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segunda-feira, 25 de maio de 2020

Guiné 61/74 - P21008: Notas de leitura (1285): 20 de abril de 1970: o meu casamento na Catedral de Bissau (Mário Beja Santos)



1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 20 de Maio de 2020:

Queridos amigos,
Isto de andarmos a remexer em gavetas fechadas há décadas traz resultados como este: encontra-se um filme super 8, o tema é um casamento que se realizou em 20 de abril de 1970, na pomposamente chamada Sé Catedral de Bissau. Retive o essencial do que se passou neste dia no segundo volume do meu diário, O Tigre Vadio, onde se conta que o Comandante de Batalhão se revelou cúmplice de uma proposta do médico, forjou-se uma baixa à psiquiatria para haver casório.
Numa cena da maior indignidade, durante uma visita de Spínola a Missirá, onde era patente a escassez de recursos, e depois mesmo de se ter mostrado a documentação a pedir materiais para dirigir abrigos seguros e melhores habitações para os Caçadores Nativos e Milícias, o comandante de Bafatá entendeu em premiar-me com dois dias de prisão simples por eu não estar a dar o máximo da minha competência para a segurança do quartel no destacamento. Reagi, pedi mesmo para que este processo chegasse a instâncias superiores. O ignóbil veio depois, quando o mesmo comandante de Bafatá me deu o meu primeiro louvor, onde exarou que a minha mentalidade ofensiva e o garbo dos militares que comandava eram apontados como exemplo para todos. Moral da história: não houve férias, e arranjou-se uma estrangeirinha para aquele casamento de 20 de abril de 1970.

Um abraço do
Mário


20 de abril de 1970: o meu casamento na Catedral de Bissau

Mário Beja Santos

O autor do filme super 8, de onde se extraíram estas imagens, foi o Capitão de Engenharia Rui Gamito, alguém que, vindo um dia de helicóptero na Ponte dos Fulas, ficou surpreendido com uma bandeira portuguesa a tremular no meio de uma mata imensa, pediu ao piloto para baixar e veio conhecer-me. Não indiferente à miséria que viu, abriu-me as portas ao descaro, pedi-lhe tudo e mais alguma coisa, a começar pelos vulgares sacos de cimento, passando pelas tesouras de corte de arame, as chapas onduladas e o Sintex, este fazia muita falta, na época das chuvas a bolanha de Finete ficava intransitável, como boa parte do itinerário entre Canturé e Gã Gémeos, autênticos lodaçais, o Unimog enterrava-se até ao volante, o Sintex era a boa alternativa. E nas minhas visitas ao Batalhão de Engenharia 447 conheci o Emílio Rosa, será ele o meu padrinho de casamento, a mulher, Elzira Dantas Rosa, a minha madrinha, a filha mais velha, muito pequenina ainda, aparece numa imagem. Este filme culmina num restaurante que em 2010 já era uma ruína. No momento em que eu estava a pagar o jantar com escudos metropolitanos, o Rui Gamito fez questão de me emprestar dinheiro, alegando que se justificava pagar em escudos guineenses. Imperdoavelmente, esqueci a dívida. Uns bons anos depois, estava a almoçar com a Cristina na Portugália, vejo chegar o Rui e a mulher, e fui direito a eles movido por uma mola, depois dos cumprimentos, sentei-me e passei um cheque, pedindo mil perdões pela tropelia. A mulher do Rui estava atónita enquanto eu falava sobre uma dívida que o próprio Rui tinha esquecido.

O dia foi muito feliz para os noivos e seguramente para os seus convidados, mas nesse dia na estrada entre Có e Jolmete foram despedaçados à catanada quatro oficiais e elementos de uma comitiva, iam negociar os termos da transferência de um grupo do PAIGC para o Exército português. Tudo correu mal, hoje há elementos fiáveis sobre como tudo se passou. Apercebemo-nos de que algo de muito grave se estava a passar quando o Alexandre Carvalho Neto, a trabalhar junto do General Spínola, meu antigo colega de colégio, apareceu esbaforido a dizer que se estavam a viver momentos dramáticos na Guiné, felicitava os noivos, mais tarde falariam. E agora as imagens de um super 8 que estava esquecido e que foi transformado num CD, talvez a minha neta se venha a interessar por esta relíquia do casamento dos avós.



Na sacramental espera da noiva, conversa-se com o Capitão Laranjeira Henriques e mulher. Conheci este oficial quando fui mandado para uma operação em Mansambo, íamos até Galoiel, uma antiga base do PAIGC e patrulhar uma região do Corubal. Não escondi a minha surpresa quando este oficial chamou os alferes intervenientes para uma apresentação do que era a operação, como se iria proceder, os riscos a perder. Em operações anteriores, limitara-me a ser informado em cima da hora do que se ia fazer. Houve mesmo uma operação ao Buruntoni, a uma certa distância do Xime, em que o major de operações me informara que ia em reforço ao grupo atacante, em cima dos acontecimentos logo se veria. Não se viu nada, à saída do Xime desabou uma chuva diluviana, andámos aos tropeços horas a fio, até que ao princípio da tarde o guia considerou que estava perdido, recebemos ordem para regressar. Este oficial era primoroso no trato, quando descobri que estava em Bissau, convidei-o para o meu casamento, prontamente aceitou. Há anos atrás telefonei-lhe, está octogenário, tagarelámos, bem gostaria de o voltar a ver.




Os padrinhos de casamento da Cristina foram o David Payne Pereira e a mulher, Isabel, com gravidez pronunciada do primeiro filho. Conheci o David na crise académica de 1962, contactos de raspão, reencontrámo-nos a bordo do Uíge, e foi com muita alegria que o vi chegar ao Xime, integrado no BCAÇ 2852, um dos três batalhões de que dependi ao longo da comissão. Foi uma amizade muito terna com este casal que se prolongou por muitos anos, o David especializara-se em psiquiatria, e marcava-me almoços num tasco ao pé do hospital Miguel Bombarda, tínhamos começado rigorosamente ao meio-dia porque ele à uma e meia começava as consultas. Dediquei-lhe várias páginas do meu Diário, recebia regularmente os meus militares e a população civil, visitou-me em Missirá algumas vezes, uma delas ele veio na companhia do então Comandante do Batalhão, o Tenente-Coronel Manuel Pimentel Bastos, após o jantar, e sabedores que eu tinha levado várias óperas, “exigiram” ouvir uma fabulosa versão da Aida, de Verdi, e no final preparavam-se para eu pôr no gira-discos As Bodas de Fígaro, mas aí fiz finca-pé, pedi-lhes para irem fazer oó, tinha patrulhamentos para fazer nas redondezas e suas excelências queriam regressar de manhã cedo a Bambadinca. Como aconteceu. Ainda hoje estou inconsolável com a morte do David.



Considero que a passagem deste super 8 para CD foi uma operação quase milagrosa, desapareceram imagens da cena do jantar, convidei dois primeiros-cabos de quem era muito amigo, o António Ribeiro Teixeira, cabo de transmissões, e o Benjamim Lopes da Costa, guineense, que durante muitos anos encontrei em Lisboa, quando vinha a tratamentos. Na primeira imagem estão o Capitão Laranjeira Henriques e o inesquecível Barbosa, andava sempre com uma boina verde, numa terrível emboscada que preparámos na região de Chicri, e que apanhou em completa surpresa uma coluna que vinha de Medina, fizemos uma retirada em passo de corrida, pela noite escura, até estarmos a meio caminho de Missirá. Pois foi nesse exato momento que o Barbosa me disse, e de forma perentória, que teria de regressar a Chicri porque perdera ali a boina, a discussão a tempestuosa, eu afiancei ao Barbosa que lhe comprava uma boina verde, desse por onde desse, que não, respondeu sempre obstinadamente, era prenda de alguém a quem garantira regressar com aquela boina. E quando eu vi jeitos do Barbosa levar uma coça dos seus camaradas, encontrei uma solução, eu sabia que na tarde seguinte tinha que regressar a Mato de Cão, qualquer coisa como seis quilómetros de Chicri, garanti-lhe que ele viria comigo para resgatar a boina verde. Como aconteceu, dentro daquele quadro macabro de haver corpos espalhados, vítimas da emboscada. Foi assim.

Na última imagem está outro inolvidável amigo, o médico Joaquim Vidal Saraiva, que veio para Bambadinca depois do David Payne Pereira ser chamado para o Hospital Militar em Bissau, fiquei também com uma dívida de gratidão insuperável. Muitos anos mais tarde, telefonou-me do Hospital de Gaia, consegui encontrá-lo, chorei comovidamente quando o ouvi, sempre tonitruante e afetuoso. Aquele capitão fardado era o Capitão Miliciano António dos Santos Maltez, então Comandante da CART 2520, era licenciado em Físico-Química, sofreu muito por ter vindo para a guerra, conversámos e ele extravasou o seu estado de alma, sobre tudo quanto se passou depois e que me levou ao Xime um mês antes de casar, vai comigo para o túmulo. Há segredos que não devem ser desvendados.

