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sexta-feira, 16 de dezembro de 2022

Guiné 61/74 - P23885: Notas de leitura (1532): "Panteras à solta", de Manuel Andrezo (pseudónimo literário do ten gen ref Aurélio Manuel Trindade): o diário de bordo do último comandante da 4ª CCAÇ e primeiro comandante da CCAÇ 6 (Bedanda, 1965/67): aventuras e desventuras do cap Cristo (Luís Graça) - Parte IX: O Prémio Governador da Guiné para o sold Baldé

 

Guiné > Região de Tombali > Bedanda > 4ª CCAÇ  > c. 1965/67 > O alf mil Oliveira com miúdos da tabanca. É um soldado do seu pelotão, o sold Baldé, quem ganha num dado mês de 1966 (presume-se) o Prémio Governador da Guiné, por atos de bravura em combate. O prémio consistia num mês de férias em Lisboa, com viagens pagas. A companhia, além de um  mês de pré adiantado, gratificou-o com "10 mil pesos" (ou escudos da Guiné, o que, a preços atuais, corresponderia,em 1966, a 3360 euros, considerando que no câmbio o "peso" sofria uma quebra de 10%)... Nessa época, dez contos dava para se passar umas boas férias em Lisboa e arredores... 

Foto (e legenda):  Manuel Andrezo . "Panteras à Solta", edição de autor, s/l, 2010, pág. 399 (Com a devida vénia...).

1. C
ontinuação da leitura do livro "Panteras à solta: No sul da Guiné uma companhia de tropas nativas defende a soberania de Portugal", de Manuel Andrezo, edição de autor, s/l, s/d [c. 2010], 399 pp. il, disponível em formato pdf, na Bibilioteca Digital do Exército). 

Ficha bibliográfica da edição de autor de 2010:

Título: Panteras à Solta
Publicação: Lisboa : Edição de autor, 2010
Desc. Físicia: 399 p. : il. ; 26 cm
Contém: No sul da Guiné uma companhia de tropas nativas defende a soberania de Portugal
Notas
: Manuel Andrezo é pseudónimo do Tenente-General Aurélio Manuel Trindade

O ten gen ref Aurélio Manuel Trindade foi cap inf, 4ª CCAÇ / CCAÇ 6, Bedanda, jul 1965/jul 67. Irá completar 90 anos em 2023. Vive em Lisboa. Um exemplar do seu livro, impresso na Alemanha (c. 2020), foi-me gentilmente facultado, no verão passado, a título de empréstimo, pelo cor inf ref Mário Arada Pinheiro, com dedicatória autografada do Aurélio Trindade, seu amigo, datada de 13/12/2020. 

Já fiz uma meia dúzia de notas de leitura (*) deste livro que, infelizmente, está fora do mercado, por se tratar de edição de autor. Como já tivemos ocasião de o dizer, o livro pode ser considerado como um "diário de bordo" (com um sequência cronológica, embora não datada)  do autor (ou do seu "alter ego", o cap Cristo). 

O cap inf  Trindade foi  o último comandante da 4ª CCAÇ e o primeiro da CCAÇ 6 (a 4ª Companhia de Caçadores passou, a partir de 1 de abril de 1967, a designar-se por CCAÇ 6, "Onças Negras").

Muitos "bedandenses" (e temos cerca de um vintena de camaradas, membros da Tabanca Grande, que estiveram em ou passaram por Bedanda, entre 1961 e 1974, mormente na 4ª CCAÇ e na CCAÇ 6),  têm mostrado interesse por esta obra, que temos estado a divulgar.   

Temos vindo, ao mesmo tempo,  a selecionar uma ou outra história ou episódio dos cerca de 70 capítulos, não numerados, que o livro apresenta, uns sobre a atividade operacional da 4ª CCAÇ / CCAÇ 6, outros sobre o quotidano da tropa e da população (incluindo a população do mato). (**)

2. Acontece que o nosso amigo (e camarada de armas), cor inf ref Mário Arada Pinheiro (ambos somos sócios do VIGIA - Grupo de Amigos da Praia da Areia Branca, e ele é casado com uma senhora lourinhanese) tem estado internado no Hospital ds Forças Armadas, e é provável que passe lá esta quadra natalícia. Falámos há dias ao telefone. E achei-o com ânimo, apesar das circunstâncias.

