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segunda-feira, 5 de fevereiro de 2024

Guiné 61/74 - P25138: Notas de leitura (1664): "Dicionário de História da I República e do Republicanismo", coordenação geral de Maria Fernanda Rollo, do Instituto de História Contemporânea da Universidade Nova de Lisboa, edição do Centenário da República, Assembleia da República, 2014 (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 18 de Agosto de 2022:

Queridos amigos,
No âmbito das comemorações do Centenário da República, a Assembleia da República editou um dicionário de história da I República onde se inclui um artigo sobre a vida da Guiné em tal período, assinado por Célia Reis. A investigadora recorda a alvorada tumultuosa do republicanismo na colónia, os conflitos em que se envolveu o primeiro governador republicano, Carlos Pereira, os conflitos entre Teixeira Pinto e a Liga Guineense, a nova organização administrativa, a importância do comércio alemão até à Primeira Guerra Mundial, a que se seguiu a crescente influência portuguesa, logo dada por António da Silva Gouveia, que terá funções políticas nos órgãos de soberania em Lisboa; mais refere a autora que os sucessivos insucessos das sociedades agrícolas, vinham com muitos sonhos e com pouco sentido das realidades; a colónia intensifica a exportação do amendoim e das oleaginosas e destaca-se uma figura de governação durante este período, Vellez Caroço, queria fazer da Guiné o que Norton de Matos lançara bases em Angola. Dir-se-á que não há nada de inovador no texto, certo é que está muitíssimo bem arrumado e não esconde que a Guiné marcava passo, não havia meios financeiros e o pessoal político vinha para se amanhar.

Um abraço do
Mário



A Guiné e a I República

Mário Beja Santos

O "Dicionário de História da I República e do Republicanismo", com coordenação geral de Maria Fernanda Rollo, do Instituto de História Contemporânea da Universidade Nova de Lisboa, edição do Centenário da República, Assembleia da República, 2014, acolhe no seu II volume um artigo de Célia Reis sobre a Guiné republicana. Abre o trabalho com a evolução política da colónia designadamente a partir da definição das fronteiras em 1886, refere as ininterruptas rebeliões das diferentes etnias, em particular as do litoral, contestando o imposto palhota que era encarado como o principal fator do reconhecimento da soberania portuguesa. É um período de campanhas que levou a que a administração guineense se mantivesse essencialmente militarizada.

O ideal republicano era difuso, com a chegada do 5 de Outubro de 1910, houve mudanças de posições mas também recalcitrantes, a proclamação do novo regime teve lugar no dia 10, quando se arvorou o novo estandarte. A 23 de outubro chega o primeiro governador republicano, Carlos de Almeida Pereira, Tenente da Armada, viu-se envolvido em múltiplas contendas, deixa o seu nome ligado ao derrubo das muralhas que cercavam Bissau. O Partido Republicano começou a sua organização local, surgiu a Liga Guineense, cedo começou a divisão política, logo patente na eleição de deputados de 1911, através de processos habituais de corrupção e de compra de votos. Em 1916, Bolama e Bissau voltaram a ser concelhos. Antes, porém, iniciou-se uma fase de conflitos e sublevações que levaram à intervenção do Chefe de Estado-Maior Teixeira Pinto, entre 1913 e 1915, deixou a classe política dilacerada, a Liga Guineense opunha-se aos métodos usados por Teixeira Pinto e aos castigos impostos aos Grumetes de Bissau e aos seus parentes Papéis. A Liga acabou dissolvida, continuou a contestação de Cabo-Verdianos e Grumetes a Teixeira Pinto e a Abdul Indjai. Ainda hoje permanece na penumbra as razões principais sobre tal confronto, mais recentemente René Pélissier admitia a hipótese, até então não explorada pela historiografia, de uma movimentação dos alemães em conjunto com os Grumetes e os Papéis ou mesmo na influência dos franceses, mas documentação comprovativa não há.