No exato momento em que vos escrevo, e revisto o CD de onde se extraíram estas imagens, só resta dizer que a noiva trouxe a fatiota para o noivo, o que havia de indumentária civil foi pasto de chamas em Missirá, na noite de 19 de março de 1969, o comportamento do BCAÇ 2852 quando a nossa tropa apareceu em Bambadinca praticamente sem roupa foi inexcedível, três quintos das moranças arderam, como há imagens a atestar a dimensão do desastre, voltámos a cobrir a nudez graças à pronta disponibilidade da malta de Bambadinca; e aquele restaurante de nome Pelicano, voltado para o Geba e com vista desafogada para o Pidjiquiti, podendo-se mesmo olhar o Ilhéu do Rei, estava muitíssimo bem decorado ao gosto da época. Foi um belo jantar que paguei sem juros, uns bons anos mais tarde.
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Nota do editor

Último poste da série de 18 de maio de 2020 > Guiné 61/74 - P20987: Notas de leitura (1284): “Amílcar Cabral, Vida e morte de um revolucionário africano”, por Julião Soares Sousa; edição revista, corrigida e aumentada, edição de autor, 2016 (2) (Mário Beja Santos)

quinta-feira, 31 de janeiro de 2013

Guiné 63/74 - P11031: O Spínola que eu conheci (26): Talvez só um dos melhores generais dos exércitos europeus do seu tempo (António J. P. Costa / José Carlos Lopes)

Foto nº 41



Foto nº 42

Guiné > Zona Leste > Setor L1 > Bambadinca > CCS/BCAÇ 2852 (1968/70) > Foto nº 42: O gen Spínola possivelmente em março de 1969, por ocasião da Op Lança Afiada (8-19 de março de 1969), em que o com-chefe se empenhou muitissimo, tendo estado inclusive com as NT no final, na Foz do Rio Corubal, na Ponta do Inglês (*) ...  Em, segundo plano, à esquerda o ten cor Manuel Pimentel Bastos (o Pimbas), até então comandante do BCAÇ 2852 (de óculos, careca, virado para o fotógrafo)... Será um das vítimas da ira de Spínola depois do ataque a Bambadicna, em 28 de maio de 1969...  Fotos do álbum do José Carlos Lopes, ex-fur mil reabastecimentos (, aqui, junto ao helicanhão, foto nº 41). 

Foto: © José Carlos Lopes (2013). Todos os direitos reservados. (Editadas e legendadas por L.G.)

1. Comentário do nosso camarada Tó Zé [António J. Pereira da Costa, cor art ref] ao poste P11024:

O Caco Baldé acaba por ser um nome carinhoso para materializar a popularidade o prestígio de um chefe. Sabemos bem que essa alcunha casa o monóculo (Caco) com um apelido frequente na Guiné (um espécie de Silva ou Oliveira) e nada mais.

Creio que realizou uma aprendizagem e aproximação lúcida à vida do seu tempo. O sue modo de pensar terá evoluído desde o 345 até à Guiné73 que só poderia desembocar no 25 de abril.  Tenho para mim que era um dos melhores generais dos exércitos europeus. Ele tinha mais de 30.000 homens sob o seu comando e mais de meio milhão de civis à sua responsabilidade.

Se tomarmos como referência os países da NATO não vejo nenhum que tivesse algo para lhe ensinar, na prática (bem entendido). Exceptuando os americanos que, riquíssimos em meios, perdiam a guerra do Viet-Nam e os franceses que também não ganharam a da Argélia, todos andavam a "brincar aos soldados" em cenários hipotéticos em que o "insidioso, ardiloso e mauzinho In" vinha de Leste a correr pela Europa fora com uma foice numa mão, um martelo na outra e uma estrelinha no alto da cabeça.

Enquanto que ele tinha operações todos os dias (de todos os tipos e formas); logística (má e insuficiente) todos os dias; gestão de pessoal (insuficiente) todos os dias e todo o resto... e era tudo par ter efeitos ontem, porque amanhã já era outro dia com novos problemas. Depois veio o período mais conturbado que nenhum dos estrangeiros atravessou, mesmo os que poderiam ter tido intervenção na condução da política dos seus países. Andou mal. Poderia ter andado melhor. Talvez, mas os homens que não fazem asneiras normalmente também não fazem mais nada.

Um Ab.

António J. P. Costa (**)
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Notas do editor

(*) Vd. I Série > 14 de Novembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCLXXXIX: Op Lança Afiada (IV): O soldado Spínola na margem direita do Rio Corubal

(...) Publica-se a quarta e última do extenso relatório da Op Lança Afiada, que decorreu entre 8 e 18 de Março de 1969, na região compreendida entre a linha Xime-Xitole e a margem direita do Rio Corubal, até então considerada como um "santuário do IN".

A operação, comandada pelo coronel Hélio Felgas (o patrão do Agrupamento 2947, mais tarde comando operacional de Bafatá, COP 7, se não me engano), coadjuvado por dois tenentes-coronéis, Jaime Banazol (liderando o Agrupamento Táctico Sul, com mais de 500 homens que partiram do Xitole e de Mansambo) e Manuel Pinto Bastos (comandante do BCAÇ 2852, Bambadinca, 1968/70), que encabeçava o Agrupamento Tático Norte (com cerca de 750 homens, que partiram do Xime). Ao todo 1300, entre soldados metropolitanos, milícias e carregadores...

Foi uma das últimas grandes "operações de limpeza", realizadas no primeiro ano de Spínola, enquanto Governador Geral e Comandante-Chefe (que fez questão de estar presente, junto das NT, no Dia D + 9, ou seja, 17 de Março de 1969, partilhando inclusive o transporte naval que levou os nossos esgotadíssimos camaradas da Ponta Luís Dias à Ponta do Inglês, no regresso ao Xime. (...)


sexta-feira, 9 de dezembro de 2011

Guiné 63/74 - P9165: O nosso fad...ário (6): Fado Canção da Fome: Livrou o autor de levar uma porrada do célebre Pimbas (Manuel Moreira, CART 1746, Bissorã, Xime e Ponta do Inglês, 1967/69)


Guiné > Zona Leste > Setor L1 (Bambadinca) > Xime > CART 1746 (1968/69) >  Destacamento da Ponta do Inglês > Em primeiro plano, do lado direito, o ex-1º Cabo Mec Auto Manuel Vieira Moreira... Foi aqui, neste destacamento, de má memória para muitos de nós, que o Manuel Moreira escreveu o seu fado, Canção da Fome...

Por detrás dos militares da CART 1746 (unidade de quadrícula do Xime), à mesa, partilhando uma refeição, vê-se uma parede revestida a chapas de bidão... que lá ficaram, quando as NT retiraram do destacamento, por ordem do Com-Chefe, em Novembro de 1968, desguarnecendo a posição estratégica que era a foz do Rio Corubal... (LG)

Foto: © Manuel Moreira (2009). Todos os direitos reservados






Guiné > Zona Leste > Setor L1 (Bambadinca) > Subsetor do Xime > Margem direita do Rio Corubal > Foz do Corubal, tendo à direita a Ponta do Inglês, de triste memória para muitos de nós... Mais acima, na margem esquerda, Ganjauará, perto de Gampará, de triste memória para o Vitor Tavares e os seus  camaradas da CCP 121/BCP 12 (Mapa de Fulacunda, Escala 1/50000 (detalhes).

Infografia: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2011).

 
1. Texto do Manuel Moreira, um dos fadistas da nossa Tabanca Grande, natural de Águeda, ex-1.º Cabo Mec Auto da CART 1746 (Bissorã, Xime e Ponta do Inglês, 1967/69), com data de hoje, com mais um magnífico contributo para a série O Nosso Fad...ário (*)

Camarada e Amigo Luís

O porquê da Canção da Fome já foi dito, agora vai a história :

O meu fado, Canção da Fome,é baseado na música do fado gingão Tempos que já lá vão,  de Manuel de Almeida. Mas eu canto-o de forma diferente de modo a dar-lhe o sentido próprio da situação vivida. Foi gravado em bobines de fita, porque na altura não havia cassetes, e acompanhado por duas violas tocadas pelo Alf Mil [Gilberto]Madail e pelo [Soldado] Corneteiro Agostinho Pacheco Moreira.

Fez sucesso por todos os Destacamentos onde esteve colocada a CART 1746, como sendo: Ponta do Inglês, Taibata, Demba Taco, Amedalai e Galomaro.

Foi de Galomaro que apanhei o maior susto quando o Comandante do Batalhão de Bambadinca [, Ten Cor Pimentel Bastos, do BCAÇ 2852, 1968/70] fez visita a Galomaro em Março de 1968. O gravador do Fur Melo estava a passar a Canção da Fome e quando se apercebeu da sua presença correu a desligar o aparelho. De seguida, foi admoestado pelo Comandante por ter feito o que fez e pediu para ligar o aparelho onde ficou a ouvir com atenção e repetiu...