Ele tem um especial carinho pela Guiné (onde fez uma comissão de serviço, no tempo do gen Spínola, e outras duas em Moçambique). Disse-me que foi substituir o major inf  Carlos Fabião, tendo ficado por sua conta um número impressionante de militares (e mílícias) do recrutamento locla: qualquer coisa como 13 mil!... (Era também na altura major.)

Já aceitou o convite para integrar a nossa Tabanca Grande e, finalmemnte, ia-nos mandar as fotos da praxe e o resumo do seu CV militar quando teve o problema de saúde que o levou a ser internado no Hospital. 

Também em sua honra escolhi esta história do soldado Baldé que ganhou o prémio Governador da Guiné, ao tempo do gen Arnaldo Schulz... Tudo indica que a cena, que abaixo se transcreve, se tenha passado em 1996.
 
Uma das preocupações iniciais do cap inf Cristo, quando chega a Bedanda, em rendição individual, em julho de 1965, para comandar a heterogénea 4ª CCAÇ, é o reforço da coesão,  do espírito de corpo, da disciplina e da lealdade dos seus homens.  A notícia de que o sold Baldé (não sabemos se o nome é fictício) ganhara o Prémio Governador da Guiné é recebida com regozijo por todos, tratando-se para mais de um soldado do recrutamento local. 

É pena não sabermo resto da história (as eventuais peripécias do nosso Baldé em Lisboa), mas a cena da avioneta do correio que o levou até Bissau  por certo que é divertida, e apropriada a esta quadra  natalícia.  Reproduzimo-la, com a devida vénia ao autor. (No livro não há, infelizmente,  nenhum episódio passado na época do Natal, até porque a companhia tinha poucos metropolotanos; mas com um pouco de benevolência do leitor, talvez possamos ver neste Prémio do Governador da Guiné uma espécie de prenda do Pai Natal dos Trópicos...). 

Ao meu amigo e nosso camarada Arada Pinheiro só posso desejar rápidas melhoras. Quero dar-lhe um valente "quebra-costelas" logo que o veja, talvez agora só no inícío de 2023, já devidamente restabelecido e em boa forma. LG


UM PRÉMIO PARA O SOLDADO BALDÉ 

(pp. 258-259)

por Manuel Andrezo


Para os militares que mais se distinguiam em combate havia na Guiné um prémio especial. Era o prémio Governador da Guiné, independente de outros louvores ou condecorações, e constava de uma viagem a Lisboa paga pelo Governador. Poucos militares tinham acesso a esse prémio porque ele era em numero muito reduzido, e sendo muitos os que se distinguiam em combate a selecção era rigorosa.

Um dia chegou uma mensagem dizendo que o prémio tinha sido atribuído ao soldado Baldé, um militar nativo da secção da Casa Gouveia. Todos ficaram contentes por o prémio do mês ter vindo para alguém da companhia e ainda mais para um soldado nativo que não conhecia Lisboa. O capitão mandou chamar o soldado Baldé e o seu comandante de pelotão.

─ Baldé, estás de parabéns, ganhaste um prémio. O Senhor Governador atribuiu-te o prémio Governador da Guiné. Embarcas em Bissau para Lisboa na próxima quinta-feira. É uma honra para ti e para todos nós este prémio. São poucos os soldados que o recebem, e tu até vais a Lisboa. Espero que te divirtas por lá e que quando voltares venhas tão bom soldado como tens sido. Amanhã chega o avião do correio e tu embarcas nele. Tens aqui dez mil pesos da Companhia que em Bissau trocas por escudos de Lisboa para te divertires por lá. Além disso, levas um mês de vencimento adiantado. O nosso alferes vai ajudar-te a tratar e a arranjares as coisas que deves levar.

Podes ir embora. Bom dia.

─ Bom dia, nosso capitão.

