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domingo, 19 de fevereiro de 2023

Guiné 61/74 - P24078: O que é feito de ti, camarada ? (17): Hugo Guerra, ex-alf mil, Pel Caç Nat 55 e 60 (Gandembel, Ponte Balana, Chamarra e S. Domingos, 1968/70), hoje cor inf ref, DFA

VII Encontro Nacional da Tabanca Grande > Monte Real > Palace Hotel > 21 de Abril de 2012> Lendo (e comentando para mim, LG) o livro do Idálio Reis.. O Hugo Guerra é  um dos bravos de Gandambel / Ponte Balana (esteve lá de agosto de 1968 até ao fim, janeiro de 1969)... Veio acompanhado da sua esposa, Ema Guerra, que tinha acabado de  concluir,  com sucesso, a sua licenciatura em serviço social. É uma mulher de armas!... Do Porto...

VII Encontro Nacional da Tabanca Grande > Monte Real > Palace Hotel > 21 de Abril de 2012> Sessão de lançamento do livro do Idálio Reis,  "A CCAÇ 2317 na Guerra da Guiné - Gandembel / Ponte Balana" > Duas  ex-enfermeiras parquedistas Natércia Neves (à direita) e Giselda Pessoa (à esquerda), ambas do mesmo curso. Nenhuma delas conheceu a Gandembel/Ponte Balana do tempo da CCAÇ 2317... (Em São Domingos, o Hugo Guerra e o Manuel Seleiro foram assistidos pela Ivone Reis, 1929-2022.)

Fotos (e legendas): © Luís Graça (2012)  Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné].

Guiné > Região de Tombali > Ponte Balana > Dezembro de 1968 > Da esquerda para a direita, os alf mil Hugo Guerra e João Barge (1945-2010), com os respetivos "lavadeiros (graduados em alferes)"...

Foto e legenda): © Hugo Guerra (2007).  Todos os direitos reservados.
 [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné].


1. Há muito, desde 2013, que não temos notícias (*) do Hugo Guerra, que comandou o Pel Caç Nat 55 (Gandembel e Balana) e depois o Pel Caç Nat 60 (São Domingos), entre 1968 e 1970. Temos-lhe dado os parabéns pelo seu aniversário a 27 de abril (nasceu em 1945) e pouco mais.

Em 21 de abril de 2012, participou no VII Encontro Nacional da Tabanca Grande em Monte Real, acompanhado da sua esposa Ema Guerra. (**)

O último poste da sua autoria, aqui publicado, remonta a 2013 (***). Entrou para a Tabanca Grande em 2008 (****). Tem cerca de 4 dezenas de referências no blogue. Tem página no Facebook mas é pouco ativo.

2. Quando se apresentou à Tabanca Grande em 2007, escreveu sobre ele o seguinte:

(...) Chamo-me Hugo Guerra, nasci em Estremoz em abril de 1945 e estudei na Escola de Regentes Agrícolas de Évora onde acabei o meu curso em 1964. 

Em agosto de 1968, sem perceber bem como (depois hei-de contar), estava no Ana Mafalda a caminho da Guiné em rendição individual e, como a sorte nunca me bafejou, quando desembarquei já tinha guia de marcha para Gandembel onde fui comandar o Pel Caç Nat 55 que estava adstrito à CCaç 2317 [Gandembel/Balana, 1968/69].

Passei por Aldeia Formosa, num heli, e aterrei, ainda em agosto, em Gandembel. Passei a maior parte do tempo em Ponte Balana e estava lá quando fechámos a porta em Janeiro de 1969 (...).

 [ Foto à esquerda, com uma granada ao cinto e toalha ao ombro e sabonete na mão, ia tomar banho num regato perto de Gandembel; e à direita, em Balana, 1968].

Nessa altura, e porque a sorte continuava alheia à  odisseia, fiquei num destacamento logo a seguir, de nome Chamarra. A CCAÇ 2317 foi para Buba e mais tarde foram acabar a sua martirizada comissão em território menos hostil.

Eu tive, mais tarde, uma passagem rápida por S. Domingos no comando do Pel Caç Nat 60 mas o suficiente para ficar ferido com o rebentamento duma mina anti-pessoal, salvo erro a 13 de março de 1970.

Sou hoje DFA e Coronel. (...)

Moro em Lisboa e o meu contacto de (...) telemóvel: 960 085 289. /...)

[ Foto à direita em São Domingos, com o 1º Cabo Manuel Seleiro, que ficou gravemente ferido no mesmo rebentamento que o Hugo Guerra, em 11 de março de 1970... O  Seleiro perdeu as duas vistas e ambas as mãos; o Guerra perdeu uma vista.].


3. No seu último poste,  P11142 (**), o Hugo Guerra falou-nos depois do rumo que a sua vida tomou, indo parar a Angola e, 
após o 25 de Abril e o regresso à metrópole, enveredar pela carreira militar:


(...) Depois de ser ferido em São Domingos em março de 1970 (*****), fiz-me à vida e fui trabalhar e viver para Angola em setembro desse mesmo ano.

Como era Regente Agrícola de formação, não tive qualquer dificuldade em arranjar bons empregos e por lá estive até agosto de 1974, quando optei por reingressar no Exército e vir prá Capital.

Corri Angola de Norte a Sul, exceptuando as Terras do Fim do Mundo, e depois da experiência traumatizante que foi Gandembel/Ponte Balana e São Domingos,  tive oportunidade de formar opinião comparativa entre as três colónias.

Também passei algum tempo em Moçambique. (...)


4. Sobre a sua "vivência" em Angola, deixou-nos aqui uma "saborosa" história que vale a pena relembrar (***):

- Como está, Senhor Capitão? E os senhores Alferes,  sentem-se bem? Está uma óptima tarde para o nosso chazinho, só tenho pena que não possamos ficar mais tempo aqui fora porque os mosquitos não nos largam... Vamos entrar.

Assim falava a Dona, mulher do Gerente da Fazenda Tabi,  a maior produtora de banana do Norte de Angola com o à-vontade do seu estatuto,  dirigindo-se depois ao subgerente e à mulher deste que também faziam parte deste ritual.

Com o grunhido de assentimento do marido, homem feito nas roças de cacau um São Tomé sempre de chibata na mão e acompanhado do seu fiel cão, entrámos.