Quando se ouvia o meu nome no final, o então guarda costas do Comandante, já falecido, que era de Águeda,  de seu nome Emanuel Carvalho, disse que me conhecia e ficou incumbido de me convidar a fazer uma visita ao Gabinete do Comandante.

Quando a comitiva se retirou, logo o Fur Melo enviou uma mensagem via rádio para o Xime a contar o sucedido para que eu fosse avisado. E então o Cabo de Transmissões Laurentino Ribeiro, que é de Barcelos, veio ter comigo à Oficina e começa por me dizer, bem à moda do Minho:
- Ó Moreira, estás fodido, pá !

Ao que eu respondi:
- Pois estou,  e já há muito tempo e só acaba quando for embora daqui ... - Mas ele muito sério repete e diz :
- O Comandante  do Batalhão ouviu a tua Canção da Fome e quer que vás ao Gabinete dele responder. - Por isso, aí eu pensei e disse:
- Estou fodido mesmo !

Demorei bastante tempo a ir a Bambadinca a ver se o tipo se esquecia mas não, estava sempre a perguntar ao Emanuel Carvalho por mim.

Depois de vários comentários deste,  com os meus camaradas mecânicos do Xime, lá me convenceram a ir a Bambadinca e qual o meu espanto, quando o Comandante [, o Ten Cor Pimentel Basto,]queria só e apenas que eu cantasse para ele gravar e levar para casa e mostrar aos netos...

Aí eu acreditei. Eu só tinha medo da PIDE.

E tive sorte porque, precisamente em Galomaro,  no dia 5 de Março de 1968,  aquando da rendição de Secção por Secção, o condutor João Medeiros ausentou-se com o Unimog sem autorização e conhecimento,  levando a minha G3 junta com a do Alf Madaíl no banco direito, mecânico e oficial de coluna, que eram as únicas que iam e vinham. Fui beber umas aguardentes de cana e na vinda, depois de vários saltos nos buracos da estrada, a minha G3 caiu e passou-lhe por cima ficando em três pedaços. Ora, auto às costas... Auto que estava nas mãos do Comandante do Batalhão que o arquivou,  graças à Canção da Fome.

O Madaíl não cantava o Fado mas dava uns toques na viola. Eu sempre cantei e canto, de tudo. Cantar faz bem e espanta as tristezas !

Um Abraço Amigo

Manel Moreira
CART 1746

2. Letra do fado Canção da Fome (**)

[Adpat. de Tempos que já lá vão,  de Manuel de Almeida, n. 1922; música do Fado Corrido]

CANÇÃO DA FOME

Estamos num destacamento,
A favor de sol e vento,
Na Ponta do Inglês.
Não julguem que é enorme
Mas passamos muita fome,
Aos poucos de cada vez.

A melhor refeição
Que nos aquece o coração,
É de manhã o café;
Pão nunca comi pior
Nem café com mau sabor
Na Província da Guiné.

Ao almoço atum a rir
E um pouco de piri-piri,
Misturado com bianda,
E sardinha p´ró jantar
E uma pinga acompanhar
Sempre com a velha manga.

Falando agora na luz
Que de noite nos conduz
As vistas par' ó capim:
Se o gasóleo não vem depressa,
Temos turras à cabeça,
Não sei que será de mim.

Quando o nosso coração bole,
Passamos tardes ao Sol
Junto ao Rio, a esperar
De cerveja p'ra beber
E batatas p'ra comer
Que na lancha hão-de chegar.

A fome que aqui se passa
Não é bem p'ra nossa raça,
Isto não é brincadeira
E com isto eu termino
E desde já me assino:
Manuel Vieira Moreira.

Xime, Ponta do Inglês, 28/01/1968

_________________

Notas do editor:

(*) Último poste da série > 6 de Dezembro de 2011 > Guiné 63/74 - P9144: O nosso fad...ário (5): Fado Brito que és militar (Letra de Tony Levezinho, ex-Fur Mil At Inf, CCAÇ 2590/CCAÇ 12, Bambadinca, 1969/71)

(**) Vd. poste de 31 de Julho de 2006 > Guiné 63/74 - P1009: Cancioneiro do Xime (1): A canção da fome (Manuel Moreira, CART 1746)

sábado, 28 de maio de 2011

Guiné 63/74 - P8345: Efemérides (69): 28 de Maio de 1969: o ataque de 40 minutos a Bambadinca (Carlos Marques Santos / Beja Santos / Luís Graça)




Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Bambadinca > CCS do BCAÇ 2852 (1968/70) > O Alf Mil de Transmissões, Fernando Calado, de braço ao peito, junto à parede, crivada de estilhaços de granada de  morteiro, das instalações do comando, messe e dormitórios de oficiais e sargentos, na sequência do ataque de 28 de Maio de 1969. Esta era a parte exterior dos quartos dos oficiais, mais exposta, uma vez que o ataque partiu do lado da pista de aviação. 

O Fernando traz o braço ao peito, não por se ter ferido no ataque mas sim por o ter partido antes, num desafio de... futebol. Infelizmente não temos mais fotos dos efeitos (de resto, pouco visíveis) deste ataque.

Foto: © Fernando Calado (2007). Todos os direitos reservados.





1.  Foi há 42 anos, a 28 de Maio de 1969: pouco mais de dois meses depois da grande Op Lança Afiada, que varreu toda margem direita do Rio Corubal, desde a foz até ao Xitole, o PAIGC atacou em força Bambadinca... 

Fomos recuperar algumas versões já publicadas no blogue, na esperança de ainda aparecer alguém que tenha testemunhado os acontecimentos - alguém da CSS/BCAÇ 2852 ou das sunubnidades adidas (Pel Caç Nat 63, Pel Mort 2106, Pel AM Daimler 2046 - que possa, com mais propriedade e autoridade, dizer o que se passou nessa noite... Falta-nos a versão (escrita) dos nossos camaradas que estavam lá nessa noite... Ao longo destes últimos anos tenho "ouvido" versões pontuais... (LG)




(i) O ataque a Bambadinca...visto de Mansambo

por Carlos Marques Santos (ex-Fur Mil, CART 2339, Fá e Mansambo, 1968/69) (*)


Dia 28 de Maio de 1969 ... Por volta das 00.30h ouvimos rebentamentos para os lados da Moricanhe. Mansambo ficava a sul de Bambadinca.

Afinal era Bambadinca. Era a primeira vez que tal sucedia. As minhas notas dizem que a 29 de Maio de 1969 fui informado às 5.30h que o meu Pelotão, o 3º da CART 2339, iria reforçar a sede de Batalhão por 15 dias.

Reforçar a sede do Batalhão? Coisa grossa, pensámos. Seguimos e aí tomámos conhecimento da destruição parcial do pontão do Rio Udunduma, afluente do Geba, na estrada Xime-Bambadinca.

Chegados à sede de Batalhão, iniciámos às 16h, com o Pel Caç Nat 63, a ocupação do pontão para sua defesa e de Bambadinca. No dia 30, fomos rendidos por 2 pelotões. Dia 31, pelas 14.00h fomos novamente para a ponte.

Dia 2 de Junho de 1969, pelas 20.30h, rebentamentos. Era Amedalai. 15 minutos depois Demba Taco e imediatamente Moricanhe. Dia 4 Moricanhe era evacuada para reforço de Amedalai. Dia 11, Mansambo era atacada e logo depois o Xime.

Regressámos a Mansambo.

A [, CCAÇ 2590,] futura CCAÇ 12 passou aqui nestes dias conturbados para iniciar a sua comissão [, em Contuboel]. [Mais concretamente, na manhã de 2 de Junho].




(ii) Três linhas telegráficas na história do BCAÇ 2852
por Luís Graça (**)




(...) Deixem-me só lembrar que, dois meses depois desta operação [, Lança Afiada,], o PAIGC retribuiu a visita das NT e apareceu às portas de Bambadinca em força: mais de 100 homens, três canhões sem recuo, montes de LGFoguetes, morteiros... 

Esse ataque ficou célebre: os camaradas de Bambadinca, segundo algumas versões que ouvi na altura, da "velhice",  e dados que confirmei mais tarde, teriam sido apanhados com as calças na mão, far-se-iam quartos de sentinela sem armas, não havia valas suficientes, houve indisciplina de fogo, etc.... Claro que no dia seguinte o Caco Baldé , alcunha por que era conhecido o Gen Spínola, deu porrada de bota a baixo, na hierarquia do comando do batalhão, do tenente-coronel (*Pimentel Bastos, o célebre Pimbas) até ao capitão da CCS (...).

