Mostrar mensagens com a etiqueta Pechincha (Fur mil op esp). Mostrar todas as mensagens
Mostrar mensagens com a etiqueta Pechincha (Fur mil op esp). Mostrar todas as mensagens

quarta-feira, 17 de maio de 2023

Guiné 61/74 - P24321: Facebook...ando (28): Convívio anual da CART 2479 / CART 11 (Contuboel, Nova Lamego, Piche e Paunca, 1969/70) em que apareceu, pela primeira vez, o Pechincha, que já não via desde 1969 (Abílio Duarte)


CART 2479 / CART 11, "Os Lacraus", 1969/70 > Convívio > Moita, Praia do Rosário > 13 de maio de 2023 > Um grupo de resistentes... O primeiro da esquerda para a direita, na primeira fila (sentados): eu, Abílio Duarte, o Pais de Sousa, o Manuel Macias, o Alf Martins e um camarada condutor, que agora não recordo o seu nome. De pé, e também da esquerda para a direita: o Pechincha, o Silva, o Reina, o Saraiva, o Artur Dias e o Cândido Cunha.

Foto (e legenda): © Abílio Duarte (2023). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar. Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Foto e mensagem do Abílio Duarte, postadas na página do Facebook da Tabanca Grande, em 16 do corrente, 17h09:

[Foto à direita: Abílio Duarte, ex-fur mil art, CART 2479 (que em janeiro de 1970 deu origem à CART 11, Os Lacraus, que por sua vez em junho de 1972 passou a designar-se CCAÇ 11), Contuboel, Nova Lamego, Piche e Paunca, 1969/70]

Continuando a recordar. Foto do último almoço-convívio, dos veteranos da CArt 2479  (CArt / CCaç 11), Guiné 1969/70. 

Encontrei o Pechincha, que já não via desde 1969, quando se desenfiou para Bissau. Cá vamos resistindo. 

Nesta foto, temos pessoal que nos acompanhou, desde Penafiel  à Guiné, como o Manuel Macias, o Cândido Cunha, o Pechincha, o Pais de Sousa (Fur Mecânico), o Silva (Fur Transmissões), o Reina,  o Alf Martins, meu Comandante de Pelotão, e outros soldados e cabos, como o Dias e o Saraiva. Tudo em forma. Abraço a todos. Abílio Duarte.

2. Comentário do editor LG:

Abílio, obrigado, pela fotos e pela legenda, agora mais completa. Finalmente, "apanhamos" o Pechincha, que era há muito procurado, "vivo ou morto"... O Macias também é nosso tabanqueiro... O Valdemar, infelizmente, não foi ao vosso convívio, por razões de saúde (conhecidas de todos), nem é "facebook...eiro", embora seja um ativo comentador do nosso blogue. O Cândido Cunha gostava de o ver aqui, mais vezes, a "dar a cara",  passando a integrar a Tabanca Grande. O convite que lhe fiz há muito, continua válido... Um alfabravo para esses  todos "lacraus", que estiveram comigo em Contuboel... em junho/julho de 1969... 


Espinho > Silvalde > Fevereiro de 1969 >  CART 2479 / CART 11 >   IAO, Instrução de Aperfeiçoamento Operacional > Uma "foto histórica" um "ninho" de lacraus, designação do pessoal da futura CART 11 (Contuboel, Nova Lamego, Piche, Paunca, 1969/70)

CART 2479 constituiu-se no RAL 5 em Penafiel, no ano de 1968, como subunidade do BART 2866, desmembrando-se desta unidade em fevereiro de 1969, e embarcando com destino à Guiné no dia 18, aonde chegou a 25 do mesmo mês

O  percurso operacional da CART 2479 na zona leste, foi longo, fixando a sua sede em Nova Lamego, no Quartel de Baixo em setembro de 1969; passou por Bissau, Contuboel, Nova Lamego,  Piche; o comandante era o cap mil art Analido Aniceto Pinto (1934- 2014) (trabalhou na Galp Energia, com o nosso Tony Levezinho, da CCAÇ 12); foi extinta em 18 de janeiro de 1970, passando a companhia a designar-se CART 11; em maio de 1972 a CART 11 passou a designar-se CCAÇ 11. No CIM de Contuboel, no 1º e 2º trimestre de 1969l formaram-se, entre outras, as futuras CART 11 / CCAÇ 11 e CCAÇ 12.