Um dos criados, fardado de branco e com luvas da mesma cor, habituado a estas andanças, providenciou as bebidas para todos em copos de cristal e um dos Alferes dirigiu-se ao piano e dedilhou qualquer melodia, que já se sabia fazia os encantos da Dona.

A conversa naquele dia girou à volta do acidente que poucos dias antes tivera lugar, quando um Unimog carregado de militares havia sido alvo de uma emboscada no percurso para as salinas a poucos quilómetros da sede da Companhia, tendo os soldados sido apanhados à mão ( parece que levavam as armas debaixo dos bancos) e, não podendo resistir,  foram dizi
mados e a viatura queimada.

-  Uma desgraça… Um lamentável acidente…

- Um enorme desleixo - disse eu, ainda fresquinho de dois anos de porrada na Guiné.

- Mas eles não foram culpados -  logo se levantou a Dona.

Pois não, a culpa é da bandalheira a que se deixa chegar esta situação nas Fazendas onde os Senhores Oficiais são tratados a uísque, gin e tapas, onde os Furriéis têm um belo bar com piscina,  jogos de cartas ou de mesa e onde as patrulhas são efectuadas por civis armados.

O ambiente ficou de cortar à faca. Veio-me à cabeça que àquela hora, na Guiné estariam a começar os ataques aos desgraçados que iriam passa a noite em claro a levar e dar porrada e sem lhe passar pela cabeça que noutras paragens como aquela onde agora eu me encontrava, se jantava com todos os requintes, se bebiam os melhores vinhos de mesa com café, conhaque e charutos.

Se não estou pirado, esta cena passou-se em Outubro de 1970. (...)

5. Comentário do Zé Teixeira ao poste P24074 (*****):

(...) Tenho acompanhado com muita emoção todo este sangrento filme que envolveu o Manuel Saleiro e o Hugo Guerra que conheci na sua passagem por Mampatá. Aquele jovem alferes que foi enviado para Gandembel,  chegadinho da Metropole. Ali viveu momentos terríveis que punham aos saltos o nosso coraçaão, apesar de estarmos a mais de 10 Km, "passeou" por campos de minas que o guerrilheiro Braima Camará ia semeando, conforme me contou em 2008 no Simpósio Internacional de Guileje.  

Depois, quando Gandembel foi abandonado, foi para o Norte e caiu com a Manuel Saleiro.

Doi muito, ainda hoje, tomar conhecimento destas tristes realidades de uma guerra que não queríamos. Parece que estou a ver e a ouvir os lamentos do Hugo, quando em Mampatá se apercebeu do que o esperava.

Ao Manuel Saleiro um abraço sentido de admiração pela sua força anímica. Ao Hugo Guerra cujo Facebook está parado, mas creio que está vivo,  um abraço de solidariedade e amizade.

(***) Vd. poste de 21 de fevereiro de  2013> Guiné 63/74 - P11132: Vivências em tempo de guerra (Hugo Guerra)

(****) Vd. poste de 29 de novembro de  2007 > Guiné 63/74 - P2312: Tabanca Grande (43): Hugo Guerra, ex-Alf Mil, Pel Caç Nat 55 e 60 (Gandembel, Ponte Balana, Chamarra e S. Domingos, 1968/70)

(*****) Vd. poste de 17 de fevereiro de 2023 >  Guiné 61/74 - P24074: (De) Caras (195): Em 1975, cinco anos depois, saí do Hospital Militar Principal com as marcas da mina A/P, armadilhada, que me mudou completamente a vida: estava destroçado, cego, sem a mão direita e com dois dedos na mão esquerda (Manuel Seleiro, 1º cabo, Pel Caç Nat 60, DFA, São Domingos, Ingoré e Susana, 1968/70)

terça-feira, 3 de novembro de 2015

Guiné 63/74 - P15320: Caderno de Memórias de A. Murta, ex-Alf Mil da 2.ª CCAÇ/BCAÇ 4513 (27): De 01 a 31 de Março de 1974

1. Em mensagem do dia 31 de Outubro de 2015, o nosso camarada António Murta, ex-Alf Mil Inf.ª Minas e Armadilhas da 2.ª CCAÇ/BCAÇ 4513 (Aldeia Formosa, Nhala e Buba, 1973/74), enviou-nos a 27.ª página do seu Caderno de Memórias.


CADERNO DE MEMÓRIAS
A. MURTA – GUINÉ, 1973-74

27 - De 01 a 31 de Março de 1974

Março de 1974 – Não podendo dispor dos meus registos de memórias desta época, pelas razões já aqui expressas várias vezes, socorro-me de breves passagens da correspondência enviada para a Metrópole, mas, principalmente socorro-me do valioso documento memorial que é a História da Unidade do meu Batalhão, como um filme daquela curta mas tão marcante etapa da minha vida. Rebobino o “filme” para o mês em apreço e está lá tudo o que preciso saber, desde os factos de que não tenho a mínima memória, - ou de que nunca tivera conhecimento -, aos factos que, embora ainda vagamente lembrados, jamais conseguiria datar e localizar com precisão. Outros, é certo, estão bem vivos na memória e limito-me a confirmar no “filme” o rigor do que está gravado. Dizia um antigo presidente americano, - Abraão Lincoln, creio -, que a memória é como um aço muito duro, difícil de gravar, mas depois de gravado, jamais se apagará. Mais ou menos nestas palavras.