A sorte da malta de Bambadinca (Comando e CCS/BCAÇ 2852, Pel Caç Nat 63, Pel Mort 2106 e Pel AM Daimler 2106, sem esquecer os civis...) terá sido, diz-se ainda hoje,  os canhões s/r, postados ao fundo da posta,  terem-se enterrado no solo e a canhoada cair na bolanha... Quando nós, periquitos da CCAÇ 2590 (futura CCAÇ 12), lá passámos, menos de uma semana depois, a 2 de Junho, a  vindos de Bissau e do Xime a caminho da nossa estância de férias (Contuboel, um mês e meio de paraíso... seguido depois de 18 meses de inferno...quando fomos justamente colocados... em Bambadinca), alguns dos nossos camaradas da CCS do BCAÇ 2852 ainda falavam com emoção deste ataque:
- Podíamos ter morrido todos - dizia-me o 1º cabo cripto Agnelo Ferreira, da minha terra, Lourinhã (...)

Na história do BCAÇ 2852, o ataque (ou melhor, "flagelação") a Bambadinca é dado em três linhas, em estilo telegráfico: "Em 28 [de Maio de 1969], às 00H25, um Gr In de mais de 100 elementos flagelou com 3 Can s/r, Mort 82, LGF, ML, MP e PM, durante cerca de 40 minutos, o aquartelamento de Bambadinca, causando 2 feridos ligeiros. " (...).



Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Bambadinca > CCS/BCAÇ 2852 (1968/70) e CCAÇ 12 (1969/71> Uma jogatana de futebol, no campo de futebol do quartel, que ficava dentro do arame farpado... Ao fundo, as instalações de comando e, a seguir ao planalto de Bambadinca, a grande bolanha... A foto é tirada, do lado da pista, da direcção de onde terá partido o ataque de 28 de Maio de 1969, mal passava da meia noite.

 Foto: © Arlindo Roda (2010). Todos os direitos reservados.



(iii) Finete está a arder?

por Beja Santos (ex-Alf Mil, Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70) (***)

 

(...) Em socorro de Finete...

Era precisamente meia noite e vinte e cinco [ de 28 de Maio de 1969] quando começámos a ouvir roncos em catadupa dos obuses, uma sinfonia de armas pesadas, rockets e morteiros, a terra tremia bem perto de nós, o negrume da noite deu lugar a riscos desses pequenos cometas que são as balas tracejantes a esvoaçar no éter. Ainda a limpar-me , subo ao abrigo onde Ussumane Baldé assiste deslumbrado ao foguetório e sinto o coração contricto quando lhe pergunto:
- Ussumane, é Finete que está a ser atacada? - A resposta é me dada pelo seu olhar súplice:
- Ah, meu alfero, eles vão partir Finete todinha!.

Os minutos passam e não vejo chegar resposta do fogo de Finete.
- Que é que leva aqueles gajos a demorarem tanto tempo a reagir? - A multidão cresce na parada, não há militar e civil que não esteja esgazeado a ver este ataque assustador, quer pelo porte, quer pela falta de reacção.

De vez em quando há fogachos em direcção contrária, mas quem domina nesta cantilena de morte são as armas pesadas e os sons que conheçemos ao armamento do PAIGC. O meu olhar mareja-se de lágrimas incontidas, de tudo me recrimino por não ter pensado que o PAIGC ia rapidamente embalar uma resposta à nossa aparição em Sinchã Corubal. O fogo atroador prossegue, todos lastimam a destruição de uma Finete e há quem já vaticine que está reduzida a escombros.

Pela última vez, no alto daquele abrigo que abre para Sansão e que numa grande angular permite ver tudo o que é floresta de 14 quilómetrs até Finete, vejo e olho e começo a sentir no ar a nuvem espessa de um fogo que devasta quem vive para aqueles lados do Geba. É então que grito que vou partir com os voluntários que se oferecerem , em auxílio de Finete. Para quem falou de prudência à hora do almoço, é exactamente o oposto o que se está a viver no frenesim na parada de Missirá: O Setúbal já faz roncar o Unimog 404 para onde vão saltar cerca de 20 voluntários armados até aos dentes.

No meio daquele desatino, ainda consigo seleccionar dois bazuqueiros, três apontadores de dilagrama e levo o morteiro 60. Sento-me ao lado do Setúbal e determino:
- Daqui até à entrada de Canturé podes ir a 100 à hora. Depois páras, iremos todos a pé os últimos 4 quilómetros.

A corrida desenfreada é digna de um filme: aos tombos dentro da caixa do Unimog, os meus soldados examinam as cartucheiras, as cavilhas das granadas, a posição em riste das metralhadoras; gritamos como num manicómio acerca de cuidados que sabemos que não iremos cumprir, zelos impossíveis de respeitar, apelo à serenidade que ninguém controla. E minutos depois, muitos minutos depois, o Unimog pára arfante onde começa a longa recta de Canturé, muito antes da curva que se orienta para Gambaná e daqui para Mato de Cão.

O Setúbal vai sozinho na viatura e de faróis apagados. Graças a uma nesga de lua, dez homens de cada lado flanqueiam a picada.O ar está empestado pela pólvora. Caminhamos à espera do pior. A prudência vai aparecer a dois quilómetros de Finete, onde o mato é denso e os poilões escondem o luar. De tanto gritar durante a viagem, como se estivéssemos a incutir coragem uns aos outros, damos agora com o silêncio sepulcral que nos envolve. Que raio de Finete é esta que não tem cubatas a arder, nem se ouvem tiros isolados, nem gritos dos agonizantes?

Com alívio, em marcha lenta, passamos os pontos onde era possível o inimigo estar emboscado. E do alto do alcantilado, que é essa inclinação abrupta que descemos e subimos para chegar ou partir de Finete, assobia-se aos sentinelas que respondem com entusiasmo. Aguarda-nos um quadro surreal: somos recebidos com entusiasmo, abraços, tudo quanto é sinal de boas vindas. Vejo Bacari Soncó avançar em passo lesto e abraçar-me. É a medo e com a voz embargada que lhe pergunto:
-Irmão, temos muitos mortos? - Um olhar coruscante precede o atónito da resposta:
- Mortos, mortos de quê?. Mortos só se for em Bambadinca, ali é que há manga de canseira!- Atónito estou eu:
-Bambadinca, então foi Bambadinca que foi atacada?

Os pormenores do ataque a Bambadinca, em carta enviada à Cristina

E o Unimog marcha aos tropeções pela bolanha de Finete. Quando chegamos à margem do Geba, o canoeiro Mufali vem buscar-nos. O rio está na vazante, entramos na canoa com lama até à cintura. Na outra margem aguarda-nos o Machado e as suas Daimlers. Enquanto subimos a rampa para o quartel, dá-me os pormenores do ataque.

Em aerograma à Cristina, no rescaldo da manhã seguinte:

Os rebeldes vieram pela pista de aviação e cemitério, atacaram o quartel frente à porta de armas, perto da tabanca fula, onde o Almeida (Pel Caç Nat 63) tem a sua tropa, as morteiradas caíram perto da central eléctrica, residência de oficiais e sargentos. Todos, que nunca tinham sonhado em tal arrojo, encheram-se de pânico, e vieram para a parada onde desataram a fazer fogo desnorteado, e só não houve feridos e mortos por milagre.

O Capitão Neves foi para o morteiro enquanto a tropa do Almeida repelia os rebeldes que avançavam para a residência dos oficiais. Depois retiraram e entretanto o pesado morteiro de Bambadinca começou a reagir. Há muitos quartos esburacados e tectos desfeitos. Só há um ferido ligeiro: o apontador de morteiro do Almeida que ficara em Finete enquanto eu estava numa emboscada, ainda ontem. Esta é a resposta à grande operação do Corubal, de há dois meses atrás. Este o ajuste de contas....


A recordação mais impressiva dessa madrugada era a mulher do Tenente Pinheiro à porta do abrigo, enquanto as crianças dormitavam lá dentro. Ao amanhecer, verificámos a extensão dos danos, mas o meu lugar já não era ali. Ainda aproveitei para fazer compras de víveres, trazer algumas camas e fardamento. (...)



(iv) A verdade e a honra: Pimentel Bastos, um oficial português

por Luís Graça (****)


(...) O Beja Santos que,  como sabem,  veio a correr, como mais 20 voluntários, de Missirá em socorro de Finete (que ele julgava que estava a ser atacada) e que, chegado aí, descobriu que o ataque era a Bambadinca, e que foi o primeiro a chegar à sede do batalhão, nessa noite de 28 de Maio de 1969 (vd. post de 1 de Agosto de 2006 > Guiné 63/74 - P1012: Operação Macaréu à Vista (Beja Santos) (3): Eu e o BCAÇ 2852, uma amizade inquebrantável ), vem em defesa da honra do seu comandante e seu amigo (um homem culto e sensível), garantindo-me, sob palavra de honra, que o Pimbas não estava em Bambadinca, mas sim em Bissau, de férias ou talvez em serviço, tanto faz… Logo nunca poderia ter sido ele o protagonista da humilhante cena no corredor, nas instalações dos oficiais, com o 2º comandante, de pistola em punho, a gritar: - Ó Pimbas, não tenhas medo!...