Na foto, e graças aos contributos do Valdemar Queiroz  e do Abílio Duarte, podemos identificar os seguintes 1ºs cabos milicianos (futuros furriéis milicianos. "Lacraus" da CART 2479 / CART 11), da esquerda para a direita:

(i) na primeira fila, Manuel Macias (8), Pechincha (que era de operações especiais) (7), Abílio Duarte (5) e Aurélio Duarte (, de Coimbra, falecido em 2015);

(ii) na segunda fila, Canatário (que era apontador de armas pesadas) (9); o Ferreira (
vaguemestre) (10);  o Cândido Cunha (3)") (**) ; e o Abílio Pinto (11);

(iii) na terceira fila,  o Vera Cruz ("este rapaz era um tratado a jogar à lerpa, bons momentos, muito stressado, mas com saída com as miúdas na Guiné"(13); e o Renato Monteiro (já falecido, em 2021) (2):

(iv) na última fila, o Bento (14), o Sousa (já falecido (4), (14) e o "indomável Valdemar Queiroz da Silva, grande contador de histórias" (1).

"Todos duma excecional colheita de "bioxene", garante o Valdemar.  Na foto faltam os restantes da colheita, os ex-fur.mil. Pais de Sousa (Mecânico), Silva (Transmissões) e Edmond (Enfermeiro).

Foto (e legenda): © Valdemar Queiroz (2014). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar. Blogue Luís Graça & Camaradas da Guine.]
___________

Nota do editor:

segunda-feira, 2 de dezembro de 2013

Guiné 63/74 - P12380: O que é que a malta lia, nas horas vagas (2): a revista brasileira, ilustrada, "O Cruzeiro" (Abílio Duarte, ex-fur mil art da CART 2479 / CART 11, Contuboel, Nova Lamego, Piche e Paunca, 1969/70)



Guiné > Zona leste > Região de Gabu >  s/d > O Abílio Duarte na messe, em Nova Lamego, decorada pelo Pechincha, lendo a revista brasileira "O Cruzeiro"...

Foto do álbum de Abílio Duarte, ex-fur mil art da CART 2479 (mais tarde CART 11 e finalmente, já depois do regresso à Metrópole do Duarte, CCAÇ 11, a famosa companhia de “Os Lacraus de Paunca”) (Contuboel, Nova Lamego, Piche e Paunca, 1969/70).

 Foto: © Abílio Duarte (2013). Todos os direitos reservados.[Edição: L.G.]


1. Sobre a revista O Cruzeiro:

"O Cruzeiro foi a principal revista ilustrada brasileira do século XX. Começou a ser publicada em 10 de novembro de 1928 pelos Diários Associados de Assis Chateaubriand.
Foi importante na introdução de novos meios gráficos e visuais na imprensa brasileira, citando entre suas inovações o fotojornalismo e a inauguração das duplas repórter-fotógrafo, a mais famosa sendo formada por David Nasser e Jean Manzon que, nos anos 40 e 50, fizeram reportagens de grande repercussão.

"O site Memória Viva, especializado em biografias de pessoas famosas da recente História do Brasil, inaugurou uma nova fase de existência com o lançamento da edição on line da revista O Cruzeiro."

[Excerto reproduzido com a devida vénia... Algumas edições estão já disponíveis no sítio Memória Viva].

2. Apelo do editor, L.G.:

Amigos e camaradas. leitores do nosso blogue:

Foi aberta esta nova série no nosso blogue, "O que é que a malta lia, nas horas vagas" (*)... E eu, aqui, faço um apelo, mais uma vez, à vossa generosa participação, para que nos enviem textos e fotos dos momentos de ócio, ao sol, no abrigo, no bar, lendo livros, jornais, revistas... Em muitos aquartelamentos havia pequenas bibliotecas alimentadas pelo Movimento Nacional Feminino... É possível que também chegassem pelo correio jornais e revistas... Ainda se lembram de quais? Um ou outro assinava publicações periódicas... Enfim, essa informação interessa-nos para melhor documentar o nosso quotidiano naquela terra verde e vermelha onde passámos alguns dos nossos verdes anos...

Um Alfa Bravo fraterno. Luís Graça, editor.
___________

segunda-feira, 15 de abril de 2013

Guiné 63/74 - P11395: Álbum fotográfico de Abílio Duarte (fur mil art da CART 2479, mais tarde CART 11 / CCAÇ 11, Contuboel, Nova Lamego, Piche e Paunca, 1969/70) (Parte XI): O fur mil op esp Pechincha, era do meu pelotão e um grande artista...


