Barros, ex-fur mil at art, 2ª C/BART 6520/72, 1972/74) (22): minas, terríveis minas...