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terça-feira, 21 de fevereiro de 2023

Guiné 61/74 - P24085: Memórias e histórias minhas (José da Câmara) (37): Sentimentos que a farda militar encobre


1. Em mensagem de 18 de Fevereiro de 2023, o nosso camarada José Câmara, ex-Fur Mil Inf da CCAÇ 3327 e Pel Caç Nat 56 (Brá, Bachile e Teixeira Pinto, 1971/73), enviou-nos mais uma das suas Histórias e Memórias, desta vez relacionada com as trágicas e traiçoeiras minas.


MEMÓRIAS E HISTÓRIAS MINHAS

37 - Sentimentos que a farda militar encobre

Nos últimos tempos, por razões que para aqui não interessam, tenho estado afastado da escrita, mas continuo atento. O tema “minas” tem-me chamado a atenção não só pelo desaparecimento prematuro de vidas e, como não podia deixar de ser, pela destruição da qualidade de outras, que se prolongaram nos tempos.

A CCaç 3327/BII17, companhia que integrei até ser transferido para o Pel Caç Nat 56, também teve o seu malfadado encontro com aqueles engenhos na zona de Bissássema. Vou deixar que a História da Unidade fale por si na descrição dos acontecimentos e, mais importante que tudo, integrar os sentimentos que então assolaram o Fur Mil Luís José Vargem Pinto, comandante da 3.ª Seccão, do 4.° GComb, do qual eu também fiz parte. Acrescento aqui que na altura deste acontecimento eu já tinha sido transferido para o Pel Caç Nat 56.

Na História da Unidade (CCaç 3327/BII17) – CAP II, FASC XI – PAG 25 é possível ler-se uma descrição bem elucidativa do que aconteceu naquele dia 16FEV72. Os elementos feridos não faziam parte da CCaç 3327. A sua presença no local deveu-se à proteção que fizeram ao comandante do Batalhão de Tite que entendeu deslocar-se ao local do rebentamento e, segundo testemunhos de militares da 3327, por pouco não pisou uma das minas.

Este foi o estado em que ficou o pontão destruído pelo PAIGC. Sem dúvida que foi uma grande carga explosiva. Foi à volta destes escombros que foram implantadas as minas que o Furriel Pinto levantou.

Em 2011, aquando do convívio da CCaç 3327, realizado no BII17, na ilha Terceira, o Fur Mil Pinto presenteou-me com uma pequena descrição daquilo que tinha sido a sua acção no levantamento das minas e os sentimentos que então o assolaram para tomar tal decisão. Importa realçar que toda a sua acção envolve à volta dos mais altos princípios humanos e desprezo total por aquilo que lhe pudesse acontecer.

Pela pena do FurrielMil Pinto:
“...Quando levantei as minas não foi pensando no dinheiro, nem sequer sabia que pagavam 1000 escudos cada mina levantada. Em primeiro lugar pensei que não podia deixá-las no terreno, porque alguma noite podia ser necessário passar por lá e pisar alguma, aí, adeus ó perna.
Em segundo lugar pensei na população, se ficassem no trilho quando alguém por lá passasse iam acioná-las e aí seria o rebentamento com perdas irreparáveis.
Rebentá-las no sítio não era possível, o inimigo sabia à distância a nossa posição.
Portanto decidi levantá-las e levá-las para o quartel.
Quero agradecer ao nosso comandante a confiança que depositou em mim como graduado e aos homens por mim comandados para uma missão tão difícil.”

Convívio no BII17, Angra do Heroísmo, Terceira, Açores, ano de 2011. Eu (à esquerda) com o Fur Mil Pinto.

Um abraço transatlântico
José Câmara

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Nota do editor

Último poste da série de 1 DE ABRIL DE 2021 > Guiné 61/74 - P22056: Memórias e histórias minhas (José da Câmara) (36): Um levantamento de rancho servido com uma bofetada

quinta-feira, 23 de dezembro de 2021

Guiné 61/74 - P22835: Os nossos seres, saberes e lazeres (483): Guerra e Desporto, mais um artigo de Alexandre Silveira publicado no Jornal Fayal Spor Club, enviado a partir da Mata dos Madeiros (José Câmara, ex-Fur Mil Inf)

1. Em mensagem de 17 de Dezembro de 2021, o nosso camarada José Câmara (ex-Fur Mil Inf da CCAÇ 3327 e Pel Caç Nat 56, Brá, Bachile e Teixeira Pinto, 1971/73), enviou-nos mais um recorte da sua colaboração no Jornal Fayal Sport Club, a partir da Mata dos Madeiros, Guiné.

Mano Carlos,
Junto mais um dos meus escritos publicados no Jornal “Fayal Sport Club”, em 1971. Infelizmente não consigo saber exactamente o mês da publicação.
Ao tempo, ainda eu estava em Bissau, numa das minhas noites livres fui ao Estádio “Sarmento Rodrigues” para assistir a um jogo de futebol. Independentemente dos objectivos das minhas observações ao jogo e ao recinto, hoje isso pouco interessa, espero que o escrito traga memórias e recordações a alguns dos nossos companheiros.

Abraço fraterno do mano,
José


Recorte do Jornal Fayal Sport Club, com artigo publicado em 1971 pelo nosso camarada José "Alexandre da Silveira" Câmara, hoje radicado nos EUA.
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Nota do editor

Último poste da série de 18 DE DEZEMBRO DE 2021 > Guiné 61/74 - P22818: Os nossos seres, saberes e lazeres (482): Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (22): As surpresas que o Museu de Lisboa nos reserva (Mário Beja Santos)

segunda-feira, 22 de novembro de 2021

Guiné 61/74 - P22739: Os nossos seres, saberes e lazeres (478): Guerra e Desporto, um artigo de Alexandre Silveira publicado no Jornal Fayal Spor Club, enviado a partir da Mata dos Madeiros (José Câmara, ex-Fur Mil Inf)

1. Em mensagem de 19 de Novembro de 2021, o nosso camarada José Câmara (ex-Fur Mil Inf da CCAÇ 3327 e Pel Caç Nat 56, Brá, Bachile e Teixeira Pinto, 1971/73), enviou-nos um recorte de imprensa através do qual nos desvenda mais uma das suas facetas, a de colaborador do Jornal Fayal Sport Club, a partir da Mata dos Madeiros, Guiné.

Mano Carlos,
Amigo meu está a publicar cópias dos jornais do Fayal Sport Club dos anos 60 e 70. Nesse clube, apesar de jovem, desenvolvi várias actividades deportivas e outras tais como festas de angariações de fundos monetários, na feitura do jornal e, como não podia deixar de ser, lá ia publicando alguns artigos, pobres na escrita, mas que me dava prazer.
Aqui vai um artigo que escrevi na Mata dos Madeiros, sem a possibilidade de revisão adequada. Depois de leres, diz-me se isso tem algum interesse para o blogue.
Aquele Alexandre Silveira sou eu (José Alexandre da Silveira Câmara). Eu tenho mais alguns escritos na Guiné.

Abraço fratero do mano José


Recorte do Jornal Fayal Sport Club, com artigo publicado em 1971 pelo nosso camarada José Alexandre da Silveira Câmara, hoje radicado nos EUA.
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Nota do editor

Último poste da série de 20 DE NOVEMBRO DE 2021 > Guiné 61/74 - P22734: Os nossos seres, saberes e lazeres (477): Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (18) (Mário Beja Santos)

quarta-feira, 21 de dezembro de 2016

Guiné 63/74 - P16864: Humor de caserna (40): Granadas, loiras e inofensivas, apreendidas no Aeroporto de Lisboa (José da Câmara, ex-Fur Mil)



Foto: © José Câmara

1. Em mensagem do dia 20 de Dezembro de 2016, o nosso camarada José da Câmara (ex-Fur Mil Inf da CCAÇ 3327 e Pel Caç Nat 56, Brá, Bachile e Teixeira Pinto, 1971/73), enviou-nos esta história de Natal que poderia ter um fim bem diferente se a perigosa carga apreendida no aeroporto de Lisboa tivesse passado dissimulada.


Uma estória de Natal

No Destacamento de São João os serviços primários de assistência na saúde às nossas tropas e civis eram assegurados por dois maqueiros militares. Eles faziam o melhor que podiam.

Um deles, o Mota, do Pel Caç Nat 66, foi de férias ao continente. Nos serviços aduaneiros perguntaram-lhe se tinha algo a declarar. O nosso militar, fazendo jus aos melhores princípios de sinceridade respondeu que sim, tinha algumas granadas de mão.