Foto s/ nº > "Os operacionais da CART 11: o Pechincha está entre mim e o Macias,. ma primeira fila, da esquerda para a direita". [E,s e não me engano, o último da direita, da terceira fila - meio agachado - é o meu amigo Renato Monteiro, o "homem da piroga"]..


Foto s/ nº > Lisboa > 1969 > Furrieis da CART 2479 > "Jantar de despedida antes do embarque para a Guiné, com o nosso 1º sargento, Ferreira, que chegou a major e já falecido". [O camarada que, no último plano, está a nível acima dos outros, parece ser o mesmo que aparece em igual posição na foto de cima... À sua direita, parece-me ser o Pechincha. E à sua esquerda estaria o Renato Monteiro].



Foto s/ nº > No T/T Tinmor, o Pechincha, o Queiroz e eu (da esquerda para a direita)


Foto s/ nº > Eu, na nossa messe em Nova Lamego, decorada pelo Pechincha


Foto s/ nº > Os desenhos (humorísticos) do Pechincha, na nossa messe (1)


Foto s/nº > Os desenhos (humorísticos)  do Pechincha, na nossa messe (2)


Fotos (e legendas): © Abílio Duarte (2013). Todos os direitos reservados. (*) [Edição e legendagem complementar: L.G.]


1. Continuação da publicação do álbum fotográfico do Abílio Duarte, ex-fur mil art da CART 2479 (mais tarde CART 11 e finalmente, já depois do regresso à Metrópole do Duarte, CCAÇ 11, a famosa companhia de “Os Lacraus de Paunca”) (Contuboel, Nova Lamego, Piche e Paunca, 1969/70) (*).

O Pechincha já aqui foi magistralmente evocado pelo Hélder de Sousa (**),  Sabemos que era de Moscavide, vizinho e conhecido do Humberto Reis {[, o nosso "cartógrafo", ] e que, antes da tropa, era desenhador na Câmara Municipal de Lisboa...Ele, Hélder de Soura, "pira", conheceu-o Em Bissau, "apanhado do clima", como ficávamos (quase) todos nós na última parte da comissão... Depois, perdeu-se-lhe o rasto.

O Abílio Duarte acrescentou mais os seguintes elementos, para esclarecimento  do Hélder de Sousa e nosso:

(i) O Pechincha Furriel de Operações Especiais, da Escola de Lamego;

(ii) Éramos os dois do mesmo pelotão, desde Penafiel até Nova Lamego [CART 2479 / CART 11]

(iii) Só que o malandro era desenhador, e quando chegamos ao Gabú, deram-nos o Quartel de Baixo, Como era conhecido na altura. Como aquilo estava abandonado, e não tinha muitas condições, o nosso Capitão desafiou-o a fazer uns desenhos para as casas de banho e outras, para quando fosse a Bissau ir ter com o padrinho dele, que era o Cor Robin de Andrade, para arranjar uma cunha e ter materiais de construção para nós fazermos as obras;

(iv) O que aconteceu foi que os desenhos eram tão bons que o Pechinchja foi para Bissau, e nunca mais voltou. Mas os materiais vieram;

(v) A seguir souberam que o meu Alf cmdt de pelotão era Eng Civil, e foi também para os reordenamentos, e também nunca mais voltou. Nem foram substituídos;

(vi) O mais giro desta foto, mas não se consegue ver, é que o Pechincha nos seus desenhos punha os bonecos com frases do Spinola, e a nossa preocupação era, se aparecesse o Spinola, termos sempre uma brigada pronta para apagar as bocas do Pato Donaldo e companheiros.

(vi) É esse Pechincha que conheceste em Bissau, e garanto-te que era um artista, aí lá se era.

____________

Notas do editor:

(*) Último poste da série > 5 de abril de 2013 > Guiné 63/74 - P11346: Álbum fotográfico de Abílio Duarte (fur mil art da CART 2479, mais tarde CART 11 / CCAÇ 11, Contuboel, Nova Lamego, Piche e Paunca, 1969/70) (Parte X): Xime, Canquelifá, Bissau...

(**) Vd. poste de 19 de fevereiro de 2008 > Guiné 63/74 - P2556: Estórias de Bissau (16) : O Furriel Pechincha: apanhado ma non troppo (Hélder Sousa)

Como vos disse cheguei a 9 de Novembro [de 1970], quase na véspera do S. Martinho, e o desembarque deu-se um dia antes de todos aqueles que foram no Carvalho Araújo.