Oliveira, vê a roupa que ele leva. O verão lá é sempre mais frio que aqui e eu não quero que o Baldé ande a mendigar roupa. Se for preciso comprar alguma coisa compras no Zé Saldanha que a Companhia paga. Explicas no teu pelotão o que se passa, de forma a criar neles o desejo de também ganhar o prémio Governador da Guiné. Dizes aos outros comandantes de pelotão para fazerem a mesma coisa. Vai lá tratar disso. Até logo.

─ Até logo, meu capitão.

No dia seguinte, com a companhia na pista, o soldado embarcou para Bissau onde ficaria uns dias antes de seguir para Lisboa. O avião do correio vinha de Bissau para Catió, onde deixava o correio e o recebia com destino às várias companhias, levantando depois voo para fazer o circuito tradicional ─ Catió, Cufar, Empada, Cabedú, Bedanda, Catió. Nas diversas companhias entregava e recebia o correio.

Recebia também os doentes ou outros passageiros urgentes até ao limite da sua capacidade. Em Bedanda recebeu o soldado Baldé. Ao chegar a Catió o piloto verificou que havia dois passageiros para embarcar com destino a Bissau e apenas um lugar. Ao saber disto informou o oficial de reabastecimentos e pessoal que só podia embarcar um dos passageiros, pois um dos lugares, inicialmente disponível, fora ocupado por um soldado de Bedanda. A decisão do oficial não se fez esperar e transmitiu-a ao soldado Baldé.

─ Tu aí, desce do avião para entrar o nosso furriel. Vais depois no próximo avião.

─ Eu não desço ─ disse o soldado. ─ Capitão de Bedanda que é capitão do mato disse-me que eu ia neste avião para Bissau para ir para Lisboa como prémio do nosso Governador. Tu és capitão da CCS. Capitão da CCS não dá ordens a soldado de Bedanda diferente da do capitão do mato. Capitão do mato manda mais do que capitão da CCS. Eu vou para Bissau neste avião como disse capitão de Bedanda.

─ Tens que descer. Quem manda no avião sou eu e não o nosso capitão de Bedanda, de quem sou muito amigo. Nosso capitão Cristo não me avisou da tua vinda e eu tenho que mandar o furriel que vai de licença.

─ Não, nosso capitão. Eu não posso descer. Se nosso capitão da CCS é amigo do nosso capitão do mato não dá ordens diferentes dele. Nosso capitão manda no avião e nosso capitão manda em Bedanda, e o avião também é de Bedanda. Eu vou para Bissau porque nosso capitão de Bedanda disse para eu ir, e também tenho de apanhar avião grande para Lisboa. Em mim quem manda é capitão do mato e não capitão CCS.

Dada a situação que foi criada, e porque nada demovia o soldado porque ele não aceitava sequer a ideia de alguém contrariar o seu capitão do mato, o oficial de reabastecimentos e pessoal foi falar com o comandante de batalhão a quem expôs o problema. E falou então o comandante do batalhão.

─ É bom ver um soldado nativo que acredita tanto no seu capitão que não admite que alguém possa contrariar uma ordem sua. O soldado vai para Bissau. Sai do avião o militar a quem não faça diferença embarcar no próximo, ou então só embarca umpassageiro para Catió. Lembra-te de que o soldado que aí vai é um herói. Vai para Lisboa como prémio dos seus feitos em combate. Isto é tão raro que este é o primeiro soldado do batalhão a ganhar tal prémio. Isso devia ser razão suficiente para não ter havido este incidente.

Deste modo, o soldado Baldé conseguiu que uma ordem do seu capitão fosse respeitada no Comando do Batalhão, e ele continuou a considerar o seu capitão como o melhor do mundo. Mundo pequeno, mas era o seu mundo. 