Aproveitou, o Beja Santos, no telefonema que me fez, na manhã do dia 2 de Agosto [de 2006], antes de ir de férias, também para me corrigir o seguinte ponto: o major que tinha a mania de andar com pistolas Walther em punho, à cowboy, era o de operações, o Viriato (Viriato Amílcar Pires da Silva), e não o 2º comandante, major Bispo (Manuel Domingues Duarte Bispo)…

(...) Compulsando a história do BCAÇ 2852, constato o seguinte, relativamente à actividade das NT no mês de Maio de 1969:

(i) dia 1, o Cmdt (Pimentel Bastos) deslocou-se ao local da Op Cabeça Rapada III;
(ii) a 8 acompanha o major de operações em visita ao Xitole e à Ponte dos Fulas;
(iii) a 12, os dois estão em Fá;
(iv) a 14, o Cmdt acompanha o Cmdt do Agr 2957 (coronel Hélio Felgas) em visita a Mansambo, Ponte dos Fulas, Xitole, Saltinho, Quirafo, Dulombi e Galomaro;
(v) a 24, o Cmdt deslocou-se ao Agr 2957 (com sede em Bafatá);
(vi) a 25 o Cmdt Militar e o Cmdt Agr 2957 visitam Bambadinca;
(vii) a 28, o Cmdt do Agr 2957, visita Bambadinca (depois do ataque, obviamente)…

Com esta actividade toda, não me parece razoável que o Pimental Bastos estivesse de férias, embora provavelmente já as merecesse: O BCAÇ 2825 partiu no Uíge, a 24 de Julho de 1968, e na estação seca de 1968/69 teve uma intensa actividade operacional, incluindo a Op Lança Afiada, a qual, segundo o Beja Santos, marca o princípio da desgraça do nosso tenente-coronel…


(...) Como é timbre da nossa tertúlia e e de acordo com o nosso código de ética, temos o direito à verdade, devemos sempre prezar a verdade dos factos… Temos também que prezar a honra dos nossos camaradas e até daqueles que mandaram em nós (umas vezes bem, outras vezes mal, não vamos agora discutir isso)… E sobretudo temos a obrigação de respeitar a memória dos nossos mortos – de todos os nossos mortos - que, esses, já não podem infelizmente defender-se nem apresentar a sua versão dos acontecimentos… (...) (*****)
_________________


(*****) Último poste desta série > 28 de Maio de 2011 >Guiné 63/74 – P8343: Efemérides (47): Conferência “Presença Portuguesa em África” pelo TCor José Brandão Ferreira, em Lisboa, 9 de Junho de 2011

sexta-feira, 8 de janeiro de 2010

Guiné 63/74 - P5612: O Nosso Livro de Visitas (79): Conheci e estimei o Ten Cor Pimentel Bastos, 1º Cmdt do BCAÇ 2852 (António Vaz, ex-Cap Mil, CART 1746, Bissorã e Xime, 1967/69)

Guiné > Zona Leste > Subsector de Bambadinca > Xime > CART 1746 (1967/69) > 1968 > Destacamento da Ponta do Inglês >  > Foi aqui, neste destacamento, de má memória para muitos de nós, que o Manuel Moreira escreveu a sua Canção da Fome (*)... Por detrás dos militares da CART 1746,  à mesa, partilhando uma refeição, vê-se  uma parede revestída a chapas de bidão... que lá ficaram, quando as NT retiraram do destacamento, por ordens superiores. Seria bom que o ex- Cap Mil António Vaz nos quisesse falar um pouco mais das suas memórias desse tempo... (LG)




Guiné > Zona Leste > Subsector de Bambadinca >  Xime CART 1746 (1967/69) > 1968 > Antes desta unidade de quadrícula, passou pelo Xime a  CCAÇ 1550 (1966/68) (estivera antes em Farim; era comandada pelo Cap Mil Inf Agostinho Duarte Belo). À CART 1746, seguiu-se a CART 2520 (1969/70), CART 2715 (1970/71), CART 3494 (1972/73), CCAÇ 12 (1973) E ccaç 21 (1974)...

Fotos do Manuel Vieira Moreia,  que foi 1º cabo mecânico auto, esteve em Bissorã, Xime e Ponta do Inglês, entre 1967/69 onde escreveu a Canção da Fome. Pertenceu à CART 1746, encontrou-me no blogue Luís Graça e Camaradas da Guiné. Temos  trocado algumas msg. É da zona de Águeda.  Portanto temos aqui o nosso avozinho" (Sousa de Castro, um hhistórico do nosso blogue, criador e editor por sua vez do blogue CART 3494; vd. oste 9 de Novembro de 2009 >  P42 - CART 1746 1967/69 Bissorá, Ponta do Inglês e Xime, de retirei estas duas fotos, com a devida vénia ao autor e ao editor).

Fotos: ©  Manuel Moreira / Sousa de Castro (2009). Direitos reservados



1. Comentário ao poste de 4 de Agosto de 2006 > Guiné 63/74 - P1025: Tenente-coronel Pimentel Bastos: a honra e a verdade (Luís Graça)

Chamo-me Antonio Vaz, tenho 73 anos e fui capitão miliciano, comandante da CART 1746, no Xime, de Janeiro 1968 até ao fim da comissão, em Junho de 1969.

Como companhia independente, conheci vários comandantes de batalhão: primeiro os de Bula e depois de Bambadinca. Dos que me recordo melhor foram o Cmdt do BCAÇ 1904, Ten Cor Branco o Fontoura e o Pimentel Bastos. Todos diferentes, todos iguais.


Do Pimentel Bastos recordo com saudade o espírito, a cultura e a simpatia ingénua de um homem que não nascera para aquilo. Nas muitas conversas que tive com ele compreendi o seu drama. Eu estimei-o.


António Vaz

2. Comentário de L.G.:

Meu caro António Vaz: Julgo que nunca nos encontrámos no Xime. Ou se isso aconteceu foi quando eu e os meus camaradas da CCAÇ 2590 (futura CCAÇ 12), desembarcámos no Xime, de LDG, no dia 2 de Junho de 1969... Tenho ideia que os seus homens, tisnados pelo sol da Guiné e cansados da guerra, ainda nos deram as boas vindas, a nós, periquitos, e nos escoltaram até Bambadinca...Não perderam o bom humor. Acolheram com um pano onde se lia: "Periquitos, bem vindos ao inferno do Xime, o que custa mais são os primeiros 21 meses"... Tenho bem nítidas essas caras, os camuflados já incolores e esfarrapados, os lenços de pescoço de cores garridas, violando todas as normas de segurança... Vocês eram a velhice, por excelência, verdadeiros gigantes, aos nossos olhos de piras miseráveis e insignificantes. Connosco, desembarcavam também os vossos substitutos, a CART 2520 (1969/70)... Seguimos em viaturas Matador até à sede do BCAÇ 2852, Bambadinca, atacada uns dias antes, a 28 de Maio, ataque esse - três meses depois da Op Lança Afiada - que custaria a cabeça e a carreira do Ten Cor Pimentel Bastos (o Pimbas, como era carinhosamente tratado)...

O ex-Alf Mil Beja Santos, comandante do Pel Caç Nat 52 (Missirá e Bambadinca, 1968/70), já aqui tem falado de si, com apreço... Vou-lhe fazer um desafio: fale-nos do Xime do seu tempo, do Seco Camará, guia e picador das NT, dos mandingas do Xime, da Lança Afiada, do Poidon,  da Ponta do Inglês... Foram sítios onde muito penámos, quando depois da instrução de especialidade aos nossos soldados do recrutamento local, fomos colocados como companhia de intervenção ao serviço do Sector L1 (Bambadinca), em finais de Junho de 1969, já vocês tinham regressado à Metrópole...

Temos inúmeros postes sobre o  Xime, talvez mais de uma centena (considerando as duas, a I e II, séries do nosso blogue)... Temos igualmente o mapa 1/50.000 do Xime, que lhe pdoe ser útil para refrescar a memória. Presumo que já o tenha descoberto... A Ponta do Inglês e a foz do Corubal vêm no mapa de Fulacunda. Na coluna (estática) do lado esquerdo do nosso blogue, uam enorme lista Marcadores / Descritores (cerca de 2 mil) que servem para fazer pesquisas dentro do blogue... Experimente clicar CART 1746 (há seis postes ou referências sobre a sua antiga companhia)... Temos inclusive uma foto, de grupo em Bissorã, em que o Cap Vaz aparece, de óculos, ao lado Alf Mil Gilberto Madail, esse, mesmo, o do futebol (**)...

António: Gostaria que se juntasse a nós, nesta Tabanca Grande, sem portas nem janelas... Há muita gente do seu tempo, da zona leste, etc. Apareça quando quiser. Tem os meus contactos: dê-me uma apitadela... Um Alfa Bravo. Luís Graça

3. Dados sobre as unidades aqui citadas:

(i) CART 1746: Teve como unidade mobilizadora o GCA 2, seguiu para a Guiné em 20/7/1967, regressou em 7/6/1969.  Esteve em Bissorã e no Xime. Comandante: Cap Mil António Gabriel Rodrigues Vaz.

