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quarta-feira, 27 de fevereiro de 2013

Guiné 63/74 - P11162: Álbum fotográfico do ex- fur mil José Carlos Lopes, amanuense do conselho administrativo da CCS/BCAÇ 2852 (Bambadinca, 1968/70) (9): Ainda cheira a pólvora...


Guiné > Zona leste > Setor L1 > Bambadinca > CCS/BCAÇ 2852 (1968/70) > Foto nº 45 > Invólucros de granadas de canhão s/r, deixadas na orla da mata contígua à pista de aviação, na noite do ataque a Bambadinca, 28 de maio de 1969... Ainda tenho bem presente, na minha memória, estes "objetos" de guerra, na nossa passagem pro Bambadinca, a caminho de Contuboel, em 2 de junho de 1969...Recorde-se que na história do BCAÇ 2852, o ataque a Bambadinca é dado em três linhas, secas, em estilo telegráfico: "Em 28 [de Maio de 1969], às 00H25, um Gr In de mais de 100 elementos flagelou com 3 Can s/r, Mort 82, LGF, ML, MP e PM, durante cerca de 40 minutos, o aquartelamento de Bambadinca, causando 2 feridos ligeiros"...



Guiné > Zona leste > Setor L1 > Bambadinca > CCS/BCAÇ 2852 (1968/70) > Foto nº 39 > Bidões de combustível atingidos pelo fogo do IN, no ataque da noite de 28 de maio de 1969. Recorde-se aqui o sistema de cores dos nossos bidões: Vermelho (gasolina), verde claro (petróleo branco), amarelo (gasóleo).


Guiné > Zona leste > Setor L1 > Bambadinca > CCS/BCAÇ 2852 (1968/70) > Foto nº 2 > Possivelmente despojos de guerra, recolhidos durante a Op Lança Afiada (8-19 de março de 1969)


Guiné > Zona leste > Setor L1 > Bambadinca > CCS/BCAÇ 2852 (1968/70) > Foto nº 1 > Não tenho a certeza de quem capturou nem quando nem onde este RPG 2 e a respetiva granada...Pode ter sido  durante a Op Lança Afiada (8-19 de março de 1969)


Guiné > Zona leste > Setor L1 > Bambadinca > CCS/BCAÇ 2852 (1968/70) > Foto nº 46 > A ponte do Rio Udunduma, objeto de sabotagem por parte do PAIGC, na noite de 28 de maio de 1969, aquando do ataque ao quartel de Bambadinca... Pela escassez de água no rio, vê-se que estamos no fim da época seca...Não me lembro de ter visto o rio Udunduma com um caudal tão fraco...Passei/passámos (a malta da CCAÇ 12...)  muitas noites neste buraco... (do 2º semestre de 1969 ao 1º trimestre de 1971), neste destacamento (?) que depois dessa data foi improvisado para defender esta posição estratégica... Improvisado e definitivamente provisório... Com a construção da nova estrada (Xime-Bambadinca), mais ou menos paralela a esta, foi construída uma nova ponte..



Guiné > Zona leste > Setor L1 > Bambadinca > CCS/BCAÇ 2852 (1968/70) > Foto nº 38 > Ponte do Rio Udunduma, na estrada Xime-Bambadinca > Possivelmente no(s) dia(s) seguinte(s) ao ataque ao quartel de Bambadinca, em 28 de maio de 1969. Nessa noite, esta ponte, vital para as comunicações com todo o leste da província, foi objeto do "trabalho" dos sapadores do PAIGC... Os estragos, embora visíveis, não abalaram felizmente a sua estrutura. Era uma bela ponte, em cimento armado, construída no início dos anos 50. Esta foto é "histórica". O José Carlos Lopes posou aqui para... a "posteridade".



Guiné > Zona Leste > Setor L1 > Bambadinca > CCS/BCAÇ 2852 (1968/70) > Foto nº 40: Chegada do gen Spínola (ou ainda brigadeiro ?), em data que não posso precisar: (i) em março de 1969, por ocasião da Op Lança Afiada (8-19 de março de 1969), em que o com-chefe se empenhou muitissimo, tendo estado inclusive com as NT no final, na Foz do Rio Corubal, na Ponta do Inglês;  ou então (ii) em junho de 1969, depois do ataque a Bambadinca (em 28 de maio de 1969)...


Guiné > Zona leste > Setor L1 > Bambadinca > CCS/BCAÇ 2852 (1968/70) > Foto nº 107 > Vista parcial do aquartelamento de Bambadinca: o espaldão do morteiro 81 (ver aqui a posição nº 23 nesta infografia) e à esquerda um abrigo recente... Ao fundo, a grande e mítica bolanha de Bambadinca, na margem esquerda do Rio Geba Estreito... (Vê-se também empoleirado num dos troncos de lenha, usada pelos cozinheiros da messe, um maco-cão, mascote da CCS... Estes meios de defesa terão sido construídos ou melhorados depois do ataque a Bambadinca. Todo o vasto perímetro do quartel foi guarnecido, já no tempo da CCAÇ 12 (a partir de julho de 1969),  com um sistema de valas em ziguezague.. Uma boa parte dessas valas foram abertas por nós, no intervalo do descanso entre duas saídas para o mato...  

Fotos: © José Carlos Lopes (2013). Todos os direitos reservados. (Editadas e legendadas por L.G.)

1. Continuação da publicação do excelente álbum fotográfico  (, constituído por "slides" digitalizados, ) do José Carlos Lopes, meu contemporâneo em Bambadinca, pelo menos na época de julho de 1969 a maio de 1970 (quando o batalhão regressou à metrópole). Embora a sua especialidade fosse "contablidade e pagadoria" (sic), ele exerceu funções como fur mil reabastecimentos da CCS/BCAÇ 2852. É nosso grã-tabanqueiro, nº 604, desde 10 do corrente. Bancário reformado do BNU, vive em Linda a Velha, Oeiras.

Recorde-se, de passagem, que o ataque a Bambadinca, em 28 de maio de 1969, assume alguns aspetos hilariantes (sem ofensa para ninguém...), dois meses depois da Op Lança Afiada (8-19 de março) em que todo o dispositivo político, administrativo e militar do PAIGC, no triângulo Xime-Bambadinca-Xitole- margem direita do Rio Corubal,  terá sido desarticulado... Sorrateiramente, audaciosamente, dois bigrupos (c. de 100 homens), aproximam-se da sede do batalhão, importante posto administrativo e estratégico porto fluvial, e conseguem tirar o sono aos nossos camaradas da CCS/BCAÇ 2852 e subunidades adidas...

Felizmente que não houve baixas de monta... A sorte (ou a nabice dos artilheiros do PAIGC) protegeu  o pessoal de Bambadinca:  segundo os  diversos depoimentos coincidentes que fui ouvindo (, incluindo o do José Carlos Lopes, que podia ter morrido na cama com uma morteirada!),  os canhões s/r enterraram-se no solo e a canhoada foi cair na bolanha... Estávamos já no princípio da época das chuvas.

Quando nós, periquitos da CCAÇ 2590 (futura CCAÇ 12), lá passámos, uns dias  depois, vindos de Bissau e do Xime a caminho da nossa estância de férias (Contuboel, um mês e meio de paraíso... seguido depois de 18 meses de inferno... quando fomos justamente colocados na sede do Setor L1), os nossos camaradas da CCS do BCAÇ 2852 ainda falavam do evento com alvoroço e emoção...
- Podíamos ter morrido todos! -  dizia-me 1º cabo cripto Agnelo Ferreira, da minha terra, Lourinhã, e meu amigo de infância...