[Seleção / revisão e fixação de texto / subtítulos / negritos, para efeitos de publicação neste blogue: LG]

__________

Notas do editor:

(*) Vd. postes anteriores com as nossas notas de leitura sobre o livro "Panteras à Solta";

9 de setembro de 2022 > Guiné 61/74 - P23603: Notas de leitura (1493): "Panteras à solta", de Manuel Andrezo (pseudónimo literário do ten gen ref Aurélio Manuel Trindade): o diário de bordo do último comandante da 4ª CCAÇ e primeiro comandante da CCAÇ 6 (Bedanda, 1965/67): aventuras e desventuras do cap Cristo (Luís Graça) - Parte VIII: A visita de uma delegação do Movimento Nacional Feminino, em fevereiro de 1966: "O senhor capitão hoje está cheio de sorte, há meses que não via uma mulher branca, hoje vê duas"

5 de setembro de 2022 > Guiné 61/74 - P23590: Notas de leitura (1489): "Panteras à solta", de Manuel Andrezo (pseudónimo literário do ten gen ref Aurélio Manuel Trindade): o diário de bordo do último comandante da 4ª CCAÇ e primeiro comandante da CCAÇ 6 (Bedanda, 1965/67): aventuras e desventuras do cap Cristo (Luís Graça) - Parte VII: A incrível história do soldado 25, cabo-verdiano, aliciado pela amante, uma "mulher do mato" de Cobumba, para cometer um acto de alta traição: tomar o quartel e matar todos os tugas...

1 de setembro de 2022 > Guiné 61/74 - P23577: Notas de leitura (1485): "Panteras à solta", de Manuel Andrezo (pseudónimo literário do ten gen ref Aurélio Manuel Trindade): o diário de bordo do último comandante da 4ª CCAÇ e primeiro comandante da CCAÇ 6 (Bedanda, 1965/67): aventuras e desventuras do cap Cristo (Luís Graça) - Parte VI: "Cercados de guerrilheiros por todos os lados", diz o alf mil Ribeiro, no "briefing" da praxe...

31 de agosto de 2022 > Guiné 61/74 - P23573: Notas de leitura (1484): "Panteras à solta", de Manuel Andrezo (pseudónimo literário do ten gen ref Aurélio Manuel Trindade): o diário de bordo do último comandante da 4ª CCAÇ e primeiro comandante da CCAÇ 6 (Bedanda, 1965/67): aventuras e desventuras do cap Cristo (Luís Graça) - Parte V: Bedanda, em meados de 1965

30 de agosto de 2022 > Guiné 61/74 - P23568: Notas de leitura (1482): "Panteras à solta", de Manuel Andrezo (pseudónimo literário do ten gen ref Aurélio Manuel Trindade): o diário de bordo do último comandante da 4ª CCAÇ e primeiro comandante da CCAÇ 6 (Bedanda, 1965/67): aventuras e desventuras do cap Cristo (Luís Graça) - Parte IV: as circunstâncias da morte do 2º sargento mecânico auto Rodolfo Valentim Oliveira, em 11/8/1965...

29 de agosto de 2022 > Guiné 61/74 - P23565: Notas de leitura (1481): "Panteras à solta", de Manuel Andrezo (pseudónimo literário do ten gen ref Aurélio Manuel Trindade): o diário de bordo do último comandante da 4ª CCAÇ e primeiro comandante da CCAÇ 6 (Bedanda, 1965/67): aventuras e desventuras do cap Cristo (Luís Graça) - Parte III: O Tala Djaló, cmdt do Pel Mil 143 e depois fur grad 'comando' da 1ª CCmds Africana, que virá a ser fuziladdo em Conacri, na sequência da Op Mar Verde

26 de agosto de 2022 > Guiné 61/74 - P23559: Notas de leitura (1480): "Panteras à solta", de Manuel Andrezo (pseudónimo literário do ten gen ref Aurélio Manuel Trindade): o diário de bordo do último comandante da 4ª CCAÇ e primeiro comandante da CCAÇ 6 (Bedanda, 1965/67): aventuras e desventuras do cap Cristo (Luís Graça) - Parte II: "Homem gosta de ter mulher na cama, quando vem da guerra", lembra a "Tia", a mulher grande...

25 de agosto de 2022 > Guiné 61/74 - P23553: Notas de leitura (1478): "Panteras à solta", de Manuel Andrezo (pseudónimo literário do ten gen ref Aurélio Manuel Trindade): o diário de bordo do último comandante da 4ª CCAÇ e primeiro comandante da CCAÇ 6 (Bedanda, 1965/67): aventuras e desventuras do cap Cristo (Luís Graça) - Parte I: "Os alferes não gostaram do novo capitão. Acharam-no com cara de poucos amigos."