(ii) BART 1904: Unidade mobilizadora: RAP 2. Esteve em Bissau e em Bambadinca (11/1/1967 - 31/10/1968). Comandante: Ten Cor Art Fernando da Silva Branco. Companhias: CART 1646 (Bissau, Fá Mandinga, Xitole, Fá Mandinga, Bissau); CSRT 1647 (Bissau, Quinhámel, Bissaum Bibar, Bissau); CART 1648 (Bissau, Nhacra, Binbta, Bisssau).

(iii) BCAÇ 2852:  Unidade mobilizadora: RI 2. Esteve em Bissau e Bambadinca (24/7/1968 - 16/6/1970). Comandantes: Ten Cor Inf Manuel Maria Pimentel Bastos; Ten Cor Cav  Álvaro Nuno Lemos de Fontoura;  Ten Cor Imf Juvelino Moniz de Sá Pamplona Corte Real. Companhias CCAÇ 2404 (Teixeira Pinto, Binar, Mansambo); CCAÇ 2405 (Mansoa, Galomaro, Dulomb); CCAÇ 2406 (Olossato, Saltinho)

_____________

Notas de L.G.:

(*) Vd. poste de 28 de Dezembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5557: Cancioneiro do Xime (2): Sangue, suor e lágrimas (Manuel Moreira)

(**) Vd. poste de 21 de Julho de 2006 > Guiné 63/74 - P978: Futebol em Bissorã no tempo do Rogério Freire (CART 1525) e do Gilberto Madail

(...) [Diz o Rogério Freire (ex-Alf Mil da CART 1525, Mansoa e Bissorã, 1966/67]:

(...) O Gilberto Madaíl não pertence à CART 1525. Ele era Alferes Miliciano de uma companhia [ CART 1746,] que esteve aquartelada connosco em Bissorã durante um par largo de meses e que era comandada por um Capitão Miliciano que, na vida civil era Despachante Oficial da Alfandega e que por brincadeira se intitulava Despachante Oficial Miliciano. Era o Capitão Vaz, excelente fotógrafo e especialista em macrofotografia. Adorava congelar borboletas e fotografá-las depois quando as pobrezinhas começavam a sentir o calor das lâmpadas de iluminação. (...).




quarta-feira, 10 de outubro de 2007

Guiné 63/74 - P2172: Fotobiografia da CCAÇ 2317 (1968/69) (Idálio Reis) (11): Em Buba e depois no Gabu, fomos gente feliz... sem lágrimas (Fim)



Guiné > Região de Tombali > Gandembel > CCAÇ 2317 (1968/69) > Depois do abandono de Gandembel/Balana em 28 de Janeiro de 1969...

Em Buba, [, Região de Quínara,] durante os 3 meses de permanência [de 8 de Fevereiro a 14 de Maio de 1969], tomámos parte das forças de segurança na construção da nova estrada [Buba - Aldeia Formosa].

Foto 603 > Um camião-zorra para transporte das máquinas serviam de poiso ao pessoal apto para qualquer contrariedade.




Foto 601 > Um elevado número de nativos limpavam as bermas, com o uso de catanas.




Foto 602 > E dois tractores de rodas com bulldozer regularizavam os terrenos da faixa de implantação da estrada.





Foto 604 > Uma vista de Samba-Sabáli, uma antiga tabanca abandonada, que servia de posto avançado e permanente na segurança



Foto 605 > Aqui, já a estrada tinha sido beneficiada de uma primeira camada. Este morteiro fazia parte de uma segurança de rectaguarda.




Foto 606 > Todos os dias se deslocava um T-6. Esta aeronave aterrou coxa, e o seu piloto pode considerar-se um homem feliz, pois as bombas que se postavam sob o bojo, não rebentaram.




Foto 607 > E as minas anti-pessoais pareciam continuar em nossa perseguição...


Fotos (e legendas): © Idálio Reis (2007). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


Assunto > A Companhia continuaria no Sul, bem próximo de Gandembel/Ponte Balana. Buba, a necessitar de grandes efectivos, foi o nosso destino, a perdurar até 14 de Maio de 1969. E finalmente o sossego de Nova Lamego, até ao regresso definitivo.




XI (e última) parte da história da CCAÇ 2317, contada pelo ex-Alf Mil Idálio Reis (ex-alf mil da CCAÇ 2317, BCAÇ 2835, Gandembel e Ponte Balana 1968/69)


(1).Texto enviado em 28 de Fevereiro de 2007.

Caros Luís e demais companheiros da Tertúlia.

Chegados a Aldeia Formosa [actualmente, Quebo], foi-nos propiciado uns dias de descanso. Pela forma afectuosa como fomos recebidos, foram dias de expurgo, e também de recuperação. Também o da fuga à solidão, o do reencontro com nós mesmos, e estes poucos dias, de um maior convívio e solidariedade, soube-nos particularmente bem.


Segurança à construção da estrada Buba-Aldeia Formosa


Havia uma fundamentada esperança que a Companhia iria ser colocada num local de maior sossego, mas o que é verdade, é que a 8 de Fevereiro, parte-se para Buba.

E o objectivo estava definido, que era o de manter segurança aos trabalhos relacionados com a pavimentação da estrada de ligação entre estes 2 aquartelamentos [Buba - Aldeia Formosa].

E a execução desta empreitada, antevia-se desde logo, bastante complexa, pois que requereria grandes efectivos militares, a fim de manterem a necessária segurança às máquinas operadoras.

E os locais de implantação da estrada, vinham sendo fortemente fustigados por uma actuação empenhada e sistemática do PAIGC, que intentava contrariar, de todo, a realização dessa infra-estrutura rodoviária.

O bastião de Salancaur, como local de refúgio dos guerrilheiros do PAIGC, não era distante, e as suas acções de armadilhamento e de contacto directo com as NT, apareciam com bastante frequência, o que demonstrava uma forte obstinação tendente à sua não concretização. E agora, despreocupados de Gandembel, até podiam agir com maior poderio.


Buba: Sede do COP 4, sob comando do saudoso major Carlos Fabião


Buba era um pequeno agregado de população indígena, com uma larga rua de permeio, como que a ligar a pista de aviação com o rio Grande de Buba.

Os edifícios militares estavam na parte mais baixa, juntos ao rio. As instalações eram substancialmente melhores que as deixadas atrás, com pavilhões prefabricados a servirem de casernas, e onde todos os militares tinham direito a uma cama com colchão. Também a qualidade da alimentação, em nada se comparava com a que nos fora ofertada noutros tempos.

Estava sedeada em Buba um grande efectivo militar, onde se incluía uma das Companhias de Comandos, salvo erro a 15ª CCmds, para além da Companhia que aí estava há mais tempo — a CCAÇ 2382 —, a que se viriam juntar a minha e a CCAÇ 2381.

Todo este efectivo militar, estava sob o comando do saudoso major Carlos Fabião (2), que detinha o COP 4.

E durante estes 3 meses de permanência [de finais de Janeiro a Maio de 1969], a nossa acção incidiu na segurança da estrada, com as tropas a permanecerem em Buba, com excepção de algum tempo (cerca de 2 semanas) em que cada grupo de combate se deslocou por Nhala e Samba Sabáli.



De novo as minas e as emboscadas, mas sem consequências para a malta da companhia


Estivemos, por 3 vezes, directamente envolvidos com o inimigo, em forma de emboscadas, mas as consequências dos confrontos não foram graves. Recordo que num ataque a Samba Sabáli (uma das tabancas abandonadas, e que foquei atrás, quando me referi a essa data de 15 de Maio) haver 2 feridos, um dos quais com uma certa gravidade e que viria a ser evacuado para Lisboa.

Os patrulhamentos tinham a sua origem em Buba, faziam-se incidir essencialmente nas imediações da frente dos trabalhos da estrada, e eram realizados ao princípio da noite ou então antes do alvorecer. Desenvolviam-se a nível de Companhia, portanto com quantitativos considerados suficientes.

No que se relacionou com os trabalhos, era desenvolvido um grau de segurança da estrada, de cada lado da mesma, com um algum afastamento do seu eixo. Nestas andanças deste tipo, o meu grupo, foi apanhado mais uma vez por um enxame de abelhas, que se encontrava num carcomido tronco de uma velha árvore. Alguns foram picados por várias vezes, onde me incluí, e que o inchaço nos desfigurou durante um certo tempo.

Todos os dias, na deslocação para a frente dos trabalhos, havia que proceder à picagem da velha estrada. Num dessas vezes, levantámos 38 minas anti-pessoais.


Os cataneiros chegaram a recusar a ida para a mata


As máquinas, montadas as seguranças, começavam então a funcionar. A limpeza de uma larga berma era levada a efeito por um grande grupo de nativos não autóctones, cujos utensílios eram as catanas.

Estes grupos de cataneiros eram em geral bastante sacrificados, pois as armadilhas e as minas anti-pessoais eram sempre em grande número, e era raro o dia, que não houvesse feridos muito graves. Até que chegou um dia, que recusaram a ida para a mata.