Para quem transitou pelos aeroportos portugueses na altura pode imaginar a reação do agente aduaneiro, dito Guarda-Fiscal, perante aquela resposta.

Sem alertar as pessoas por perto, pediu ao nosso militar que as colocasse com muito cuidado em cima do balcão, no que foi obedecido de imediato. Nem queria acreditar no que estava a ver. Aqueles despojos de guerra não podiam seguir viagem e foi assim que o nosso maqueiro se viu livre do perigo que aqueles artefactos de guerra representavam para ele e para os seus contactos.

No seu regresso de férias ao Destacamento de São João, desolado pelo acontecido, o nosso maqueiro lá ia contando a sua desventura no Aeroporto de Lisboa. Era evidente que estava psicologicamente muito afectado. Mais que compreensível!

Perante a sua inocência, o Mota também não conseguia compreender como é que aquelas granadas, loiras e inofensivas, um produto da Escócia, devidamente encavilhadas e acondicionadas, podiam representar um perigo para ele e para os familiares e amigos. E rematava que já não havia respeito nenhum para quem dava o coiro na Guiné.

Respeito, ou a falta dele, que mudou desde então?

O Menino Jesus continua a nascer todos os anos no dia 25 de Dezembro.
Com ele o renovar das nossas esperanças em melhores dias.
Do amor, da amizade, da paz, saúde e até material. É humano que assim seja. Mas o que tenho eu, que temos nós, para Lhe oferecer?

Tenham um Feliz e Santo Natal na companhia dos vossos familiares.

Abraço transatlântico.
José Câmara
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Nota do editor

Último poste da série de 22 de janeiro de 2015 > Guiné 63/74 - P14174: Humor de caserna (39): A minha primeira viagem no Batelão Anita (José Brás)

quarta-feira, 3 de fevereiro de 2016

Guiné 63/74 - P15703: (In)citações (83): Depoimento de um antigo combatente na diáspora (José Câmara, ex-Fur Mil da CCAÇ 3327 e Pel Caç Nat 56) (2): Reintegração na vida civil e saída para a diáspora

1. Segunda parte do Depoimento de um antigo combatente na diáspora, da autoria do nosso camarada José da Câmara (ex-Fur Mil Inf da CCAÇ 3327 e Pel Caç Nat 56, Brá, Bachile e Teixeira Pinto, 1971/73), enviado ao Blogue em 14 de Janeiro de 2016:


Depoimento de um antigo combatente na diáspora* 

2 - A reintegração na vida civil e a saída para a diáspora
 
Na chegada ao Faial (17 de Janeiro de 1973) não havia ninguém à minha espera. A minha família partira para os Estados Unidos da América ainda antes de eu ter ido cumprir o serviço militar. A madrinha de guerra que me acompanhara tão abnegadamente durante os dois anos de comissão, também ela emigrante, era uma doce recordação, um amor que já não era segredo. O tempo se encarregaria de nos juntar.

Sem casa, sem família ou namorada por perto e com os amigos da minha idade ainda a cumprirem o seu serviço militar ou a estudarem na universidade, sentia-me mais só que nunca. Apenas me animava a esperança que, em breve, também emigraria, indo ao encontro daqueles que me deram o ser e esperavam por mim. Não sentia a falta do serviço militar, mas sonhava com as situações passadas e lembrava com uma saudade tremenda aqueles jovens com quem vivera e que jamais esqueceria. Irmãos que o foram e jamais deixarão de o ser. Apresentei-me na Circunscrição Florestal da Horta. Pretendia voltar ao trabalho. Fora dali que partira para o serviço militar. E seria ali que iria sofrer a primeira grande desilusão como cidadão de Portugal, mas também a certeza de que o mundo era servido por gente boa. A minha posição naquela Circunscrição não tinha sido salvaguardada. O Governo que me tirara ao seio da família, agora tirava-me o trabalho, depois de eu ter cumprido com todos os meus deveres como cidadão.

Não podia ser, não acreditava. Insisti que não era correto o que me estava a acontecer. O Engenheiro Olavo Simas, Chefe da Circunscrição, e o Chefe de Secretaria, o Sr. Fernando dos A.A. Campos, dois homens de inigualável humanismo, compreenderam a situação e o meu protesto. Seria reintegrado no trabalho uns dias depois das férias regimentais.

Entretanto, recebera a 27 de Janeiro de 1973 o termo de responsabilidade, o contrato de trabalho e a carta de chamada, documentos que iriam mudar por completo o rumo da minha vida. Como tantos outros iria emigrar para os Estados Unidos da América.

Com aqueles preciosos documentos na mão dirigi-me ao escritório do agente de viagens e emigração que me aconselhou sobre o processo burocrático para obter passaporte português e o visto pelas autoridades americanas. Para tanto deveria começar pela obtenção da licença militar para me ausentar para o estrangeiro e do certificado de registo criminal, além de outra documentação e exames médicos. Tudo parecia fácil, para logo descobrir que não seria assim quando me dirigi à secretaria do Comando Militar da Horta e ali fui informado que sem a caderneta militar não poderiam passar a licença. Também teria que aguardar pela passagem definitiva à disponibilidade o que só aconteceria a 7 de Fevereiro de 1973. Houve que movimentar boas-vontades na Repartição de Mobilização e uma cópia da minha Nota de Assentos foi enviada para o Comando Militar da Horta, ao mesmo tempo que autorizava aquele a passar-me a necessária Licença Militar.

No dia 13 de Abril de 1973, precisamente 3 meses após ter desembarcado em Lisboa vindo da Guiné, era assinada a licença militar para me ausentar definitivamente para os Estados Unidos da América. A licença custou em selos fiscais 1.063$00 (mil e sessenta e três escudos), o que constituía para a época uma quantia assinalável. Mais que o dispêndio magoou-me ter que pagar por uma licença militar depois de ter cumprido com honra e dignidade os meus deveres para com a Pátria. Para além disso, atrasou todo o meu processo de emigração em cerca de dois meses.

Licença militar. Aqui para nós, consegui-a sem ter a caderneta militar. Mas foram precisas muitas ajudas. A começar em Bolama. Uma história muito comprida.

Foi em Ponta Delgada que encontrei alguns membros da CCaç 3327 e da CCaç 3328 também eles a prepararem o processo de emigração. Para além daqueles que faziam parte da minha vivência na Ilha do Faial, este encontro tinha um sabor especial pois um deles, o José Serpa, um florentino, tinha sido soldado da minha secção. Dos outros recordo-me do António Maria Vasconcelos, do José Carvalho, também eles florentinos, e o micaelense João Carlos Reboredo. Era o meu primeiro grande encontro com um passado ainda recente. Por eles soube que já estavam na posse da respetiva caderneta militar. Infelizmente, com imensa pena minha, nunca recebi a minha.

No Sábado, dia 21 de Julho de 1973, embarcava para ilha de Santa Maria e dali para o Estado de Massachusetts, EUA, onde chegaria nesse mesmo dia a casa dos meus pais sem ter avisado ninguém da minha chegada. Quarenta e quatro meses depois, agora em terras da América, voltava a abraçar a minha família.

Cerca de três meses após a minha chegada a terras americanas, já na posse do meu cartão da Segurança Social e do cartão Residente Permanente, o chamado cartão verde (talvez devido à sua cor), vi-me obrigado pela força das leis deste país a inscrever-me no Selective Service, o Departamento de Recrutamento dos Estados Unidos da América. Saíra de uma guerra e já me sentia perto de outra, a do Vietname. Não fui chamado e com a profissionalização das Forças Armadas Americanas, passei definitivamente à disponibilidade em 1976. Na altura, ainda solteiro e sem obrigações, se chamado a cumprir, eu julgo que em última análise teria regressado aos Açores.

A minha inscrição no "Departamento de Recrutamento" das FA dos EUA, o chamado Selective Service.

Com o passar do tempo, neste Novo Mundo para mim, fui-me apercebendo das grandes diferenças com a minha vivência recente, a portuguesa e, em particular, a açoriana. O vigor da sociedade americana e da sua economia assentava primariamente no respeito pelas instituições.

As diferentes comunidades portuguesas, com reconhecida capacidade de trabalho e honestidade, manifestavam-se sobretudo através das suas preferências religiosas, promovendo as procissões ao Senhor Santo Cristo dos Milagres, ao Divino Espírito Santo e a Nossa Senhora de Fátima.