Este mês de Março ficou marcado por alguns acontecimentos empolgantes, para variar, como a ligação de Nhala à estrada nova Aldeia Formosa-Buba e a visita da Presidente do Movimento Nacional Feminino, Cecília Supico Pinto. Sobretudo esta visita, trouxe uma animação inusitada às tropas de Nhala – e do Sector -, mas não se pode dizer que tivesse, também, quebrado a monotonia e a rotina, simplesmente porque naquela época, o que tínhamos menos era monotonia e rotina, tal era a actividade operacional. Esta actividade continuava virada para a protecção às obras da estrada como até aí, mas, a partir de agora, também para a protecção exclusiva das máquinas, paradas à noite, em zonas cada vez mais afastadas dos aquartelamentos, implicando dormidas no mato junto delas. Para além disto, todo o Sector era “vasculhado” constantemente, em acções desencadeadas pelos alarmantes sinais – no terreno e não só -, de que a guerrilha estava um pouco por todo o lado: ora deixavam pegadas, ora lançavam very-lights, ora faziam tiros de RPG que se ouviam nas matas afastadas. Por várias vezes apareceram mesmo, dispostos ao confronto: logo no início do mês interceptaram dois soldados do Pel Caç Nat 55 que andavam à caça, matando um deles; na estrada Mampatá-Colibuia tentaram aproximar-se dos pontões, possivelmente para os destruir, mas foram repelidos pelo GrComb da CART 6250 de Mampatá que lá estava emboscado; no dia 15, a tropa de Buba, da 1.ª CCAÇ/BCAÇ 4513 que se deslocava para a protecção às obras da estrada, foram emboscadas, (pela segunda vez) por cerca de 50 elementos. Em carta para a Metrópole, dei conta: “Hoje, mais uma vez, uma coluna vinda de Buba para a frente trabalhos, entre aquela base e Nhala, foi atacada na estrada. Mesmo nas nossas barbas, mas sem consequências”. Foi em 15 de Março/74, uma sexta-feira. Ainda nessa carta, como curiosidade, informo: “Há dias foi colocada uma bomba dentro de um café que eu costumava frequentar quando de passagem por Bissau”. Estava assim o ambiente geral.

Anteriormente, no dia 7 já noite, vimos subir nos céus de Nhala, mesmo à nossa frente, um very-light verde, silencioso e belo, como num resto de romaria minhota. Estávamos sentados no alpendre da messe, cada um com o seu copo na mão em amena cavaqueira, mas a reacção imediata não foi esperar pelo rufar dos tambores e acordes de gaita-de-foles, mas sim largar tudo e correr para o que tinha de ser feito. Toda a iluminação desligada, em pouco tempo o morteiro 81 estava no espaldão a bater a zona em frente. Todo o pessoal nas valas, expectante, sem saber o que aconteceria a seguir. Eu e a equipa do morteiro 60 do meu grupo, corremos para o extremo da tabanca, do lado da picada para Buba, para bater uma possível retirada por esse lado. Disto lembro-me perfeitamente. Colocámo-nos num espaço exíguo entre a vala de defesa e uma palhota. Enquanto ali estivemos, quase encostados à palhota, eu ouvia no seu interior um tossir de mulher de idade, pareceu-me, numa tosse persistente e cavernosa que picava num peito já sem energia. Não sei se estaria acompanhada mas, apesar do barulho das saídas do morteiro quase ao pé da porta, ninguém veio espreitar ou indagar daquelas necessidades de incomodar quem precisava de descansar. Nunca mais esqueci este episódio. No dia seguinte fizemos uma batida na zona, mas apenas encontramos pegadas de dois indivíduos.


10 de Março de 1974 – (domingo) – A visita da Cilinha

Cecília Maria de Castro Pereira de Carvalho Supico Pinto (1921 – 2011), Cilinha, como gostava de ser tratada, (diminutivo que lhe vinha da infância), era descendente de aristocratas e uma Senhora do Regime. Não precisa de grandes apresentações porque sobre ela quase tudo já foi dito. Muito antes de a ter conhecido em Nhala, já tinha por ela uma elevada consideração e um grande respeito, pela sua coragem, tenacidade e coerência. Durante treze anos, de 1961 a 1974, foi presidente do MNF que ela fundou, tendo em vista acções de sensibilização da sociedade portuguesa para a defesa das colónias ultramarinas, o seu Ultramar. Tudo fez nesse sentido, desdobrando-se em iniciativas na Metrópole e calcorreando as colónias, tentando dar alento a tropas desmotivadas e politicamente amorfas.

Era por ser assim, e não pelos seus objectivos, que a admirava e a minha consideração elevou-se depois de a ter conhecido. Porque, sendo coerente com as suas convicções, saiu do seu confortável cantinho e dos salões solenes e elegantes, e veio para o terreno com o seu camuflado pôr na prática aquilo em que acreditava, correndo riscos e sofrendo privações. E via-se que gostava do que fazia, exibindo uma alegria contagiante e uma disponibilidade total, atributos que passavam para quem a via e ouvia, por a reconhecerem como “um deles”. Politicamente, eu estava nos antípodas. Para mim, a Cilinha, pelas suas ideias e acções e pela sua proximidade (intimidade) com o Regime, representava o Regime.

Politicamente, portanto, eu era contra a sua filosofia de manutenção das colónias, contra tudo o que dizia e fazia nesse sentido, que era, um pouco do que já fizera na sua juventude em prol da caridadezinha.

Paradoxo, incoerência da minha parte? Não. Repito que, como pessoa, tinha por ela o meu maior respeito e consideração. Aliás, soube já depois da sua morte que, nesse aspecto de respeitar o “outro” mesmo não concordando com “ele”, ela não era muito diferente de mim. Dois exemplos: Foi sempre amiga, desde a infância, da Sofia de Mello Breyner, mesmo estando em campos políticos opostos; uma vez disse, revelando nobreza de carácter: “Admiro Cunhal pela sua coerência”. Para terminar, lamento que após o 25 de Abril e até à sua morte, tenha sido desprezada pela esquerda e ostracizada pelos seus correligionários de direita. Tudo apanágios de gente de baixa índole. Sei que nunca foi hostilizada, ainda assim, merecera mais consideração.

************ 

À chegada a Nhala, a Cilinha foi alvo de calorosa recepção por parte da tropa e de alguma população, sobretudo crianças. Mais pelo inédito da situação e pela curiosidade por esta mulher branca que se aventurava no mato para chegar perto deles, com estímulos e uma palavra amiga. Almoçou na messe de oficiais após uns descontraídos aperitivos, mais para pôr a conversa em dia. Vinha acompanhada pelo Comandante do Batalhão, Ten Cor Carlos Alberto Ramalheira e por um séquito de outros oficiais que foi arrastando por onde passou. Após o almoço (ou antes?) houve tempo para falar aos soldados, cantar o fado e, até, dançar com alguns. Depois partiu rumo a Mampatá, após demoradas e sentidas despedidas. Admito que foi o acontecimento do mês, mas não poderia adivinhar que o mês seguinte traria acontecimentos muito mais importantes e marcantes do que este, efémero e superficial.

Seguem-se algumas fotografias que seleccionei dessa visita.


Nhala, 1974-03-10 – Visita da Cilinha: A Cilinha rodeada por alguns oficiais num momento de descontracção durante os aperitivos.

