Mostrar mensagens com a etiqueta Pátria. Mostrar todas as mensagens
Mostrar mensagens com a etiqueta Pátria. Mostrar todas as mensagens

quinta-feira, 4 de janeiro de 2024

Guiné 61/74 - P25035: Contos com mural ao fundo (Luís Graça) (14): servindo duas pátrias, Portugal e Angola...



Mapa de Angola. Adaptado: posição relatiuva de Luanda e Uige e 
das províncias de Cuanza Sul e Cuando-.Cubango. Cortesia de Wikipedia


Contos com mural ao fundo (Luís Graça) (13):  servindo duas pátrias, Portugal e Angola...

por Luís Graça (*)



Luanda, julho de 2013. Levantas-te às cinco e meia da manhã. É dia ou quase dia. Às seis em ponto,  o motorista de ambulâncias do hospital  já está pronto para te levar ao aeroporto, de regresso a Lisboa. É o teu motorista habitual, quando aqui vens, em serviço... É o teu motorista das partidas. Porque há um outro, o das chegadas.

Já o conheces há uns anos... Pertence ao ministério da saúde, destacado agora num dos hospitais da capital. E costumas trazer-lhe uma garrafa de vinho tinto português, comprada 
no "freeshop" do aeroporto de Lisboa.  Sabes que ele aprecia. Fez a tropa e a guerra no "tempo dos portugueses".

O teu motorista "caluanda" (não o queres identificar, nem a ele nem ao hospital onde trabalha, já que não lhe pediste autorização expressa para contar a sua história de vida)  "estava de férias", mas levantou-se prontamente para te conduzir, a tempo e horas, até ao aeroporto de Luanda. Tens a gentileza de não lhe perguntar o que é que um motorista de ambulâncias  faz, em Luanda,  quando está de "férias"...


Há um outro motorista, mais jovem, mas mora "longe", a norte de Luanda, a 20 km, em Viana (onde nunca fostes, apenas conheces os arredores, a sul, o Mussulo e a foz do Quanza). Sair de casa a essa hora é arriscado, devido à insegurança nos musseques. E os transportes públicos  são maus e morosos. Mesmo assim, no hospital, há gente (incluindo médicos) que sai de casa às 4h da manhã para vir trabalhar!... A vida é dura para os luandenses, os "caluandas",  que precisam de trabalhar. É dura, para quem tem que estudar, formar-se, especializar-se como os médicos... "Angola tinha  26 médicos (!)), no dia da independência",  disse-te um deles, o vigésimo  sexto... (que acreditava que o seu país tinha futuro, "tendo a maior parte ficado do lado do MPLA").

Esse outro motorista, mais jovem, que costuma ir buscar-te ao aeroporto, à noite, não é tão fiável: um dia, ficou à tua espera, devia estar cansado, a morrer de sono (e se calhar de fome),  adormeceu na viatura,  o avião atrasou-se... 

Enfim, deixou-te completamente "pendurado", sem transporte nem telemóvel: foi uma pequena aventura, chegar, à "guest house" onde costumas ficar alojado,  às 11 h da noite, com um jovem "taxista" de ocasião, de chinelos,  t-shirt e calções esfarrapados, com viatura sem portas, completamente "descaracterizada" e "canibalizada", sem matricula,  com o tabliê esventrado...  

Àquela hora da noite não descortinaste outra alternativa (ou não tiveste a lucidez de a procurar),  depois de respirares fundo e manteres o sangue frio, recusando-te a entrar em pânico...

Foi, seguramente, a viagem de "táxi" mais fantasmagórica da tua vida: custou-te 40 euros,  todo o dinheiro trocado que tinhas no bolso, nem sequer tinhas kwanzas ou dólares para pagar ao mais jovial, simpático e prestável "taxista da candonga", a quem confiaste a tua bolsa, o teu PC,  a tua semana de trabalho ( textos, exercícios,  "slides"...), a tua bagagem e porventura até a tua própria vida. Ficaste na dúvida (confessa!. ..)   se a viatura não teria acabado de ser roubada naquela noite... E estarias metido numa grande encrenca se a polícia vos apanhasse pelo caminho... Aos dois, notoriamente cúmplices, "numa boa", na galhofa...

Foram os dois todo o trajeto a conversar, amavelmente, como se fossem "velhos conhecidos" ou até amigos, sobre tropa, médicos, militares, música, jovens, o presente e o futuro de Angola...

Ele fizera tropa mas já não fora à guerra, a "segunda guerra da independência"... Puxaste dos teus galões, fizeste-te passar por médico e professor da faculdade de medicina de Lisboa, e para mais militar, falaste-lhe de alguns nomes de gente da "nomencltura" angolana que te gabavas de conhecer, o diretor do hospital militar, o diretor da clínica X, o reitor da universidade, sua excelência o ministro da saúde que tinha sido teu aluno, etc.... 

Acabou por ser uma relação cordial, até empática, e lá chegaste ao destino sem mais problemas. E o rapaz ganhou o dia ou a noite. "Bué de cumbú, patrão!", rspondeu-te ele, ao contar as notas de 5 e 10 euros, com visível boa disposição... (Moedas não quis aceitar, eram difíceis de trocar...)

Ainda não tinhas varrido da memória o "incidente", occorido uns anos antes, quando apanhaste um pouco, por tabela, a paranóia securitária da polícia local do tempo de guerra... 

Gostas, afinal,  de lembrar, quando o tema Angola vem à baila numa roda de amigos,  que ainda chegaste a andar  fugido de um polícia, armado de apito e de Kalash, que mandara parar a tua viatura... Só porque tu estavas com um máquina fotográfica digital (ingenuidade a tua!), na mão, no "lugar do morto", tu, um branco, ao lado do condutor, um negro, num jipe do ministério da saúde angolano, na tremenda confusão do trânsito, a caminho do Futungo de Belas... 

Desobedecendo à ordem de parar, o jipe não levou nenhuma rajada, mas tu sentiste um calafrio pela espinha acima... Claro que o polícia era decidamente um patriota (ao pensar que um diabo branco,  um bandido estrangeiro,  poderia andar por ali a fazer espionagem) mas o mais provável é que ele, mal fardado, mal pago e pior formado, apenas quisesse  ganhar uns trocos para o "mata-bicho"... Valeu-te o condutor, experiente, corajoso e afoito, o teu "anjo-da-guarda" nessa manhã: só parou na escola de enfermagem do Futungo de Belas, depois de uma condução de doidos por aquelas artérias esventradas de Luanda... 

Mas voltando ao teu motorista "caluanda",  em julho de 2013... É um homem afável,  mestiço, de Uíge (se a tua memória não te falha...),  que fica a nordeste,  a cerca de 350 km de capital...  Pelas tuas contas devia ter nascido em 1953.  Teria então 60 anos na altura...

É preciso atravessar Luanda, de um lado a outro, até chegar ao aeroporto... Nas horas de ponta, pode ser um inferno. Daí teres que te levantar às 6 da manhã... para estar com uma certa margem de segurança, a tempo e horas, no aeroporto... 

É outra aventura, mesmo com "passaporte especial" (para os VIP da cooperação como tu...), até poderes sentar-te no teu lugar do avião da TAP e, enfim, respirar fundo... E depois de teres sido passado a pente fino pela Alfândega, onde largas 100 dólares para a "gasosa" (e te roubam os CD de música popular angolana que transportavas na mala da roupa, comprados na "candoga": uma mescla de estilos, a kizomba, o semba, o kuduro, a rebita, etc. )...

Além disso, levas contigo, dez mil dólares, em maços de notas (algumas sebentas...), limite máximo legal... Num envelope com o logótipo do Ministério da Saúde, o MINSA... E o credo na boca:  não é dinheiro teu, é da tua instituição, e vai servir para pagar viagens e ajudas de custo dos próximos formadores... 

Enfim, uma forma expedita, um desenrascanço, à portuguesa e à angolana, para contornar a morosidade burocrática da transferência de dinheiro entre os dois países... É também um sinal da crise,  que já se nota no comércio de rua, nos agentes da antoridade (que se batem à "gasosa"), nas "quinguilas" (cambistas do mercado negro, que trazem os maços de notas no sutiã), nas "zungueiras" (as vendedeiras de comes & bebes)...

O teu "caluanda" mora(va) na ilha de Luanda, perto do centro aonde foste dar formação.  O trabalho de motorista de ambulâncias, diga-se de passagem, não é pêra doce: há uns largos anos atrás, talvez em finais da década de 1990, a sua ambulância fora metralhada num musseque dos arredores (ele disse-te o nome, que não fixaste, talvez Sambizanga, onde vivem cerca de 250 mil almas emparedadas ), quando um "grupo de bandidos" tentava assaltar a casa de um "fulano ricaço" (sic)... 


Os "bandidos, que não sabiam ler" (sic), confundiram o "tinonim" da ambulância com o carro da polícia...  Houve feridos graves, doentes baleados dentro da ambulância; mas, mesmo com os pneus furados, e o assento do motorista "crivado de balas", o teu herói  lá conseguiu safar-se, são e salvo... Na altura até foi louvado (pelo "nosso Mais Velho", em visita ao hospital)...

Revelou um extraordinário sangue frio e coragem, dois atributos essenciais para se poder sobreviver numa cidade como Luanda de 5 ou 6 milhões de habitantes onde só uma escassa elite, privilegiada,  vai tendo por enquanto vida segura e  decente. (Só a Norte, no concelho vizinho de Viana, devem viver mais de milhão e meio.)

Esse sangue frio e coragem vêm-lhe do tempo da guerra. É um duplo ex-combatente. Fez duas guerras, ao serviço de duas pátrias... que, aos seus olhos, se completam: "Nasci português, hei de morrer angolano"....Tem muitas histórias para (e por) contar. 

Rapidamente criaste com ele um laço de cumplicidade e  empatia, típicas dos ex-combatentes. 