Como bom açoriano, sentia profundamente as manifestações da nossa comunidade. Por outro lado, como combatente na chamada Guerra do Ultramar, via nos grandes desfiles americanos – o Memorial Day, o Independence Day, o Veterans Day – manifestações cívicas e patrióticas, que demonstravam um sentimento de cidadania e de patriotismo a que não estava habituado. Não me era indiferente ver os veteranos americanos marcharem com os seus uniformes, medalhas no peito, saudados com as palmas dos milhares de pessoas alinhadas ao longo das ruas por onde passavam os cortejos. Eu também batia palmas enquanto o coração chorava.

Um pormenor do desfile do Memorial Day, em Stoughton. Infelizmente não tenho melhor foto.

A partir de 1981, fazendo parte da Banda Filarmónica de São João, Stoughton, MA, tomei parte em todas aquelas manifestações. Fazia em terras da América aquilo que me tinha estado vedado em Portugal. Também assim prestava a minha homenagem aos que tinham combatido no Ultramar e nas demais guerras que Portugal sustentara.

Foto do Jornal Portuguese Times. Na foto eu vou com a Bandeira Portuguesa à frente da Banda Filarmónica de São João, da qual sou um sócio fundador.

Muito recentemente, na área da Nova Inglaterra, apareceram as primeiras organizações de antigos combatentes do Ultramar, que abracei de imediato. A mais antiga, circunscrita a Lowell, Massachusetts, por isso mesmo com uma ação pouco participativa e abrangente, desfila no Boston Portuguese Festival, o Dia de Portugal, na área consular de Boston. A organização comemora o 25 de Abril e tem uniforme próprio. Na cidade de Lowell há um monumento de homenagem aos combatentes do Ultramar, contributo daquela Associação de Veteranos Portugueses da Guerra do Ultramar.

A Associação de Veteranos das Força Armadas Portuguesas recebe um Diploma de Reconhecimento da Câmara de Deputados do Estado de Massachusetts

Outra organização, a Liga de Emigrantes da Nova Inglaterra Combatentes das Ex-Colónias, apareceu sediada em Fall River. Relativamente bem estruturada, com estatutos próprios, processo de incorporação adiantado, acabou por se afogar na sua própria dinâmica. A falta de compreensão relativamente aos seus objetivos principais e o divisionismo que provocou entre os seus associados, bem evidentes nas primeiras reuniões, a exorbitante cotização (60 dólares anuais) e algumas exigências da Liga Portuguesa de Combatentes a que se havia filiado foram algumas das razões que levaram ao desaparecimento precoce desta associação, que não viveu tempo suficiente para ter uma ação participativa digna de registo.

Fui associado e assíduo participante nas reuniões daquela Liga que vi desaparecer precocemente com mágoa.

Ainda antes do desaparecimento daquela Liga, alguns dos seus associados deram início a uma outra organização, a Associação de Veteranos Portugueses, com sede em Taunton. Tem estatutos próprios e muito simples. Com mais de cem associados, esta organização tem uma ação muito participativa no meio comunitário português e, o que é de louvar, nas manifestações patrióticas americanas.

Nas ações em que já tomou parte, há que realçar a sua participação no hastear da bandeira portuguesa no Dia de Portugal nas diversas cidades da área consular de New Bedford, nos cortejos realizados no âmbito
Para além dessas manifestações de índole religiosa e patriótica, a Associação tem alguma actividade filantrópica participando com os seus fracos recursos financeiros para organizações de pesquisa e assistência social.

Em Fall River, a Associação de Veteranos das Forças Armadas Portuguesas desfila nas Grandes Festas do Espírito Santo. Reparar na quantidade de pessoas que assistem a este desfile. 

A Associação tem a sua reunião anual no mês de Novembro, a cotização é de quinze dólares anuais, tem uniforme próprio custeado individualmente pelos próprios associados. A Associação tem o seu banquete anual no fim-de-semana mais próximo do dia 25 de Abril. Esta data também marca o começo das atividades que se irão seguir durante o verão.

Sou associado desta Associação e participo activamente nas suas ações. Sinto um prazer especial em fazê-lo, até porque é dirigida por cabos e soldados do exército português, combatentes que foram nas províncias ultramarinas. Os graduados associados, quatro, são observadores cúmplices nesta excelente organização de militares que foram no exército de Portugal.

Para além dos objetivos primários destas associações de combatentes, elas também servem como ponto de encontro com o nosso passado de combatentes na Guerra do Ultramar. Ali as cicatrizes psicológicas provocadas pelas diferentes lutas deixam de ser um tabu e acrescentam novas páginas à história da guerra. No encontro com os velhos amigos e camaradas voltamos a ser os jovens voluntariosos e abnegados de então. Voltámos ao passado que a história não poderá esquecer. Naturalmente que todas essas associações de emigrantes sucumbirão perante a voragem da roda da vida. Elas serão, e só isso, tesouros desaparecidos.

Da minha integração e participação em algumas dessas associações senti a urgência de ir à procura dos muitos amigos que criara na CCaç 3327, queria saber daqueles que tinham feito parte da minha secção. Por estes lados tinha encontrado alguns, meia dúzia, e o mesmo era verdade nos Açores. Através da NET encontrei o blogue “Luís Graça e Camaradas da Guiné”, essencialmente dedicado à Guiné. Apercebi-me da quantidade de camaradas que escreviam sobre os convívios anuais das suas unidades e o sentimento gratificante que sentiam com a realização daqueles encontros. E por que não a minha companhia onde deixara tantos bons amigos?

Os convívios servem para isso mesmo, matar as saudades e abraçar os nossos camaradas.

Daqui, dos EUA, usando o Roteiro da Saudade da companhia, pesquisando os nomes através das páginas brancas das redes telefónicas lá fui encontrando alguns camaradas. Num trabalhão tremendo inicial, mais tarde suavizado com alguma ajuda, conseguiu-se o nosso primeiro convívio em Coimbra. Entre camaradas e familiares juntámos cento e dez pessoas, um sucesso inimaginável. Importante mesmo foi o abraço de reconhecimento, de camaradagem, de saudade. Valeu mais que a pena.
De então para cá, o convívio tem-se feito alternadamente nos Açores e no Continente. E sempre com o mesmo sucesso, se atendermos a que muitos açorianos se encontram emigrados nos EUA e Canadá.

O regresso a Tavira

Durante o convívio realizado na Terceira fora sugerido que o próximo a ser realizado nos Açores fosse em São Miguel. Era convicção dos presentes que aquela ilha, sendo berço de muitos militares da companhia, proporcionaria a estes a possibilidade de estarem presentes. Se a premissa é correta, a realidade é que a emigração roubou muitos dos seus filhos. Mas isso não nos fez desistir até porque ainda tínhamos uma missão a cumprir.

Baseado naquele alvitre, sugeri a compra da campa tumular e a homenagem ao Manuel Veríssimo de Oliveira. Bem aceite por todos, já durante o convívio de 2012, foram angariados alguns fundos para aquele fim que foram juntos ao saldo que vinha dos convívios anteriores. Com o andar dos meses, por telefone, correio eletrónico e outra correspondência julgada normal fui apelando à generosidade dos antigos militares da CCaç 3327 até conseguir os fundos necessários para cobrir as despesas inerentes à compra da campa e homenagem àquele nosso militar. A verdade é que a generosidade dos elementos da companhia ultrapassou em muito o orçamento previsto. E quando assim é só posso estar imensamente agradecido.

No dia 27 de Julho de 2013, na presença dos familiares, autoridades locais e outros convidados, o Manuel recebia a homenagem dos camaradas e amigos da sua companhia que na altura da sua morte não fora possível fazer-se. A Guiné nos uniu, a morte não nos separou. Não cheguei a tempo de abraçar a sua mãe, nenhum de nós chegou, mas fiquei com a certeza de que o cemitério da Lomba de São Pedro foi pequeno demais para albergar a grandeza do coração das gentes ali presentes e de muitos outros que gostariam de lá ter estado.

O encontro com o meu passado, quatro elementos da minha secção.

Hoje, revivendo as minhas memórias, não sinto nostalgia pelo passado. Todavia, não posso negar a presença constante daqueles que assentaram raízes no meu coração. As grandes lições que aprendi ao seu lado levam-me a acreditar que a história na sua constante evolução à procura da perfeição será muito benevolente para com a mais sacrificada geração de portugueses, aquela que participou na Guerra no Ultramar.