Nhala, 1974-03-10 – Visita da Cilinha: A Cilinha a dialogar com o Comandante do Batalhão Carlos Ramalheira. Em primeiro plano o Cap. João Brás Dias, Comandante da 1.ª CCAÇ/BCAÇ 4513 de Buba.

Nhala, 1974-03-10 – Visita da Cilinha: Messe de oficiais de Nhala. O Comandante do Batalhão diz umas palavras de circunstância.

Nhala, 1974-03-10 – Visita da Cilinha: Ajuntamento de alguns militares e nativos para ouvir a Presidente do MNF.

Nhala, 1974-03-10 – Visita da Cilinha: A assistência vai-se chegando, mas alguns parecem hesitantes...

Nhala, 1974-03-10 – Visita da Cilinha: Após a visita, a Cilinha é acompanhada até às viaturas para o regresso. À sua esquerda o Comandante da 2.ª CCAÇ/BCAÇ 4513 de Nhala, Cap Braga da Cruz. À frente, o Comandante do Batalhão em diálogo com um homem grande da tabanca.

Nhala, 1974-03-10 – Visita da Cilinha: A Cilinha troca umas palavras com o Cap Braga da Cruz.

Nhala, 1974-03-10 – Visita da Cilinha: Cilinha sorridente, num meio que lhe é familiar: a tropa.

Nhala, 1974-03-10 – Visita da Cilinha: A Cilinha olha directamente para a objectiva (corte da fotografia anterior).

Nhala, 1974-03-10 – Visita da Cilinha: Finalmente o embarque.

Nhala, 1974-03-10 – Visita da Cilinha: A Cilinha e o Comandante do Batalhão acomodam-se por cima de sacos de areia.
 
Nhala, 1974-03-10 – Visita da Cilinha: Última despedida do Cap Braga da Cruz.

Nhala, 1974-03-10 – Visita da Cilinha: A Cilinha despede-se de um Alferes que não consigo identificar.

Nhala, 1974-03-10 – Visita da Cilinha: Últimas recomendações? A mim pareceu-me mal que a Cilinha e o Comandante tivessem seguido à cabeça da coluna numa Berliet rebenta-minas.

Nhala, 1974-03-10 – Visita da Cilinha: Vista geral do aparato que envolveu a visita da Cilinha.

Nhala, 1974-03-10 – Visita da Cilinha: Último adeus da Cilinha ao pessoal de Nhala. Em segundo plano, de frente com a mão na cintura, vê-se o Fur Mil Manuel Casaca.

Nhala, 1974-03-10 – Visita da Cilinha: A coluna embica pela velha picada rumo a Mampatá. Mas em frente já é possível ver-se o troço que, ao cimo, entronca na estrada nova: à direita para Buba, e à esquerda pata Mampatá e Aldeia Formosa.

Nhala, 1974-03-10 – Visita da Cilinha: O pó foi sempre uma constante, mas agora agravado pelo revolver dos terrenos pelas máquinas da Engenharia. Não o apanhar de frente, é uma vantagem de quem segue na viatura rebenta-minas. Ou talvez por isso...

(Continua)

Texto e fotos: © António Murta
____________

Nota do editor

Poste anterior da série de 27 de outubro de 2015 > Guiné 63/74 - P15297: Caderno de Memórias de A. Murta, ex-Alf Mil da 2.ª CCAÇ/BCAÇ 4513 (26): De 29 de Janeiro a 26 de Fevereiro de 1974

quarta-feira, 9 de maio de 2012

Guiné 63/74 - P9871: VII Encontro Nacional da Tabanca Grande (20): Um momento alto: o lançamento do livro do Idálio Reis (Parte III): Alocução do autor






VII Encontro Nacional da Tabanca Grande > Monte Real > Palace Hotel > 21 de Abril de 2012> Sessão de lançamento do livro do Idálio Reis, "A CCAÇ 2317 na Guerra da Guiné - Gandembel / Ponte Balana" > Segunda parte da sua alocução. (*)


Vídeo (5' 34''): Alojado em You Tube > Nhabijoes




Aquando de algumas narrativas, sacadas do fundo do tempo, que fui enviando para o Blogue, e onde procurei aflorar o que se nos tinha deparado naquelas inclementes terras do sul da Guiné (**), ali mesmo às portas do Corredor de Guileje, o Luís Graça ousou então, com a centelha que todos lhe reconhecemos,  lançar um repto quanto ao surgimento de um livro, que desse eco aos sofridos tempos que houve lugar naquele cruento cerco de Gandembel/Ponte Balana.

E quanto eu gostaria de, desde logo,  poder afirmar que tomaria a incumbência de dar forma a esse propósito. Mas, para além da pequenez dos atributos pessoais que era indispensável conter para me abalançar a tamanha tarefa, havia algo em falta, que me permitisse ter o condão de conseguir entender os procedimentos de Arnaldo Schulz e de António de Spínola, a fim de bem compreender toda essa enovelada trama que envolveu a construção com posterior abandono daquela guarnição, a delongar em menos de 10 meses: de 8 de Abril de 1968 a 28 de Janeiro de 1969.

Vim a anuir, dada uma forte instância dos meus companheiros da Companhia, e então procurei perscrutar,  à minha maneira, melhor perceber o que Bissau foi congeminando quanto àquele chão.

Eis agora que surge um modesto livro, cujos heróis são os homens da CCAÇ 2317, e que lhes permite reviverem a sua história conjunta, como acta que fique lavrada para poder perdurar, e onde figure descrita essa enorme odisseia que lhes esteve infusamente reservada.

E, o que fundamentalmente intentámos querer em conhecer, não passa de um mero acto de indagação, quanto às razões que levaram Arnaldo Schulz, a mandar construir um aquartelamento, sem cuidar em tomar prudentes atitudes de reconhecimento, indispensáveis à obtenção do imprescindível sucesso, pois que o inimigo já por ali deambulava sem grandes embaraços, como também de apreender as motivações que determinaram a que António de Spínola viesse a ordenar pela sua evacuação. Ou seja, apercebermo-nos das causas e consequências que o fatalismo do erguer de Gandembel, nas imediações do já afamado Corredor da Morte, conseguiu congregar no contexto do Teatro de Operações da Guiné, do seu porquê e para quê.