A Primeira Guerra Mundial teve reflexos indiretos na Guiné, a opinião pública em Bissau e Bolama manifestava-se pró-alemã, enquanto o novo governador, Manuel Maria Coelho, pareceu estreitar relações com os franceses. Seja como for, foi proibida às casas alemãs a venda de armas e mobilizaram-se as embarcações de captagem que lhes pertenciam. Alemães e sírio-libaneses foram detidos, sendo parte dos primeiros enviados para os Açores. A partir de 1917, voltaram a fazer-se campanhas militares, primeiro nas ilhas Bijagós, depois contra os Baiotes. Em 1919, deu-se a queda de Abdul Indjai, levado para Cabo Verde. Em 1917, publicou-se a Carta Orgânica da Guiné, onde se manteve a importância da autoridade dos régulos. Criou-se a Secretaria dos Negócios Indígenas, para resolução das questões da maioria da população e alteraram-se as circunscrições. Em 1922, foi aprovado o Código Administrativo da Guiné, pelo qual Bolama e Bissau passaram a ter câmaras municipais, enquanto Cacheu, Farim, Canchungo e Bafatá contavam com comissões municipais. É governador Jorge Vellez Caroço, vem inspirado para mudar a colónia, tomado pelo exemplo de Norton de Matos em Angola. Não faltarão intrigas durante o seu mandato, nem conspirações, lança-se num processo de desenvolvimento, privilegiando a instrução e a construção de infraestruturas de comunicação. Suceder-lhe-á Leite de Magalhães. Finda a I República, a Guiné continuou a ser uma colónia para onde se deslocavam como deportados muitos republicanos, alguns deles, em ligação com a insatisfação de comerciantes locais, farão eclodir a revolta de 17 de abril de 1931, chefiados pelo médico Gonçalo Monteiro Filipe.

Célia Reis dá-nos o quadro étnico, referencia o número diminuto de europeus e a carência brutal de estruturas básicas: ao tempo de Vellez Caroço havia apenas 3 médicos. Predominavam ao tempo as religiões fetichistas, seguia-se o islamismo, a doutrina católica era mínima, não havia ordens religiosas, as Franciscanas só regressariam em 1932. As publicações durante este período espelharam a fraca presença europeia. O Boletim Oficial da Guiné manteve-se como o único órgão informativo da colónia até 1920, quando apareceu o jornal Ecos da Guiné, foi seguido por A Voz da Guiné e depois pelo Pró-Guiné, todos de vida curta e dedicados aos portugueses. O novo órgão de informação só surgiu depois de 1931, O Comércio da Guiné. Não havia ensino secundário e em 1916 as escolas de ensino profissional reduziam-se ao ensino de tipógrafos e radiotelegrafistas. Vellez Caroço preocupou-se com o desenvolvimento da instrução dos guineenses, criando escolas: em 1925, contavam-se 10 estabelecimentos para o sexo masculino, 6 para o feminino e 5 mistas.

Finda a escravatura, a Guiné tornou-se uma colónia de exploração dos seus recursos, com vista à exportação. Apareceram várias companhias concessionárias, que não tiveram sucesso, caso da Agrifa, Companhia Agrícola e Fabril da Guiné e a Sociedade Agrícola do Gambiel. O problema das taxas foi uma permanente dor de cabeça, sempre a questão da proteção pautal e Célia Reis dá-nos conta da vida económica e financeira da colónia no período. A Alemanha era o principal parceiro comercial até à Primeira Guerra, esta alterou a situação, dando primazia a Portugal. É um período que leva a melhoria de comunicações, o telégrafo estabeleceu-se no interior, no final da Monarquia.

Como observa a autora, “Entre os rendimentos na Guiné encontrava-se o imposto de palhota, que substituíra o de capitação, em 1903. Nem todas as despesas previstas eram realizadas, mas as sucessivas campanhas militares contribuíram, naturalmente, para o seu acréscimo, não obstante a compensação de vida ao alargamento do imposto palhota a mais subjugados. Entre as despesas, a maior parte pertencia ao funcionalismo militar, a que se somavam os gastos com os restantes funcionários. Os projetos de Vellez Caroço, na década de 1920, provocaram o endividamento da Guiné, tornando necessário que o ministro João Belo (já na Ditadura Militar) abrisse um crédito para o compensar. O aumento de imposto, então, usado para ultrapassar aquela situação deficitária.”

Lembro ao leitor que Célia Reis é autora do artigo Guiné na obra O Império Africano, coordenado por A. H. de Oliveira Marques, Vol. XI da Nova História da Expansão Portuguesa, direção de Joel Serrão e Oliveira Marques, edições Estampa, 2001, de que aqui já se fez recensão.