(FIM)
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Nota do editor

(*) Vd. poste de 2 de fevereiro de 2016 Guiné 63/74 - P15699: (In)citações (82): Depoimento de um antigo combatente na diáspora (José Câmara, ex-Fur Mil da CCAÇ 3327 e Pel Caç Nat 56) (1): As experiências humanas que a guerra me proporcionou

terça-feira, 2 de fevereiro de 2016

Guiné 63/74 - P15699: (In)citações (82): Depoimento de um antigo combatente na diáspora (José Câmara, ex-Fur Mil da CCAÇ 3327 e Pel Caç Nat 56) (1): As experiências humanas que a guerra me proporcionou

1. Em mensagem do dia 14 de Janeiro de 2016, o nosso camarada José da Câmara (ex-Fur Mil Inf da CCAÇ 3327 e Pel Caç Nat 56, Brá, Bachile e Teixeira Pinto, 1971/73), enviou-nos um texto, e algumas fotos, com aquilo a que chama Depoimento de um antigo combatente na diáspora. 
Aqui fica a primeira de duas partes.


Depoimento de um antigo combatente na diáspora  

1 - As experiências humanas que a guerra me proporcionou

José da Câmara*

Muito mais que a experiência militar, o que me marcou para a vida foram as experiências humanas que a guerra do Ultramar me proporcionou viver e a influência que tiveram na condução da minha vida desde então.

A guerra também é uma lição de vida que se aprende nas páginas de um livro sem linhas, sem palavras. Um livro em que as páginas mais importantes são escritas com a tinta dos sentimentos.

No mundo das lutas humanas que eu vivi não há palavras que consigam transmitir a capacidade de sacrifício, abnegação, camaradagem, religiosidade, dor e alegria do soldado português e, em particular, do soldado açoriano. A ânsia da incerteza do dia-a-dia, o receio, a miséria e a dor de ver perder um camarada vive-se, mas não se consegue descrever.

Porque também passei pela particular experiência de comandar tropas nativas, tive a possibilidade de aprender que o amor a Portugal, o meu querido País, era tão igual nas suas diferentes culturas, religiões, dialetos e fisionomia do todo humano que o compunha.

Quando cheguei à Província da Guiné, encontrei uma capital, Bissau, em franco e harmonioso desenvolvimento. Avenidas largas, limpas, iluminadas, comércio e restauração florescentes, assistência na saúde, escolaridade primária obrigatória, Liceu e muito mais. Ali, na cidade, respirava-se paz, harmonia social, desafogo económico e cultural. Era evidente que aquele bem-estar provinha do grande afluxo de tropas, muitas destas acompanhadas pelos seus familiares, excelentemente aproveitado pelas autoridades civis e militares no desenvolvimento da cidade.

Mas havia uma outra Guiné, aquela que estava para além de Bissau, a do mato, como se dizia na gíria militar. Aquele era aqui e ali entrecortado por alguns aglomerados populacionais de maior ou menor importância e desenvolvimento, sendo que as chamadas tabancas estavam mesmo a séculos de distância dos padrões de desenvolvimento da capital. A guerra, um autêntico flagelo humano, não explicava tudo. Era evidente que esta outra Guiné tinha sido negligenciada pelos poderes instituídos ao longo de centenas de anos. Talvez por isso mesmo, alguns autóctones ainda enraizados em costumes e tradições seculares se mostravam renitentes em aceitar mudanças que pusessem em causa a ordem social vigente a que estavam acostumados.

Naquele mato, a pobreza das gentes era chocante, mesmo para os corações mais duros. A subsistência familiar baseada numa agricultura insípida e antiquada era insuficiente e, em alguns casos, a religião e as tradições de algumas etnias não permitiam tirar o devido partido do pouco que havia. Águas inquinadas, mosquitos e malnutrição protagonizavam constantes problemas de saúde. Como se isso não bastasse, a rede de transportes, a assistência médica e o ensino obrigatório civis eram quase inexistentes. Muitas unidades militares faziam o que podiam para colmatar algumas daquelas falhas, mas em muitos casos podiam pouco. Aquele também era o mato das minas, das emboscadas, das flagelações, dos horrores da guerra.

A pobreza

Foi na Mata dos Madeiros, uma faixa de floresta densa entre a Mata do Balengerez e da Caboiana, a seguir ao Bachile, que por imperativos de defesa era agora completamente despovoada, que a CCaç 3327 montou o seu primeiro acampamento. Como companhia de intervenção às ordens do CAOP1, com sede na Vila de Teixeira Pinto, tinha como principal missão a proteção dos trabalhadores e das máquinas que prestavam serviço na construção da nova estrada que iria ligar aquela Vila ao Cacheu.
Naquela mata, recheada de fauna e flora maravilhosas, tive a oportunidade de viver o pulsar diário dos mais nobres sentimentos humanos de mãos dadas com os tremendos esforços físico e psicológico só ali possíveis e protagonizados por uma juventude maravilhosa.

O sacrifício da Mata dos Madeiros

O nosso dia de Páscoa (1971) naquele local foi marcado por um folar diferente, o casamento por procuração do Fur. Mil. Fernando Silva. Saiu de manhã com o seu grupo em patrulhamento. A meia tarde regressou ao acampamento para uma pequena cerimónia com os seus camaradas, para de novo voltar ao patrulhamento e respetiva emboscada noturna. Os segredos da noite perfumariam o barro vermelho da mata que lhe serviria de leito nupcial. Sem um queixume, sem um gesto de revolta apenas cumpria o seu dever.

Para no dia seguinte, segunda-feira, sermos todos atingidos com o trágico acidente sofrido pelo Manuel Veríssimo Oliveira, natural da Lomba de São Pedro, Ilha de São Miguel, o qual lhe custaria a vida dias mais tarde. No cumprimento de ordem militar, prestei a assistência necessária à família do Manuel. Na correspondência que mantive com a família, vivi por dentro o sofrimento de uma mãe que perdera o filho, sem o direito de o beijar uma última vez. O tempo se encarregou de suavizar a dor daquela experiência, mas ainda não me deu a oportunidade de esquecer.

De forma marcante e inesquecível, tive a oportunidade de participar diretamente na grandeza sublime do sentimento religioso dos nossos militares. Porque, na prática, a assistência religiosa era quase nula, um pouco por toda a companhia colmatava-se aquela falta com algumas manifestações de fé cristã. Entre elas, no tríduo preparatório em honra de Nossa Senhora de Fátima, o terço era rezado diariamente por muitos. Nas emboscadas noturnas, a minha secção rezava-o em conjunto através de sinais. Ali não havia medo, mas sim um sentimento de libertação do que nos rodeava, de conforto interior.

Na noite do dia 12 de Maio de 1971, os dois grupos de combate que estavam na proteção afastada ao acampamento regressaram a este para se juntarem aos outros dois. Com a sua chegada deu-se o andamento da Procissão pelo perímetro interior do acampamento. Com a arma numa mão e a vela acesa na outra, aqueles valentes militares deram largas à sua fé entoando o Hino a Nossa Senhora de Fátima que perfumava com a sua bênção as matas da Guiné. Durante aquela manifestação de fé a defesa do acampamento esteve entregue aos Anjos do Céu.

A religiosidade

Como poderei transmitir (ou esquecer) os sentimentos que me assolaram quando, numa noite diluviana, em corrida contra ao tempo, o meu grupo de combate, a que se juntaram algumas dezenas de voluntários, teve que evacuar de Teixeira Pinto para Bissau o soldado Miranda, da CCaç 2637, natural de São Miguel, em fim de comissão, também ele vítima de um acidente? No regresso a Teixeira Pinto sabíamos que ele jazia cadáver no Hospital Militar 241. Ou ainda a visão de um furriel a chorar, na chegada de uma operação de alto risco à Mata do Balenguerez, ao encontrar morto o seu amigo de estimação, um tecelão, uma avezinha domesticada por ele?

Na guerra mata-se, morre-se. Mas também há aquela situação em que se morre ficando vivo. Foi o que senti no Destacamento de Bassarel quando recebi a notícia de que iria ser transferido para uma unidade de recrutamento guineense. Sabia e compreendia que situações dessas aconteciam, mas logo eu, o único graduado açoriano numa companhia açoriana, não fazia sentido algum. Ou fazia? Com o coração despedaçado tive que me despedir daqueles fantásticos rapazes que compunham a minha secção, irmãos nas boas e nas más horas, para mim uma família muito especial.


A saudade na partida para as tropas africanas

Como transmitir em palavras os sentimentos que me assolaram quando no Destacamento de São João fui apresentado ao meu novo Pelotão de [Caçadores] Nativos 56 e me apercebi que aquele era constituído por manjacos, felupes, balantas, mandingas, fulas, beafadas, papéis, muitos deles inimigos tribais, que pouco comunicavam entre si, alfabetizados alguns e outros que não falavam português? Ou como foi a minha integração naquele pelotão no qual o soldado mais velho tinha 52 anos de idade que, como alguns outros, andava na guerra desde o seu início? Entre católicos, muçulmanos e animistas como conciliar os seus costumes, tradições e práticas religiosas com a disciplina e os afazeres militares? Como comunicar ordens em situações de risco, ou a simples afirmação de que ali eu era apenas mais um, com responsabilidades acrescidas sim, mas que eram eles os verdadeiros protagonistas protetores dos seus familiares, das gentes e do chão da Guiné?