De facto, nada como dois ex-combatentes encontrarem-se,  beberem um copo  e começarem a desatar os nós da memória .... Não foi preciso copo nenhum, ele era um homem simples, prestável, falador e afável... 

Resumindo: fizera a "guerra colonial" , do lado português, com "muita honra" (sic), por volta de 1972/74 ou até talvez 1973/75 (já não podes precisar). Era furriel miliciano. 

Serviu "a sua pátria de então" (sic), diz-te com naturalidade e sem qualquer subserviência nem complexo de culpa.  Sentia-se português,  tinha sangue transmontano do lado paterno, o trisavô, desterrado (como muitos outros primitivos colonos),  ainda conhecera e privara com o "Kimuezo", "o homem das barbas grandes", o lendário Zé do Telhado. (Falecido em 1875, está sepultado na aldeia de Xissa, Mucari, Malange; o seu túmulo ainda hoje é venerado pela gente local.)

Quando "os sul-africanos, os zairenses e outros bandidos" (sic) invadiram Angola, "sua terra natal", as FAPLA (Forças Armadas para a Libertação de Angola) convocaram-no para as suas fileiras. Foi então promovido ao posto de  1º tenente de infantaria, comandando cerca de 70 homens (se bem percebeste). Participou em várias batalhas. E lá ficou na tropa e na guerra até à desmobilização, em finais de 1980...  Como "já não sabia fazer mais nada", aos 37 anos deram-lhe uma ambulância para conduzir... Ganhava mal mas tinha um emprego.

Também se queixava, tal como os antigos combatentes portugueses,  de o Estado angolano os ter abandonado  à sua sorte, com "muitas centenas de milhares de camaradas deficientes, incapacitados"... (Curiosamente, deixaste de ver, como há 10 anos atrás, os "estropiados de guerra", atravessando as ruas sujas da cidade, como cangurus, aos saltos nas suas muletas de pau.)

Também esteve na província do Cuando Cubango. onde foi um dos bravos da batalha de Cuito Cuanavale, de trágica memória para todos os contendores de um lado e do outro, angolanos, cubanos, sul-africanos, e até conselheiros soviéticos (quando o muro de Berlim ainda estava, fisica e simbolicamente,  de pé)... Nessa altura  fazia a segurança ao hospital de campanha na retaguarda onde viu coisas que nunca contará aos filhos e netos: amputar pernas e braços a sangue frio, sem anestesia; fuzilamentos de "rebeldes da Unita";  atos de sodomia entre angolanos e cubanos, enterrados nas trincheiras lá nas "terras do fim do mundo"....

Mas a cena mais dramática da guerra que tera vivido, não foram tanto  os bombardeamentos maçiços  da artilharia, cavalaria e aviação dos sul-africanos no sul, foi sim uma emboscada às portas de Luanda (a cerca de 100 km, se bem percebeste), a um coluna de várias viaturas guarnecidas por um grupo de combate que ele comandava, composto por cerca de 30 homens. 

Tens dúvidas se foi na altura da batalha de Quifangondo (em 10/11/1975) nas imediações de Luanda,  ou se foi no âmbito da batalha do Ebo, mais longe, a sudeste... Em qualquer dos casos, o desfecho destas duas batalhas foi fundamental para reforçar a posição do MPLA e do seu braço armado, as FAPLA

Pela descrição da batalha do Ebo (no portal cubano EcuRed (que não pode todavia ser considerado uma fonte independente), inclinas-te mais para a primeira hipótese, a da emboscada em que caiu a coluna comandada pelo teu motorista, ter ocorrido no âmbito da batalha de Quifangondo, a escassa centena de quilómetros de Luanda, a nordeste.

Nessa altura as forças que apoiavam a FNLA, o Exército Nacional de Libertação de Ang0la (ELNA), já tinham tomado o Caxito, estando às portas de Luanda.  Eram constituídas pelos "comandos do coronel Santos e Castro" (sic), por forças do exército regular do Zaire, e por uma unidade de artilharia dos sul-africanos,  mais um grupo de mercenários, esclareceu-te o teu motorista. 

Sobre batalha de Quifangondo (em 10 de novembro de 1975), vd. aqui o depoimento do general António França 'Ndalu' (chefe do Estado-Maior da 9ª Brigada, uma unidade das FAPLA,   criada uns meses antes para "defender Luanda das investidas do inimigo contra a capital, nos dias que antecederam a Independência, no dia 11 de Novembro de 1975"). 

Já agora leia-se, com atenção, também o seguinte comentário de um anónimo (entre muitos outros, que entretanto surgiram no seguimento daquela entrevista):

"O que o General António dos Santos França, na altura Comandante N´Dalu, não mencionou, talvez por não lhe ter sido perguntado, foi a constituição da 9ª Brigada . Estavam incluídos nela os melhores guerrilheiros das então FAPLA, e principalmente militares angolanos desmobilizados das forças portuguesas, onde se incluiram também paraquedistas e comandos portugueses. 

Ouvi pessoalmente oficiais cubanos a elogiarem a preparação destes militares do contingente de Angola nas forças portugueses. Foi a 9ª Brigada e os cubanos quem destroçaram as forças da FNLA/Zairenses/sul-africanos a norte, e perseguiram os sul-africanos estacionados próximos de Porto Amboim até à fronteira, no Cunene. 

Paradoxal e infelizmente, a maioria dos militares da 9ª Brigada foi fuzilada dois anos depois, nos acontecimentos do [27] de Maio [de 1977]".

É muito possível que o teu motorista fosse um daqueles jovens, desmobilizados do exército português, que se ofereceram como voluntários para a 9ª brigada, ou foram recrutado à força...  (Sobre os trágicos acontecimentos de 27 de maio de 1977 tiveste o bom senso de não lhe fazer perguntas, era um assunto-tabu em Angola naquela época; mas recordas-te de um jovem economista, assessor do ministério da saúde te ter confidenciado, à meia-voz: "sabe, o meu pai saiu de casa na madrugada do dia 27 de maio, e nunca mais voltou") 

Tens de admitir também a  hipótese de o teu motorista ter participado na batalha do Ebo onde haveria de morrer o comandante cubano Raul Díaz-Argüelles (1936-1975), em 11 de dezembro de 1975 (um mês depois da proclamação da independência de Angola).  

Recorde-se que o Diaz-Argëlles também passou pelo teatro de operações da Guiné, em 1972, ao tempo da guerra colonial, tendo ajudado o PAIGC a planear a operação contra Guileje.

A batalha do Ebo, a sudeste de Luanda,
a par da batalha de Quifangondo, a nordeste de Luanda,  foi decisiva para suster o avanço das forças  anti-MPLA  que pretendiam impedir a proclamação da independência em Luanda pelo partido de Agostinho Neto.

É bom lembrar que, à revelia da potência colonizadora, Portugal, e do Acordo do Alvor (janeiro de 1975),  cada um dos três movimentos nacionalistas proclamou a independência de Angola em sítios e datas diferentes: a FNLA  no Uíge, a UNITA no Huambo e o MPLA em Luanda.

Não tiveste oportunidade, nas conversas esporádicas que mantiveste  com o teu  motorista (afinal , em escassas e fugidias duas vezes, em que o assunto veio à baila, no trajeto até ao aeroporto) de esclarecer este e outros pormenores importantes das suas histórias de  guerra... que ele sempre te contou, "sem filtros",  com a espantosa naturalidade e candura dos africanos...

Ias em geral com um ouvido atento à conversa com o condutor e um olho no vidro da janela do teu lado... Reconstituias a tua conversa com ele, já depois no avião de regresso a Lisboa, no teu "diário de bordo".... E podes estar a ser traído pela memória. Mas confias na boa fé do teu amigo angolano.

Essa emboscada (com  apoio de artilharia
) poderia ter sido  quando as forças sul-africanas,  que invadiram Angola,  chegaram até ao sul do Ebo, na província do Cuanza Sul, ameaçando Luanda. Os angolanos e os cubanos destruiram as pontes e sustiveram o avanço dos invasores justamente no Ebo (município a 300 km de Luanda).

Segundo o depoimento do teu motorista,  nessa emboscada, as viaturas foram todas destruídas, as FAPLA tiveram cerca de 2/3 de baixas mortais, incluindo 7 cubanos. 

Conversa puxa conversa, diz-te que "já não há bandidos na ilha de Luanda e no centro de Luanda". A polícia "limpou-os" (sic). A esta hora, 6 da manhã, há grupos de 3 e 4 brancos (presumivelmente estrangeiros, incluindo portugueses,  a viver e a trabalhar em Luanda) que andam a fazer "jogging" na marginal.  Com relativa descontração.  

As praias estão "limpas",  contrariamente ao que se via há uns anos atrás... A zona agora é "turística" (sic), as barracas dos pescadores desapareceram... Enfim, a cidade mudou, "para melhor", há obras por todo o lado... "Bandido é no musseque onde a polícia não entra" (sic). Também por delicadeza não abordas a questão dos "esquadrões da morte", de que ouviras falar.

Tinhas-lhe prometido trazer uma garrafa de vinho de Lisboa. Deixaste-lhe kwuanzas para beber um copo à tua  saúde e à condição de ambos como  antigos combatentes, homens da mesma geração, nascidos sob a mesma bandeira, falando a mesma língua...

Percebeste então  melhor porque é que os nossos amigos  angolanos, são pessoas que vivem com tanta intensidade o dia que passa e manifestam publicamente a sua felicidade, através da comida, da bebida, do sexo, da música, da dança. 

"Para ser feliz tem que ser aqui em Angola", diz um kudurista dos musseques de Luanda no filme angolano "I Love Kuduro", do realizador português Mário Patrocínio, (a cuja estreia, em Portugal, tu assististe, uns meses mais tarde, em novembro de 2013, no Cinema São Jorge, no âmbito do doclisboa'13)... 