Fomos depois nós, para lá, com os nossos nharros, e em 18 meses nem um tirinho: que o respeitinho (mútuo) era muito bonito... Porrada, porrada, era só quando a gente se atrevia a meter o bedelho na terra deles, na margem direita  do Rio Corubal, que eles consideravam "libertada"...   (LG)
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Nota do editor:

(*) Vd. último poste da série > 23 de janeiro de 2013 > Guiné 63/74 - P10993: Álbum fotográfico do ex- fur mil José Carlos Lopes, amanuense do conselho administrativo da CCS/BCAÇ 2852 (Bambadinca, 1968/70) (8): Há festa no quartel: visita da Cilinha e do conjunto musical das Forças Armadas, em abril ou maio de 1969

domingo, 25 de maio de 2008

Guiné 63/74 - P2882: Estórias de Juvenal Amado (9): Há dias de sorte

Foto 1> Galomaro, vista a partir do campo de futebol


Foto 2> Galomaro> Morteiro 81 e traseira da Messe de Oficiais e Sargentos


Foto 3> Galomaro> Cantina> Ivo, Confraria de costas, Juvenal, Sarg Silva, Aljustrel e de barbas o que veio a falecer pouco de depois do regresso.


Foto 4> Galomaro> Abrigo da MG depois do ataque

Fotos e legendas: Juvenal Amado (2008). Direitos reservados


Juvenal Amado
Ex-1.º Cabo Condutor,
CCS/BCAÇ 3872
Galomaro,
1972/74

1. Estamos a publicar mais uma estória do Juvenal Amado, esta enviada em 22 de Março de 2008.





Há dias de sorte

Galomaro, Zona Leste da Guiné, 1 de Dezembro de 1972 .

O radiotelegrafista José Confraria, à minha frente, acabava de reprovar, franzindo o sobrolho por trás dos óculos, uma jogada minha, naquela partida de sueca que nos opunha ao Glória e ao Costa, dois Sapadores da nossa Companhia.

Faltam talvez 15 minutos para as 22 horas, hora do fecho da cantina.

A cantina não é mais que um telheiro em chapa de zinco, com duas paredes, uma onde está o balcão com as arcas frigorificas a petróleo e a outra em frente, que tapa a vista para as palhotas do povoado de Galomaro. É pois um sítio, que tem uma abertura tipo esplanada, que dá para o arame farpado do lado do campo de futebol e, do outro lado para o Restaurante da Morte Lenta (1).

A partida era, como sempre, muito animada com muitos ralhos da parte dos nossos opositores, que era bem de ver estavam a perder e a caminho de terem que pagar as cervejas, correspondentes aos dez traços marcados a lápis, num bocado de papel.

Escusado será dizer que pagar as cervejas era mesmo assim muito menos doloroso que ouvir as piadas de quem ganhou. Quem ganhava eram sempre uns leiteirosos. As desforras ficavam logo ali prometidas.

O som dos geradores que forneciam a sempre precária iluminação, ouviam-se sem descanso. Os holofotes iluminavam o Quartel em redor, uns cinquenta metros para além do arame farpado.

O Destacamento que servia de casa aos cento e tal homens, que compunham a CCS, era um rectângulo que tinha a nascente o campo de futebol, a Norte a pista de terra batida onde podiam aterrar avionetas ou helis e, a Sul e a Poente éramos rodeados pela povoação.

Foi pois nessa luz pouco precisa, que o Gasolinas (2) viu um estranho movimento de um rebanho de ovelhas e carneiros que, de forma muito ordeira, se estendiam numa linha paralela ao campo de futebol, partindo do lado direito, onde estava o posto de sentinela à frente da oficina da ferrugem, para a esquerda na direcção da bem visível sala da cantina.

O Lourenço periquito (3) que estava de serviço ao mesmo posto, embora fora da sua hora de sentinela, começou a dizer ao atarantado Gasolinas que eram turras, e que fizesse fogo.

Mas o medo do que o Comandante podia fazer a quem desse tiros sem razão, era ainda maior e o nosso camarada recusou.

O Lourenço vai ao nosso abrigo, agarra na G3 e corre para o posto, onde tinha presenciado os tais movimentos suspeitos.

Acabo de bater uma carta e nisto, uma rajada de metralhadora soa agressiva. Fiquei tenso, com o coração aos pulos, podia ser engano e alguém ter disparado sem querer. Mas outra rajada e já estou a correr na direcção do meu abrigo, entro e está o Caramba com os seus quase dois metros, sentado no beliche a rir e a contar entre as gargalhadas, que tinha sido o periquito a dar os tiros e que agora estava lixado com o Comandante (4):
- Logo lhe ia passar a vontade de rir.

Não me convence, estou a pôr as cartucheiras e a pegar na minha G3, pois a minha experiência de andanças pelas companhias operacionais, diz-me que ali há coisa da grossa.

Ouve-se a terceira rajada. Os guerrilheiros após a terceira rajada, sentem que foram mesmo descobertos e é nesse momento, que iniciam o ataque. Neste lapso de tempo ainda se começa a ouvir o tenente Raposo (5) a gritar:
- Quem foi a besta que deu os tir….

Já não acaba a frase, pois as explosões e o matraquear das automáticas abafam a sua voz.

O barulho é ensurdecedor, olho pela fresta do abrigo que está virada para a pista de aviação, meto a espingarda e disparo uma rajada, no acto continuo uma bola de fogo vem na minha direcção, o Caramba puxa-me para baixo, o RPG explode a poucos centímetros de onde eu tinha feito os disparos, já não ouço nada, estou meio cego pelos clarões, olho para a porta e o que vejo são autênticas cortinas de tracejantes, mas é necessário sair para a vala e responder ao fogo do inimigo, não sabemos se já há reacção da nossa parte ou não, aqui está a funcionar o nosso instinto de sobrevivência.

O Dias (6) está à minha frente e quando ele salta para fora, eu salto de seguida e mergulho de cabeça na trincheira, corremos agachados e espezinho o Borges cozinheiro, que está só em cuecas no fundo da vala.

O cheiro dos explosivos sufoca-nos, disparamos sem cessar mas sem vermos nenhum alvo, a não ser os clarões dos disparos. Dentro da minha cabeça, parece que alguém bate sem parar tampas de panelas.

Os RPG explodem contra os telhados, abrigos e à falta de encontrarem onde bater, explodem no ar, mandando uma chuva de estilhaços para baixo.

Os apontadores do morteiro 81 mm que está entre o meu abrigo e a messe dos oficiais, fazem finalmente o primeiro disparo, na atrapalhação penso que não tiraram a cavilha do projéctil, mas tiraram dos outros, a provar isso foi o efeito devastador nas árvores que foram atingidas.

Do outro lado do quartel o maqueiro Russo tinha entrado no abrigo do morteiro 60 mm, disparou a primeira granada. Quando constatou que a mesma tinha ultrapassado o quartel e rebentado na orla da mata, disparou sem parar e talvez tenha sido a reacção dele, que tenha posto em fuga o inimigo.

A nossa posição tinha sido atingida pelo o menos, com cinco impactos directos de RPG, o abrigo da metralhadora MG estava destruído, eles vinham bem informados das nossas defesas e posições.

O som das explosões tinha abrandado, só se ouviam as nossa rajadas, as saídas de morteiro e o som cavo do rebentamento no chão das suas granadas.

Nisto um Jeep com os faróis acesos na direcção da mata, avança pela pista de aviação com o Comandante aos gritos para que parássemos com os tiros, pois o inimigo já tinha retirado. Felizmente não se tinha enganado.