No fim, quando treze meses depois regressei à minha companhia e aos Açores, deixei um amigo em cada um daqueles militares guineenses, uma amizade bem traduzida em alguns aerogramas que fui recebendo ao longo dos meses, prática que naturalmente desapareceu quando emigrei. Em São João ficara um pelotão de gente boa e dócil, agora com uma mentalidade diferente, mais receptiva, mais igual, mais amiga.

O Pel Caç Nat 56

Em fim de comissão, no dia da despedida em Brá, marchei na frente da companhia. Por ordem do comandante da companhia nas minhas mãos carregava com muito orgulho o Guião da CCaç 3327. Um gesto simples fora suficiente para esquecer a amargura do dia em que deixara a companhia. Lá mais atrás marchava a minha secção. Vinham todos, minha única honra e glória. Na companhia, infelizmente, faltava o Manuel.

A despedida da Guiné. Extracto do Jornal Voz da Guiné, 30 Dezembro de 1972, Página 13.

Um pouco mais de três anos após ter cruzado as portas do CISMI, em Tavira, tinha chegado a hora de dependurar o uniforme do exército de Portugal. Vestira-o com orgulho e dignidade. Pelo meio ficaram ainda a minha passagem pelo BII19, BII17, Santa Margarida e vários aquartelamentos na Província da Guiné. Cumprira com o meu dever de mancebo na defesa da Pátria, numa guerra justa ou injusta mas para a qual não fora chamado a decidir. O jovem que partira era agora um homem. Na bagagem, bem escondidas, trazia algumas cicatrizes internas, que o tempo se encarregaria de diluir, e muitas ilusões.

(Continua)
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Nota do autor:

(*) José Alexandre da Silveira Câmara.
Natural da Fazenda, Concelho das Lajes das Flores.
Prestou serviço militar no Ultramar como Furriel Miliciano na Companhia de Caçadores 3327, mobilizada pelo BII17 para a Guiné: partida a 21 de Janeiro de 1971 regresso a 7 de Janeiro de 1973.
Emigrou para os Estados Unidos da América no ano de 1973, tendo-se fixado em Stoughton, Massachusetts onde reside.
Encontra-se presentemente reformado.

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Nota do editor

Último poste da série de 29 de dezembro de 2015 Guiné 63/74 - P15552: (In)citações (81): Amigo/a, camarada, faz a tua prova de vida: Manda-nos um simples "OK! Tudo bom! Vou indo" ! ... E os editores aproveitam para te desejar o melhor ano possível em 2016, apesar das dificuldades, enfermidades, mazelas, contrariedades, problemas, sacanices, minas e armadilhas que enfrentamos, cada vez mais, à medida que o tempo... pula e avança

sexta-feira, 13 de novembro de 2015

Guiné 63/74 - P15362: (In)citações (78): A cultura cívica é um bem precioso que nenhuma Nação se pode dar ao luxo de espezinhar (José da Câmara, ex-Fur Mil Inf)

1. Mensagem do nosso camarada José da Câmara (ex-Fur Mil Inf da CCAÇ 3327 e Pel Caç Nat 56, Brá, Bachile e Teixeira Pinto, 1971/73), com data de 3 de Novembro de 2015:

Carlos Vinhal, amigos e camaradas
Este pequeno trabalho que agora trago à vossa consideração tem uma única intenção: alertar os cidadãos de bem, cumprindo ou não cargos institucionais, para o cuidado a terem com aquelas coisas que mexem com a sensibilidade das pessoas, pelo menos de algumas.

A cultura cívica é um bem precioso que nenhuma Nação se pode dar ao luxo de espezinhar. A cidadania assume-se com a prática de bons exemplos e uma responsabilização que cabe a todos nós.

Quo Vadis cidadania?

Na cidade da Horta, Ilha do Faial, na Avenida Marginal, há um monumento de homenagem aos faialenses que tombaram ao serviço da Pátria, na Guerra do Ultramar.
Nas lápides frias daquele monumento estão estampados os nomes daqueles que foram nossos colegas nas escola primárias, nos liceus, nos clubes de futebol, amigos do dia a dia, camaradas que o foram no serviço militar.

No Dia de Portugal prestei a minha homenagem aos Combatentes Faialenses falecidos na Guerra do Ultramar

Em plena Semana do Mar o perímetro envolvente ao monumento foi transformado num sítio de negócio e num caixote de lixo. Numa avenida daquela dimensão, nada justifica tamanha afronta cívica. Aquele local não é sagrado, mas deveria merecer o maior respeito de todos os residentes da Ilha do Faial e das autoridades que comandam os destinos do concelho faialense.

A empresa de telecomunicações, certamente que autorizada, em serviço ou não da Festa do Mar, montou a sua barraca em frente ao Monumento de Homenagem aos Mortos da Guerra do Ultramar do concelho faialense.

O recinto do Monumento também serviu para o depósito de lixos da festa da Semana do Mar 2015

Um aspecto do Monumento aos Mortos do Ultramar, na cidade da Horta, encoberto pela barraca da empresa de telecomunicações.

Não acuso, mas calar é consentir.
Deixem que a minha alma chore…
JC
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Notas do editor:

- Negritos da responsabilidade do editor
- O editor apagou propositadamente a referência publicitária à empresa "dona" destas tendas.

Último poste da série de 8 de novembro de 2015 Guiné 63/74 - P15339: (In)citações (77): "O boato fere como uma lâmina", lia-se em cartazes nos corredores da Máfrica... Qual teriam sido, camaradas, os maiores boatos que ouvimos durante as nossas comissões ? (Vasco Pires, ex-alf mil art, cmdt do 23º Pel Art , Gadamael, 1970/72; bairradino na diáspora lusitana do Brasil

segunda-feira, 22 de dezembro de 2014

Guiné 63/74 - P14066: Sob o poilão sagrado e fraterno da nossa Tabanca Grande: boas festas 2014/15 (7): Continuo a ter razões para acreditar na existência do Menino Jesus (José da Câmara)

1. Mensagem do nosso camarada José da Câmara (ex-Fur Mil da CCAÇ 3327 e Pel Caç Nat 56, Brá, Bachile e Teixeira Pinto, 1971/73), com data de 18 de Dezembro de 2014:

Caros camaradas, amigos
Quase todos nós vivemos as celebrações do Natal em Portugal. Nos Açores, em particular na Ilha das Flores, o Natal era o Dia do Menino Jesus, símbolo da Vida e da Esperança que todos os anos se renovam.

Para nós, pequenada daqueles tempos nas aldeias portuguesas, amanhecíamos, alguns, porque em muitas casas o Menino Jesus era extremamente pobre, com um pequeno embrulho de figos passados, uma buzina de azul celestial com o Galo de Barcelos, um carrinho puxado a bois de sabugos. As meninas acordavam com lindas bonecas feitas com trapos ou de fiado de lã nos seus braços. Inocentemente, quando recebíamos algum presente corríamos a vizinhança a mostrar aos nossos amigos e amigas os lindos presentes que o Menino Jesus nos trouxera.

Um dia, de várias maneiras, a nossa inocência foi sacudida e acordámos para a realidade. Quase sem darmos por isso éramos crianças feitas homens e mulheres capazes de lavrar, de ordenhar, de cavar e sachar, tomar conta de um bebé, cozinhar, cozer pão, remendar umas calças. Aos poucos os nossos pais foram depositando as suas esperanças em nós e com elas caíam em cima dos nossos ombros a responsabilidade da renovação da vida.

O cumprimento do serviço militar obrigatório, a guerra do Ultramar, qual fasquia de vida e morte, deixou-nos recordações que a neblina da memória não conseguiu apagar. É por isso que aqui, na Tabanca Grande, nos encontramos dia após dia, ano após ano. Para recordar a nossa meninice, os nossos tempos de tropa, aqueles que deram o melhor de si mesmos a esta grande Nação Portuguesa, os que nos deixaram, os que vão chegando. Aqui tentamos passar o nosso testemunho sócio militar aos nossos filhos e netos. Para que a história da nossa juventude passada em terras do Ultramar nunca seja desventrada.