Os ataques ao aquartelamento de Buba faziam-se com alguma frequência. E os abrigos eram apenas umas valas abertas para esse fim. Recordo, num desses ataques, a morte de um soldado da Companhia residente, que quando fugia para se refugiar nos abrigos, foi apanhado por um rocket, que o estropia muito marcadamente.

Das contrariedades provocadas aos cataneiros, assim como dos ataques perpetrados ao aquartelamento, Carlos Fabião considera que alguém da tabanca presta informações para o exterior. Era quase certo que no dia em que a tropa não se empenhasse nos patrulhamentos, que o PAIGC ousava enfrentar mais próximo do aquartelamento.


Spínola expulsa toda a população civil de Buba, acusada de traição


Este recado chega a Spínola que num certo dia chega a Buba, reúne a população para que fosse reconhecido os que transmitiam informações ao PAIGC. Perante o mutismo desta gente, Spínola considera-a traidora e, no dia seguinte, 2 LDG encostam a Buba, e toda a população é coagida a abandonar as suas casas. O destino que tomaram, não o sei, mas disse-se então que foram para o arquipélago dos Bijagós.

Mau grado esta afronta, a situação que se começou a viver em Buba, pareceu melhorar.


A recuperação da nossa auto-estima e a ida para o Gabu


Não se pode afirmar que a Companhia, durante este tempo de permanência em Buba, conheceu um clima de paz e serenidade. Havia por aqueles sítios, uma outra faceta da guerra, bem distinta da vivida em Gandembel, e que, em abono da verdade, não foi demasiado provocante, fundamentalmente porque já éramos gente mais crescida, só porque nos era fornecido o essencial: comida bastante e uma cama decente. Quanto foi importante a conquista desta emancipação!

Julgo, inclusive, que a Companhia recuperou muito a sua auto-estima, e algumas energias mais abaladas, iam-se revigorando.

De todo o modo, o dia 14 de Maio, com partida aérea para Nova Lamego, onde sempre permaneceu a CCS do Batalhão a que pertencíamos (o BCAÇ 2835) [então sob o comando do tenente-coronel Pimentel Bastos, o Pimbas] (3), representou para esta plêiade de homens sacrificados, o fim definitivo das hostilidades.

Por lá nos quedámos até ao fim da comissão, melhorando infra-estruturas no aquartelamento, fazendo pequenos patrulhamentos, mas nunca mais ouvimos o mínimo silvar de uma bala inimiga.

Aqui, encontrámos serenidade, e tornámo-nos outros, perdemos timidezas e inibições, ainda que sempre conscientes e previdentes. E também um certo bem-estar, um lenitivo fundamental para o encontro das estabilidades, da emocional à física, e que durante tanto tempo se tinham arredado de vez, inclementemente.

E aqui, fomos gente feliz, sem lágrimas! (4) ... E sobre os momentos de dor e de sofrimento, a CCAÇ 2317 nada mais tem a narrar. E porque considera que a guerra com que se confrontou, termina em Nova Lamego, também finda aqui a sua história.

E só me resta acrescentar, o quanto custou a esta Companhia, em termos humanos, o nosso sacrifício. Da frieza dos números, que agora aponto, talvez um dia me debruce com uma leitura mais atenta.

A Companhia sai para a Guiné, com 158 homens: 5 oficiais, 17 sargentos, 35 cabos e 101 soldados. A bordo do Uíge, a 10 de Dezembro de 1969, sob o comando de um único oficial (este escriba), chegam à unidade mobilizadora, o RI 15 de Tomar, 121 militares, com 11 sargentos, 29 cabos e 80 soldados; ficaram na Guiné, para a entrega do material, 1 alferes e 3 sargentos.

Há as perdas: 9 mortos (1 alferes, 1 furriel e 7 soldados), 18 evacuados para Lisboa (7 feridos graves, 5 por doença e 6 feridos menos graves), e 4 não regressam por mudança de Companhia. Há ainda 2 elementos, que saem antecipadamente: 1 cabo — o nosso Lamego e o Comandante de Companhia, para continuar a sua carreira militar como oficial superior de Infantaria.

Não nos foi possível contabilizar os evacuados para Bissau, e que iam regressando mais tarde ao nosso seio, mas as estimativas de quem viveu sempre de perto os 23 meses de comissão, apontam para valores da ordem das 4 dezenas.

Com imenso gosto, procurei corresponder ao que tinha prometido. É uma narração sucinta, mas que terei oportunidade de vir a pormenorizar muitas das facetas aí insertas. Continuarei sempre atento ao blogue, que considero de excepcional valia para o conhecimento da guerra colonial na Guiné, dos seus tempos e dos seus sítios.

Por isso, em nome da minha Companhia, um firme agradecimento ao nosso editor.
Bem hajas, Luís.

Só mais dois aspectos finais:

(i) Amiudadas vezes me têm afirmado, que a nossa ida para Gandembel, é resultado de uma oferta voluntária por parte do Comandante da Companhia. Por desconhecimento, não posso, nem devo confirmar. O que sei, é que este oficial do quadro, não possuía nenhuma comissão em teatro de guerra.Contudo, o que sempre me causou uma certa perplexidade, é que as Companhias do Batalhão se esparsaram pela Província, sem dependência da CCS, o que não era usual.

(ii) O feitiço lançado a este vosso escriba, que no seu itinerário como militar, passou por duas Lamegos. A serrana Lamego, num curso de operações especiais, ainda no quartel velho, e onde morreram 2 companheiros que tombaram do alto da torre da igreja, quando faziam o slide. E esta Nova Lamego, hoje Gabú, da ardente e multifacetada Guiné.E se não fora as saudades a minarem e a proximidade do regresso, a passagem por esta última, saber-me-ia bem melhor que as piratarias da dureza 11 e quejandas, só suplantadas devido à porfiada ajuda prestada pelo meu velho parelha Amaro.

Para todos, um cordial abraço do Idálio Reis.


Comentário do editor L.G.:

Querido amigo e camarada Idálio: Não há, na guerra, um fim feliz, como no cinema. Mas gostei de saber que os últimos meses dos homens-toupeiras de Gandembel/Balana permitiram-vos retemperar as forças para o regresso à Pátria, à Mátria ou à Madrasta da Pátria...

Continua a dar-nos notícias da tua/nossa gente, cuja epopeia tão bem soubeste evocar e descrever nesta fotobiografia... O teu testemunho honra-nos a todos e orgulha os editores e autores do blogue bem como todos membros da nossa Tabanca Grande. A fotobiografia da CCAÇ 2317, escrita pelo teu punho, foi um dos momentos altos do nosso blogue.

Faço daqui um veemente apelo a um editor português que arrisque publicar, em livro, esta extraordinária aventura de 9 meses no corredor da morte. Porque não o Círculo de Leitores ? L.G.

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Notas de L.G.:

(1) Vd. posts anteriores:

16 de Fevereiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1530: Fotobiografia da CCAÇ 2317 (1968/70) (Idálio Reis) (1): Aclimatização: Bissau, Olossato e Mansabá.

(...) A CCAÇ 2317 chega a Bissau a 24 de Janeiro de 1968. Uma aclimatação de 2 meses, o quanto bastou para enveredar por um sinuoso rumo, a uma fatídica zona do Sul da Província. Aí, num local estranho da região do Forreá e apenas no efémero prazo de 11 meses, houve lugar às facetas mais pérfidas da guerra, em que do mito e do mistério sobrou só o nome: Gandembel/Ponte Balana (...).

9 de Março de 2007 > Guiné 63/74 - P1576: Fotobiografia da CAÇ 2317 (1968/70) (Idálio Reis) (2): os heróis também têm medo

(...) Após o Treino Operacional, a Companhia segue rumo ao Sul da Província. Poucos dias em Guileje, para então nos coagirem a ir para as cercanias do "corredor da morte", a fim de se construir de raiz, um posto militar fixo, em Gandembel e Ponte Balana Em Guileje, a guerra não se fez esperar, e dolosamente começou a insinuar as suas facetas mais pérfidas, com as ocultas ciladas montadas na vastidão dos nossos olhares e a espreitarem o horror a todo o instante (...).

12 de Abril de 2007 > Guiné 63/74 - P1654: Fotobiografia da CCAÇ 2317 (1968/70) (Idálio Reis) (3): De pá e pica, construindo Gandembel.

(...) Em Gandembel, vinga a insensatez, a obrigarem-nos a penar um inextinguível tempo de arrastados sacrifícios. Do período mediado entre o início da construção do aquartelamento e a chegada da energia eléctrica, a 9 de Maio (...) O dia 8 de Abril de 1968 alvoreceu para um conjunto de homens inquietamente sós, desunidos de um futuro confiante, porque, por mais que se procurasse predizer, não lhes era possível reconhecer se se podia atingir. Um imenso manto de silêncio ali estava especado, com secretas sombras negras a envolver-nos (...).

2 de Maio de 2007 > Guiné 63/74 - P1723: Fotobiografia da CCAÇ 2317 (1968/70) (Idálio Reis) (4): A epopeia dos homens-toupeiras.