Cacheu e a sua fortaleza
Monumento aos aviadores italianos falecidos num desastre aéreo em Bolama
Tropas portuguesas perfiladas na inauguração ao monumento dos aviadores italianos
Estátua do presidente americano Ulysses S. Grant, em Bolama
Bolama, capital da Guiné
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Nota do editor

Último poste da série de 2 DE FEVEREIRO DE 2024 > Guiné 61/74 - P25129: Notas de leitura (1663): O Santuário Perdido: A Força Aérea na Guerra da Guiné, 1961-1974 - Volume II: Perto do abismo até ao impasse (1966-1972), por Matthew M. Hurley e José Augusto Matos, 2023 (10) (Mário Beja Santos)

segunda-feira, 11 de dezembro de 2023

Guiné 61/74 - P24941: Boletim da Sociedade Luso-Africana do Rio de Janeiro (1931-1939) - Parte VII: "Caçadas coloniais", por Armando Zuzarte Cortesão (Boletim n.º 3, dezembro de 1932 - p. 27/28)



"Caçadas coloniais", pelo "engenheiro-agrónomo, dr. Armando Zuzarte Cortesão, primeiro agente rural nas colónias" (sic). 



1. Curioso artigo assinado pelo irmão de Jaime Cortesão (1884-1960) (médico e historiador, ligado ao grupo da "Seara Nova"), e pai do psiquiatra, psicanalista e professor universitário Eduardo Cortesão (1919-1991)... 

Quem era este homem, Armando Cortesão, que faz aqui o elogio das emoções fortes da caça grossa nas colónias? Foi uma completa surpresa para mim, conhecia-o apenas como historiador e oposicionista ao Estado Novo, ignorava o seu passado como administrador colonial bem como o seu exilio em Londres onde durante  a segunda guerra mundial foi operador de antiaéreas.... 

O pequeno artigo, que a seguir reproduzimos, sobre a caça em África, tem que ser lido à luz da mentalidade e costumes (coloniais) da época: "Só quem nunca matou caça grossa desconhece as maravilhosas sensações que esse desporto nos desperta"...

Desporto? Os nossos camaradas, apologistas ou contestatários da caça grossa (nomeadamente nas nossas antigas colónias), têm aqui interessante matéria para comentar (**)... Do elogio da caça podemos passar ao elogio dos "touros de morte", dos "desportos radicais", mas também... da "guerra", dos "snippers", por que não?!... 

O tema, seguramente, não é "pacífico", para mais hoje, onde há crescentes preocupações com as dramáticas alterações climátcas, a perda da biodiversidade, a extinção de muitas espécies (da fauna e da flora, nomeadamente em África, onde elefantes, rinocerontes, leões, etc. só em reservas e parques podem ser avistados).

Sobre o autor, recorramos à Wikipedia e à  excelebte entrada no Dicionário de Historiadores Portugueses:

(i) Armando de Freitas Zuzarte Cortesão (Coimbra, 1891 - LIsboa, 1977);

(ii) foi engenheiro agrónomo, administrador colonial e historiador português;

(iii) representou Portugal nos Jogos Olímpicos de 1912, nas provas de 400 e 800 metros de atletismo;

(iv) diplomou-se em Agronomia no Instituto Superior de Agronomia, de Lisboa, em 1913;


(v) como agrónomo, efetuou diversas  missões  às Américas, Índias Ocidentais, Guiné, Senegal e S. Tomé,  de 1914 a 1920, sobre as quais publica vários estudos e artigos, 

(vi) dirigiu o Departamento de Agricultura de São Tomé e Príncipe (1916-1920);

(vii) foi chefe da repartição de Agricultura do Ministério das Colónias até 1925;

(viii) foi responsável pela Agência Geral das Colónias (1925-1932), e primeiro diretor do respetivo Boletim (em 1935, passa a chamar-e "Boletim Geral das Colónias", e, em 1951,   "Boletim Geral do Ultramar");

(ix)  anti-salazarista, passou os vinte anos seguintes no exílio (nomeadamente em Espanha e  Inglaterra, onde participou, como voluntário, na defesa antiaérea de Londres, e depois em França, onde trabalhou na Unesco), tendo regressado a Portugal em 1952 para leccionar na Universidade de Coimbra;

(x) como historiador especializou-se em cartografia antiga: publicou "Portugaliæ Monumenta Cartographica" (em coautoria com o comandante Teixeira da Mota), Comissão para as Comemorações do V Centenário da Morte do infante D. Henrique, 1960/62 (seis volumes).

(xi) tem também colaboração na "Gazeta das colónias: semanário de propaganda e defesa das colónias" (1924/26), de que se publicaram 41 números.

O artigo "Caçadas coloniais" foi publicado no Boletim da Sociedade Luso-Africana do Rio de Janeiro, em 1932, na véspera de partir para o exílio, como aconteceu com tantas outras figuras da "intelligentsia" republicana. (*) 

O Boletim tinha como divisa "Pela raça, pela língua". Publicava-se no Rio de Janeiro e era de distribuição gratuita. Terminou abruptamente na véspera da II Guerra Mundial.