O Natal, mais que outra época qualquer, passado na Guiné tem histórias mil. Algumas são dolorosas, hilariantes outras, a amizade está em todas elas. Que os anos apenas serviram para a solidificar. Nada mais verídico do que aquilo que aconteceu entre os militares das açorianíssimas CCaç 3326, 3327 e 3328. No primeiro Natal passado naquela Província Ultramarina, foram trocadas mensagens de esperança entre os militares daquelas Companhias. Por nessa altura já me encontrar no Pel Caç Nat 56, sediado no Destacamento de São João, não fiz parte da troca daquelas mensagens… Isto é, até recentemente, 43 anos passados que foram sobre esse longínquo Natal de 1971, quando recebi a mensagem que os furriéis da CCaç 3328 endereçaram aos furriéis da CCaç 3327.


Sem dúvida alguma, uma mensagem que não chegou tarde, apenas me fez regressar às Bolanhas da Guiné, ao meu Natal de Criança. Sim, eu continuo a ter razões para acreditar na existência do Menino Jesus.

Para todos vós Festas Felizes e Bons anos.
José Câmara
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Nota do editor

Último poste da série de 21 de Dezembro de 2014 > Guiné 63/74 - P14060: Sob o poilão sagrado e fraterno da nossa Tabanca Grande: boas festas 2014/15 (6): Carlos Rios, Manuel Lema Santos, Vasco Santos, Armando Teixeira da Silva, Mário Gaspar, Vasco Pires, José Lima da Silva, Sivério Dias, Benito Neves, Sousa de Castro, José Martins, João Coelho e Manuel Alheira

quinta-feira, 11 de dezembro de 2014

Guiné 63/74 - P14007: Tabanca Grande (452): José Inácio Leão Varela, ex-Alf Mil da CCAÇ 1566 (Jabadá, Pelundo, Fulacunda e São João, 1966/68)

1. Mensagem do nosso camarada e, novo amigo e Tabanqueiro, José Inácio Leão Varela, ex-Alf Mil da CCAÇ 1566 (Jabadá, Pelundo, Fulacunda e S. João, 1966/68), com data de 11 de Outubro de 2014:

Caro Amigo e Camarada Luís Graça:

Descoberto pela minha filha que é Jurista no MDN [Ministério da Defesa Nacional,] e que prontamente o me sugeriu, acabo de dar uma primeira vista de olhos pelo teu Blogue "A TABANCA [GRANDE]"...

Mas que feliz iniciativa meu amigo e camarada... Além disso está tecnicamente muito bem feito ...

PARABÉNS por isso tudo... e obrigado por me dares esta oportunidade de reviver (pelo menos as coisas boas - como por exemplo a camaradagem e a solidariedade muito difícil de encontrar no nosso mundo civil - essa fase da minha vida há muitas luas atrás.

Apresento-me desde já... mas só este Fim de Semana irei fazer o meu registo como pedes...

O meu nome é José Inácio Leão Varela. Sou natural de Lisboa muito embora o meu sangue e o meu coração sejam Alentejanos. Moro em Algés (Miraflores). Sou Economista (Gestão),  reformado.
Para ti e restantes camaradas serei apenas o ex-Alf Mil Varela.

Estive na Guiné, entre 1966-1968, integrado na C.CAC 1566 ("PILÕES"), onde comandava o 1º Pelotão. Mas por força das circunstâncias andei destacado pelo Pelundo e Fulacunda tendo, talvez por isso mesmo, ficado como comandante do Destacamento de S. João, onde fiquei mais de um ano, enquanto a minha Companhia se fixou em Jabadá.

E para já, caro amigo e camarada, é tudo... depois e lá pelo Blogue... por certo haverá muitas mais coisas para compartilharmos.

Abraço amigo
Leão Varela


2. No dia 21 de Outubro foi enviada esta mensagem ao camarada Leão Varela:

Caro camarada José Inácio Varela:

Muito obrigado pelo contacto. Na qualidade de "relações públicas" do Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné estou a dar resposta.

Como uma das práticas nesta tertúlia é o tratamento por tu, independentemente dos nossos antigos postos, idade, formação académica, profissão, etc, não vais estranhar a maneira como me dirijo.

Teremos muito gosto em te receber nesta Caserna Virtual, também conhecida por Tabanca Grande, onde o objectivo é o registo de memórias escritas e fotográficas dos combatentes que participaram na guerra colonial na Guiné.

Fizeste, e muito bem, a tua apresentação sumária, mas para fazer a tua apresentação formal à tertúlia precisávamos que nos mandasses uma foto do tempo de tropa, fardado, claro, e outra actual. Estas fotos servirão para encimar os teus futuros postes.

A joia a pagar será uma pequena história pessoal ou colectiva dos teus tempos de Guiné, que aches mais marcante. Podes fazê-la acompanhar de fotos que tenhas disponíveis. Por favor manda as respectivas legendas que datem e identifiquem o local e os intervenientes.

Fica ao teu critério acrescentar mais alguma coisa à tua apresentação, sendo que o mínimo será: nome, posto, especialidade, Companhia/Batalhão, data de ida e regresso da Guiné, locais por onde penamos e outros elementos militares e/ou civis que contribuam para nos conhecermos melhor.

Esta tertúlia é uma comunidade muito homogénea, onde, costumamos dizer, contamos aquilo que a família já não quer ouvir. Só nós nos entendemos porque vivemos, sentimos e recordamos aquela guerra que nos marcou idelevelmente, muito embora, por vezes, disso não tenhamos consciência.

Fico, eu e os restantes editores, ao teu dispor para qualquer esclarecimento adicional.
Esperamos as tus notícias.

Até lá, em nome dos editores Luís Graça, Eduardo Magalhães e eu próprio, envio um fraterno abraço.

Carlos Vinhal


3. No passado dia 7 de Dezembro recebemos esta mensagem do nosso novo Grã-Tabanqueiro Leão Varela, ex-Alf Mil da CCAÇ 1566:

Meu Caro Amigo e Camarada Carlos Vinhal

Espero e desejo que tudo esteja óptimo contigo. Desculpa o tempo que levei para cumprir com o meu "pagamento da quota", necessário, e muito bem, para ser membro de pleno direito do Blogue "TABANCA GRANDE".

Mas como mais vale tarde do que nunca aqui te deixo (não sabia ao certo para onde enviar este mail dado ser a primeira vez) para, se o achares bem e adequado ao cumprimento do devido, o partilhares no Blogue onde eu terei muito gosto e prazer em compartilhar as nossas aventuras e histórias (daquelas que as nossas famílias estão fartas de ouvir como tu dizes... e até outras que, talvez, nem elas as ouviram) por terras da Guiné.

Assim, aqui te deixo em anexos a minha 1.ª História e, não só as fotos que pediste, mas mais algumas. Umas saíram da minha velha máquina outras da máquina do Alf. Capelão do Agrupamento de Bolama, cujo nome se me varreu... era um Padre Dominicano que nos ia quase sempre esperar nas lanchas dos Fuzileiros que nos ia recolher sendo a ida sempre a corta mato.

Esperando que me faças esse favor, aqui fica um forte abraço do camarada
Leão Varela
ex-Alf Mil Inf

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O Aspirante a Oficial Miliciano Leão Varela


A MINHA PRIMEIRA HISTÓRIA

(PAGAMENTO DA QUOTA)

Uma história? Há tantas que ainda pairam na minha memória que é difícil escolher uma que seja mais adequada para o pagamento da minha quota. 

Bom… e se eu começar por uma do fim da minha comissão (1966-1968) por terras da Guiné? 
Fui ao baú e lá encontrei uma cópia de um relatório de um ataque que sofremos. Claro… vai esta mesmo pois tratava-se se uma história acontecida a cerca de um mês de voltarmos ao conforto e carinho das nossas famílias.

Já agora… o porquê desta escolha? Porque tratando-se do último e pior ataque que sofremos, achei que, antes de ter o prazer e a honra de passar a compartilhar convosco através deste magnífico e oportuno blogue, Caros e Amigos e Camaradas, seria como que prestar a minha singela mas sentida homenagem aos meus ex-camaradas, independentemente do seu posto, credo ou cor, que ao meu lado e/ou sob o meu comando sempre souberam: honrar a farda que vestiam, demonstrar em situações adversas a sua bravura e o seu espírito de sacrifício muitas vezes arriscando a sua própria vida (e aqui recordo com tristeza os dois que comigo foram e que por lá faleceram em combate) e, enfim, que desinteressadamente cultivaram a solidariedade e o companheirismo que nos uniu e que jamais esquecerei.