(**) Último poste da série > 12 de dezembro de 2022 > Guiné 61/74 - P23871: Notas de leitura (1531): Guevara versus Amílcar Cabral: Divergências estratégicas na guerrilha (2) (Mário Beja Santos)

sexta-feira, 16 de dezembro de 2011

Guiné 63/74 - P9214: O meu Natal no mato (35): Um Santa Claus na forma de um barquinho (José da Câmara)

1. Mensagem de José da Câmara* (ex-Fur Mil da CCAÇ 3327 e Pel Caç Nat 56, Brá, Bachile e Teixeira Pinto, 1971/73), com data de 11 de Dezembro de 2011:

Caro amigo Carlos Vinhal, camaradas, amigos,
No dia 24 de Dezembro de 1972, num presépio chamado Guiné, eu marquei encontro com o Pai Natal. Aqui fica a história desse encontro, que também seria o último que teria com Ele em terras africanas.

Por muitas razões da vida que vivi, eu acredito que há um velhote simpático de barbas brancas, chamado Santa Claus, que faz os possíveis para me acompanhar todos os dias. Ele também vos tem no coração, disso tenho a certeza.

Quando ele bater à vossa porta, deixem-no entrar e descansar um pouco no seio da vossa família. Ele, depois de passar por aqui e de atravessar este Atlântico imenso que nos une, apenas quer desejar-vos um Feliz e Santo Natal.

Um grande abraço do
José Câmara


Guiné, um presépio de Natal

Na linda ilha das Flores, terra que me viu nascer e crescer, as celebrações do Natal tinham como atenção o nascimento do Menino Jesus em Belém e as prendas que Ele, no seu infinito amor, distribuía pela pequenada.
Como criança que era não percebia porque é que o Menino gostava tanto dos meninos mais ricos e, muitas vezes, se esquecia de mim, dos meus irmãos e de outros meninos tão pobres como eu. Levei alguns anos para me aperceber que o Menino também me amava como aos outros. A verdade era que a minha pequenina casa não tinha chaminé por onde Ele pudesse entrar e, mesmo que arranjasse outra forma de se infiltrar, nunca poderia encontrar os meus sapatinhos porque eu não os tinha. Apesar de todos esses problemas, na sua infinita bondade, às vezes arranjava maneira de deixar debaixo do travesseiro um saquinho com figos passados. Quando isso acontecia, o Natal era enorme no meu coração de criança.

No Faial, para onde fui com a idade dos 10 anos, talvez por influência das companhias estrangeiras de cabos submarinos (americana, inglesa e alemã), de algum consumismo já evidente na pequena cidade da Horta e mesmo dos emigrantes resultantes da erupção vulcânica dos Capelinhos, o Menino era mais rico e, por isso mesmo, costumava contratar um ajudante, o Pai Natal, por altura dos festejos natalícios. Era este Ajudante que trazia as boas novas do Menino.

O meu alfinete de gravata, homenagem ao meu Menino Jesus
De nós para vós, um Santo Natal
©Foto de J. Câmara

O Pai Natal, o Santa Claus como alguns lhe chamavam, viajava por entre estrelas, vindo das zonas frias da Lapónia. Talvez porque o trenó, puxado por renas de nariz vermelho, tinha mais espaço para sacos de prendas o Natal, na minha casa passámos a contar com algumas alegrias extras, entre as quais, há um alfinete de gravata que ainda hoje é o único que uso em homenagem ao grande amor e sacrifício do meu Menino Jesus.

Todavia, para compreender o Natal em toda a sua beleza humanística faltava, de facto, ter um encontro com o Menino Jesus, com o Pai Natal. A oportunidade aconteceu a meia tarde do dia 24 de Dezembro de 1972.