Fiquei alojado num quarto das instalações de Sargentos em Santa Luzia, em Bissau, num espaço cedido para colocar uma cama articulada facultada pelos meus amigos, colegas e conterrâneos vilafranquenses, Furriéis José Augusto Gonçalves (o Bate-Orelhas, como carinhosamente lhe chamávamos na Escola Industrial de Vila Franca de Xira por causa da sua (dele) habilidade de movimentar as orelhas como um abano com um simples esticar de queixo) e Vitor Ferreira, os quais compartilhavam o quarto também com o Furriel Pechincha (só me lembro do apelido), que estava em comissão no QG e tinha estado durante meses numa Companhia nativa, também não me lembro o nome (naqueles dias iniciais os nomes não assumiam personalidade, como já vos disse antes) mas que creio que me pareceu que alguns camaradas presentes durante a apresentação do filme As duas faces da guerra se referiram a ele como tendo estado na zona de Bambadinca.

Pois este amigo Pechincha, que era, salvo erro, de Moscavide e trabalhava como desenhador na Câmara Municipal de Lisboa, tinha fama de estar um bocado apanhado e com uma pancada enorme, mas acho que aquilo era mais para ganhar fama e beneficiar dela.

Digo isto porque tive com ele algumas conversas, muito interessante e educativas, que me elucidaram bastante sobre a situação que se vivia e como ele pensava que se iria desenvolver, o que, no essencial, não divergiam muito do que eu pensava.

Mas também não deixava a sua fama por mãos alheias e logo na noite de 11 para 12 de Dezembro fui testemunha privilegiada duma dessas situações.

Nessa noita comemorava-se o S. Martinho. Eu fui portador para os amigos vilafranquenses de alguns quilos de castanhas e de um garrafão de água-pé (por sinal, bem forte!), além de outros mimos. Com um bidão, em frente às camaratas onde os quartos se encontravam, fez-se o assador e então vá de comer chouriços assados, salsichas e castanhas, tudo bem regado com a dita água-pé e outras bebidas estranhas, em grandes misturadas (cerveja, uísque, coca-cola, etc.), tudo a animar uma simulação de uma emissão de rádio protagonizada pelos camaradas das Transmissões com jeito para a coisa, como por exemplo o Furriel Roque.

Com o avançar das horas era tempo de serenar, descansar os corpos e retomar forças para o dia seguinte. Acontece é que, como sempre sucede em situações semelhantes, nem todos estavam pelos ajustes e com a previsão para breve da viagem de regresso do Carvalho Araújo havia alguns, cujos nomes não ficaram registados na minha memória, que integrariam essa viagem final para a peluda, como diziam, e estavam dispostos a prolongar a sua festa, até com atitudes menos próprias e profundamente negativas, principalmente para quem tinha fortes experiências no mato, como seja arremessar as garrafas vazias para cima dos telhados de zinco dos quartos o que, como calculam, a mim ainda não produzia efeito mas para quem já tinha reflexos condicionados era bastante aborrecido.

Ora o nosso bom Pechincha avisou solenemente os meninos que ou paravam imediatamente a graçola ou tinham que se haver com ele à sua maneira. Dada a fama que tinha, que não regulava lá muito bem e que era bem capaz de usar arma, os ânimos serenaram quase de imediato e na generalidade mas, também como sempre sucede, há sempre alguém que procura forçar a sorte e um deles, que também me disseram que estava apanhado (afinal, quem é que não estava?, acho que dependia do grau) resolveu irromper no nosso quarto com uma panela na cabeça e a bater com duas tampas como se fossem pratos duma banda de música.

Entrou, com ar de quem estava muito contente da vida e satisfeito por desafiar as ordens, mas o que eu vi de imediato foi o nosso amigo Pechincha, que estava estendido sobre a sua cama e que era logo a primeira à entrada, estender o braço sobre a cabeceira da cama, agarrar numa espécie de um dos dois machados nativos que estavam lá a enfeitar e sem mais explicações nem argumentos arremessou-o para o intruso, acertando-o na panela que estava na cabeça, deixando-o com o ar mais aparvalhado de perplexidade que vi até hoje, deixar o quarto a tremer e a balbuciar "este gajo está de facto mais apanhado do que eu!".

Uma outra vez, estava com o Pechincha na zona da baixa de Bissau, passámos junto ao Taufik Saad que, naquela ocasião, tinha tido a boa iniciativa de efectuar uma promoção de um artigo qualquer que já não me lembro, mas a infeliz ideia de dizer que era "uma autêntica pechincha". Estão a ver a cena? O Pechincha resolve entrar de rompante na loja, cartão de identificação na mão, onde se podia confirmar que Pechincha autêntico era ele, portanto a "falsificação" teria que ser imediatamente retirada da montra!