Homenagem à FAP e evocação das 28 colunas logísticas (23 provenientes de Aldeia Formosa, e 5 de Guileje)

Estava-se no início de 1968, a guerrilha já durava há quase cinco anos, e os esforços de sediação no sul da Província, mormente naquele Sector para onde fomos arrojados, foi sempre de crucial importância para o pulsar da beligerância do PAIGC., pois era neste chão que tinha início a sua maior e mais importante via logística de infiltração e abastecimento.

A implantação de uma força de quadrícula, só agora, e em zona claramente hostil, a acarretar sempre infinitas situações de risco, onde o constante e o imediato se conjugavam, teriam de requerer, sempre, uma ponderada e séria análise de enquadramento militar. O estado-maior de Arnaldo Schulz, preferiu antes enveredar por uma conduta pujada de quaisquer preconceitos de ordem ética e militar, e daí a veemência dos nossos protestos contra um Comité de Comando, frio, apático, negligente, insensível.

Gandembel/Ponte Balana viria a revelar-se um palco infernal para incontidos sofrimentos, a que ficam indissociavelmente ligados alguns agentes que também se envolveram naquela epopeia. Entre tantas e tamanhas vicissitudes, uma homenagem à Força Aérea, onde houve sempre a benevolência de um helicóptero pronto a proceder a qualquer evacuação requerida.


Desde logo, as primeiras referências destinam-se aos homens das colunas de reabastecimento, 28 no total, 23 provindas de Aldeia Formosa numa extensão de 25 km, mas obrigatoriamente com passagem pelos destacamentos de Mampatá e de Chamarra, com este separado de Gandembel em apenas 10,5 km. As outras 5, saem de Guileje, que apenas distava de 18 km.

Vieram a manifestar-se de uma inusitada violência, sempre vulneráveis às ciladas de um inimigo esconso, tornando-se os alvos preferenciais para o cansaço, o desgaste e o desalento, com um único intuito de provocarem acintosamente o sofrimento, a dor, a morte.

Entre as colunas realizadas, a mais agressiva para a CCAÇ 2317 foi a de 4 de Agosto, com consequências funestíssimas, pois para além de alguns feridos, morrem 5 homens (1 era um soldado do Pelotão de Caçadores Nativos).

De toda esta pungente descrição havida com estas colunas, que se consubstanciam com o inextricável mistério de Gandembel, estiveram largas centenas de homens subjugados à beira do abismo. Em especial, para os 3 ínvios caminhos de curta distância, Guileje/Gandembel, Aldeia Formosa/Gandembel e Buba/Aldeia Formosa, só o tamanho da intolerância e da falsidade das colunas, se davam a entender. Paradoxalmente, parece que tudo o resto era irracionalidade.

Em louvor da CART 1689, do Pel Caç Nat 55, 
do Pel Art de Gandembel e dos páras do BCP 12 

Uma outra referência especial vai para os homens da CART 1689, do Alberto Branquinho, do José Ferreira da Silva e companheiros.

À nossa espera em 8 de Abril, esteve connosco até a 15 de Maio, tendo-se empenhado denodada e esforçadamente em nos acompanhar. Pernoitando sempre nos abrigos-toupeira, jamais tendo uma refeição tolerável, com uma actividade constante e perigosa, passando por atribuladas vicissitudes, sai exausta.

A sua partida-separação, deixou-nos claramente mais sós, porquanto ficávamos entregues apenas a nós mesmos, e perdíamos robustez e tenacidade, tão fundamentais para os embates vindos de um forte inimigo, que já então nos confrontava numa brutal e permanente perseguição.

Também uma particular referência, para o Pelotão de Caçadores Nativos 55, que o Hugo Guerra,  em substituição de um companheiro que morrera no maior ataque de sempre, o de 15 de Julho. De igual modo, uma palavra para o Pelotão de Obuses, que chega a Gandembel a 29 de Maio com 2 obuses de calibre 10,5. Tais contingentes, sempre permaneceram connosco até à nossa retirada.

E por fim, aos paraquedistas, que desde o dia 20 de Agosto, se sediaram em Gandembel de modo permanente com 2 grupos de combate, ainda que em rotação, convivendo connosco mais de 3 meses.

A sua presença, traz consigo um agregador sentido de união, que se revelaria essencial no refortalecimento de uma maior estabilidade, e que permitiu fazer renascer uma outra confiança e contribuir para uma revigorada esperança. Para além de estarmos acompanhados, fez brotar uma empatia especial e recriar um outro patamar de segurança. O apoio logístico melhorou substantivamente, e começámos a ter mais e melhores víveres, dando azo a que aparecesse uma outra alimentação, bem distinta da de outrora.

Pela primeira vez: utilização do morteiro 120 e abate de um Fiat G-91

Foi a 26 de Maio, um domingo, que António de Spínola, que tomara posse no dia 20, visita Gandembel logo pela manhã e sem qualquer aviso prévio.

E porque a bestialidade dessa odisseia que foi a construção de Gandembel, ficaria iniludivelmente ligada aos ditames de António de Spínola, uma pesada herança para um militar de escol, digno e brioso, caberá aqui fazer referência ao dia 22 de Junho, data que corresponde às suas primeiras directivas, algumas com uma relação muito direccionada para a nossa zona de vivência. Os teores das n.os 2 e 3/68, incidem respectivamente na remodelação do dispositivo das NT na região de Aldeia Formosa, e no reajustamento do dispositivo no corredor de Guilege.

A divulgação pública destes documentos, que desconhecíamos por completo, vieram a tornar-se preciosos testemunhos para nos ajudar a melhor compreender a conduta de António de Spínola, mormente nos aspectos que concernem àquela nossa unidade e à região em que esta se inseria.

Nos tempos sequentes a meados de Maio, o intrépido Nino Vieira assume de vez as rédeas de um forte exército da guerrilha, com grandes contingentes de infantaria e de artilharia, e claramente imbuído de um firme propósito, que tinha os seguintes escalões-limite: contrariar ao máximo as colunas de reabastecimento; exacerbar a espiral de violência sobre as tabancas do Quebo; encontrar a oportunidade mais propícia para poder vir a destruir Gandembel. ¿Consegui-lo-ia?


VII Encontro Nacional da Tabanca Grande > Monte Real > Palace Hotel > 21 de Abril de 2012> Sessão de lançamento do livro do Idálio Reis, "A CCAÇ 2317 na Guerra da Guiné - Gandembel / Ponte Balana" > Terceira e última  parte da sua alocução.