No silêncio e na escuridão olhei para os meus camaradas que estavam na vala, o Caramba, Dias, Piriquito, Ermesinde, todos pensávamos nos mortos que de certo tínhamos a lamentar.

O que se tinha passado tinha sido de uma tal violência, que não podíamos esperar outra coisa. O Pel Rec tinha saído em patrulha nocturna. Como normalmente um pelotão era largado ainda de dia, numa zona a seis ou sete quilómetros do Quartel e depois progredia até um ponto pré determinado onde se emboscava.

Fazia parte da segurança, mas no caso envolveu riscos, pois os guerrilheiros meteram-se entre o quartel e o Pelotão no mato e o batimento de zona, podia atingir esses nossos camaradas.

Só pensava no que lhes teria acontecido. Na minha confusa cabeça, fervilhava toda a espécie de cenários de catástrofe. O que teria acontecido aos meus colegas de jogo? Passado o combate não consigo deixar de tremer.

A pouco e pouco, tudo volta ao normal na anormalidade que é a nossa situação. Passaram horas e alguém vem informar, que o Pelotão de patrulha está perto do aquartelamento e que, é preciso não os confundir com o inimigo e disparar sobre eles. Temos o nervos em franja e tudo pode acontecer.

Com o passar das horas, também fico a saber que afinal não tinha morrido ninguém e nem feridos havia, para além de escoriações motivadas pelas aterragens no chão, havendo contudo alguns camaradas atingidos com pequenos estilhaços.

Quando finalmente amanheceu, o cenário era de alguma destruição a nível dos telhados. Havia grandes pedaços de metralha espalhados por todo o lado. O meu abrigo tinha vários buracos de granada mas só uma tinha entrado ao nível do tecto, cortando como se cartão fosse, as barras de ferro que o sustinham.

Mortes, só as galinhas do periquito, pois a capoeira desapareceu por completo.

Hoje, quando nos encontramos nos almoços ou noutras ocasiões, vêm sempre à baila estes ou aqueles episódios sobre a nossa permanência em terras da Guiné, mas nunca me esqueço do puxão que o Caramba me deu, nem da coragem do Lourenço periquito, que evitou com o seu acto naquele 1.º de Dezembro, que os nomes de muitos de nós figurassem hoje na listagem de mortos de guerra. Os guerrilheiros quando se acabassem de posicionar, fariam um autêntico tiro ao alvo com os camaradas, que se encontravam na dita cantina.

Anotações do autor:

(1) - Refeitório dos praças.
(2) - Gasolinas, alcunha dada ao nosso camarada que era responsável pelos combustíveis. Infelizmente veio a falecer já depois do nosso regresso em acidente de viação.
(3) - Periquito, alcunha dada aos soldados maçaricos, da qual o Lourenço nunca se livrou, embora ele só tivesse chegado à nossa companhia, após quatro meses depois de nós.
(4) - O Tenente-Coronel José Maria Castro e Lemos era o Comandante de Batalhão.
No dia da nossa chegada a Lisboa após alguma espera, tomou a atitude largamente ovacionada por nós, de nos mandar desembarcar do Niassa, uma vez que por parte das autoridades do regime, nenhuma comissão de boas vindas ao Batalhão se apresentou como era da praxe.
(5) - Tenente Raposo comandante de companhia.
(6) - Dias, Soldado do Pel Rec, Pelotão de Reconhecimento e Informação. que veio a falecer, segundo me disseram, debaixo de um tractor na sua terra natal.

Juvenal Amado
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Vd. último poste da série de 19 de Abril de 2008> Guiné 63/74 - P2779: Estórias do Juvenal Amado (8): O último Natal em Galomaro (Juvenal Amado)

segunda-feira, 11 de fevereiro de 2008

Guiné 63/74 - P2526: Memórias de Mansabá (8): O ataque ao Quartel no dia 12NOV70 (Inácio Silva)

Foto 1> Inácio Silva no abrigo da Mancarra com a sua Breda.


O nosso camarada Inácio Silva (ex-1.º Cabo Apontador de Metralhadora da CART 2732, Mansabá, 1970/72) relata, na primeira pessoa, um ataque ao aquartelamento, dos muitos que ocorreram durante os 22 meses de permanência nesta localidade da região do Oio, muito perto do Morés.

Não se pense que estas flagelações aconteciam porque a CART 2732 se limitava à sua função de força de quadrícula. A História da Unidade enumera as muitas Operações em que a Companhia madeirense participou, enquanto adstrita ao BCAÇ 2885 (até 11 de Novembro de 1970) e como força integrante do COP 6, activado e sediado em Mansabá. Foram inúmeras as colunas auto efectuadas para Mansoa e Farim, emboscadas nocturnas, patrulhamentos e participação na segurança próxima e afastada aos trabalhos de alcatroamento da estrada Bironque-K3.


Foto 2> Guiné> Mansabá, 11 de Outubro de 1970> Cerimónia oficial em memória do Alf Mil Couto, vítima mortal de uma mina AP em 6 de Outubro de 1970. No dia 5 de Outubro o aquartelamento tinha sido atacado.


CART 2732 (1)
Descrição de um ataque ao Quartel de Mansabá, de entre muitos


Por Inácio Silva

Durante os 23 meses de permanência em Mansabá, todos os dias, a qualquer hora, era possível verificar-se um confronto, repentino e inesperado, entre as forças do PAIGC e as nossas tropas, onde quer que elas estivessem: fosse numa operação militar programada, numa batida de zona, numa saída para o mato, à noite, numa coluna militar ou quando estivéssemos no quartel, acordados ou a dormir. Fosse, ainda, com a colocação de minas antipessoais ou anticarro, nos trilhos ou estradas por onde haveríamos de passar.

Foto 3> Mansabá 12 de Novembro de 1970> Estado em que ficou a Enfermaria.

Foram setecentos dias, dezasseis mil e oitocentas horas de permanente e absoluto alerta, com os olhos e ouvidos bem abertos, tentando perscrutar um movimento suspeito, um barulho, um estrondo, numa vasta área de mato, floresta e bolanha, em todo o perímetro do Quartel.

Diga-se, em abono da verdade, que a iniciativa dos ataques, partia, geralmente, dos homens do PAIGC, já que as tropas portuguesas estavam sediadas nos quartéis, cujas localizações eram suas, sobejamente, conhecidas, sendo, portanto, relativamente fácil localizá-las e desencadearem ataques às nossas guarnições.

A nós competia ocupar o território e defender as populações e as autoridades administrativas. Ao PAIGC competia marcar a sua presença em todo o território da Guiné, exercendo a guerrilha, lançando ofensivas, sem data nem hora marcadas, tentando causar baixas nas tropas portuguesas, com o objectivo de as desgastar e desmoralizar.

Num desses dias de 1970 (12 de Novembro), pelas 19H30, eu e alguns camaradas, após o jantar, já noite escura, temperatura amena, subimos, como habitualmente, para a cobertura do abrigo designado por Mancarra, para passar o tempo, o mais descontraidamente possível, até que o sono chegasse, estabelecendo, entre nós, diálogos aleatórios ao sabor de temas, ao acaso.

A minha maior preocupação eram os mosquitos que me rodeavam insistentemente, que se atiravam a mim como gato a bofe, não parando de me autoflagelar com palmadas para evitar que me picassem, a maior parte das vezes, em vão.