Confessas, por outro lado, a tua grande ignorância em relação à história e à geografia de Angola, apesar de lá ires já desde 2003...  

Por exemplo, Cuando Cubango... É uma província situada no sudeste do país. Verificas que é limitada a norte pelas províncias do Bié e Moxico, a leste pela República da Zâmbia, a sul pela República da Namíbia e a oeste pelas províncias da  Huíla e do Cunene (onde a guerrilha da SWAPO tinha bases e campos de refugiados, e onde as tropas sul-africanas faziam "raides" punitivos, atravessando impunemente a fronteira). 

A capital da província é a cidade de Menongue e dista de Luanda mais de mil km e de Cuito menos de 350 km. Tem cerca de 140.000 habitantes e ocupa uma superfície duas vezes superior a Portugal...

É constituída pelos municípios de Calai, Cuangar, Cuchi, Cuito Cuanavale, Dirico, Mavinga, Menongue, Nancova e Rivungo. O clima é tropical no norte da província e semi-árido no sul. Esta região de Angola, "terras do fim do mundo",  é conhecida atualmente como "terras do progresso», devido ao seu grande potencial económico, praticamente por explorar.

Mas voltando à guerra, à chamada segunda guerra da independência em que participou também o teu motorista.... Durante muito tempo alguns municípios (como Mavinga, Dirico, Cuchi e Cuito Cuanavale) serviram como bases de apoio à guerrilha da UNITA, liderada por Jonas Savimbi, que só abandonou completamente estes territórios (a  "Jamba") em finais de 2001, aquando da última (e decisiva) ofensiva das forças armadas angolanas. 


É sabido que o movimento do Galo Negro recebeu apoio dos EUA e da África do Sul, na luta contra contra o MPLA, que por sua vez era apoiado pela União Soviética e Cuba. Estava-se  em plena guerra fria. Angola era uma peça importante no tabuleiro do xadrez da geopolítica mundial, sendo cobiçada pelas potências neocloniais pelas suas riquezas (o petróleo, os diamantes) mas também era fundamental para a sobrevivência do regime de supremacia branca na África do Sul...

batalha de Cuito Cuanavale terá sido o maior confronto militar da guerra civil angolana. Foi um batalha sangrenta e prolongada durante mais de 4 meses, entre 15 de novembro de 1987 e 23 de março de 1988.


Foi aqui , na província de Cuando Cubango , e mais concretamente no munícipio de Cuito Cuanavale, que as FAPLA, apoiadas pelos cubanos e com armamento soviético, se confrontaram com  as forças da UNITA (União Nacional para a Independência Total de Angola), apoiada pelo exército sul-africano.

Foi considerada a batalha mais longa travada no continente africano desde a Segunda Guerra Mundial. Nesta batalha de Cuito Cuanavale, foi posto em cheque o mito, aos olhos dos angolanos, da invencibilidade do exército "racista" da África do Sul, garantiu-te, com visivel orgulho e patriotismo, o teu motorista. 

Independentemente das duas partes terem clamado vitória, a África do Sul terá sido obrigada a reconhecer tacitamente senão a superioridade, pelo menos  a capacidade de resistência, resistência e coragen  demonstrada pelas FAPLA (e seus aliados cubanos) no campo de batalha. (Para os cubanos, Angola terá sido o seu Vietname, é bom não esquecê-lo...).

Isso explicará a posterior assinatura dos Acordos de Nova Iorque, ponto de partida para o fim de um conflito que afinal não era apenas uma guerra civil, nem um simples conflito regional. 

Como é sabido, a implementação da resolução 435/78 do Conselho de Segurança da ONU vai levar à independência da Namíbia e apressar o fim do regime de segregação racial, que vigorava na África do Sul.

Se tu conseguires ainda voltar a Angola (o que já te parece cada vez menos provável) , esperas poder reencontrar, vivo e com saúde,  o teu amigo  motorista, que serviu duas pátrias, e  agora andará pelos os seus 70 anos... e se possível com a mesma sabedoria e alegria de viver do homem comum angolano. E continuar a tua conversa, agora à mesa d me uma  esplanada de um bar da ilha de Luanda com vista para o nosso comum oceano Atlântico....E, de preferência  com um bom copo de vinho  tinto português.  Há conversas, entre combatentes, que não acabam mais  (ou merecem ser prolongadas, melancolicamente, pela tarde dentro, aguardando o pôr-do-sol tropical)...

Lisboa, julho de 2013. Revisto, janeiro de 2024.

_________________

Nota do editor:

(*) Último poste da série > 7 de dezembro de 2023 > Guiné 61/74 - P24926: Contos com mural ao fundo (Luís Graça) (13): O cruzeiro das nossas vidas

quinta-feira, 8 de agosto de 2019

Guiné 61/74 - P20043: Fotos à procura de... uma legenda (116): Sabes, menino, o que é a Pátria ?


Lourinhã > 2012 > Bandeira Nacional pintada numa parede lateal de uma casa.  Autoria: PM, 10.06.06. Por essa altura, realizava-se o Campeonato Mundial de Futebol, na Alemanha, de 9 de junho a 9 de julho de 2006, em que Portugal participou. A pintura mural lá continua, 13 anos depois, cada vez mais desbotada...

Fotos (e legenda): © Luís Graça (2012). Todos os direitos reservados. [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



A Pátria

Menino, sabes o que é a Pátria?

A Pátria é a terra em que nascemos, a terra em que nasceram os nossos pais e muitas gerações de portugueses como nós.

É nossa Pátria todo o território sagrado que D. Afonso Henriques começou a talhar para a Nação Portuguesa, que tantos heróis defenderam com o seu sangue ou alargaram com sacrifício de suas vidas. É a terra em que viveram e agora repousam esses heróis, a par dos santos e de sábios, de escritores e de artistas geniais. A Pátria é a mãe de nós todos - os que já se foram, os que vivemos e os que depois de nós hão-de vir.

Na Pátria está, meu menino, a casa em que vieste à luz do dia, o regaço materno que tanta vez te embalou, a aldeia ou a cidade em que tu cresceste, a escola onde melhor te ensinam a conhecê-la e a amá-la, e a familia e as pessoas que te rodeiam.

Na Pátria estão os campos de ricas searas, os prados verdejantes, os bosques sombreados, as vinhas de cachos negros ou cor de ouro, os montes com as suas capelinhas brancas votivas.

A Pátria é o solo abençoado de todo o Portugal, com as suas ilhas do Atlântico (Açores e Madeira, Cabo Verde, S. Tomé e Príncipe...), as nossas terras dos dois lados de África, a Índia, Macau, a longinqua Timor.

Para cá e para além dos mares, é nossa Pátria bendita todo o território em que, à sombra da nossa bandeira, se diz na formosa lingua portuguesa a doce palavra Mãe !...

Fonte: Portugal, Ministério da Educação Nacional (1958) -  Livro de Leitura da 3ª Classe, pp. 5-6.

____________

Nota do editor:

Último poste da série > 24 de abril de 2019 > Guiné 61/74 - P19713: Fotos à procura de... uma legenda (115): os nossos aposentos "bunkerizados"... com "climatizadores de pesadelos"!

segunda-feira, 19 de novembro de 2018

Guiné 61/74 - P19208: A Galeria dos Meus Heróis (15): O "Bate-chapas" que queria ser fotocine... (Luís Graça)


Guiné-Bissau > Região de Bafatá > Bafatá  > 2010  > O antigo cinema da vila e depois cidade de Bafatá, agora em ruinas... O regresso do Fernando Gouveia, 40 anos depois...

Foto (e legenda): © Fernando Gouveia (2014).Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



Luís Graça, Contuboel,  
CCAÇ 2590 / CCAÇ 12, 
julho de 1969, 
Luís Graça >  A galeria dos meus heróis (15) >  O "Bate-chapas" que queria ser fotocine...



Excertos do "Diário de um bate-chapas" (*)

2/3/2018

Dia de inverno. Não admira, estás em março. E a primavera é só daqui a três semanas. E parece que vai continuar assim na próxima semana. Partidas da meteorologia. Ou nem por isso. Se há algo que é previsível é o tempo. Por isso há as previsões meteorológicas e os meteorologistas. Ciência matemática, dizem os gajos. 

 Dantes pensavas que era o São Pedro quem mandava nos céus e arredores. Metiam-te medo com o dilúvio e a arca de Noé. Santa ignorância, quando se é puto. Quem te metei na cabeça essas patranhas ? Agora parece que destronaram o Santo e já não há ninguém de respeito que mande nesta merda. Anda tudo desregulado: o tempo, o clima, a economia, os quatros humores, a saúde… As estações andam trocadas. 

Quando eras puto, havia quatro estações, e o Natal era no inverno, e fazia frio, e caía neve. Na Guiné, no teu tempo, havia duas estações, dividindo o ano ao meio: a das chuvas (de maio a outubro), e a do tempo seco (de novembro a abril). E quando as primeiras chuvas caíam era uma explosão de vida e de alegria. 

 Até tu, ó "Bate-chapas", pé de chumbo, vinhas para a "rua", no meio da tabanca, dançar com os "djubis", as bajudas e as mulheres grandes. Grande tonto!... Mas nunca te lembraste de tirar umas chapas desses momentos que, afinal, eram os mais felizes da vida na Guiné, os primeiros dias de chuva!...

Estás a dar cabo da tua casa, do teu chão, do teu teto, da tua terra. A fauna e a flora, as criaturas de Deus, sofrem sem terem culpa, à exceção do bicho homem. Pintem-no de todas as cores, para que ele apareça ainda mais feio, fero e mau, o "diabo branco" que metia medo aos "djubis" na festa do fanado… A malta pre
cisa, em todas as culturas, da figura de um diabo que simbolize o mal absoluto. 