Ao tempo eu era, com muita honra, militar no Exército de Portugal, em fim de comissão de serviço na Guiné.
O presépio, devidamente preparado para essa efeméride, era completamente diferente daqueles a que estava acostumado na minha meninice. Este fora desenhado e construído com belas bolanhas e matas esplendorosas de palmeirais, cajueiros, capim, às quais não faltavam javalis, veados, pombos verdes, cobras, lagartos, sapos, mosquitos, formigas e os demais requintes da flora e fauna tropicais. A completar todo esse quadro maravilhoso que extasiava os corações mais sensíveis, as cascatas das ribeiras da freguesia deram lugar a um espelho imenso de um rio calmo que reflectia o sorriso quente do astro-rei. Era na verdade um presépio que deixaria imensas recordações, alegres umas, bem tristes outras, porque não saudades das boas, vida fora!

O Pai Natal da CCaç 3327 fazendo a aproximação à margem do Enxudé, Zona de Tite
© Foto de J. Câmara - Dezembro 24, 1972

Foi nesse ambiente que o Pai Natal, ansiosamente esperado, apareceu por detrás de um pequeno ilhéu colocado no meio do rio. Era diferente de tudo o quando imaginara até então. Vinha vestido de cinzento. Conduzia, com mestria, as renas que mais pareciam peixinhos vestidos de muitas cores que, alegremente, puxavam nas águas mansas do rio um trenó em forma de barquinho. Graciosamente, com lentidão cautelosa, aproximou-se da terra e aos poucos foi abrindo os seus braços até descansá-los na margem do rio. De peito bem aberto, deixou ver o seu imenso coração onde caberiam todos aqueles que o esperavam e que não se fizeram rogados em entrar nele.

Descansou o suficiente para receber a sua preciosa e alegre carga. Depois, talvez imitando Santo António, segredou algo aos peixinhos que, por ali, se mantinham em alegres brincadeiras. Fechou os seus enormes braços num amplexo imenso àqueles que acabara de receber junto do seu coração. E partiu. Tal como chegara, sem alaridos, havia que cumprir o final da sua nobre missão. Havia que levar a bom porto todos aqueles que confiaram no seu convite.

Aos poucos as margens do Enxudé foram-se perdendo no entardecer do dia para dar lugar à noite que se aproximava. Tite, Bissássema e as suas gentes passavam a ser nomes guardados na neblina da memória. Bissau foi o porto de acolhimento.

Encostado ao cais, exausto pelo cansaço, aquele Pai Natal ainda teve forças para um último aceno. Foi a última vez que o vi em terras da Guiné. A CCaç 3327 regressava à casa e às barracas que a receberam vinte e três meses antes, o Depósito de Adidos, em Brá.

A partir da esquerda: 1.º Sarg. Baltazar Lopes e Fur. Mil. Fernando Silva (ambos já falecidos), Fur. Mil. Pinto. A foto não oferece condições para identificar os outros com segurança. De costas, a ser servido, o Fur. Mil. Câmara
© Foto cedida pelo Fur. Mil. João Cruz, Natal de 1972

Nessa noite de Natal, alguns de nós ainda conseguiram desenfiar-se para a cidade. O Coelho à Caçador andou às correrias pelas mesas que juntámos no restaurante que nos acolheu. Uma noite diferente e alegre para nós. Só possível pelo amor e amizade de um Santa Claus que quis que, nesse ano de 1972, tivéssemos um Feliz e Santo Natal.

Porque ainda acredito na existência do Pai Natal, hoje, tal como ontem, que a Amizade e o Amor, a Paz e a Esperança do espírito do Natal, sejam companheiras diárias das vossas vidas e da dos vossos familiares.

Deste lado do oceano, um abraço enorme, quente e amigo do
José Câmara
____________

Notas de CV:

(*) Vd. poste de 24 de Novembro de 2011 > Guiné 63/74 - P9088: Memórias e histórias minhas (José da Câmara) (29): Quando o destino cruel desabafa a sua ira

Vd. último poste da série de 16 de Dezembro de 2011 > Guiné 63/74 - P9213: O meu Natal no mato (34): Empada, 24 de Dezembro de 1969, em tempo de guerra (José Teixeira)

sábado, 27 de dezembro de 2008

Guiné 63/74 - P3671: Estórias do Zé Teixeira (34): O meu conto de Natal (José Teixeira, ex-1.º Cabo Aux Enf)

1. Mensagem de José Teixeira (*), ex-1.º Cabo Auxiliar Enfermeiro da CCAÇ 2381, Buba, Quebo, Mampatá e Empada , 1968/70, com data de 24 de Dezembro de 2008, dirigida ao nosso editor-chefe.