Sem conseguirmos ver nada que estivesse para além da periferia do quartel, a vinte metros de nós, cercada de arame farpado e iluminada pela energia produzida por um gerador, alimentado a gasóleo, cujo barulho era audível no local, de repente, a iluminação apagou-se. Tratava-se, sabíamos nós, de um procedimento habitual, pois era necessário fazer descansar aquele gerador e colocar outro em funcionamento.

Já não me lembro durante quantos segundos é que estivemos às escuras; penso que não terá ido além dos 30 ou 40 segundos. Nesse hiato decidi, sem nenhuma razão aparente, vociferar impropérios, na direcção do fosso negro, de nossos pés, até à mata.

O som das nossas vozes emitido, em absoluto silêncio nocturno, era perfeitamente audível a algumas centenas de metros. Fui acompanhado por outros camaradas, na mesma ladaínha: - Está na hora, seus filhos da p..., ataquem agora, aproveitem, seus cobardes.

Estas frases iam sendo repetidas, enquanto se vivia aquele momento de absoluta escuridão.

Foto 4> Alguns dos camaradas presentes nesta foto dormiam no abrigo da Mancarra, localizado nas suas costas. Inácio Silva sentado e encostado ao mini monumento que os defendeu dos estilhaços dos morteiros. A seta indica o sítio onde estavam quando começou o ataque.


Ainda estávamos naquele exercício provocatório, quando, inesperadamente, rompeu da escuridão, na nossa direcção, uma rajada de Kalashnikov (PPSH), conhecida por costureirinha pelo som característico, estridente que provocava, dando uma sensação de proximidade, seguida de lançamento de granadas de morteiro.

De imediato, saltámos da cobertura do abrigo, para o solo, tendo caído, nesse momento, três granadas de morteiro, perto de nós. A sorte esteve connosco, uma vez que as granadas caíram e rebentaram por detrás de um pequeno monumento, erigido pelos camaradas da Companhia que ali estivera antes de nós, a CCAÇ 2403, protegendo-nos.


Foto 5> Os círculos indicam os buracos feitos pelas três granadas de morteiro que marcaram o início do ataque.


Num ápice, o potencial de fogo por parte do PAIGC, originário de uma larga zona, em meia-lua, desde a pista de aviação, em terra batida, até ao abrigo da Mancarra, aumentou, atingindo várias zonas do quartel. Era possível ouvirem-se tiros de espingarda, de metralhadoras, e rebentamentos de granadas de morteiro, de RPG2 e de canhão sem recuo...

Percebi, logo, que estávamos em presença de uma grande operação militar do PAIGC que, das duas uma: ou respondíamos de imediato e com os todos os meios ao nosso alcance, ou poderíamos assistir a uma invasão das nossas instalações, com todas as consequências desastrosas que isso implicava.

Cada um dos camaradas que ali se encontravam, se dirigiu para o seu posto de combate e de defesa das instalações. Todos os postos avançados começaram a reagir àquele incessante matraquear mortífero: as nossas, espingardas G3, metralhadoras pesadas, metralhadoras ligeiras, morteiros 81mm e os obuses, em uníssono, desempenharam um papel absolutamente imprescindível na nossa defesa e foram, sem qualquer espécie de dúvida, a nossa salvação.

No referido abrigo da Mancarra, a meu cargo, estava uma metralhadora pesada BREDA, alimentada por lâminas de vinte balas de 8x59mm, mal posicionada em relação à frente de fogo inimiga. Havia que a deslocar para a posição correcta, sendo necessário dois militares para o efeito. Porém, o seu municiador, já há alguns dias que estava doente, acamado na enfermaria do quartel e eu encontrava-me, ali, sozinho.

Por segundos, fiquei sem saber o que fazer. A primeira reacção foi rodar a metralhadora, o máximo possível, para a frente de fogo inimiga, dando indicação aos atacantes de que a minha zona estava protegida.

Efectuei vários disparos, lâmina a lâmina, até que a BREDA encravou! Preocupado com a ausência de fogo naquele posto, recolhi todas as espingardas G3 dos camaradas que haviam saído para guarnecer os seus postos de combate e trouxe-as para junto de mim.

Tiro a tiro, fui descarregando as várias G3, mantendo, ali, uma presença de fogo. Ao dar o último tiro, fui confrontado com novo dilema: o que fazer a seguir? Abastecer os carregadores das G3 ou tentar desencravar a metralhadora e mudá-la para a frente de fogo? Qualquer destas tarefas implicaria numa paragem, absolutamente desastrosa, incompatível com a situação que estávamos a viver.

A tremer de medo, por pensar que poderia ser apanhado à mão, pelo inimigo, decidi desmontar a metralhadora. Ainda muito quente devido aos disparos a que foi sujeita, queimei as mãos ao desmontar a parte frontal, onde se encontra o cano e, esforcei-me, sem condições, por levá-la para a melhor frente de fogo. Colocada nova lâmina, lá recomeçou a funcionar. Depois, muitas outras se seguiram. Os meus dedos polegares, de empregado forense, já não conseguiam suportar as dores provocadas pelo trepidar dos disparos. Olhei para eles e vi que estavam duas enormes bolhas de sangue.

Continuei, apesar de tudo...

O meu posto era fixo e estava denunciado. De repente, oiço um assustador estrondo, acompanhado de uma labareda e de uma luz intensa, que me deixa absolutamente atordoado, surdo, a zumbir, parecendo que o couro cabeludo iria saltar. Fico sem reacção. Sinto uma impressão no meu sobreolho direito, passo a mão e o sangue anuncia um ligeiro ferimento. Nada de grave, felizmente. Era mais grave o meu estado de espírito e a minha desorientação devido ao gigantesco estrondo, amplificado pela caixa de ar onde me encontrava! Parecia encontrar-me numa gruta com milhões de morcegos a farfalhar.

Pensei! É agora que vou ser apanhado. Estava só e indefeso. Confiava nos meus camaradas que, algures, estavam a reagir estoicamente àquele gigantesco ataque. Não se ouviam vozes nem gritos, apenas os estrondos das bombas. Parecia ser o apocalipse!

Passaram-se quarenta e cinco longos minutos até voltar o silêncio! Havia que recompor as forças e o estado de espírito. Ver os estragos, abastecermo-nos de munições e preparar as armas para novo eventual tiroteio. Em teoria, ele poderia ocorrer noutra frente, no momento imediato!

Para acalmar, psicologicamente, as nossas tropas, o Comando Geral, enviou um bombardeiro T6, que sobrevoou, algumas vezes, as supostas zonas onde o IN se havia posicionado para atacar, certamente, já em debandada.

No dia seguinte, logo pela manhã, quis saber o que havia causado aquele estrondo que me tinha deixado prostrado. Foi uma granada de RPG, lançada pelos militares do PAIGC, na direcção das chamas da BREDA, que embateu na parede do abrigo, junto ao vértice inferior direito da fresta onde trabalhava a metralhadora, rebentando a cerca de um metro de mim.

Foto 6> É possível ver no círculo, o desbaste da parede efectuado pelo impacto e rebentamento da granada. Foi por um triz que ela não penetrou no abrigo.

Fotos: © Inácio Silva (2008). Direitos reservados

Feito o balanço, verificou-se ter havido um morto e quatro feridos nas tropas portuguesas (milícias locais) e 14 mortos e 45 feridos, na população.
Quanto aos estragos materiais, é de referir a destruição da enfermaria, de uma caserna e de algumas casas da população.