(...) Instalação e início da construção do aquartelamento de Gandembel. Ilustração fotográfica: Incluí o período de tempo entre 8 de Abril de 1968 - partida de Guileje para Gandembel e início da construção do aquartelamento de Gandembel - e a chegada da energia eléctrica, a 9 de Maio de 1968(...).

9 de Maio de 2007 > Guiné 63/74 - P1743: Fotobiografia da CCAÇ 2317 (Idálio Reis) (5): A gesta heróica dos construtores de abrigos-toupeira em Gandembel.

(...) Instalação e início da construção do aquartelamento de Gandembel (continuação) > Ilustração fotográfica: Incluí o período de tempo entre 8 de Abril de 1968 - partida de Guileje para Gandembel e início da construção do aquartelamento de Gandembel - e chegada da energia eléctrica, a 9 de Maio de 1968 (...).

23 de Maio de 2007 > Guiné 63/74 - P1779: Fotobiografia da CCAÇ 2317 (1968/70) (Idálio Reis) (6): Maio de 1968, Spínola em Gandembel, a terra dos homens de nervos de aço.

(...) A generosidade de um punhado de gente jovem, onde os ecos dos seus ais de desespero e dor, não ressoavam para além da região do Forreá. Gandembel/Ponte Balana, de 9 de Maio a 4 de Agosto. (...) A época plena das chuvas aproximava-se, começava a fazer surtir os seus benéficos efeitos, o que para nós incidia muito especificamente na água que o rio Balana pudesse debitar. Este, logo que retomasse alguma capacidade de vazão, significaria que a tão ansiada água já abundaria, e as restrições ao consumo que tinham prevalecido até então, evolavam-se no tempo (...).

21 de Junho de 2007 > Guiné 63/74 - P1864: Fotobiografia da CCAÇ 2317 (1968/70) (Idálio Reis) (7): do ataque aterrador de 15 de Julho de 1968 ao Fiat G-91 abatido a 28.

(...) Os ataques e flagelações mantinham-se a um ritmo praticamente diário, a que nos íamos habituando, pois que a generalidade das detonações era resultado da acção de morteiros 82, e a maioria das granadas continuava a deflagrar na periferia. Os morteiros ainda não estariam devidamente assestados, e tornava-se necessário e urgente ter que acabar as obras do aquartelamento, com condições mínimas de segurança (...).

8 de Julho de 2007 > Guiné 63/74 - P1935: Fotobiografia da CCAÇ 2317 (1968/70) (Idálio Reis) (8): Pára-quedistas em Gandembel massacram bigrupo do PAIGC, em Set 1968.

(...) Uma longa vida em Gandembel suspensa da decisão do Comandante-Chefe. E ante tantas adversidades, num ápice tudo se esfuma da forma mais indigna: o abandono. Gandembel/Ponte Balana, de 4 de Agosto às vesperas do Natal de 1968. (...) A catástrofe de 4 de Agosto foi demasiado punitiva e voraz, criando um profundo sentimento de perda. E, atendendo às circunstâncias com que nos deparávamos no quotidiano, reconheci na pungente dor do luto, que a Companhia perdia temperamento e vivacidade, com as vontades a fenecerem. (...) A deslocalização de um permanente efectivo de pára-quedistas foi fundamental para o surgimento de uma fase de muita maior tranquilidade, que resultou numa acentuada diminuição belicista por parte do PAIGC (...).

19 de Julho de 2007 > Guiné 63/74 - P1971: Fotobiografia da CCAÇ 2317 (1968/70) (Idálio Reis) (9): Janeiro de 1969, o abandono de Gandembel/Balana ao fim de 372 ataques

(...) Seria uma lembrança do Natal, que se aproximava? Não o foi, pois que até lá não recordo qualquer confronto, mínimo que seja. Pelo Natal, dada a solenidade do dia, chegam 2 helicópteros: um trazendo o bispo de Madarsuma, vigário castrense das Forças Armadas e um repórter do extinto Diário Popular, de nome César da Silva; outro, com Spínola e elementos do Movimento Nacional Feminino. (...) À alvorada do dia 28 [de Janeiro de 1969], o armamento pesado é desactivado, a bandeira nacional é arriada, o gerador é colocado num Unimog, e eis que partimos em definitivo de Gandembel, passámos por Ponte Balana (ali ao lado) a buscar o grupo que aí estava e seguimos para Aldeia Formosa. (...)

18 de Setembro de 2007>Guiné 63/74 - P2117: Fotobiografia da CCAÇ 2317 (1968/70) (Idálio Reis) (10): O terror das colunas no corredor da morte (Gandembel, Guileje)

(...) As colunas de reabastecimento para Gandembel / Ponte Balana. Tanta ousadia cerceada no passo incerto, e a folha fustigada pelo sopro de um fornilho, já não encontra outro sítio para cair, senão em corpos dilacerados (...).

(...) As colunas de reabastecimento que se contextualizam com Gandembel, ficaram gravadas nos caminhos do desalento, do pesadelo e horror. E por isso, procuravam protelar-se até soar o grito da clemência, pois os bens essenciais estavam a esgotar-se, e o espectro da fome, em forma de um tipo de alimentação quase intragável, pairou algumas vezes em Gandembel.E esta desapiedada e frustrante sensação de um forçado isolamento, também contribuiu em muito para o alquebramento das forças físicas e morais, tão vitais para ousar enfrentar com denodo as vicissitudes que se nos deparavam quotidianamente.

(...) Restar-me-á apenas tentar alinhavar o último capítulo, que se prende com a permanência da Companhia em Buba, e que se prolongou até 14 de Maio de 1969 (...).



(2) Sobre o major Carlos Fabião em Buba:

4 de Setembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2080: Estórias do Zé Teixeira (22): Tuga na tem sorte

4 de Abril de 2006 > Guine 63/74 - DCLXVIII: O major Fabião e o furriel Samouco, da CCAÇ 2381 (1968/70)

Vd. também, entre outros, os posts:

17 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1436: Dossiê O Massacre do Chão Manjaco (Afonso M.F.Sousa) (1): Perguntas e respostas

8 de Abril de 2006 > Guiné 63/74 - DCLXXXIV: Antologia (37): Carlos Fabião, o conciliador

5 de Abril de 2006 > Guiné 63/74 : DCLXXV: O outro Carlos Fabião (3) (Rui Felício)

5 de Abril de 2006 > Guiné 63/74 - DCLXXIII: O outro Carlos Fabião (1) (J. Vacas de Carvalho)

2 Abril de 2006 > Guiné 63/74 - DCLXV: Depoimentos sobre Carlos Fabião (1930-2006)

(3) O tenente-coronel Pimentel Bastos foi originalmente o comandante do BCAÇ 2852 (Bambadinca, 1968/70), antes de ser alvo de punição disciplinar por parte do Com-Chefe:

22 Novembro 2006 > Guiné 63/74 - P1304: Operação Macaréu à Vista (Beja Santos) (21): A viagem triunfal do Pimbas a terras do Cuor

28 de Setembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1124: Fotos falantes (Torcato Mendonça, CART 2339) (2): A vida boa de Bambadinca, no tempo do Pimentel Bastos

30 de Agosto de 2006 > Guiné 63/74 - P1041: O Pimbas e os outros (Jorge Cabral)

16 de Agosto de 2006 > Guiné 63/74 - P1035: Ainda sobre o Pimbas, com um quebra-costelas para o Beja Santos (Paulo Raposo)

4 de Agosto de 2006 > Guiné 63/74 - P1025: Tenente-coronel Pimentel Bastos: a honra e a verdade (Luís Graça)

4 de Agosto de 2006 > Guiné 63/74 - P1028: O Pimbas que eu (mal) conheci (Jorge Cabral, Pel Caç Nat 63)

1 de Agosto de 2006 > Guiné 63/74 - P1012: Operação Macaréu à Vista (Beja Santos) (3): Eu e o BCAÇ 2852, uma amizade inquebrantável )

31 de Julho de 2006 > Guiné 63/74 - P1008: Operação Macaréu à Vista (Beja Santos) (2): o saudoso Pimbas, 1º comandante do BCAÇ 2852

(4) Por analogia com o título do romance de João de Melo, Gente Feliz com Lágrimas, Grande Prémio de Novela e Romance APE, 1989. João de Melo, nasceu nos na Ilha de S. Miguel, Açores, em 1949, pertencendo à geração da guerra colonial (esteve em Angola, entre 1971 e 1974, como furriel miliciano enfermeiro).

"A experiência da Guerra Colonial foi pela primeira vez tematizada em 1977, com A Memória de Ver Matar e Morrer. Em 1984, publicou Autópsia de um Mar em Ruínas, onde a barbárie da guerra é filtrada pelos olhos de um furriel enfermeiro, cargo que assumiu em Angola.Os livros de contos Entre Pássaro e Anjo e Bem-Aventuranças completam o testemunho apresentado nos romances".