Sobre a caça, vd. também o poste recente P 24935.   (***)

2.  O "colonialismo republicano"  é melhor explicitado e explicado no Boletim da Agência Geral das Colónias, de que o  Armando Cortesão foi o ideólogo e o primeiro diretor... Citando o investigador brasileiro Marcelo Assunção, de que já aqui falámos, autor de uma tese de doutoramento sobre  o Boletim da Sociedade Luso-Africana do Rio de Janeiro (#):

(...) "É no Boletim da Agência Geral das Colônias em que é definida de forma mais substantiva e explícita os sentidos de uma publicação periódica de temática colonial. Armando Zuzarte Cortesão (1891-1977) (...), diretor da Agência Geral das Colónias e também diretor do seu boletim, em um artigo inaugural emblemático, explicita uma mudança na “ideia colonial” nos últimos vinte anos que se consubstancia, nomeadamente, nos “métodos” de ação dos “povos colonizadores” (CORTESÃO, 1925: 3). 

"Para ele, essa mudança decorre em razão do novo quadro dos 'idealismos humanitários' oriundos do tratado de Versalhes, interpretando os novos tempos a partir das seguintes orientações gerais:  'a) os indígenas das colónias devem ser considerados como seres humanos e não como simples animais, constituindo a sua educação e bem estar numa missão sagrada que a civilização delega aos povos colonizadores; b) a humanidade carece das riquezas inexploradas das vastas regiões coloniais, exigindo dos povos que as detêm a sua rápida utilização '(CORTESÃO, 1924: 3).

"Reitera que os princípios do 'colonialismo humano', próprios do pós-guerra, já eram pressupostos tácitos à prática do colonialismo português desde suas origens (CORTESÃO, 1924: 4). Apesar de tecer algumas críticas, aponta também que a gestão portuguesa com relação à regulamentação do trabalho indígena e o investimento nas infraestruturas coloniais estava de acordo com os propósitos agora instituídos internacionalmente pela Sociedade das Nações. Porém, assinala que o pouco conhecimento “científico” de Portugal sobre as suas próprias colônias deveria ser revertido para assim alcançar esse novo patamar da ideia colonial, afirmando o papel dos periódicos, e do boletim em questão, nesse processo" (...)

(#)  Fonte: ASSUNÇÃO, Marcelo, F. M. - A sociedade luso-africana do Rio de Janeiro (1930-1939): uma vertente do colonialismo português em terras brasileiras. 2017. 324 f. Tese (Doutorado em História) - Universidade Federal de Goiás, Goiânia, 2017, pp. 51/52.

Disponível em formato pdf em: http://repositorio.bc.ufg.br/tede/handle/tede/6960

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(***) Vd. poste de 9 de dezembro de  2023 > Guiné 61/74 - P24935: S(C)em comentários (21): A caça nos impérios coloniais europeus... ou um certa visão etnocêntrica dos velhos "africanistas"

quinta-feira, 7 de dezembro de 2023

Guiné 61/74 - P24925: Notas de leitura (1645): Boletim da Sociedade Luso-Africana do Rio de Janeiro (1931-1939) - Parte V: O colonialismo republicano, em oposição ao salazarismo, que se assumia sem complexos, e que de certo modo antecipava as tendências reformistas que levaram, em 1951, à revogação do Acto Colonial de 1930

Angola > "A Exma. Esposa  do Coronel Félix montada num búfalo-pacaça, que, minutos antes, ela própria abatera a tiro de rifle"  (Joaquim António da Silva Félix era ofcial do exército, coronel, industrial, agricuktir e publicista, dono da fazenda Glória.)

Fonte: Boletim da Sociedade Luso-Africana do Rio de Janeiro, nº 8, janeiro e março de 1934, pág. 35.

Ilha da Madeira, vista geral do Funchal e da sua baía... "Fotografia  gentilmente cedida pela Casa da Madeira, Lisboa" (A Madeira também foi lugar de desterro... até aos anos 30.)

Fonte: Boletim da Sociedade Luso-Africana do Rio de Janeiro, nº 8, janeiro e março de 1934, pág. 46.