No que a mim diz respeito, trago comigo, até hoje, uma deficiência auditiva provocada pelo referido rebentamento, revelada em todos os exames audiométricos que efectuei (mais de uma dezena), no âmbito da Medicina do Trabalho da minha empresa, caracterizada pela impossibilidade de discernir determinadas gamas de frequência, situação que é totalmente desconhecida das entidades militares, não fazendo, pois, parte das estatísticas.

Pergunta-se, agora, porquê tudo isto?

O ser humano é único: pensa, ama, odeia, ri, chora, raciocina mas, por vezes, lamentavelmente, reage irracionalmente... e a guerra é um acto irracional!

Inácio Rodrigues da Silva
Ex-1.º Cabo de Artilharia
CART 2732 - Mansabá
1970/72
___________________

Notas do autor:

(1) Companhia de Artilharia 2732
Partida do Cais do Funchal: 13 de Abril 1970
Chegada à Guiné: 17 de Abril de 1970
Regresso a Portugal: 19 de Março de 1972
Localização da Companhia: Mansabá, região de Oio
Mortos em combate: 3 (1 alferes e 2 soldados)
Mortos por acidente: 1 soldado
Mortos por doença: 1 soldado

(2) A Região de Oio fica situada no Norte da Guiné-Bissau, fazendo fronteira com as Regiões de Bafatá, Biombo, Cacheu e Quinara. Tem uma superfície de 5.404 Km2, e uma população de 199.046 habitantes.
Os sectores que compõem a Região de Oio são: Bissorã; Farim; Mansabá; Mansoa; Nhacra.
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Notas de CV:

Vd. posts de:

27 de Junho de 2007>
Guiné 63/74 - P1889: Tabanca Grande (20): Inácio Silva, 1.º Cabo Apontador de Metralhadora, CART 2732 (Mansabá, 1970/72)

17 de Outubro de 2007>
Guiné 63/74 - P2184: A Guerra do Ultramar no programa Prós e Contras (RTP1, 15 de Outubro de 2007): o debate dos generais (Inácio Silva)

22 de Outubro> Guiné 63/74 - P2200: A nossa Tabanca Grande e As Duas Faces da Guerra (7): Comentário de Inácio Silva, da CART 2732, Mansabá, 1970/72

18 Abril 2006> Guiné 63/74 - DCCXI: Breve historial da CART 2732 (Mansabá, 1970/72) (Carlos Vinhal)

25 Março 2006> Guiné 63/74 - DCLI: A madeirense CART 2732 (Mansabá, 1970/72) (Carlos Vinhal)

domingo, 23 de dezembro de 2007

Guiné 63/74 - P2377: Em busca de ... (13): Malta da CCAÇ 11, Paunca, 1970/72 (Jaime Antunes)

Guiné > Zona Leste > Paunca > CCAÇ 11 > Pós 25 de Abril de 1974 > Confraternização entre o Fur Mil Op Esp J Casimiro Carvalho e um guerrilheiro do PAIGC, apontador de RPG (1).

Foto: © José Casimiro Carvalho (2007). Direitos reservados.

1. Mensagem de Jaime Antunes, a quem saudamos e convidamos a integrar a nossa Tabanca Grande:

Caros amigos,

Nestas coisas da vida há recordações que sempre perduram. Como muitos dos Portugueses, na minha juventude, também estive em África. Por uma escolha do Senhor Ganeral Spínola, 25 Milicianos, no dia 20 de Novembro de 1970, embarcaram no navio Ana Mafalda com destino ao CTIG. Todos classificados nos primeiros lugares dos cursos. Esta situação levantou-nos muitas dúvidas que foram esclarecidas à nossa chegada ao QG. Tínhamos sido selecionados para integrar uma Companhia de Africanos... a CCART 11. Posteriormente e porque uma Companhia de Artilharia... não era ... uma Companhia de Infantaria... o Senhor General ... passou a CCAÇ 11 para que já não houvesse reclamações quanto às constantes saídas de Paunca (1) para ir reforçar outras zonas.

Fui colocado no 4º Pelotão e ... cheguei em Novembro de 1970 e fui rendido em Setembro de 1972.

Mantenho contacto com alguns dos elementos que estiveram nessa altura na CCAÇ 11 mas faltam outros que lhe perdemos o rasto. Manifesto aminha disponibilidade para conseguir reunir mais alguns camaradas.

Jaime Antunes

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Nota de L.G.:

(1) Sobre Paunca e a CCAÇ 11, vd. posts de:

25 de Março de 2007 > Guiné 63/74 - P1625: José Casimiro Carvalho, dos Piratas de Guileje (CCAV 8350) aos Lacraus de Paunca (CCAÇ 11)

30 de Março de 2007 > Guiné 63/74 - P1636: Álbum das Glórias (10): Paunca, CCAÇ 11: Com o PAIGC, depois do 25 de Abril de 1974 (J. Casimiro Carvalho)

Recorde-se que a CCAÇ 11 (recruta, instrução de especialidade e IAO) foi formada em Contuboel.

Sobre esta unidade formada a partir da CART 11/CART 2479, há já também diversos posts (uma parte dos quais da autoria do meu amigo Renato Monteiro):

23 de Junho de 2006 > Guiné 63/74 - P899: Diga se me ouve, escuto! (Renato Monteiro)

23 de Junho de 2006 > Guiné 63/74 - P898: Saudades do meu amigo Renato Monteiro (CART 2479/CART 11, Contuboel, Maio/Junho de 1969)

28 de Julho de 2006 > Guiné 63/74 - P1001: Estórias de Contuboel (i): recepção dos instruendos (Renato Monteiro, CART 2479 / CART 11, 1969)

30 de Julho de 2006 > Guiné 63/74 - P1005: Estórias de Contuboel (ii): segundo pelotão (Renato Monteiro, CART 2479 / CART 11, 1969)

1 de Agosto de 2006 > Guiné 63/74 - P1015: CART 2479, CART 11 e CCAÇ 11 (Zona Leste, Gabu, subsector de Paunca)

domingo, 26 de novembro de 2006

Guiné 63/74 - P1317: Xime: uma descida aos infernos (1): erros de comando pagam-se caros (Luís Graça)


Portugal > Caldas da Rainha > 1968 > O futuro furriel miliciano Guimarães, de minas e armadilhas, está a tocar viola, rodeado de camaradas que, como ele, estavam a fazer a recruta no RI 5 das Caldas da Rainha. "Lá ao fundo, à direita e em último plano, uma carinha pequenina, é o Cunha".... Viria a morrer em combate, na região do Xime, na Op Abencerragem Candente, em 26 de Novembro de 1970; pertencia à CART 2715, unidade de quadrícula do Xime)

Foto: © David J. Guimarães (2005). Direitos reservados.


1. Na minha outra encarnação, quando eu fui o furriel miliciano Henriques, e estive na Guiné, entre Maio de 1969 e Março de 1971, no final da minha comissão, ainda em Bambadinca, escrevi a história da minha companhia, que era a CCAÇ 2590, ou melhor CCAÇ 12, uma companhia de nharros, que fazia parte da nova força africana com que Spínola sonhava ganhar... tempo (que não a guerra).

Devo dizer que o meu nome foi sugerido pelo meu Capitão - Capitão de Infantaria, do QP, Carlos Alberto Machado de Brito -, tendo como base a minha experiência, na vida civil, como jornalista... Devo acrescentar que tive acesso a todos os arquivos classificados da companhia, o que só foi possível com a cumplicidade de vários camaradas meus, de um dos sargentos (o Piça, o famoso Piça, minha senhora, para a servir! -, como ele, impecável e delicadamente, fazia questão de repetir, quando alguém do sexo oposto não percebia o seu apelido de família, tipicamente alentejano, e voltava a perguntar Como ?)... Com a cumplicidade até do meu próprio comandante, bom homem, que, embora assustado com o resultado final do trabalho que me encomendara, fechou os olhos à minha ousadia e até me deu um louvor...