O meu Pelotão. Eu o dos óculos escuros entre os meus camaradas e amigos Furriéis Valente, à minha direita, e Matos, à minha esquerda. Foto tirada já em S. João, após mais uma patrulha de combate.


Aqui vai ela:

SÍNTESE DO RELATÓRIO DO ÚLTIMO E PIOR ATAQUE AO AQUARTELAMENTO DE S. JOÃO

(12 Dez 1967)

SITUANDO A HISTÓRIA

Como certamente sabem, o Aquartelamento de S. João, para onde foi enviada a minha Companhia 1566, ficava frente a Bolama, onde nessa época estava instalado o Comando do Sector do Agrupamento 1975, e inseria-se na área operacional do Batalhão ]de Artilharia] 1914,  com Comando localizado em Tite.

Era sob as directivas destes Comandos que a minha Companhia, embora sendo independente, actuava na área entre S. João - Nova Sintra e, por vezes, na de Tite.

A certa altura a minha Companhia foi transferida para Jabadá passando o Aquartelamento de S. João a ser um seu Destacamento, tendo o nosso Capitão Pala entendido confiar-me o seu Comando já que tinha tido idêntica missão durante alguns meses no de Pelundo para onde fui deslocado mal chegamos a Bissau.

Foi assim que, com o meu pelotão reforçado com o Pel Caç Nat 56 comandado pelo Alf Mil Baptista (por onde andará este meu camarada de Braga e bom e inesquecível amigo?), fiquei em S. João até ao fim da comissão (mais ou menos 15 meses) cuja defesa e missão operacional, sob meu comando, ficou a cargo de um efectivo de cerca de 70 homens.

E foi aqui, em S. João, e neste contexto, que a história em título que passo a relatar sinteticamente se passa.


A HISTÓRIA

Tínhamos todos acabado de jantar que começava a ser servido após o arrear da Bandeira às 18 horas. O Furriel (já não sei qual – eram quatro) que nessa noite estava de serviço já tinha distribuído os homens da sua secção reforçada pelos sete postos de sentinelas e preparava-se para, com os restantes, sair para passar ronda à volta do Aquartelamento (ainda bem que não deu tempo para o fazer como já vão ver…).

Pouco passavam das 19 horas. Tinha acabado de sair da messe dita de oficiais mas que eu transformei na messe de todos os graduados (oficiais, sargentos e furriéis) quando uma das sentinelas fez um ou dois tiros. Dirigi-me rápido, juntamente com o Furriel de serviço, ao respectivo posto onde nada observamos de anormal…
–  Ouvi barulho e pareceu-me ver qualquer a mexer além  –  disse-nos o sentinela…
–Talvez uma onça– retorquiu alguém
–   Pois, mas fiquem atentos – respondi e voltei à minha voltinha que costumava fazer pelos diferentes postos depois do jantar e antes de me deleitar com mais meia noitada de King regada com uns copos de whisky que davam boa disposição e ajudavam a adormecer (agora tomo Lorenin, brrrr).

Não tive tempo para a fazer pois, passados não mais de 10 minutos – mais ou menos pelas 19H30 – começou o “fogo de artifício” consubstanciado por fogo intenso cuspido de armamento ligeiro (ML, a célebre “costureirinha”… lembram-se?) e pesado (MP), de morteiros 82 (Mor 82) e de dois canhões sem recuo (Can  S/R).

De imediato todo o pessoal correu para os seus respectivos postos que lhe estavam previamente distribuídos (soldado Galvão e 1.º Cabo Coelho nas Bazucas; 1.º Cabo Ferreira e, acidentalmente por mim antes de conseguir sob fogo ocupar o meu posto de comando instalado num dos abrigos ao centro do quartel onde tinha instalado diversos rádios, nos Mort 60; 1.º Cabo Costa e soldado Valongueiro nas Bredas; Alferes Baptista no Mort 81 e restante pessoal com G3 distribuídos pelos diferentes abrigos.

Apesar da nossa pronta e forte reacção, durou este “festival” de fogo intenso cruzando os céus de um lado para outro – que Bolama, na outra margem, apreciava com um misto de curiosidade e de apreensão – cerca de 20 minutos altura em que o das forças atacantes foi diminuindo de intensidade até silenciar de vez ao fim de quase meia hora desde que o iniciaram.

Como rescaldo e do nosso lado registou-se, para além de diversos estragos materiais, que havia quatro feridos, um dos quais – o nosso herói da noite, Soldado Valongueiro, que mesmo bastante ferido na cabeça logo no início nunca largou a sua Breda - com gravidade que após ter os primeiros socorros dados pelo nosso enfermeiro – o incansável e sempre bem disposto 1.º Cabo Cavacas – foi evacuado para Bolama numa lancha dos nossos amigos e camaradas Fuzileiros que desde o início do ataque disseram presente com uma lancha parada no meio do rio pronta a intervir se necessário, sendo de madrugada, depois dos cuidados médicos evacuado de helicóptero para o Hospital Militar de Bissau e daqui para o de Lisboa onde foi devidamente tratado mas já não voltando à Guiné.


Eu, referenciado pela seta, e o meu pelotão a entrarmos para uma LDG dos Fuzileiro, após uma operação a nível de Batalhão algures na área operacional de Fulacunda onde estive também alguns meses como reforço da Companhia aí aquartelada, sob o comando do então Capitão Osório infelizmente, já como Major e numa 2.ª Comissão, abatido numa emboscada aquando efectuava, já no tempo do General Spínola, uma missão de Paz com uma facção do PAIGC.


Eu, o da ponta lado direito, a bordo de uma LDM dos meus camaradas e amigos Fuzileiros estacionados em Bolama, com os quais partilhamos em conjunto algumas operações e que, a partir de certa altura nos iam recolher depois de termos andado uma noite toda para cumprirmos determinada missão.

Soubemos mais tarde, por informação do Comando do Sector, que do lado das forças atacantes houve três baixas mortais – por sorte nossa os apontadores do CAN S/R – em consequência do rebentamento perto deles de uma granada do nosso MORT 81 e alguns feridos.

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E pronto… esta a minha primeira História vivida por terras da Guiné que vos deixo. Porém, não queria terminar sem deixar aqui algo que julgo traduzir o que ficou no subconsciente de todos nós (ou de quase todos) após termos terminado a nossa missão. A saber:
“Ter estado num naufrágio ou numa batalha é algo belo e glorioso; o pior é que teve de se lá estar para se ter lá estado”.
(sic, Fernando Pessoa).

Abraços do vosso camarada
Leão Varela
(Ex-Alf Mil. Inf.)


Destacado no Pelundo (área de Teixeira Pinto), à porta do que chamavam de "messe"


Preparativos da habitual "patrulha abastecimento de água" numa fonte perto de Teixeira Pinto guiando um GMC.

Fotos (e legendas): © Leão Varela (2014). Todos os direitos reservados [ Edição: CV]

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4. Comentário do editor:

Caro camarada e amigo Leão Varela:

Pouco tenho a acrescentar ao que já disse e face à tua brilhante apresentação.

Deixaste-nos uma fasquia bastante elevada pelo que a nossa expectativa é muita. Ficamos ansiosos pelas futuras histórias que não nos vão defraudar.

Resta-me, para não alongar mais este poste, deixar em nome dos editores Luís Graça, Eduardo Magalhães Ribeiro e eu próprio, um grande abraço de boas-vindas e votos de Boas Festas Natalícias com saúde, alegria e muitas prendinhas.

O teu camarada e novo amigo
Carlos Vinhal
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Nota do editor

Último poste da série de 12 de novembro de 2014 > Guiné 63/74 - P13875: Tabanca Grande (451): António Manuel Murta Cavaleiro, ex-Alf Mil Inf MA do BCAÇ 4513 (Aldeia Formosa, Nhala e Buba, 1973/74)

quarta-feira, 9 de maio de 2012

Guiné 63/74 – P9872: Convívios (431): Pessoal da CCAÇ 2679 e Pel Caç Nat 65, dia 28 de Abril de 2012 em Cascais (José Manuel M. Dinis)

1. Mensagem do nosso camarada José Manuel Matos Dinis (ex-Fur Mil da CCAÇ 2679, Bajocunda, 1970/71), com data de 2 de Abril de 2012:

Caríssimo Carlos,
Envio-te a pretensa reportagem de um encontro heróico relativo ao pessoal da minha Companhia e do Pel Caç Nat 65.
Faz o favor de publicar, a ver se granjeamos mais clientes para o blogue (www.blogueforanadaevaotres.blogspot.com).