Em dias assim, o que te resta é meter-te num centro comercial, o mais perto de casa, com estacionamento à borla, luzes, lojas, ar condicionado, e gente tão solitária como tu… Perdidos, automatizados, alienados. 

Enfias-te num cinema. A oferta é muita mas a maior parte é lixo. Puxas dos cartões, à cata de descontos. Sempre dão para as pipocas. Não sejas intelectualmente arrogante. Se o lixo está em cartaz, é porque há clientes, há público para consumir o lixo. Ainda por cima pagam para comer lixo. És um  consumidor de lixo, seja cinema, sejam salmões da Noruega ou douradas da Grécia ou caju da Guiné ou nozes da Califórnia ou as mensagens dos Trumps no Twitter. Ou o futebol ou as pregações evangélicas ou os "sites" pornográficos. Ou os "best-sellers" de Natal.

Há uns gajos de fato completo e gravata que gozam à brava com isto tudo, e vão aumentando as suas contas bancárias e fortalecendo as suas redes de poder e de influência. As lojas e as redes sociais estão cheias de lixo, barato, a preço de saldo, que tu compras.  E "a malta não olha a preços, quer é descontos"… e viver, freneticamente, o cagagésimo de segundo do presente... "O último a morrer que feche a tampa do caixão!"...

Lembras-te, ó "Bate-chapas"?!... Foi a frase publicitária de maior sucesso que tu criaste lá no quartel, em Bafatá, antes de a companhia ir para a região do Gabu: "A malta não olha a preços, quer é descontos"… Tão atual, hoje em dia, cinquenta anos depois!... Eh, pá, tu devias ter ido para o marketing criativo!...


Houve "chapas" ao preço da chuva, no primeiro Natal que lá passaste. Não perdeste dinheiro, mas também não ganhaste. Foi uma operação de "marketing", para lançar a marca do "Bate-chapas". E o sucesso foi de tal ordem que vendeste logo uma centena de fotos da malta vestida de pai Natal tropical, bajudas de "mama firme", e até a cabeça cortada de um desgraçado de um turra, uma foto que um fotógrafo de Bambadinca, teu conhecido, te passou às escondidas em Bafatá, bem como fotos dos comandos africanos empunhando as Kalashes da vitória.

Recordas-te ? Chegaram a vender-se Kalashes, plural de Kalash, em Bambadinca e Bafatá, por 500 pesos cada uma. Vinham, novinhas em folha, diretamente de Conacri, depois do regresso dos comandos africanos. Como é que se chamava essa operação, lembras-te ?... Ah!, sim, Operação Mar Verde, ordem para invadir um país independente, ordem para matar. Só não convidaram cá o "Bate-Chapas" para fazer a cobertura fotográfica. 

Não, nunca tiveste vontade de ter uma Kalash... Ainda apanhavas uma porrada... Como é que a fazias chegar à metrópole ? Desmontada, em peças, escondidas num caixote feito de madeiras exóticas, fintando os gajos das Alfândegas ?... Preferias investir em máquinas fotográficas, tinhas três, compradas em Bissau, lá na loja dos libaneses. o tal Taufik Saad, não sei quantos... Havias gajos que arriscavam, os oficiais e sargentos do quadro permanente, faziam chegar muito contrabando através desse truque dos caixotes feitos com tábuas de madeira preciosa, que valia ouro na metrópole, nessa época.


"Bate-chapas"!!!... A princípio, não achaste piada nenhuma à alcunha... Isso era alcunha dos gajos da ferrujem.  Era desvalorizar o teu talento e a tua arte de fotógrafo. Mas toda gente tinha uma alcunha. E tu acabaste por assumir a tua. Até a mulher do capitão, era a "Capitoa". E o "Pastilhas" que era o enfermeiro. E o teu alferes que era o "Ranger", e o Casanova da companhia que era o "Picha d'Aço". E o cozinheiro que era o "Merda Seca"..
.

As lojas aqui, no centro comercial,  também tresandam a merda seca, "made in" China, Indonesia, Bangladesh. Dantes, tinhas "scotch whisky", marca branca,  que vinha diretamente da Escócia em barris para a malta da tropa. O mais baratinho. E depois engarrafado no Beato com água do Tejo. Chamavam-lhe uísque de Sacavém. Para os bravos que se batiam para sobreviver à tona de água do Geba. "Beber a água do Geba"... Lembras-te da expressão ?!... Bebeste muitas vezes a água do Geba, mas nunca tiveste saudades da Guiné nem muito menos vontade de lá voltar. Mas quem recorda, não desdenha, é isso ?! 

E nos saldos saldam a roupa de inverno e os sapatos de inverno, porque já vem aí a primavera e logo a seguir o verão do nosso contentamento. "Ainda vamos ser felizes, meu amor, com casa à beira da praia no reino de Portugal e dos Algarves",  diz a chavala para o gajo, ali ao teu lado, comendo pipocas. Não percebes esta mania, horrorosa, de as miúdas de agora se tatuarem de alto a baixo. Parecem umas osgas, todas pintalgadas! 

Compra-se a crédito, barato, a casa de praia. E a mobília. E os electrodomésticos. E o amor. E a moda é quem mais ordena. Consumir é bom para a economia, que acelera e às vezes desacelera, para desespero do ministro das Finanças… Mas nem tudo o que é bom para a economia é bom para o balanta, o felupe, o fula ou o mandinga ou o morador do Bairro da Bela Vista em Setúbal. 


10/3/2018

Foste à praia do Guincho, gostas de lá ir no inverno. O mar está sujo, escuro e bravo como um touro. Espuma de raiva. Às vezes apetecia-te ter a raiva do mar. "Vamos ter forte temporal esta noite", dizem os metereologistas da Antena Um, os novos profetas da desgraça. Aviso amarelo a passar para o vermelho daqui a umas horas. Tempestade Félix. Não percebes nada de meteorologia, meu estúpido. O que é o anticiclone dos Açores ? E o que é uma tempestade ? E um furacão ? Há uma escala para medir estas fúrias dos elementos da natureza. Devias saber mais sobre estas merdas de que agora tanto se fala, as alterações climáticas, a subida da água dos oceanos, os fogos florestais... 

Há gajos que são pagos para saber. Tivestes 22 meses na Guiné,na puta da guerra, a defender a Pátria, nunca te explicaram quem era a Pátria, essa entidade nebulosa, hermafrodita, simultaneamento macho e fêmea. Nem nunca te disseram quem eram os pais da Pátria... Nunca te explicaram isso, nem na recruta nem na guerra. O teu capitão, do quadro permanente, que até era fixe, afável, católico, não tinha jeito nenhum para as tiradas patrióticas. Nunca o ouviste falar da Pátria. Mas os camaradas que morreram, esses, "morreram em nome da Pátria"... Viste cópia do telegrama, chapa um, que se mandava para a família.


15/3/2018

Fazes horas… Meu estúpido, que raio de expressão?!... Se tu soubesses em que ano, mês, semana, dia ou hora a morte te vinha bater à porta, já tinhas dado um salto mortal no sofá, no "hall" do cinema, e programado os últimos dias ou meses que te sobravam para viver… Ninguém entra em pânico com esta hipótese felizmente teórica, a não ser quando ouve o verídico final do médico, do juiz ou do carrasco. Os médicos agora já não estão com paninhos quentes, olham-te, olhos nos olhos, e fuzilam-te: "Ou tens juízo ou não te dou mais do que seis meses de vida"… 

A sacana da tua médica de família mandou-te ir ter com os gajos do ACP para te passarem o atestado médico a enviar ao IMT – Instituto da Mobilidade e Transportes. Está de greve, a gaja! Ah!, querias revalidar a carta de condução ?!...Ela diz que não pode atestar a tua validade (e, muito menos, virilidade, acuidade auditiva, sanidade mental e por aí fora)… 

"Estamos todos a prazo, doutora… Quem me diz que não apanho uma macacoa ou não sou atropelado à porta do centro de saúde ?!... Ainda há dias, um velhote com 90 anos, sem carta (há mais de cinco anos!), me iam passando a ferro na passadeira… Velhote de 90 anos, um ova, general, medalhado!... O homem parou a 10 cm de mim!... E ainda tive que lhe bater a pala!"... 

E tu que já tens 70 ?!.. 20 anos de distância ainda é muito ano… Não é nada, idiota, é já daqui a 20 anos!... E a guerra já acabou há 50!...

Fazes horas!... em vez de estares a viver intensamente o resto dos dias que te faltam para cumprir calendário… Agora vives para cumprir calendário, para não dar cabo da estatística da esperança média de vida… Por patriotismo, para que o teu país não fique mal nas fotografias, como ficava nos anos em que lá andaste, na Guiné, com a puta da canhota!...E, nas horas vagas, a tirar o retrato à malta... Toda a gente queria tirar o retrato para mandar para casa, no aerograma do dia seguinte, como "prova de vida"... "Estou bem, meus amores,  até ao meu regresso!... Rezem por mim"...

Até tu, lembras-te ?!, ias fazendo um tracinho na parede, em cada semana que passava… 4 eram um mês, 48 um ano, mais coisa menos coisa… Que um gajo queria era cavar daquele campo de concentração!... E a Pátria deles, que se fodesse!...


Quando um gajo trabalhava, tinha horas para tudo, estava tudo planeado, regulamentado, havia normas e leis, usavas agenda e gravata, saías de casa de manhã, entravas á noite, metias-te no comboio de Sintra a caminho de Lisboa, com regresso a Rio de Mouro, a tua gaiola dourada com vista sobre o Palácio da Pena, a serra de Sintra, o pavoroso cimento à volta!... Um mouro de trabalho, uma besta de carga, foi o que tu foste!... Para quê ?, para quem ?...