Hoje eu estou em condições de compreener a sua delicada posição: devia estar já com os seus 37 ou 38 anos, com 3 comissões no ultramar (se não me engano) e à beira de ser promovido a major (em Janeiro de 1971, lembra-me o Humberto Reis).

Trinta e tal anos depois, em 1994, fui encontrá-lo, em Fão, Esposende, na casa de um dos nossos antigos alferes - o Carlão - no posto de coronel e confessei-lhe, candidamente, que tinha tomado a liberdade de distribuir, na época, uns tantos exemplares, clandestinos, aos tugas da companhia... De facto, ainda em Bambadinca, foram tiradas a stencil (recordam-se desta primitiva técnica de reprografia?) umas escassas dezenas de exemplares da história não autorizada da CCAÇ 12, antes de embarcarmos para a metrópole, em rendição individual (os nossos soldados africanos, esses, continuaram a servir a CCAÇ 12, muitos deles até ao final da guerra, aquartelados no Xime, desde 1973).

Tenho para com estes últimos um sentimento de gratidão e de reconhecimento, mesmo sabendo, na época, que eles estavam do lado errado da guerra e da história. Alguns, desgraçadamente, pagaram com a vida ou a liberdade o terem apostado no cavalo errado.

2. Vou republicar hoje, 26 de Novembro de 2006, o relatório da Op Abencerragem Cadente (que raio de nome esotérico!), desdobrando um texto que, de certo modo, dá o pontapé de saída a este blogue (ou mellhor, ao Blogue-Fora-Nada, que antecedeu o blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné) (1)...

Fá-lo homenageando os nossos camaradas que tombaram na Ponta do Inglês: o furriel miliciano Cunha, o soldado Soares e os outros camaradas - cujs nomes não recordo - da CART 2715 (aquartelada no Xime) que morreram na Operação Abencerragem Candente, na madrugada de 26 de Novembro de 1970 (dias depois da invasão de Conacri, a 22, por uma força comandada por Alpoim Galvão e na qual participaram os meus vizinhos da 1ª Companhia de Comandos Africanos, estacionados em Fá Mandinga).

Quando publiquei esse texto - em 25 de Abril de 2005 -, eu tinha alguma dificuldade em me curvar perante a memória do Seco Camará, mandinga do Xime, embora reconhecesse que ele fora um valoroso e competente guia e picador das nossas tropas, durante anos e anos a fio.

Como muitos outros pobres diabos, o Seco fora também um mercenário, um colaboracionista, um torcionário, um homem para os trabalhos sujos da guerra: ele próprio me confessou um dia, com aquela autoridade e candura africanas de homem grande, que nos anos da política de terra queimada, da repressão brutal às populações do Xime que simpatizavam com (ou apoiavam) a guerrilha (Samba Silate, Poindon, Nhabijões...) , ele próprio era encarregue pelo capitão tuga do Xime (sic), para matar, à paulada (sic), em pleno mato, os elementos suspeitos, capturados...

Tenho dificuldade em fazer recuar esses tempos, mas é bem possível que sejam anteriores ao tempo do Governador e Comandante-Chefe, General Arnaldo Schultz (1965-1968),o mesmo é dizer, que devem ser do tempo dos seus antecessores: 1959 - 1962 António Augusto Peixoto Correia (1959-1962) e Vasco António Martínez Rodrigues (1962-1965).

No regresso ao quartel, o capitão, manga de bom pessoal (sic), pagava-lhe um sumol (sic)... O coitado do Seco Camarà, peça insignificante da máquina de guerra colonial, foi ao mesmo tempo um tenebroso carrasco e uma pobre vítima, como muitos outros guinéus, e nomeadamente os pertencentes aos grupos étnicos islamizados...

O Seco Camará morreu ingloriamente em 26 de Novembro de 1970, nesta operação que eu aqui evoco e em que participei. Recordo-o, ainda hoje, com o seu inseparável cachimbo e o seu ar de cão rafeiro... Nunca saberei se alguma vez se sentiu (ou poderia sentir) português. Sei apenas que foi um bravo soldado - ou melhor, auxiliar dos militares portugueses - e eu não posso julgá-lo, sumariamente, com base nos meus valores ou princípios éticos. É claro que também não vou absolvê-lo com base no relativismo cultural: o facto de ser mandinga, descendente de um povo de guerreiros e conquistadores, não lhe davam quaisquer direitos, e muito menos o direito de vida ou de morte...

3. Alguém, da população do Xime - que me desculpe o nosso amigo José Carlos Mussá Biai, que nessa altuta teria 7 anos! -, nos terá traído nessa noite fatídica. A nós e ao Seco Camarà. Ou se calhar nem foi preciso isso: 250 homens em armas são uma multidão ruidosa, a entrar e a sair de um quartel... No mato, na antiga estrada Xime-Ponta do Inglês, são uma cobra gigantesca, de quilómetro e meio...

De qualquer modo, onde quer que o Seco Camrá esteja, no céu ou no inferno dos mandingas, paz à sua alma!

4. Pertencente na altura ao 4º Grupo de Combate da CCAÇ 12 (não tinha uma posição fixa, era uma espécie de suplente, já que era um atirador de... armas pesadas de infantaria, numa companhia de intervenção que não tinha... armas pesadas), fui um dos que resgatei o corpo do furriel miliciano Cunha (que era de Braga, se não me engano). Gostava muito dele, éramos amigos. Tinha passado a noite de 25 para 26 na conversa com ele entre dois copos, no Xime, a fazer horas para a trágica saída na madrugada seguinte.

O segundo comandante do BART 2917 (não vale a pena citar o seu nome, já que ainda pertence ao número dos vivos) obrigara-nos a seguir o mesmo trilho da véspera: escassas horas depois, o Cunha estava morto mais quatro tugas e o guia e picador Seco Camará.

O Cunha, o pequeno e valoroso Cunha, ainda com o seu ar de criança tímida, era o único dos seis que não estava desfeito pelos rockets. Tinha apenas um fiozinho de sangue na testa: o primeiro tiro fora, seguramente, para ele que ia à frente da secção, juntamente com o Seco Camarà. A imagem que tenho dele, era que estava a dormir, exausto, no capim, quando cheguei à sua beira. Ainda lhe dei uma bofetada e sacudi-o energicamente:
- Acorda, meu sacana!

Como garante o Guimarães (da CART 2716, do Xitole), o Cunha que fez a recruta com ele e foi mobilizado para a Guiné no mesmo Batalhão (BART 2917), "deve estar no céu porque era um homem bom".

5. Nunca mais consegui esquecer essa maldita operação, em que até mesmo os meus soldados fulas, que eram bravos soldados, tiveram medo… Foi a maior emboscada que eu sofri, e também a mais mortífera que apanhámos na região do Xime. Mas não dei um tiro. Nunca dei um tiro, na Guiné, a não ser a um desgraçado de um jagudi (abutre) a que nem sequer felizmente acertei…

Recordo esta estória, em homenagem também aos que morreram e aos que sobreviveram, em Portugal, na Guiné e noutros teatros de guerra, aos homens e mulheres que contribuiram, de mil e uma maneiras, para que hoje nós possamos - pelo menos aqui - estar a falar de liberdade, a recordar a guerra e a fazer a paz connosco próprios, a praticar a liberdade com a mesma naturalidade com que respiramos...