Manifestou essa intenção de assalto, pelo menos em 3 vezes. A primeira, foi a 15 de Julho, em que por volta das 2H00 da noite, desencadeia um intenso ataque ao nosso poiso, mesmo junto ao arame farpado virado para o lado da fronteira, e com uma demorada duração. Vinha fortemente apostado em fazer rombo, seja pela intenção de destruir as casernas-abrigo que lhe eram frontais, seja no rompimento de uma abertura no arame farpado.


Vídeo (8' 39''): Alojado em You Tube > Nhabijoes


Deste medonho ataque, com um enorme poder de fogo inicial e a uma hora pouco previsível, surge o efeito-surpresa, e se no começo do tiroteio houve alguns momentos aflitivos, depressa os elementos da Companhia, apercebendo-se da origem do ataque, tornaram-se lestos e incisivos a ripostar. Todavia, a caserna-abrigo mais frontal, é apanhada pelos primeiros impactos dos canhões sem recuo, com um número infindo de estilhaços a entrar no seu interior, a quase neutralizar a acção dos militares que nela permaneciam e provocando 1 morto e mais de uma dezena de feridos, dos quais 6 seriam evacuados para Bissau. O morto foi o comandante do Pelotão de Nativos, recém-chegado apenas há 12 dias.

Na altura, afirmou-se que este ataque tinha sido o maior de todos que alguma vez se desencadeara no TO da Guiné. Em resultado dos indícios que deixou no terreno, o IN retirou-se com baixas, muito em especial dos elementos que integravam o grupo de artilharia (11 canhões sem recuo e 9 morteiros 82), graças aos efeitos de uma granada de bazooka a acertar-lhe em pleno.

Mas o PAIGC continuou a ser firme e empenhado, tanto mais que Gandembel viria a ser sujeita a outros ataques de grande violência, em especial em dois da 1.a quinzena de Setembro e o de 8 de Novembro, mas o de 15 de Julho, foi de longe o mais aterrador, jamais esquecido pelos que o viveram directamente.

Nos 2 ataques do mês de Setembro, o inimigo faz utilização de um quantitativo elevado de morteiros 82 e de RPG-7, e com a particularidade também de pôr em acção pela 1.a vez em toda a Guiné, o morteiro 120. 

Fez uso de torpedos-bengalório na destruição da primeira fiada do arame farpado. Contudo, no interior de Gandembel, há mais e melhor armamento (os páras já estavam connosco), há mais certezas no posicionamento dos guerrilheiros, há muito certamente outros factores de ordem providencial em nosso abono. Inclusive, julgamos que estes ataques, de 7 e 11/12, pelos indícios manifestados, são os que provocam mais danos ao inimigo.

Passados apenas 3 dias sobre esse ataque de 15 de Julho, António de Spínola aterra em Gandembel, para se inteirar ‘in situ’ do que tinha acontecido. É nossa convicção, que este incidente, representou para a figura proeminente e tutelar do Comandante-Chefe, que lhe era fundamental manter uma profunda e serena reflexão, que tinha de rever consigo mesmo, quanto ao destino a reservar para Gandembel/Ponte Balana e para os homens que ali sobreviviam.

Surge 25 de Julho, com o Comandante-Chefe a fazer publicar a sua célebre e longa directiva n.o 20/68, em que dentre os considerandos relacionados com a remodelação de dispositivos, pode ler-se o seguinte: «Transferir em fase ulterior, os estacionamentos das NT de Gandembel e Guilege, para Salancaur e Nhacobá, devendo proceder-se, desde já, ao estudo da localização e das vias de comunicação».

Este putativo reajustamento, passados menos de 4 meses do início do erguer de Gandembel, passaria pela construção de 2 novos aquartelamentos, que proporcionassem uma maior eficácia no corte/impedimento do corredor de Guileje, enquanto eixo vital de reabastecimento da luta da subversão. Tais acantonamentos, situar-se-iam um pouco mais para o interior da Província, em cerca de 3 léguas de distância de Gandembel e de ambos os lados do rio Balana. E faria abandonar as áreas de Guileje, Mejo e Gandembel, que dado o domínio prevalecente do PAIGC, as apontava como localizadas em ‘área vermelha’, porquanto as considerava em posições onde as forças de quadrícula não detinham suficiente iniciativa e capacidade operacionais, e também não existiam populações.

O Comandante-Chefe, através destas directivas, procurava vincar com o seu cunho, a sua discordância quanto aos princípios orientadores como o seu antecessor fizera grassar a estratégia militar no TO da Guiné.

Já quanto aos fundamentos em que assentou o surgimento desta guarnição de Gandembel, António de Spínola reconhece que resultavam de um profundo erro de enquadramento operacional, admitindo que esse pouso não era garante de nada, chegando a emitir a opinião que se estava ante um cemitério.

A 28 de Julho, surge mais um dos casos inesperados, e que seria o primeiro a acontecer na Província nestas circunstâncias, e que foi o abate de um Fiat G-91, por fogo de uma metralhadora anti-aérea, com o piloto, então o tenente-coronel Francisco da Costa Gomes, a ejectar-se e a cair a cerca de 3 a 4 centenas de metros a sul do aquartelamento. O seu resgate, dada a proximidade, foi fácil, e o piloto rapidamente entrou num helicóptero, rumando a Bissau.

Sempre esta dualidade da sorte e do azar, que nos espreitava na leveza de cada duro momento.


Foi o que se viria a passar a 4 de Agosto. Esse trágico dia, o mais funesto de todos, tem uma marca punçada a sangue, e chama-se Changue-Iaia. A perda definitiva, num único dia, de 4 companheiros, significou para a Companhia o início do período mais crítico de sempre, em que esse tétrico sentimento de estarmos sós e indefesos se ia apossando acerbamente, e para o qual não se descortinava futuro, nem certo, nem seguro. Eram homens que num tão curto espaço de tempo de permanência na Guiné, viam-se confrontados por um caleidoscópio de fatalidades, a deixar transparecer que Gandembel se antevia à beira fatídica do abismo, pois começava a descrer na superação dos seus medonhos obstáculos.

Os acontecimentos a terem lugar no interior daquele perímetro, que viessem a decorrer nos tempos mais imediatos, podiam determinar ainda agarrar partes sobrantes do apego e do querer, da firmeza e da esperança, se alguém ousasse ouvir os ais de desalento e de dor, que ecoassem muito para além desta região do Forreá.