Agora não já precisas da puta da agenda, nem de apontar o nome e o número de telefone dos clientes e fornecedores,  a não ser para marcar a consulta do dentista e registares o dia e a hora da última vez em que deste uma queca! Fazes as palavras cruzadas e a sopa de letras que é para prevenir o Alzheimer, a recomendação da tua vizinha, ainda boazona, que vive sozinha com o cão, e que trabalha lá na clínica manhosa do teu bairro…

Agora és um cinéfilo compulsivo, vais ao cinema todas as semanas... Foste ver o filme "Três cartazes à beira da estrada"… Passa-se num cidadezinha ronceira do Missouri e há uma mãe justiceira que quer vingar a violação e a morte da filha, um lugarzinho do mundo onde nunca foste, nem onde nunca irás, porque é sítio que não interessa nem ao menino Jesus, tal como o Rio de Mouro, ou a puta da aldeia, Mazouco,  lá em Freixo de Espada à Cinta onde nasceu a tua avó e a tua bisavó, gente que nunca chegaste a conhecer. E aonde nunca foste, a terra das velhotas… Morreu de parto, a tua mãe, do teu mano mais novo,  contava-te a chorar o sacana do teu velhote, que voltou logo  a casar, sem fazer o luto... 


Cresceste sem mãe a partir dos 10 anos. A outra foi sempre madrasta… Mãe é mãe e só há uma... Também lá está a fazer tijolo, a tua madrasta, ela e o teu velhote, morreram, há quinze anos,  os dois num acidente de carro, na autoestrada a caminho do Norte… Um estúpido acidente com a gaja a conduzir com a mão direita, com o telemóvel na mão esquerda… Infelizmente, o teu velhote morreu sem teres resolvido o contencioso que tinhas com ele… Nunca gostaste da gaja dele, que afinal o acabou por matar... Há anos que não falavas com ele e com ela...E estás com essa atravessada na tua consciência, acusa-te o teu irmão mais novo. Sentes culpa por o teu velhote ter morrido, nas circunstâncias trágicas em que morreu, sem nunca teres tido uma conversa séria com ele, nem que fosse de despedida, de filho para pai, de pai para filho...

E lá no Missouri, no sul, na América profunda onde nada acontece, o raio do realizador fez um filme que é um misto de tragédia, comédia, "western" e "thriller" policial. Eh!, pá, andas a pensar fino e a falar grosso, ainda acabas em crítico de cinema… E já tens "nick name", o "Bate-Chapas", registado na Sociedade Portuguesa de Autores, para quando acabares de escrever e publicar o teu livro, "Memórias de um Bate-Chapas que queria ser fotocine na Guiné"… 


Achas que é um bom título, camarada ? Não é, não, senhor,  vão-te confundir com os gajos da ferrugem… "Bate-chapas", essa, sim, era uma especialidade dos gajos da ferrugem... Havia uma 1º cabo bate-chapas, na CCS do batalhão, em Nova Lamego,  mas a malta chamava-lhe o "Trancoso", se bem estás recordado.

Alguém sabe lá o que é um fotocine… Estes gajos de agora não foram à tropa, esta geração do pós-25 de Abril… "Bate-chapas"… que raio de alcunha que te puseram!.. Tu nunca foste mecânico, eras operacional, 1º cabo atirador de infantaria… E até comandaste uma secção no último ano… O furriel, lembras-te ?,  fora destacado para Bambadinca, para os reordenamentos, era preciso fazer casas para a balantagem que vivia na zona ribeirinha do Geba, e que fornecia o Zé Turra e a Maria Turra com aqueles coisas elementares que o Zé Tuga vendia, lá na tasca dele, tabaco, petróleo, velas, cola, arroz, aguardente de cana, redes mosquiteiras… Gostavas de passar por lá, quando ias ao Xime, em colunas logísticas, buscar os abastecimentos para a companhia... O Zé Tuga estava sempre a sacudir a água do capote, quando a malta insinuava, na reinação, que o gajo era turra: “Eu só quero que a minha vidinha corra, não quero que ninguém morra”… O gajo estava feito com a balantagem,… E era tão branco como tu…

Chamavam-te "Bate-chapas", os "djubis" e as bajudas, por que andavas sempre a tirar fotografias, no quartel, na tabanca, nas colunas, era o teu biscate, para arredondar o pré ao fim do mês, e fazer um pé de meia para as férias… Eras um fotógrafo compulsivo. Revelavas e expunhas as provas, numeradas,  num placard que servia de mostruário.

A Arminda e a garota, que tu mal conhecias (, tinha escassos meses, a tua filha, quando partiste para a Guiné), ansiavam por ti, ainda faltavam dois ou três meses para vires de férias… Quem eram os cabos que vinham de de licença de férias à metrópole ? Só tu, que tinhas dois ordenados, e o cabo cripto, que era um gajo evoluído, com estudos como tu, e o "escritas" que também comia da gamela com o "nosso primeiro"… E, claro, os graduados, os furriéis, os sargentos, os alferes, e o capitão no 1º ano (, no segundo ano levou a esposa, a "Capitoa", que vivia em Bafatá..., o que era um pretexto para ele lá ir dormir aos fins de semana, quando a guerra abrandava...).

Podias ter sido fotocine, se tivesses tido uma boa cunha, se tivesses tido sorte na puta da vida, era uma rica especialidade, não saías de Bissau, quando muito terias que fazer uma ou outra sessão de projeção de cinema no mato… Ias de avião até Bafatá ou Nova Lamego, depois apanhavas uma coluna… Na outra semana, descansavas e ias beber umas boas bejecas no Pelicano ou na 5ª Rep.

Lembras-te quando a malta esteve dois ou três em Bafatá, a caminho do Gabu... Ía-se à noite ao Bataclã e um dia, no dia dos teus anos,  até convidaste  as gajas todas que fodiam com a tropa, para ir ao cinema, ver uma cagada de um filme cómico italiano do tempo da Maria Cachuca ?!… Foste tu pagaste os bilhetes, foi bodo geral aos pobres... Os "djubis", as bajudas e as mulheres grandes, riam-se que nem uns perdidos, mesmo não percebendo nada que os gajos e as gajas do filme diziam, em italiano, e muito menos as legendas… E o sacana do Lopes, trocista e racista, a mandar as suas bocas: "Ó Barrote Queimado, quem não sabe ler, vê os bonecos"…

O cinema de Bafatá, a grande obra de civilização que lá deixaste no leste.ó tuga… Mais a piscina, e a mesquita, e a catedral… Nunca mais viste um filme quando a guerra começou a sério, e os índios e os cobóis deixaram de ter tempo para limpar as armas…


16/3/2018

Rica vida de reformado, dirás tu, a gozar contigo próprio. Dias de inverno, a escassas dias da primavera que há-de vir (ou não). Foi um mês em que choveu sem parar. E vai continuar a chover , pelo menos até ao dia 22, segundo viste na Net. Afinal, do que seria de ti sem o raio da Net e os teus amigos virtuais do Facebook, tu que não tens um amigo do peito que te dê um ombro onde possas chorar. Que um homem não chora, muito menos os camaradas da Guiné.

Voltas a enfiar-te no porto de abrigo do teu centro comercial. O que dá para ver a meio da tarde, ó cinéfilo ? O filme "Post", de SpielBerg, com o Tom Hanks e a Merry Streep. É sobre quê ?, perguntas. O papel do jornalismo nas democracias modernas. O braço de ferro do "Whashington Post" e do poder político-militar na América que queria cortar o bico aos jornalistas.

Não é nada de empolgante, mas é importante pelo episódio (histórico) que recria: publicação, pelo "New York Times" e pelo "Washington Post", dois jornais de referência, dos papéis do Pentágono, um documento ultrassecreto feito por académicos sobre o envolvimento americano no Vietname, desde o presidente Eisenhower. Os governos americanos foram-se atolando no Vietname e as perspetivas eram claramente as de uma crescente escalada e quiçá desastre a nível militar.

O estudo encomendado pelo Robert McNamara estava guardado a sete chaves até que uma cópia foi parar aos jornais… Mas há lá chaves e cofres que guardem um segredo ?!... Só a malta na Guiné é que foi apanhada de surpresa pelo Strela!... E depois pela declaração unilateral da indepência em 24 de setembro de 1973. Mas o que é que os "pides" andavam a fazer nessa época ? E os craques da Força Aérea… não sabiam que já havia uma arma dessas, o Strela, a ser utilizada no Vietname ?!


Não te quiseram para fotocine, os cabrões da tropa, tu que já eras fotógrafo, amador, na vida civil!... Amador, não, profissional, com cartão passado pelo sindicato corporativo!... Fazias casamentos e batizados, tinhas um patrão, já velhote,  que não podia a ir a festas, que se enfrascava todo, cortava a cabeça aos noivos  e dava cabo dos rolos… Valia-lhe o genro, que acabou por tomar da casa... Mas, olha, safaste-te, a biscatagem deu-te para montar o teu negócio próprio, quando regressaste de vez, são e salvo, graças a Deus, benzia-se o teu velhote, amarrado a uma gaja vinte anos mais nova do que ele, e que o chupava até ao tutano… Pobre do velho que podia ter tido mais sorte na vida!...

Mais tarde, com as tuas economias todas, abriste uma papelaria e livraria com secção de fotografia, lá no teu bairro, em Rio de Mouro. Tal como na tropa, em matéria de fotografia, fazias tudo menos a revelação de diapositivos. (Uma merda, veio depois a fotografia digital, a revelação automática, o "self-service" os centros comerciais, o negócio foi por água a baixo!... Os livros vendiam-se pouco, a não ser o material escolar... Vendeste a baiuca… Que tristeza, recusas-te a passar por lá… Agora  deve ser uma loja de um chinês ou um templo evangélico. Valeu-te ao menos o dinheiro do trespasse, compraste títulos da dívida pública, que sempre te dão algum rendimento, no banco não vale a pena teres dinheiro, ainda tens que pagar por cima.)