6. Na elaboração da história da minha companhia (ex-CCAÇ 2590 e, depois, CCAÇ 12) que é também a história militar do Sector L1 / Zona Leste da Guiné entre meados de 1969 e o 1º trimestre de 1971, segui, em muitos casos, o teor dos relatórios de operações que eram feitos pelos alferes milicianos (com destaque para o Moreira) ou pelo capitão, passado pelo crivo da minha própria experiência como operacional ou do relato dos meus camaradas, furriéis milicianos...

Dentro dos constrangimentos do tempo e do lugar, procurei ser objectivo, recusando tanto quanto possível a tentação da hagiografia que era corrente na história de outras companhias independentes ou de companhias integradas em batalhões: "Fomos os melhores, chegámos, vimos e vencemos!"...

Nesta, como noutras operações, há passagens muito discutíveis como aquela em que se sugere que o IN sofrera baixas prováveis... Há aqui um branqueamento da situação, o que era frequente entre nós: depois da violentíssima emboscada de que fomos vítimas, ninguém estava em condições, físicas e psicológicas, de fazer o reconhecimento do local e, muito menos, de ir em perseguição dos guerrilheiros...

Seis mortos e nove feridos exigem, no mínimo, a afectação de dois grupos e combate (60 homens) para o seu transporte... Esta falsificação da realidade ou, no mínimo, o seu branqueamento era frequente entre oficiais milicianos e do quadro: enganavam-se uns aos outros, enganavam Bafatá (onde estava o comando da zona leste, o COP 7, se não me engano), enganavam Bissau (o quartel-general) e enganavam Lisboa (sede do Governo, não democrático, do país), que por sua vez enganava o Zé Portuga!...

Tudo isso acabava por ter consequências pesadas, para o pessoal no terreno, que era obrigado a executar operações mal planeadas e, por vezes, ainda pior executadas e comandadas...

De facto, não se pode ganhar uma guerra, escamoteando ou ignorando informação! Pessoalmente, eu já sabia isso, desde os meus quinze ou dezasseis anos...A verdade, trágica, terrível e humilhante, é que o IN destroçou ou neutralizou seis grupos de combate (2 agrupamentos), matou seis elementos das NT, feriu outros nove e ainda por cima levou-lhes as armas!... E só não levou os corpos porque houve ainda um resto de coragem física, de solidariedade e de determinação (outros chamam-lhe heroísmo).

No relatório da operação ninguém quis dizer o que era óbvio: os erros de planeamento da operação, as imprevidências, a imprepração da nossa tropa fandanga, a total incompetência e a arrogância militarista do major (periquito) que comandou a operação, lá de cima, arrogante, a partir do seu PCV... Que Deus lhe perdoe...Eu, que não sou Deus, não tenho o poder de perdoar; em contrapartida, não consigo esquecer - por muito que me esforce - essa descida aos infernos do Xime.

As duras palavras que lhe disse, a quente, à noite, no regresso da operação, na parada de Bambadinca, não as vou repetir aqui... Como as pedras que são lançadas contra alguém, essas palavras não têm regresso...mas só fazem sentido no contexto, de grande tensão, física e emocional, que era próprio daquela guerra...

Ainda hoje não consigo perceber por que é que fomos obrigados a fazer aquela operação - três dias depois da invasão de Conacri! - e sobretudo por é que cometemos tantos erros infantis... Na guerra, os erros de comando pagam-se carros...

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Notas de L.G.:

(1)Vd. post de 25 Abril 2005 > Guiné 69/71 - VII: Memórias do inferno do Xime (Novembro de 1970)

segunda-feira, 16 de maio de 2005

Guiné 63/74 - P19: O festival das kalash, das "costureirinhas", dos rockets e dos katiousha (Luís Graça)

1. No Sector L1, na Zona Leste da Guiné, ao tempo da 1ª comissão da CCAÇ 12 (Maio de 1969/Março de 1971), o armamento utilizado pela guerrilha do PAIGC (o IN, para abreviar) era equivalente ou até superior ao nosso.

Esse armamento era praticamente todo de origem soviética, produzido na ex-URSS ou noutros países do bloco soviético. Mas também de origem chinesa. De facto, recordo-me de termos também apreendido material de fabrico chinês (por exemplo, granadas de RPG).

Na época, e pelo menos na Zona Leste, o IN não dispunha, naturalmente, de meios aéreos ou navais nem de artilharia pesada. Não me consta, por exemplo, que tivesse antiaéreas, apenas referenciadas no meu tempo nas zonas fronteiriças, no norte e no sul (Parece que a metralhadora mais usada pelo PAIGC, tal como pela FRELIMO, era a ZPU-4, uma arma de quatro canos, de calibre 14.5, de fabrico soviético, instalada em reboque).

De uma maneira geral, um bigrupo (40 a 50 guerrilheiros) estava equipado com o seguinte armamento ligeiro:

(i) pistolas-metralhadoras PPSH, de calibre 7.62, de origem russa(as famosas e enervantes “costureirinhas"): não tinha equivalente nas NT, já que no mato não usávamos a pistola-metralhadora fabricada na FBP; a PPSH (ou Shpagin) tinha uma cadência de tiro 700/900 por minuto, e usava dois tiposd e carregadores: um circular (tambor) e outro curvo;

(ii) espingardas automáticas Kalashnikov, dotadas de carregadores curvos de 30 munições de 7.62 (com uma cadência de tiro, portanto, superior à nossa G-3, que dispunha de carregadores de 20 munições, de 7.62); era considerada uma arma de elite, pelo que nem todos os combatentes do PAIG a podiam usar;

(iii) espingarda semiautomática Simonov, também de origem russa e do mesmo calibre, dotada de uma baioneta extensível (era vulgar encontrar-se nos acampamentos do IN, sendo possivelmenet mais utilizada por elementos da população em autodefesa, nas áeras controladas pela guerrilha);

(iv) metralhadoras ligeiras Degtyarev, também de calibre 7.62, com tambor (não sei se eram melhores ou piores que a nossa HK-21, de fita, que encravava com alguma facilidade, nas difíceis condições do mato, debaixo de fogo, com o calor, com a chuva, com o pó...);

(v) 2 morteiros de 60;

(v) vários RPG-2 ou RPG-7 (Os RPG são lança-granadas-foguetes antipessoal).

A kalash, a famosa AK-47, desenhada pelo russo Mikhail Timofeevich Kalashnikov (nascido em 1919) equipava na altura todos os exércitos de guerrilha do mundo, além dos exércitos do Pacto de Varsóvia. Até meados dos anos 90 calcula-se que se tenham fabricado mais de 70 milhões de kalash, de acordo com o modelo oficial ou em versões pirateadas.

Esta arma continua no imaginário de todos os ex-combatentes da Guiné. Recordo-me de em Bambadinca, no regresso da operação de invasão a Conakry (Op Mar Verde), alguns militares da 1ª Companhia de Comandos Africanos andarem a oferecer-nos kalash, novinhas em folha, que faziam parte parte dos seus roncos, pelo preço de três ou quatro garrafas de uísque velho ou dez de uísque novo (500 escudos).



2. Segundo informações de um prisioneiro feito pelas NT, na região do Xime, de nome Malan Mané, de etnia balanta, em Julho de 1969 o grupo especial de roqueteiros da zona do Poidon que se deslocavam todas as manhãs para Ponta Varela a fim de atacar as embarcações em circulação no Rio Geba e/ou defender a entrada do Rio Corubal, dispunham seis lança-granadas RPG-2.