E não é que foi mesmo!?

Era assim o Pechincha! Para muitos foi mais uma demonstração do seu apanhanço mas eu, que estava com ele, e éramos só nós os dois naquela ocasião, percebi muito bem que foi tudo encenado.... Ah, ganda Pechincha! se por acaso nos visitares e leres isto, junta-te a nós!

Uma outra recordação dos meus contactos com ele tem a ver com o que se chamou Operação Mar Verde. Cheguei à Guiné cerca de duas semanas antes da sua ocorrência mas bem em tempo da sua preparação em fase avançada. Nas longas conversas que tinha com o Pechincha, fosse pela minha habilidade em saber coisas, fosse pela habilidade dele em me transmitir coisas, pela necessidade de desabafar e aliviar a pressão a que estava submetido ou por ter percebido algum do meu posicionamento em relação à guerra e à participação nela, a verdade é que fiquei a saber algumas coisas (que pude confirmar depois quando li o livro que relata aquela operação) as quais, com alguma prudência e alguma imaginação, relatei em inocente aerograma para uma amiga vilafranquense, do género fazendo todas as afirmações que queria fazer mas dizendo para não acreditarem nelas, pois certamente as iriam ouvir dos inimigos da nação mas tudo não passariam de atoardas....

E foi tudo com o Pechincha. No início de Dezembro fui para o mato, para Piche, voltando em Junho de 1971 para Bissau para integrar o Centro de Escuta mas nessa altura já o Pechincha tinha voltado e nunca mais soube nada dele. (...)

terça-feira, 19 de fevereiro de 2008

Guiné 63/74 - P2556: Estórias de Bissau (16) : O Furriel Pechincha: apanhado ma non troppo (Hélder Sousa)


Helder Sousa
ex-Fur Mil de Transmissões TSF
Bissau e Piche
1970/72


1. Mensagem do camarada Helder Sousa

Caros Amigos

Vou procurar continuar a relembrar a minha passagem pela Guiné (*), depois de vos ter relatado como foi a partida e como foi a chegada.

Como vos disse cheguei a 9 de Novembro [de 1970], quase na véspera do S. Martinho, e o desembarque deu-se um dia antes de todos aqueles que foram no Carvalho Araújo.

Fiquei alojado num quarto das instalações de Sargentos em Santa Luzia, em Bissau, num espaço cedido para colocar uma cama articulada facultada pelos meus amigos, colegas e conterrâneos vilafranquenses, Furriéis José Augusto Gonçalves (o Bate-Orelhas, como carinhosamente lhe chamávamos na Escola Industrial de Vila Franca de Xira por causa da sua (dele) habilidade de movimentar as orelhas como um abano com um simples esticar de queixo) e Vitor Ferreira, os quais compartilhavam o quarto também com o Furriel Pechincha (só me lembro do apelido), que estava em comissão no QG e tinha estado durante meses numa Companhia nativa, também não me lembro o nome (naqueles dias iniciais os nomes não assumiam personalidade, como já vos disse antes) mas que creio que me pareceu que alguns camaradas presentes durante a apresentação do filme As duas faces da guerra se referiram a ele como tendo estado na zona de Bambadinca.

Pois este amigo Pechincha, que era, salvo erro, de Moscavide e trabalhava como desenhador na Câmara Municipal de Lisboa, tinha fama de estar um bocado apanhado e com uma pancada enorme, mas acho que aquilo era mais para ganhar fama e beneficío dela.

Digo isto porque tive com ele algumas conversas, muito interessante e educativas, que me elucidaram bastante sobre a situação que se vivia e como ele pensava que se iria desenvolver, o que, no essencial, não divergiam muito do que eu pensava.

Mas também não deixava a sua fama por mãos alheias e logo na noite de 11 para 12 de Dezembro fui testemunha privilegiada duma dessas situações.

Nessa noita comemorava-se o S. Martinho. Eu fui portador para os amigos vilafranquenses de alguns quilos de castanhas e de um garrafão de água-pé (por sinal, bem forte!), além de outros mimos. Com um bidão, em frente às camaratas onde os quartos se encontravam, fez-se o assador e então vá de comer chouriços assados, salsichas e castanhas, tudo bem regado com a dita água-pé e outras bebidas estranhas, em grandes misturadas (cerveja, uísque, coca-cola, etc.), tudo a animar uma simulação de uma emissão de rádio protagonizada pelos camaradas das Transmissões com jeito para a coisa, como por exemplo o Furriel Roque.