−Ó bate-chapas, tira-me aqui um chapa, e faz-me um postal com dois corações que é para mandar para a miúda que vai fazer 21 anos e já pode casar quando eu voltar!...

− Ó bate-chapas, arranja-me umas fotos das putas do Bataclã que é para eu mandar para o meu irmão mais novo que vai às sortes, e que nunca viu uma gaja nua…

E alcunha ficou mesmo, para o resto da vida… Não levas a mal. Já faz parte da tua identidade... Afinal, foste um "Bate-chapas" toda a vida... Ainda hoje te fazem uma festa quando vais aos convívios anuais da companhia:

− Ó bate-chapas, bate-me aqui uma!...

Eras um gajo popularucho na companhia. Tinhas milhares e milhares de provas e negativos, no teu estaminé, improvisado, por detrás da caserna grande, onde ficava a malta do 1º e 2º pelotões… Ficou tudo reduzido a cinzas quando houve aquela pavoroso incêndio, que até parecia um ataque dos gajos do PAIGC ao arame farpado… Ninguém soube como aconteceu!... Foram muitos os palpites, mas tudo indica que tenha sido um raio numa daquelas frequentes trovoadas tropicais… Houve quem dissesse que foi sabotagem, gajos civis que trabalhavam no quartel e que eram turras, e que terão deitado o fogo, quando a malta do 1º e do 2º pelotões estavam no mato... 

Estavas já perto do final da comissão, felizmente tinhas depositado um mês antes a guita, o teu pé de meia, no BNU em Bissau… Ficaste de tanga, sem máquinas, sem rolos, sem laboratório, sem arquivo… Até a lista dos calotes ardeu!... Muitos camaradas perderam tudo, armas, roupa civil, o pouco patacão que tinham… Não havia bombeiros no mato!... E muito menos água e a mangueiras e bocas de incêndio!... Aquilo era no cu de Judas, no Freixo de Espada à Cinta lá no chão dos fulas!....

E hoje aqui estás, viúvo, reformado, fechado numa sala de cinema de um centro comercial, comendo pipocas para aliviar a angústia do fim de tarde… Antes de ires para casa, e aqueceres a sopa requentada que a tua empregada cabo-verdiana faz para toda a semana… De tempos a tempos, meia dúzia de vezes se tanto por ano,  falas pelo Skype com a tua filha que está na Austrália, casada com um grego... E mal conheces os teus netos que não falam português. Porra, tens uma filha com 50 anos!... Foste pai aos 20, irresponsável.


E lá vais escrevinhando o teu diário, falando em voz alta com o teu "alter ego", o mesmo é dizer, falando para as paredes do teu T2 em Rio de Mouro, agora grande demais para um homem só.

Podias ter sido um grande fotocine, um grande fotógrafo, um grande cineasta, quem sabe ?!...
Foste apenas uma "Bate-chapas"… Consola-te: levaste um pouco do calor da amizade e da camaradagem da Guiné a muitos lares portugueses, mães e pais, esposas, namoradas, madrinhas de guerra…, arrancaste muitos sorrisos a "djubis", bajudas de fama firme e mulheres grandes de teta caída… E até a homens grandes, régulos, milícias, guerreiros que habitualmente nunca sorriam... Foste à guerra, deste e levaste… Tiveste mulheres que gostaram de ti. 

E hoje ? Só tens amigas do Facebook, tristes e empedernidos corações solitários… E olhas-te para o espelho e vês um gajo velho, como ó caraças!,… e pegas no teu bilhete de identidade, que é vitalício, e a foto que lá está não condiz com a puta da imagem que vês no espelho da casa de banho … O São Pedro não te vai deixar entar no Paraíso, quando chegar a tua vez… Mal por mal, vais ficando por aqui, esquecido (, e oxalá que ainda por uns bons aninhos!), no Limbo da Terra, depois de teres conhecido o Inferno da Guiné. 

 Não adianta reclamar, ó “Bate-chapas”, ninguém te vai devolver o dinheiro... Nâo há livro de reclamações no Céu, no Paraíso ou no Olimpo dos deuses e dos heróis, como lhe queiras chamar: tu é que compraste o bilhete errado para a sessão de cinema errada… Trocaste o filme… da tua vida, ó "Bate-chapas"! 


Luís Graça (**)
_______

Nota do editor:

(*) Trata-se de uma alcunha, o que era vulgar na tropa e na guerra, sobretudo entre os praças... Palavra que vem do árabe al-kunia, sobrenome... Significado: epíteto, geralmente fundado nalguma particularidade física, moral ou comportamental  do indivíduo ao qual ele se atribui. Neste caso, o indivíduo em questão era um fotógrafo amadora que, nas horas vagas, fazia retratos dos seus camaradas, tendo um pequeno laboratório de fotografia, a preto e branco, onde revelava os negativos. Frequentemente usava a expressão"Vamos bater uma chapa"... Estes excertos fazem parte de um texto manuscrito que ele nos facultou, para apreciação crítica, e que pode vir a dar origem a possível livro de memórias, caso se arranje um editor.

sábado, 2 de dezembro de 2017

Guiné 61/74 - P18036: Outras memórias da minha guerra (José Ferreira da Silva) (29): “Amor à Pátria”

Ponte Edgar Cardoso


1. O nosso camarada José Ferreira da Silva (ex-Fur Mil Op Esp da CART 1689/BART 1913, , Catió, Cabedu, Gandembel e Canquelifá, 1967/69), em mensagem do dia 22 de Novembro de 2017 enviou-nos mais uma memória bem recente para integrar as suas outras memórias da guerra.


Outras memórias da minha guerra

28 - “Amor à Pátria”

Após meses e meses de assédio telefónico para assinar novo contrato por parte de certa empresa de telecomunicações, não resisti às constantes e boas promessas, bem como à obrigação da mudança.
Porém, nova pressão me veio incomodar. Agora, também através de e-mails: “Senhor Fulano, envie-nos os documentos de novo e com nova assinatura, uma vez que a que recebemos, não coincide com a do seu BI“.
Ainda me justifiquei com a penúltima trombose que me alterara a sensibilidade em alguns dedos da mão direita e, por via disso, se nota agora alguma diferença na minha escrita. Todavia, a compreensão desejada não encontrou eco em tanta exigência.
- Vê se resolves isso, porque vamos ficar encravados. – gritava a minha mulher, já farta de ver esquivar-me a este assunto.
- Nem é tarde, nem é cedo, vou agora mesmo.
- Isso, vai e vê se arranjas mais convívios de ex-combatentes, porque parece que é a única coisa que te interessa… e te faz bem.
Saí porta fora, aproveitando o momento e a reclamação sobre o almoço atrasado.

Passar defronte a Crestuma, torna-se obrigatório afrouxar para admirar a sua beleza

Este mês de Novembro já vai a mais de meio e o calor não nos larga. Nunca se viu tal. Até parece coisa do diabo e dos lóbis dos incêndios. Ora eu, o friorento crónico, até ando muito melhor.
Aproveito tudo para me deleitar com o sol e com a paisagem e, num repente, eis-me a deslizar suavemente pela margem direita do Douro, em direcção ao Porto. E, embora a quantidade de curvas na estrada prejudique bastante a atenção à magnífica paisagem que nos envolve, é notório o relaxe que me provoca.

Arnelas é outra lindíssima povoação ribeirinha de V. N. de Gaia

Estes bons momentos, enriquecidos por boa música, apanhada nos intervalos da sintonia radiofónica, foram interrompidos por um telefonema do Joaquim Coelho, o Presidente do MAC – Movimento dos Antigos Combatentes:
- Como vai isso das tuas mazelas? Ainda tens aquele reforço vitamínico que te dei? A segunda trombose está a passar?
Dou-lhe respostas positivas e ele insiste:
- Tem cuidado, não te envolvas demasiado, porque és um afectado com o stresse daquela maldita guerra. Sabes bem o que se passa com a chamada “peste grisalha” e o que nos espera. Estamos a morrer todos os dias.
De seguida, entusiasmado, aproveita para informar:
- Olha que aquele nosso projecto, de apoio aos ex-combatentes mais necessitados, está a andar. Tem havido reuniões e já entregámos novo projecto.
- Ok, Comandante, sabes bem que vos apoio, apesar de já não fazer parte dos Corpos Gerentes. Também sabes que não tenho a tua paciência para aturar essa cambada que nos tem governado. Estamos condenados por esta geração de políticos “democratas”, apátridas e cobardolas, mais especializados na mentira e na corrupção.

Casa do Gramido

Desta vez, a intenção era chegar à Maia e falar com o representante da tal empresa de telecomunicações, mas queria almoçar junto do Rio e, desta forma, aproveitar para prolongar e melhorar uns bons momentos de prazer. Para quem conhece aquela zona próxima da Casa Branca do Gramido, de belos passadiços e bons restaurantes, sente-se tentado a estacionar por aí. Mas, como ia sozinho, optei por procurar mais próximo do Porto um restaurante de aspecto mais modesto e de rápido atendimento.

Eram cerca de 14:00 horas. Já havia várias mesas vazias e desarrumadas, com sinais evidentes de terem sido usadas recentemente. Sentado junto do balcão, espreitava o esplendor do Douro pelos espelhos das prateleiras das garrafas.
- Na horinha, temos frango assado e carne à jardineira – disse o empregado.
Já eu pedira a maçã assada, quando noto a presença de três idosos, de aspecto humilde, junto do balcão. O mais alto (magricela) solicitou meio frango e três pães. O médio não parava de olhar fixamente para o arroz de cabidela disponível sobre a mesa mais próxima. O mais baixo, com os olhos apontados para a cozinha, esticava-se para ser notado:
- Dona Guidinha, não esqueça uns ossinhos para os nossos cãezinhos.
O primeiro saco foi entregue, ao mesmo tempo que se ouvia:
- São 3,90€.
O segundo saco ia ser entregue ao baixinho. Este agarrou bem o boné alusivo à campanha eleitoral do partido do governo, enterrou-o bem na cabeça, esticou-se para receber o “saquinho dos ossos” e esboçou um rasgado “muito obrigado”, ao mesmo tempo que exibia um sorriso com o único dente visível, o que lhe restava. Ao esticar o braço, deixou ver uma tatuagem que dizia: “Amor à Pátria”. Estava gravada sobre o Escudo Nacional e, por baixo estava gravado: “Guiné 1967-69”.