JMMD


ENCONTRO DO PESSOAL DA CCAÇ 2679 E PEL CAÇ NAT 65 

CASCAIS - DIA 28 DE ABRIL DE 2012

No passado dia 28 (binte óito, para o pessoal do norte), na cosmopolita Cascais, terra de soberanos e pescadores, encontraram-se alguns componentes da CCaç 2679, e do Pel Caç Nat. 65, que na Guiné quase sempre se acompanharam nas regiões leste de Piche a Bajocunda, com o elevadíssimo propósito de matar a fome e as saudades. Matar saudades? Diria antes, reviver momentos passados na cálida África, de muitas alegrias, salpicadas por angústias e ansiedades. Sob a batuta do Zé Tito (Tinto, para os amigos), ficou o encontro aprazado para junto da estátua do D. Carlos, à entrada do Clube Naval, com vistas para a policromática baía, onde céu e mar se fundem em azuis de admiração e brilho, bordados pelo casario e palacetes de rara beleza e harmonia, de onde despontam verdes frondosos de alguma vegetação, regozijo da curiosidade de nacionais e estrangeiros. Depois da algazarra do reencontro, e porque a hora do apetite era imparável, ainda se arranjou tempo para uma conversa real, com quem se tiraram retratos para a posteridade.

Sua Alteza manifestou-se muito bem disposto com a nossa presença, a apadrinhou o Encontro. Mesmo ao lado, com ampla vista sobre o mar e a costa do Estoril, onde pontilhavam barcos de grande colorido, situa-se o restaurante destinado à confraternização. Mais ou menos desalinhados na progressão até ao primeiro andar, homens, mulheres, e uma criança, acomodaram-se às mesas e dispuseram-se para o embate. Estava prometido peixinho, em correspondência ao desejo do maioral do matadouro, um Corvo da nossa equipe.

As coisas não correriam tão simplesmente quanto isso, comer, beber, festejar, e ir embora, porque o timoneiro Zé Tinto (escorregou-me uma pinguinha e acrescentei-lhe a consoante), tinha preparado uma coisa diferente, com entretens e surpresas. Afinal ele é um artista das telas, e dá-lhes expressões com óleos e acrílicos de diferentes matizes. Para não ser o único a trabalhar pró grupo, incumbiu-me de fazer uns textos, quer para as boas-vindas, quer para apresentação de cada um dos homenageados. Assim pensou, e associámos aos retratos uma historieta alusiva a cada um, valorizados com poemas trágico-humorísticos da lavra de um mouro.

Destinaram-me aquelas leituras, mas ainda não tinha aquecido a voz, que o dia ia ser longo de comeres e beberes, pelo que foi a minha psicóloga a ler as boas-vindas, e tão bem o fez, que reincidiu, perante o agrado geral, na leitura de outros textos de grande valor, a que lhes conferiu especial brilho.

Tínhamos previsto iniciar a lide com uma homenagem ao António Abreu, um dos celebérrimos corvos (o outro é o Aires, o do matadouro), porém, o Abreu registou a primeira falta nestes périplos de amizade em virtude de uma situação delicada de saúde. Mas foi assim mesmo que iniciámos as homenagens individualizadas, que surgiram pela que se fez o ano passado ao "nosso querido e bravo herói de Tabassai e à nossa querida e muito amada Madrinha de Guerra", com tanto êxito, que posso garantir-vos, de então para cá estão sempre juntos e inseparáveis.

A homenagem ao Abreu, já anunciada pelos presentes, ainda assim, constituiu um grande e surpreendente êxito, pois estava "escrito na pedra", que o dito adora a fruta, que se espelhava em singulares nádegas e mamas nas coloridas lentes Ray-Ban do retratado. Ainda o povo aplaudia de admiração a retratação plástica, e, novamente, a minha linda psicóloga, senhora de um belo timbre, voltou a intervir para declamar um excelente poema da autoria do Morais, que selava a excelente homenagem. O Adolfo Barbosa foi depois o portador para a Invicta da valiosa obra, que vai enriquecer o acervo artístico da cidade.

Seguiu-se um creme de peixe, muito sápido, que abria as hostilidades comestíveis, e lambemo-lo todo. Nova surpresa se aprontava, desta vez em relação ao Aquino. A introduzir, outro texto da minha autoria, com a superior qualidade dos meus escritos, lido pela delicada psicóloga que me acompanha. Foi do agrado geral. Depois, seguiu-se a exibição do retrato. E finalmente, leu-se novo poema da autoria do mesmo bardo da mourama. A festa corria com agrado e passaram a ser servidos os peixinhos, de frescura evidente, bem preparados e apetitosos, acolitados por batatinhas assadas e salada. Não havia limites, foi até a gula aguentar. Alguém se referiu à boa qualidade do vinho, mas o pessoal queria era mastigar e deglutir. Quando as coisas amainaram, o Tinto entregou-me novo quadro, muito bem embrulhado como os restantes, e incumbiu-me de nova leitura. E referi um extravagante episódio de que o Ramalho foi o principal intérprete, passado na mata da Guiné, que deixou atónitos os ouvintes, e foi esclarecedor da desfaçatez do homem de Amarante, cujas saudades fluíam pela "motora" da CP. Repetiu-se os procedimentos anteriores, com a exibição do retratado, a que se seguiu a leitura do poema com que o Morais brindava. A psicóloga, novamente, interpretou a grande altura. Soaram aplausos à obra plástica, ao poema, à declamante, e ao visado.

Quase finalmente, servia-se a sobremesa a contento, e o Tito, já mais pró tinto, quase estragava a última das surpresas, dedicada ao mouro, ou moiro de Perre, tanto faz, quando se preparava para distribuir uma brochura evocativa do encontro e das homenagens, onde, naturalmente, se escarrapachava o preito ao malfadado poeta. Gritei-lhe, gesticulei-lhe (que o gajo é surdo como uma porta e o aparelho devia estar sem bateria), até que intuiu o descalabro e recolheu os espécimes que distribuíra. A populaça, falava entre si com a alegria de quem tem a barriguinha cheia, pelo que poucos ou nenhum deu pelo lapso. Então soergui-me, chamei a atenção para um texto final de despedida, e referi o Morais como último traste objecto de homenagem. A esposa, um filho e a nora, especavam-se de ansiosas curiosidades, e ficaram a saber por testemunhas contemporâneas do marido, progenitor e sogro, sobre a histórica investigação, que os de Cascais fizeram àcerca do vetusto minhoto, entendido em enchidos e vinhos da região, que o conduziram à elevada consideração de primeiro tanso da zona nevrálgica que deu rei ao ducado - o norte, carago!.

O tempo tinha-se mostrado em conformidade, soalheiro para colaborar com a festa. No entanto, pela hora da apresentação de contas, 21 aéreos esportulados por cada bico, gratificação incluída, tudo se transformara como que numa fantasia outonal, com tendência para agravamento invernal. E assim foi. Dirigimo-nos para o Museu Paula Rêgo sob umas pinguinhas, não fossem os arrivistas sair de Cascais sem um banho de cultura, e como já andavam toldados do olhar, gostaram em uníssono dos quadros fantasmagóricos e caríssimos daquela consagrada artista do pincel. Depois, enquanto eu conduzia os hóspedes à identificação do hotel, os restantes dirigiram-se para casa do Tito sob uma grossa bátega. Ali nos reencontrámos quase todos, porque a outros, deveres familiares imperativas, obrigaram-nos a um destroçar antecipado, onde, sob um modelo social quase marroquino, de homens para um lado, e senhoras para outro, se comeu, bebeu, e palgarreou muito, sobre estórias e mais estórias, que em festa o pessoal não se acanha de inspiração, até que às tantas, acabámos por ceder à fraqueza que o estômago cheio provoca, e acabou-se, com retiradas muito bem ordenadas, que deixaram o inimigo em situação não identificada, mas segundo informações fidedignas, o estado-maior revoltou-se contra as instâncias civis eleitas democraticamente, prendendo-as, originando um estado de alvoroço e de evidente perturbação, face à bem organizada movimentação das NT.


Almoço da CCAÇ 2679 e Pel Caç Nat 65 > Foto de Família

Almoço da CCAÇ 2679 e Pel Caç Nat 65 > Brochura de textos do Dinis e poemas do Cândido

O Abreu

O Aquino

O Ramalho

O Cândido

Auto retrato para cartão de almoço militar

O herói de Tabassai e a madrinha de guerra da CCAÇ 2679

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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 8 de Maio de 2012 Guiné 63/74 – P9869: Convívios (248): 17º Encontro/Almoço/Convívio da 38ª CCmds, vai decorrer em 30 de Junho de 2012, em Malveira (Amílcar Mendes)