António de Spínola, que consideramos ter sido um dos maiores estrategos da guerra colonial, faz então lançar o último dos dados que tinha ao seu alcance. E naquele mesmo dia, contrariando a sua directiva quanto a Gandembel, não encontrando ainda a data mais adequada para a citada transferência, toma a resolução de seguir por uma outra, e chama o comandante do Batalhão de Para-quedistas.


Lançou com afinco e pundonor, a mais singular das oportunidades que lhe restava, e que sabia de antemão ser-lhe demasiado cara, mas era muito certamente a única onde poderia colher resultados positivos, e que passaria tão-só pela vinda da melhor tropa de elite para ‘entrar mata adentro’, de forma a domar o inimigo. Era urgente haver tropa operacional, de combate, que muito para além do arame farpado de Gandembel, ousasse ir à sua procura e o enfrentasse, coarctando-lhe os passos das suas itinerâncias, minando-lhes as suas veleidades beligerantes.


Quanto a esta tropa para-quedista, o número de feitos levados a cabo, foi tão importante e vinculativo para nós, que mais ninguém lhe consegue dar a dimensão devida, tão-só o testemunho de gratidão dos que a sentiram bem de perto. Eram, inquestionavelmente, a tropa de elite melhor preparada para este tipo de guerra de guerrilhas, na busca perseverante ao agressor.


Das acções de grande relevo operacional, as de maior significado têm lugar a 28 de Agosto, em que destroçam um bigrupo e apanham-lhe o armamento, assim como a de 15 de Setembro, em que se apossam de um fio de largas centenas de metros, que servia para que um guerrilheiro avançado se postasse no cimo de uma árvore que possibilitava dar uma clara visão do aquartelamento, e prestasse informações via telefone aos apontadores das baterias de morteiros, e que era a razão por que estas bocas-de-fogo vinham progressivamente a assestar a sua pontaria, com as deflagrações das granadas a acercarem-se cada vez mais próximo da guarnição.


Aquando destas façanhas, Spínola deslocou-se a Gandembel.

Quanto à vinda do Comandante-Chefe a 15 de Setembro, o que julgamos à lonjura desses tempos, é que o dossier de Gandembel/Ponte Balana, o continuava a sobraçar de forma firme e ousada, e qualquer que fosse o destino a reservar, estava suspenso de uma única decisão: a sua, mas inelutavelmente ligada ao desempenho dos para-quedistas neste chão.

E a partir dos finais de Setembro, começou a pairar um clima mais sereno e tranquilo, com o PAIGC. a sentir que a sua hegemonia vem sofrendo duros reveses, e revelando medo de a perder, opta cada vez mais em se resguardar. Perdera arrogância e vivacidade, escuda-se nos lados da fronteira e começa a agir essencialmente a coberto da calada das noites.


E a tropa para-quedista termina a sua missão de permanência.

E chegava-se ao dia de Natal. E nesse solene dia, entre diversas personalidades, fomos visitados pelo bispo de Madarsuma, Capelão-mor das Forças Armadas.
O prelado celebra a missa, logo pela manhã, ocupando uma parte da pequena parada, onde se colocou um improvisado altar. Em pleno acto religioso, o PAIGC ‘sauda-o’ em baptismo de fogo, através de uma pequena série de morteiradas 82. O bispo fica atónito com este desenlace, que também não era esperado da nossa parte, mas em fracções de segundo, alguém o refugia no interior de uma das casernas. E em breve, sossegado o tiroteio, retoma a missa, e quando a finaliza, também se despede definitivamente de nós e de Gandembel.

296 dias, 372 ataques e flagelações

E agora a continuarmos mais sós, 1969 despontava, sem nada conhecermos quanto ao destino que nos estava reservado. Mas, de relance, a confirmação do abandono chegaria ao nosso conhecimento na sua antevéspera, que haveria de ter lugar na madrugada do dia 28 de Janeiro, e o destino imediato seria Buba, com alguns dias de permanência em Aldeia Formosa.

À alvorada desse dia, o armamento pesado é desactivado, a bandeira nacional é arriada, o gerador é colocado num Unimog, e eis que havíamos de fechar definitivamente as cancelas de Gandembel e de Ponte Balana, e chegávamos sem problemas a Aldeia Formosa.

Apenas este episódio, já a noite era cerrada, em que o PAIGC desencadeia um forte ataque ao agora local de ninguém, onde tudo se volatilizara, dos sussurros da nossa presença, do ruído do gerador e à luz que fazia incidir, do olhar penetrante dos vigias. Este último tiroteio, propositado ou não, dentro ou fora do seu perímetro, revelava-se-nos o último dos mistérios em que a trama da guerra tantas vezes se enovelou com Gandembel/Ponte Balana.

De modo definitivo, António de Spínola resolvera arquivar de vez o pesado e volumoso dossiê daqueles poisos. Sempre julgou que a construção daquele aquartelamento, naquele tempo e naquelas condições, para nada serviu. E assim, aproveitando-se de uma situação de maior alívio, conquistada recentemente e que só a ele se deve, prefere sair sem o amargo travo da humilhação, mas com um pequena dose de honra e glória. Julgamos que conseguiu atingir os seus desideratos, ainda que tivesse de fazer uso de tropa de elite, um bem demasiado escasso e tão necessário na vastidão bélica da Província. Utilizara exaustivamente o maior dos estratagemas que estavam à sua mão, mas esta soube-lhe corresponder por inteiro.

Gandembel fora muito certamente, o mais infernal palco de guerra a que a Província da Guiné esteve sujeita durante o ano de 1968, com presença permanente na lista negra das piores notícias.

É-nos justo reconhecer que o Comandante-Chefe deu o seu melhor contributo, para que ao surgir a data que tinha determinado, houvesse quase essoutra Companhia de outrora, com os seus homens a sentirem-se mais estimulados, seguros, serenos, como também susteve de algum modo a devastação de todo um chão, a ser marcado duradoiramente pela contumácia da subversão.

Na qualidade de ex-militar que viveu todos os dias de Gandembel/Ponte Balana, sentimos muito impressivamente que os homens desta Companhia, jamais tiveram até à chegada dos para-quedistas, o apoio que necessitavam, mereciam e tinham legítimo direito a tal. E é por isso, que temos de reconhecer na heterodoxia de Spínola, um militar de uma enorme dignidade, que se não fora a sua persuasão, consubstanciada na forma como soube lidar com um processo de contornos muito complexos, talvez muito poucos de nós restariam sem sequelas de maior.