O RPG (em inglês, rocket-propelled grenade launcher), e sobretudo o RPG-7, era a arma mais temida pelos nossos soldados não só nas emboscadas, nas estradas e picadas, como sobretudo no mato, nas emboscadas em L.

O RPG-2 era uma arma anticarro, de fabrico soviético. O carregamento da granada, de formato cónico, era feito pela boca. O caklibre do tubo, era de 40 mm. E o da granada, 82 mm. O seu alcance, contra pessoal, não ia além dos 150 metros. O RPG-7 era já mais sofisticado do ponto de vista tecnol+ogico: o seu sistema de autodestruição da granada permitaia que fosse disparada para o ar, tal como o nosso dilagrama, provocando uma chuva de terríveis estilhaços.

As mortíferas lâminas de aço dos rockets foram responsáveis pela maior parte das 15 baixas (6 mortos e 9 nove feridos) sofridas pelas NT no decurso da Operação Abencerragem Candente, em 26 de Novembro de 1970, que sofremos a caminho da Ponta do Inglês.

Tanto o RPG-2 como o RPG-7 também eram muito eficazes contra as nossas viaturas, embora não praticamente não utilizassemos viatuars blindas na Guuiné (No Sector L1, havia apenas um PEL REC, praticamente inoperacional...). Contra alvos fixos o RPG era eficaz até 100 metros (O RPG-7 tinha mais alcance: 500 metros).

Muito certeiro e de fácil manejo, o RPG era muito mais adequado àquele tipo de terreno (floresta tropical e savana arbustiva, de capim alto e denso) e de guerra (de guerrilha) do que o nosso lança-granadas, a pesada bazuca americana de 8.9, uma clássica arma anti-tanque... O mais caricato é que as NT só dispunham de munições anti-carro (!). Devido ao seu peso, o transporte das granadas de bazuca, sobretudo em operações no mato, eram um problema, pelo que era frequente recorrer-se a carregadores nativos. Só mais tarde passámos a usar o lança-granadas dos paraquedistas, de calibre 3.7.

Em cada um dos grupos de combate da CCAÇ 12 havia pelo menos um ou dois apontadores de dilagrama (dispositivo de lançamento de granadas de mão). Mas esta arma não gozava das nossas simpatias, por ser perigosa e pouco eficiente: a primeira morte a que assisti, a meu lado, a do Ieró Jaló, do 1º Grupo de Combate foi causada por um dilagrama (Região do Xime, Op Pato Rufia, 8 de Setembro de 1969).

A granada era uma granada de mão defensiva, m/963, sendo montada em suporte com um encaixe oco que se adaptava no cano da espingarda automática G-3. No seu lançamento usava-se um cartucho de salva (sem bala). Para o disparo tirava-se o carregador e introduzia-se manualmente o cartucho de salva. Este compasso de espera, aliado à impossibilidade temporária do uso da G-3 e ao risco do seu manuseamento, tornaram o dilagrama uma arma muito impopular entre as NT .

Nos ataques e flagelações às nossas posições fixas (aquartelamentos do exército, destacamentos de milícia, tabancas em autodefesa), os guerrilheiros utilizavam frequentemente o não menos temível canhão sem recuo (75, de origem chinesa, e 82, de origem soviética). Por razões logísticas e de transporte, era armas sobretudo utilizadas em ataques planeados. Tal como o morteiro 82, com um alcance de 3 km. EStas armas pesadas equipavam os grupos de artilharia, referenciados em Mangai, junto ao Rio Corubal, e Madina/Belel, no regulado do Cuor, a norte do Geba. (Vd. mapa do Sector L1).

Os grupos especiais do IN, quer de artilharia (canhão sem recuo e morteiro 82) quer de RPG, eram extremamente móveis. Em contrapartida, as NT praticamente não usavam o canhão sem recuo.

Por vezes O IN utilizava também a metralhadora pesada Goryunov, de calibre 7.62, que também podia ser usada como antiaérea. E sobretudo a Degtyarev, de origem russa, mas de calibre 12.7, equivalente à nossa Breda ou à nossa Browning(que estava instalada nalguns aquartelamentos: em Bambadinca, por exemplo, varria a pista de aviação). Pelo menos num dos ataques uma tabanca em autodefesa, Afiá, Candamã opu Camará (já não me lemrbo qual),no regulado de Badora, foram encontrados invólucros de 12.7, portanto da Degtyarev.

Ainda no nosso tempo apareceram, na Guiné, os primeiros foguetões Katiousha, de 122 mm, inicialmente pouco certeiros, é certo, mas com grande poder de destruição e não menos impacto psicológico junto das NT e populações. De fácil manejo e de relativamente fácil transporte, seriam utilizados preferencialmente contra os grandes alvos militares (aeroporto de Bissalanca…) e concentrações urbanas (Bolama, Bissau...).As granadas, com um peso de 18 kg. (dos quais 6.5 de explosivo), tinha um raio de morte de 160 m2, e ao explodir produzir cerca de 15 mil estilhaços.

Só mais tarde, já em 1973, apareceriam os mísseis terra-ar que os egípcios também utilizaram contra os tanques israelitas na guerra do Kippour. Com eles seria posta em cheque a nossa até então incontestada supremacia aérea.

Recorde-se que a utilização dos mísseis terra-ar Strella (SA-7 Grail-Strella) pelo IN, pela primeira vez em 25 de Março de 1973, foi responsável pela queda de um Fiat G-91 (pilotado pelo tenente Pessoa). Esta arma antiaéra embora bastante efeicaz contr as nossas aeronaves (helicópteros, avionetas, bombadeiros T-6, caças Fiat G-91, subsónicos). Este míssil era dotado de um acabeça com detector de infracvermelhos,s endo por isso atraído pela fonte de calor emitida pelos motrortes das aerobnaves. A sua velocidade era impressionante (mach 1,5 ou 1600 km/hora). O seu alcance era contudo limitado: pouco mais de 3 km. Os nossos helicópteros e restantes aeronaves, para não serem atingidos, tinham que passar a rasar a copa das árvores ou voar acima dos 1500 metros de altitude.

O Centro de Documentação 25 de Abril, Universidade de Coimbra, tem uma boa página em que se compara os armamentos das duas partes em conflito. Sobre a artilharia onde, aparentemente, as NT levavam vantagem, o documento diz que "na Guiné, a situação em 1966 era a utilização dos obuses 8,8 cm por pequenas unidades (nove pelotões a duas bocas de fogo cada), mas a partir de 1968 passaram a existir meios mais modernos e mais potentes", a saber:

(i) 19 obuses de 10.5 cm, correspondendo a três baterias;

(ii) seis obuses de 14 cm, correspondendo a uma bateria;

(iii) seis peças de 11.4 cm, correspondendo a uma bateria.

"Estes últimos materiais, dado o seu alcance, já permitiam o apoio a vários aquartelamentos a partir de uma posição central, mas a falta de meios de aquisição de objectivos impedia uma contrabateria eficaz.  As dificuldades apontadas para os morteiros eram semelhantes às da artilharia, se bem que na Guiné, dada a sua menor extensão e a quadrícula mais apertada das unidades, os problemas fossem menores", pode-se ler-se ainda no documento em referência.

De qualquer modo, da comparação do IN e das NT, tira-se a conclusão da "equivalência" do armamento entre as partes em conflito: "se exceptuarmos a artilharia (com as limitações já apontadas) e as viaturas blindadas (de emprego também limitado), pode dizer-se que o combate terrestre se travou, salvaguardando os efectivos, 'entre iguais' "...