Obrigado, Luís.

Talvez amanhã passe por aí de tarde para o fraternal abraço.

Junto o conto de natal que acabo de escrever.

Neste Natal quer na vossa casa haja felicidade, paz e amor. Assim será mais natal.

Beijo especial para Alice





O meu conto de Natal

Naquele tempo em que eu era pequenino e o Pai Natal ainda não tinha sido inventado, havia um menino que estranhamente nascia todos os anos no mesmo dia e à mesma hora. Esse menino chamava-se Menino Jesus e nascia no dia vinte e quatro de Dezembro à meia-noite.

Segundo dizia a minha avó, que Deus tem, esse simpático Menino, que nascia todos os anos à mesma hora e no mesmo dia, mal acabava de nascer entrava em todas as casas para deixar um prendinha aos meninos e meninas que se portassem bem. Na casa dos ricos entrava pela chaminé e na casa dos pobres entrava pelo buraco da fechadura ou pelos buracos existentes nas paredes, que deixavam passar muito frio, depositando as suas prendinhas, junto à lareira nos sapatinhos ou tamanquinhos que os meninos e meninas lá deixavam na noite anterior, depois da Ceia de Natal em que estranhamente até os meus tios iam do Porto, de lá tão longe, para comer connosco e era uma festa muito grande, com bacalhau, rabanadas docinhas, formigos, sarrabulho doce e tudo mais.

Claro que eu teimosamente deitava-me no preguiceiro, junto à lareira à espera do tal Menino Jesus que me ia trazer uma prendinha, pois eu tinha-me portado bem, nos últimos dias, só que o soninho aparecia muito antes e eu só acordava no dia seguinte, na minha cama, depois da chegada da minha avó, que se levantava muito cedo para ir à missa das sete. A essa hora, já o Menino se tinha ido embora, pois tinha muito que fazer naquela noite e eu ficava triste por não conseguir conhecê-Lo.

Num ano em que eu já era crescidote, resolvi pregar uma partida à minha avó e ao Menino Jesus. Na véspera do tal dia de Natal, quis ir para a cama mais cedo, por mais que minha avó estranhasse. Até pensou que eu estaria doente. Talvez as rabanadas ou os formigos tivessem levado açúcar em demasia. Ou o sarrabulho doce, petisco que eu adorava, tenha levado um pouco mais de vinho fino.

Assim, no dia de Natal, mal a minha avó, saiu para ir à missa das sete, eu, descalço e de mansinho para não acordar os meus irmãos, abri a porta, atravessei o quinteiro, ainda húmido da geada e fui à cozinha espreitar o meu tamanquinho rapelho, que deixara junto à lareira na noite anterior. O tamanquinho estava lá, mas prenda, nem vê-la. Fiquei muito triste e aflito, afinal o Menino Jesus não viera a nossa casa, mas eu tinha-me portado bem! Lá isso é que tinha! já não fazia chichi na cama e comia o caldo todo.

Quando minha avó chegou da missa, saí-lhe ao caminho, dizendo com voz triste:
- O Vó, o Menino Jesus não veio esta noite. Não há prendas para ninguém.

Responde-me ela, com um brilho maroto nos olhos:
- Atrasou-se um bocadinho, mas cruzou-se comigo ali no caminho, ao fundo da leira da figueira. Aqui está a tua prendinha.

... Uma regueifa bem quentinha. A prenda de todos os anos da minha avó e madrinha.

Bom Natal para todos

Zé Teixeira
____________

Notas de CV:

Texto de José Teixeira.

Foto: © José Martins (2008). Direitos reservados.

Vd. último poste da série de poste de 20 de dezembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3655: Estórias do Zé Teixeira (33): Histórias de Natal (José Teixeira, ex-1.º Cabo Aux Enf)

(*) Vd. último trabalho de 22 de Dezembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3661: Blogoterapia (84): Vai-te embora, tuga dum carago! (José Teixeira)