Fonte: Boletim da SociedadeLuso-Africana do Rio de Janeiro, nº 10-11, agosto - dezembro de 1934, pág- 1984


1. O investigador brasileiro Marcelo, F. M. Assunção que fez uma tese de doutoramento sobre os 20 boletins da Sociedade Luso-Africana do Rio de Janeiro, publicados ao longo década de 1930 (1931-1939), coincidindo com o triunfo da Ditadura Militar e do Estado Novo em Portugal, faz questão de sublinhar que, apesar do  seu "racismo culturalista", (...) "os republicanos na oposição ao salazarismo detinham uma visão mais progressista das relações entre metrópole e colônias do que a que existia na institucionalidade dos anos 30",  e anteciparam de algum modo  o "reformismo que ganhou força nos 50, com a revogação do Ato Colonial e as reformas estatuarias (mais vocabulares do que práticas) no contexto do pós-guerra e das guerras coloniais".  Recorde-se que com  a revisão constitucional de 1951 as colónias passaram a chamar-ser "províncias ultramarinas"... Mas o trabalho forçado só foi abolido por Adriano Moreira em 1961...

Enfim, um trabalho académico que merece uma leitura mais atenta e demorada, e não apenas a correr e em diagonal:


"(...) CONSIDERAÇÕES FINAIS

Uma tese não pode ser considerada o esgotamento do objeto e de suas múltiplas determinações, pois os problemas e respostas que levantamos são limitados por nossos recortes temporais e teórico-metodológicos. 

Como afirmamos em nossa introdução, o estudo do Boletim constitui apenas uma parte de um projeto maior de análise do colonialismo no seio das relações culturais luso-afro-brasileiras por meio de periódicos. A despeito dos limites dessa pesquisa, que serão adereçados posteriormente em uma pesquisa mais global, podemos destacar algumas especificidades sobre a relação entre o colonialismo e a produção de periódicos. 

O projeto colonial da Sociedade Luso Africana do Rio de Janeiro e de seus sócio correspondentes representa, apesar de suas diversas particularidades, um projeto mais amplo de dominação simbólica e material das colônias que na prática não se distancia tanto do projeto colonial salazarista.

As vertentes mais “humanistas” do colonialismo na prática não abdicavam da coerção e da integração forçada das populações nativas ao sistema colonial. As diferenças, como já reiteramos diversas vezes, não apagaram o projeto global de dominação e expropriação/coerção das diversas etnias. 

Entretanto, a modernização capitalista tão almejada pela intelligentsia republicana da Sociedade Luso-Africana do Rio de Janeiro, em oposição ao modelo de austeridade e centralismo salazarista, diferenciavam-se em alguns termos, inclusive em seus instrumentos de análise do “outro” colonizado.  

A antropologia de viés cultural era muito mais dominante nessa intelligentsia do que uma antropologia mainstream de cunho biológico (a Escola do Porto). Por isso, não era arbitrária a presença de antropólogos e etnólogos brasileiros já críticos aos modelos racialistas de cunho biológico nas publicações do Boletim, invertendo o sinal negativo da presença do negro na cultura brasileira, e afirmando também a importância lusitana para o processo de “democratização racial” no Brasil.

A cultura imperial republicana, salazarista ou monárquica, era unânime na defesa da manutenção da presença do Império no ultramar. Colonizar e civilizar faziam parte de uma suposta essência portuguesa. Portugal, para esses intelectuais, precisava se “alimentar” continuadamente de “gentes exóticas” para realizar a sua essência, a “antropofagia lusitana”, como já disse um arguto antropólogo (THOMAZ, 2002: 144) (...)

Todavia, a suposta assimilação do exótico, tão explícita no ideário panlusitano, dava-se em um sentido “hierárquico” entre um “nós” lusitano da metrópole culturalmente superior e um “outro” que deveria chegar ou foi levado à “civilização”. A valorização do “mestiço”, cabo-verdiano ou brasileiro, no Boletim, não se dava exclusivamente porque a cultura negra começava a ser vista como um contributo para a sociedade lusitana, mas porque, na percepção destes intelectuais, os nativos foram culturalmente “civilizados” segundo os parâmetros europeus.

O racismo culturalista desta intelligentsia era, portanto, hierárquico, e o lusitano, uma espécie de “ser vocacionado” para o “sacrifício” da colonização.

A despeito disso, os republicanos na oposição ao salazarismo detinham uma visão mais progressista das relações entre metrópole e colônias do que a que existia na institucionalidade dos anos 30. Foram de certa forma uma vanguarda 'avant la lettre' do reformismo que ganhou força nos 50, com a revogação do Ato Colonial e as reformas estatuarias (mais vocabulares do que práticas) no contexto do pós-guerra e das guerras coloniais. 