Nota:
Isto aconteceu na semana passada. Qualquer semelhança com a irrealidade é pura ficção.

Silva da Cart 1689
____________

Nota do editor

Último poste da série de 20 de abril de 2017 > Guiné 61/74 - P17263: Outras memórias da minha guerra (José Ferreira da Silva) (28): Gostaria de lhe chamar pai, autoriza?

domingo, 8 de outubro de 2017

Guiné 61/74 - P17835: Manuscrito(s) (Luís Graça) (125): Em homenagem ao Gomes Freira de Andrade, mártir da Pátria




Ó pra cima, ó pra baixo, na colina de Santana


Em honra de Gomes Freire de Andrade
e dos demais mártires da Pátria de todos os tempos (*)




por Luís Graça


Pela colina de Santana acima,
lá vamos nós, ó malta,
atrás da banda, em bando,
sonâmbulos, funâmbulos, a quatro patas,
dando vivas à liberdade!

Sete colinas tem a cidade onde cabem todos,
ou quase todos,
os poucos, afinal, que não naufragaram
nas praias dos sete mares.

Vamos amnésicos, e já protésicos,
velhos gaiteiros, pândegos,
infantes e artilheiros,
com muito mundo e poucas vidas,
mal sabendo que, no alto da colina,
boas são as vistas das novas avenidas,
e melhores os ares.

Este país é como a lesma,
agora, ó pra cima,
é o povo, canhestro, quem mais manda,
mas se é outra a banda e novo o maestro,
a música é sempre a mesma, fandanga.

Quer mude ou não o clima, todos querem ficar por cima!
Valha-nos, ao menos, Deus
que ao rei e ao borracho vai pondo a mão por baixo.

E quem não salta, ó malta,
vai no elevador do Lavra, 
é a ralé das vilas e pátios,
a caminho das manufaturas reais,
e alguns, de baraço ao pescoço,
degredados para Angola, Timor ou Guiné.

Se fores senhor com privilégio, valido ou por valer,
ou até doutor em leis e cânones,
não tens nada que saber, segue fora dos carris,
apanha o cortejo régio, 

colina de Santana abaixo até ao Terreiro do Paço.

Bem formosas e melhor seguras
nas suas reais patas vão as açafatas 

da Rainha Catarina, que foi de Inglaterra,
senhora de etiqueta e de berço,
que sabe pôr os pontos nos ii.
No palácio da Bemposta,  meninas,
as leis podem, ser duras mas são leis,
depois do chá e do chichi, o terço
que todas vós rezareis.

Ladinas e engraçadas, essas açafatas,
à noite escapam-se, encapuçadas,
para a sétima colina.
É a movida, qual má vida ?!
Já que não temos os doces prazeres terrenos de Versalhes,
joguemos, ao menos, o jogo do gato e do rato, 
com o pescoço no fio de aço da guilhotina.

Cortesão não é criado, mas criatura,
nunca mostra má catadura,
vai respeitoso, na procissão do Senhor dos Passos,
cabisbaixo, devidamente ataviado, ordeiro,
e nunca é o primeiro a ladrar como um vulgar cãocidadão.
E muito menos dá a palavra à canalha 

que desce o Lavra, alvoraçada, 
a caminho do Rossio onde o poder pode estar por um fio.

Continuará a ir de liteira o nobre
e de chinela no pé o baixo clero,
e, aos dois enchendo a barriga, o pobre, 

o coitado, o proletário,
regista, veemente e fero, o poeta panfletário.

Com tanto palácio, convento e hospital em redor,
não sei o que nos move, senhor físico-mor
do reino de Portugal, dos Algarves
e de além-mar em África…

Não me atrevo a perguntar ao cardeal,
que é o santo inquisidor-mor,
porque aos grandes deste mundo não calam fundo
as perguntas que não têm fácil resposta.

Num país de alarves,

e de brandos costumes, dizem os estranjeiros de fora, 
não quero dizer asneira,
mas, citando o grande pregador António Vieira,
direi que, primeiro, a caridade, depois a esperança,
que é sempre a última a morrer,
e por fim a fé, ou a fezada,
que é irmã da sorte que protege os audazes.

Mas mais do que as três virtudes teologais
é a força da forca e o terror de morte
que nos fazem correr,
a todos nós, simples mortais…
E, no último minuto, a piedade
que a corda do carrasco de el-rei faz suster.

Somos um povo piedoso, meu irmão,
mas finge que olhas, discreto,
para a ostentação dos ricos,
sem a sombra do pecado da inveja dos pobres.

Em Lisboa, que tem arte barroca e forca em cada esquina,
não sigas pelo cume da airosa colina,
foge da Carlota Joaquina,
enfia-te pela viela escura, mal cheirosa e  porca
sem que ninguém te veja.

Esta é a nossa terra, Pátria amada, camarada,
diz a letra do fado do Velho do Restelo,
quem vai à guerra perde o couro e o cabelo.

E logo mais à frente a tabuleta
com a verdade que dói  

e ao mesmo tempo reconforta:
Gomes Freire, de traidor a herói,
hoje enforcado, amanhã condecorado,
que é doce e honroso morrer pela Pátria!

O rei, ou o regente, esse já ninguém o leva a sério,
não será imperador do Brasil,
acabou de perder a coroa e o império,
no casino do Estoril.
De roleta em roleta, o país vai para o maneta,
cobre-se de ervas e de silêncio de cemitério
o campo dos mártires da Pátria.


A gente aqui no bem bom do sobe e desce
e a economia que não cresce, 

ameaça o FMI no Telejornal.
Mas vamos indo, menos mal, 

vendendo aos turistas Portugal,
só não temos é tempo para nada,
e, quando o tivermos, é para morrer.

E o cruzeiro, amor, que queríamos fazer
aos fiordes da Noruega ?
Deixa lá, querido, há-de vir a retoma e o aumento da reforma,
antes de eu ficar velha, surda, muda e cega…

Pela colina de Santana abaixo
lá vamos nós, sonâmbulos, funâmbulos,
a toque de caixa, pró Aljube,

onde nos tratam da saúde…
Deixem lá, camaradas de armas, veteranos,
que daqui a cinquenta anos
já não estaremos cá,
mas haverá de novo festa na urbe,
e os cravos, as rosas e os jasmins
voltarão a florir nos jardins.

Lisboa, Festival Todos 2016,
Colina de Santana, 10/9/2016.
Versão revista hoje.

______________

terça-feira, 5 de julho de 2016

Guiné 63/74 - P16275: Recortes de imprensa (81): Salgueiro Maia (1944-1992) condecorado, a título póstumo, com a Grã-Cruz da Ordem do Infante D. Henrique (Diário de Notícias, 30 de junho de 2016)


Lisboa > Av Berna > Muro da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade NOVA de Lisboa (FCSH / NOVA)> Destaque para a figura do cap cav Salgueiro Maia (comandante da CCAV 3420, Bula, 1971/73), nosso camarada da Guiné e que eu conheci pessoalmente no ano letivo de 1975/76 no então ISCPS - Instituto Superior de Ciências Políticas e Sociais, na Rua da Junqueira, onde fomos colegas, por um ano, no curso de licenciatura em Ciências Sociais e Políticas, embora sem qualquer relacionamento pessoal.

Na altura,. estupidamente (!), nem sequer me ocorreu falarmos da Guiné onde estivemos na guerra, embora em alturas e sítios  diferentes, e eu, de 1969/71, em Bambadinca, ele de 1971/73, em Bula ... Das vezes que nos cruzámos, recordo-o como um típico militar do QP,  de cavalaria, distante, reservado, e equidistante dos diferentes grupos estudantis de esquerda e extrema-esquerda que então imperavam no ISCSP. Alguns não lhe perdoavam a sua participação no 25 de novembro, e quase ninguém tinha distância "afetiva e efetiva" para antever o seu lugar na história de Portugal, enquanto operacional do 25 de abril (e do 25 de novembro). A crispação político-ideológica era então muito grande... Por outro lado, os portugueses, têm, de há muito, uma "relação bipolar" com os seus heróis... (mas também com os seus deuses, santos, diabos e diabretes; possivelmente, essa relação "bipolar", senão mesmo "esquizofrénica", é universal, está longe de ser exclusiva dos "tugas")...

Este mural resulta de um desafio  lançado pelo Instituto de História Contemporânea (IHC), unidade de investigação da FCSH/NOVA,  a que respondeu Vhils, co-fundador da plataforma Underdogs... o qual convidou mais quatro artistas (Miguel Januário, Frederico Draw, Diogo Machado e Gonçalo Ribeiro) para, em conjunto, pintarem o muro da Faculdade.  É uma visão (artística) do passado, o presente e o futuro do 25 de Abril de 1974.  O objectivo foi “mostrar como esta nova geração de artistas interpreta o 25 de Abril e como esta data influenciou as suas vidas”, afirmou na altura, em 2014,  Vhils, também conhecido por Alexandre Farto (n. Lisboa, 1987), e hoje já mundialmente famoso como artista da chamada "street art"  (Fonte: FCSH/UNL).