Com o avançar das horas era tempo de serenar, descansar os corpos e retomar forças para o dia seguinte. Acontece é que, como sempre sucede em situações semelhantes, nem todos estavam pelos ajustes e com a previsão para breve da viagem de regresso do Carvalho Araújo havia alguns, cujos nomes não ficaram registados na minha memória, que integrariam essa viagem final para a peluda, como diziam, e estavam dispostos a prolongar a sua festa, até com atitudes menos próprias e profundamente negativas, principalmente para quem tinha fortes experiências no mato, como seja arremessar as garrafas vazias para cima dos telhados de zinco dos quartos o que, como calculam, a mim ainda não produzia efeito mas para quem já tinha reflexos condicionados era bastante aborrecido.

Ora o nosso bom Pechincha avisou solenemente os meninos que ou paravam imediatamente a graçola ou tinham que se haver com ele à sua maneira. Dada a fama que tinha, que não regulava lá muito bem e que era bem capaz de usar arma, os ânimos serenaram quase de imediato e na generalidade mas, também como sempre sucede, há sempre alguém que procura forçar a sorte e um deles, que também me disseram que estava apanhado (afinal, quem é que não estava?, acho que dependia do grau) resolveu irromper no nosso quarto com uma panela na cabeça e a bater com duas tampas como se fossem pratos duma banda de música.

Entrou, com ar de quem estava muito contente da vida e satisfeito por desafiar as ordens, mas o que eu vi de imediato foi o nosso amigo Pechincha, que estava estendido sobre a sua cama e que era logo a primeira à entrada, estender o braço sobre a cabeceira da cama, agarrar numa espécie de um dos dois machados nativos que estavam lá a enfeitar e sem mais explicações nem argumentos arremessou-o para o intruso, acertando-o na panela que estava na cabeça, deixando-o com o ar mais aparvalhado de perplexidade que vi até hoje, deixar o quarto a tremer e a balbuciar "este gajo está de facto mais apanhado do que eu!".

Uma outra vez, estava com o Pechincha na zona da baixa de Bissau, passámos junto ao Taufik Saad que, naquela ocasião, tinha tido a boa iniciativa de efectuar uma promoção de um artigo qualquer que já não me lembro, mas a infeliz ideia de dizer que era "uma autêntica pechincha"....Estão a ver a cena? O Pechincha resolve entrar de rompante na loja, cartão de identificação na mão, onde se podia confirmar que Pechincha autêntico era ele, portanto a "falsificação" teria que ser imediatamente retirada da montra!

E não é que foi mesmo!?

Era assim o Pechincha! Para muitos foi mais uma demonstração do seu apanhanço mas eu, que estava com ele, e éramos só nós os dois naquela ocasião, percebi muito bem que foi tudo encenado.... Ah, ganda Pechincha! se por acaso nos visitares e leres isto, junta-te a nós!

Uma outra recordação dos meus contactos com ele tem a ver com o que se chamou Operação Mar Verde. Cheguei à Guiné cerca de duas semanas antes da sua ocorrência mas bem em tempo da sua preparação em fase avançada. Nas longas conversas que tinha com o Pechincha, fosse pela minha habilidade em saber coisas, fosse pela habilidade dele em me transmitir coisas, pela necessidade de desabafar e aliviar a pressão a que estava submetido ou por ter percebido algum do meu posicionamento em relação à guerra e à participação nela, a verdade é que fiquei a saber algumas coisas (que pude confirmar depois quando li o livro que relata aquela operação) as quais, com alguma prudência e alguma imaginação, relatei em inocente aerograma para uma amiga vilafranquense, do género fazendo todas as afirmações que queria fazer mas dizendo para não acreditarem nelas, pois certamente as iriam ouvir dos inimigos da nação mas tudo não passariam de atoardas....

E foi tudo com o Pechincha. No início de Dezembro fui para o mato, para Piche, voltando em Junho de 1971 para Bissau para integrar o Centro de Escuta mas nessa altura já o Pechincha tinha voltado e nunca mais soube nada dele.

Cumprimentos e até breve

Hélder Sousa
Fur Mil Transmissões TSF
1970/72
____________________

Nota dos editores:

(*) Vd. último poste desta série de 6 de Fevereiro de 2008 > Guiné 63/74 - P2509: Estórias de Bissau (15): Na esplanada do Pelicano, a ouvir embrulhar lá longe (Hélder Sousa)