Dado o conjunto de vivências extremas por que aqui passámos, reconhecemos que havia felicidade estampada nos nossos rostos quando deixámos Gandembel, não o negamos. Para trás, ficava definitivamente um palco infernal, e já bastava de tanta contenção e castigo.

E hoje, ao recordarmos todos aqueles 296 dias, perpassam ainda sentimentos e emoções difíceis de conter para os narrar, porquanto os momentos dramáticos foram tantos e tão intensos, quanto as marcas profundas de sofrimento ou as incontornáveis mazelas taciturnas e dolorosas. E já tínhamos perdido para sempre, 9 valorosos companheiros. A todas as imoderadas privações, em que avultam os 372 ataques/flagelações, os de maior sorte foram resistindo, ainda que por vezes surgissem vacilações ou esmorecimentos.


E, porque nos últimos 6 meses de comissão, em Nova Lamego, uma zona sem a audição de um eco de um qualquer tiro, conseguimos bem reconhecer que para a grande generalidade dos militares do mato, os ditos operacionais, a guerra foi-lhes sempre tenebrosa. Todavia, ela mostrava-se ainda assim, bem díspar nos diferentes chãos da Província.

Idálio Reis


Vídeo, legendas e subtítulos (do texto): © Luís Graça (2012) / Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné. Todos os direitos reservados.


Fotos (em formato pequeno): © Idálio Reis (2007) / Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné. Todos os direitos reservados.


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 Notas do editor:



(*) 28 de abril de 2012 > Guiné 63/74 - P9819: VII Encontro Nacional da Tabanca Grande (15): Um momento alto: o lançamento do livro do Idálio Reis (Parte II): Mais fotos da sessão de autógrafos


(**) Vd. este e postes anteriores >  10 de outubro de 2007 > Guiné 63/74 - P2172: Fotobiografia da CCAÇ 2317 (1968/69) (Idálio Reis) (11): Em Buba e depois no Gabu, fomos gente feliz... sem lágrimas (Fim)

(...) Comentário do editor L.G.:

1. Querido amigo e camarada Idálio: Não há, na guerra, um fim feliz, como no cinema. Mas gostei de saber que os últimos meses dos homens-toupeiras de Gandembel/Balana permitiram-vos retemperar as forças para o regresso à Pátria, à Mátria ou à Madrasta da Pátria...

Continua a dar-nos notícias da tua/nossa gente, cuja epopeia tão bem soubeste evocar e descrever nesta fotobiografia... O teu testemunho honra-nos a todos e orgulha os editores e autores do blogue bem como todos membros da nossa Tabanca Grande. A fotobiografia da CCAÇ 2317, escrita pelo teu punho, foi um dos momentos altos do nosso blogue.

Faço daqui um veemente apelo a um editor português que arrisque publicar, em livro, esta extraordinária aventura de 9 meses no corredor da morte. Porque não o Círculo de Leitores ? L.G.


quarta-feira, 8 de dezembro de 2010

Guiné 63/74 - P7403: Recortes de Imprensa (36): Gandembel/Balana, com o Hugo Guerra (Pel Caç Nat 55) e o João Barge (CCAÇ 2317)























Excerto de reportagem do jornalista César da Silva, "Um repórter na guerra da Guiné (Conclusão): Em Gandembel, o adeus à guerra. Diário Popular, 17 de Março de 1969, p. 11 (Página digitalizada por Hugo Guerra. Imagens editadas por L.G.)



Guiné > Região de Tombali > Aldeia Formosa > 1969 (?) > O João Barge, "descansando de Gandembel", com o Hugo Guerra (comandante do Pel Caç Nat 55)...




Guiné > Região de Tombali > Aldeia Formosa > 1969 (?) > O João Barge (Alf Mil, CCAÇ 2317, 1968/70), ao centro, "descansando de Gandembel", com o Hugo Guerra (à sua direita) e o Fur Mil Palmeirim, "do meu pelotão", ou seja, do Pelç Caç Nat 55... Estiveram juntos em Gandembel / Balana...

Fotos: © Hugo Guerra (2010) / Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné. Todos os direitos reservados



1. Comentário do Hugo Guerra ao poste P7398 (*)

Quando o João Barge chegou a Gandembel [, em Outubro de 1968,], o Pelotão que ele ia comandar estava em Ponte Balana comigo e foi para aí que ele se deslocou.

Passámos juntos mais de dois meses e com ele que "fechei a porta " em Ponte Balana [, em Janeiro de 1969]. Era um amigo bom , calmo e pachorrento, com uma cultura muito acima da média. Sabia falar árabe e com isso se entretinha a falar com alguns dos nativos do meu Pel Caç Nat 55.

O abrigo, no qual ele parece estar a entrar, foi feito pelos seuss homens em Ponte Balana em Outubro ou Novembro de 1968 e era aí que dormia com os Furriéis do seu pelotão.

Quando precisei dele como minha testemunha num Processo por doença, de imediato respondeu afirmativamente e lá veio a Lisboa, onde nos encontrámos há 5 anos. 

Estivemos juntos pela última vez em Monte Real, este ano [, por ocasião do V Encontro Nacional da Tabanca Grande,] e cconversámos emocionados, embora nada deixasse transparecer do seu estado de saúde.

Perdi um grande amigo e camarada de armas. Paz à sua alma, onde quer que esteja. Os meus sentidos pêsames à família.


P.S.- Fui eu e não o Hugo Moura quem avisou o Vinhal logo no dia do falecimento. 

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Notas de L.G.:


(*)  Vd. poste de 7 de Dezembro de 2010 > Guiné 63/74 - P7398: In Memoriam (65): Faleceu o nosso camarada João Barge, ex-Alf Mil da CCAÇ 2317 (Tertúlia / Editores)

(**) Último poste da série > 26 de Novembro de 2010 >  Guiné 63/74 - P7343: Recortes de imprensa (35): Manecas dos Santos, o último dos cabos de guerra do PAIGC, que comandou os Strela e o cerco a Guidaje, estará na 2ª feira, 29, no lançamento do livro de Moura Calheiros (Diário de Notícias)