Foto (e legenda): © Luís Graça (2011). Todos os direitos reservados. [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



1. Passou despercebido, a muitos, em pleno campeonato europeu de futebol de 2016, o gesto do Presidente da República que no passado dia 30 de junho, atribuiu, a título póstumo, a Grã-Cruz da Ordem do Infante D. Henrique a Salgueiro Maia, "num gesto de 'reconhecimento da pátria portuguesa', dizendo que nunca é tarde para a 'reparação históricap' " (DN - Diário de Notícias, 30 de junho de 2016).

E continua o relato do evento:

"A viúva do capitão de Abril, Natércia Salgueiro Maia, que recebeu das mãos de Marcelo Rebelo de Sousa esta condecoração, disse estar 'reconfortada pela decisão do senhor Presidente' e agradeceu-lhe, emocionada.

"O filho de Salgueiro Maia, Filipe, e a neta, Daniela, também estiveram presentes nesta cerimónia, que decorreu na Sala dos Embaixadores do Palácio de Belém, em Lisboa.

"Numa curta intervenção, de cerca de cinco minutos, o chefe de Estado apontou Salgueiro Maia como 0um exemplo' e defendeu que 'Portugal não é avaro em gratidão', embora isso possa acontecer tardiamente." (...)

"Natércia Salgueiro Maia considerou 'muitíssimo justas' as palavras do Presidente da República e recordou que passou com o marido 'momentos de alguma mágoa e tristeza pela forma como era tratado' (...)  'Algumas vezes ouvi-o desabafar: tratam-me como se eu fosse um traidor à pátria, então, que me julguem. Infelizmente, o meu marido já não está entre nós. Por ele, sinto-me reconfortada pela decisão do senhor Presidente em lhe atribuir esta condecoração. Muito obrigada", acrescentou.

 (...) "O chefe de Estado disse que Salgueiro Maia 'era um símbolo daquilo que é o português, cá dentro e lá fora, na sua humildade, na sua simplicidade, na sua abnegação, na sua dedicação à pátria'. (...) 'A excelência de Salgueiro Maia justifica esta homenagem singular. Por isso, vou ter a honra de entregar à sua família, pensando naqueles que são mais futuro do que nós somos, aquilo que é um reconhecimento da pátria portuguesa', concluiu.

"Natércia Salgueiro Maia quis estender esta homenagem a todos 'os implicados no 25 de Abril', utilizando uma expressão do seu marido. 'É um ato de justiça e de gratidão para com aqueles que, num gesto de grande coragem, deram o seu contributo para que hoje possamos viver em democracia. Salgueiro Maia amava o seu país, um Portugal que queria livre, mais justo e em que todos pudessem ter uma vida digna. Foi com este sonho que ele participou no 25 de Abril de 74', afirmou.

"Depois da entrega das insígnias, Natércia Salgueiro Maia e Marcelo Rebelo de Sousa abraçaram-se. O Presidente cumprimentou também de forma calorosa o filho e a neta do capitão de Abril.

"Em seguida, a família de Salgueiro Maia recebeu os cumprimentos do ministro da Defesa Nacional, do Chefe do Estado-Maior-General das Forças Armadas, do presidente da Câmara Municipal de Santarém e de representantes das associações 25 de Abril, dos Deficientes das Forças Armadas, da Liga dos Combatentes e dos três ramos militares, que assistiram a esta cerimónia." 

(Fonte: Salgueiro Maia condecorado em gesto de "reparação histórica". Diário de Notícias, 30 de junho de 2016) (Com a devida vénia...)

__________________

Nota do editor:

Último poste da sértie > 24 de abril de 2016 > Guiné 63/74 - P16010 Recortes de imprensa (80): João Paulo Diniz (,que vai estar mais logo no Jornal da Meia Noite, da SIC Notícias, para relembrar o seu papel no 25 de abril): "As minhas melhores amizades são do tempo da Guiné, quando fui locutor do PFA - Programa das Forças Armadas, em Bissau, em 1970/72" (Excerto de entrevista, DN -Diário de Notícias, 30/8/2015)

terça-feira, 22 de dezembro de 2015

Guiné 63/74 - P15526: Estórias cabralianas (90): A Pátria é um Natal, e o Natal é uma Pátria (Jorge Cabral)


Guiné > Zona leste > Setor L1 (Bambadinca) > Fá Mandinga > Pel Caç Nat 63 (1969/71) > "Cinco séculos de história te contemplam!", terá proclamado o alfero Cabral, perante o anónimo e estupefacto fotógrafo... A foto chegou clandestinamente à metrópole. E faz parte hoje do precioso álbum fotográfico do Jorge Cabral, advogado, criminalista, professor universitário reformado... Camaradas e amigos, esta foto vale ouro... (LG)

Foto ©: Jorge Cabral  (2013). Todos os direitos reservados. {Edição e legendagem: LG]

1. Mensagem de Jorge Cabral [ex-alf mil art, cmdt Pel Caç Nat 63, Fá Mandinga e Missirá. 1969/71]:


Data: 5 de dezembro de 2015 às 15:27

Assunto: NATAL


Luís Amigo! Vem aí o Natal. E,  como faço sempre, nesta época, envio este pequeno texto.ABRAÇO GRANDE! Jorge Cabral




2. Estórias cabrilianas (90) > NATAL


Foi no dia 25 de Dezembro de 1970.

Talvez porque o Spinola nos havia visitado há pouco,

o Sitafá, o puto que vivia connosco,  interrogou-me:

– Alfero, o que é a Pátria?


Revi o velho Cais das Colunas,

o vendedor de castanhas no Campo Pequeno

e as belas raparigas que quase levitavam no Rossio à hora do cansaço,,,

– Sabes que dia é hoje, Sitafá? É Natal!... A Pátria é um Natal! E o Natal é uma Pátria!

J. Cabral    (**)

_________________

Notas do editor;

(*) Vd. poste de  18 de dezembro de  2011 >  Guiné 63/74 - P9223: Estórias cabralianas (69): Onde mora o Natal, alfero ? (Jorge Cabral)

(...) Também houve Natal em Missirá naquele ano de 1970. Na consoada, os onze brancos e o puto Sitafá, que vivia connosco. Todos iam lembrando outros Natais.
Dizia um:
– Na minha terra…

E acrescentava outro:
– A minha Mãe fazia… (...)

(**) Último poste da série > 3 de setrembro de 2015 > Guiné 63/74 - P15070: Estórias cabralianas (89): Os filhos do sonho (Jorge Cabral)

quinta-feira, 26 de novembro de 2015

Guiné 63/74 - P15414: Fotos à procura de... uma legenda (65): Os que deram, não a vida, mas uma parte do seu corpo (um pé, uma perna, uma mão, um braço, ou os olhos) pela Pátria (José Maria Claro / Francisco Baptista)


Foto nº 1 B > HMP [Hospital Militar Principa],  Lisboa, c. 1969/70 > Cinco camaradas amputados por efeito de minas na guerra do ultramar / guerra colonial



Foto nº 1 A > Foto nº 1 C > HMP [Hospital Militar Principa],  Lisboa, c. 1969/70. O José Maria Claro é o segundo a contar da esquerda.


Foto nº 1 > No HMP [Hospital Militar Principa],  Lisboa > O José Maria Claro é o segundo a partir da esquerda.


 

Foto nº 2 > CCAÇ 2464, Biambe, 1969 > O José Maria Claro, na brincadeira, "com um camarada do rolo de peso", o cilindro manual que se usava na construção e manutenção dos arruamentos dos nossos aquartelamentos...


Foto nº 3 > CCAÇ 2464, Biambe, 1969. O José Maria Claro, cheio de energia, vida e otimismo, no campo de futebol (improvisado) do quartel, antes da maldita mina A/P o ter mandado para Lisboa, para o HMP... É hoje DFA. Recorde-se, por outro lado, que a ADFA - Associação dos Deficientes das Forças Armadas comemora este ano o seu 40º aniversário.


 Fotos (e legendas): © José Maria Claro (2015). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: LG]



1. O nosso grã tabanqueiro José Maria Claro foi soldado radiotelegrafista de engenharia, da CCAÇ 2464 / BCAÇ 2861, esteve em Biambe, setor de Bula, em 1969...

Foi curta a sua estadia no  TO da Guiné. Vitimado por uma mina antipessoal, que lhe causou a perda de um dos membros inferiores.  foi evacuado para a Metrópole, para o Hospital Militar Principa (HMP), em Lisboa. (*) 


.2. Comentário do nosso camarada Francisco Baptista [,ex-alf mil inf, CCAÇ 2616/BCAÇ 2892 (Buba, 1970/71) e CART 2732 (Mansabá, 1971/72)]


Amigo e camarada José Maria Claro,  salta à vista a alegria com que te moves e te divertes, só tu ou com outros camaradas,  antes da maldita mina te ter roubado uma perna.

A tua última fotografia [, no HMP, em Lisboa,] depois de toda a sequência anterior,  é de um homem corajoso que não está disposto a desistir de viver seja qual for a contrariedade. O que nos ensinas é que a vida é um caminho a percorrer sejam quais forem as dificuldades do percurso.

O teu poste fotográfico diz mais do que mil palavras. (**)

Muita saúde e felicidades que bem mereces e muito obrigado pela lição de optimismo que me deste.

Um abraço. Francisco Baptista

__________________

Notas do editor:


(*) 25 de novembro de 2015 > Guiné 63/74 - P15411: Memória dos lugares (323): Biambe em 1969, fotos de José Maria Claro, DFA, ex-Soldado Radiotelegrafista da CCAÇ 2464


(**) Último poste da série > 8 de outubro de 2015 > Guiné 63/74 - P15220: Fotos à procura de... uma legenda (64): visita do gen Arnaldo Schulz e do brig Reimão Nogueira a Porto Gole, em fevereiro de 1967... O insólito: (i) duas caixas de cerveja (Cristal e Sagres) no banco traseiro do helicóptero; (ii) um comandante-chefe, de máquina fotográfica a tiracolo, com ar de turista...