Apesar de toda a sua retórica republicana ser de fato “paradoxal”, foi em decorrência desta onda conservadora que a Sociedade e sua intelligentsia foram perseguidos até a sua completa extinção em 1939, com o último número do Boletim." (#)

(#) Fonte: Considerações finais. In: ASSUNÇÃO, Marcelo, F. M. - A sociedade luso-africana do Rio de Janeiro (1930-1939): uma vertente do colonialismo português em terras brasileiras. 2017. 324 f. Tese (Doutorado em História) - Universidade Federal de Goiás, Goiânia, 2017, pp. 276/277.


(Seleção, revisão e fixação de texo, negritos: LG) (com a devidfa vénia...)
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Nota do editor:

Postes anteriores da série: 



terça-feira, 28 de novembro de 2023

Guiné 61/74 - P24893: Notas de leitura (1639): Boletim da Sociedade Luso-Africana do Rio de Janeiro (1931-1939) - Parte I: a voz dos colonialistas republicanos nostálgicos e exilados




Fonte: Boletim da Sociedade Luso-Africana do Rio de Janeiro, nº 2. maio de 1932,  pág. 71


1. A Sociedade Luso-Africana do Rio de Janeiro foi fundada a 22 de Maio de 1930.

Este boletim foi um dos primeiros projectos desta associação. O seu objetivo era   dar a conhecer aos portugueses do continente americano, e em especial do Brasil, as colónias portuguesas espalhadas pelo mundo. Tinha como subtítulo "Pela Raça, Pela Língua". 

(...) "A nossa bandeira cobre umna superfície de mais de dois milhões de quilómetros quadrados, onde gravitam 16.860.000  portugueses", dos quais 8,7 milhões "negros", 7 milhões de "brancos", 550 mil "índios", 450 mil "malaios" e 160 mil "amarelos" (sic).

Na realidade, a Sociedade Luso-Africana do Rio de Janeiro era "a única associação dedicada exclusivamente à propaganda colonial portuguesa no Brasil" (Assunção, 2017, pág. 60) (#).  Além disso, " também congregava a especificidade de ser produzido por intelectuais republicanos exilados no Brasil, nostálgicos de um ideário 'republicano' de colonização que detinha como principal modelo as gestões de Norton de Matos em Angola (1912-14 e 1921-1924)." (Assunção, 2017,  pág. 59).(#)

Do Boletim publicaram-se 25 números  (alguns são números duplos),  de maio de 1931  (nº 1) a dezembro de 1939 (nº 25). Diretor: António de Sousa Amorim (um republicano, minhoto de Ponta de Lima, exilado no Brasil).

Velhos africanistas como o nosso camarada António Rosinha vão gostar de  o "folhear": está disponivel, em formato pdf e html, na Hemeroteca Digital, sítio da Hemeroteca Municipal de Lisboa (HML).

De entre os  colaboradores do Boletim, descortinámos, um pouco ao acaso, e numa leitura rápida de uma amostra, nomes conhecidos como Norton de Matos, Paiva Couceiro, Henrique Galvão, Manuel Teixeira Gomes, Sarmento Pimentel, Augusto Casimiro (1889-1967) (capitão de infantaria, herói da I Grande Guerra,  braço direito de Norton de Matos em Angola, cofundador da "Seara Nova"...), e outros (quase todos republicanos,  exilados e nostálgicos de um pretenso império que ia "do Minho a Timor", como defenderá mais tarde a propaganda estado-novista )... 

A linha político-ideológica é a do "nacionalismo imperial",  do "panlusitanismo"  e mas também do incipiente "luso-tropicalismo" (teorizado por Gilberto Freire, e rejeitado nos anos 30 e 40 pelo Estado Novo)... 

São termos usados por Marcelo Assunção, na sua tese de doutoramento em história pela Universidade Federal de Goiás, para caracterizar a linha editorial do Boletim e a orientação política da Sociedade,  cada vez mais em rota de colisão com o Estado Novo e a política colonial de Salazar.

A trajetória do Boletim passa por duas grandes fases, a da crítica velada (1931-1934) à repulsa ao salazarismo (1935-1939) (que são analisados no cap. II, da tese de doutoramento abaixo citada).

(...) No segundo momento (capítulo III), analisaremos o fenômeno do pan-nacionalismo (da Sociedade Luso-Africana e outras instituições e personagens do período) no quadro mais amplo dos pan-etnicismos, evidenciando as visões sobre o panlusitanismo/luso-brasilidade nas três primeiras décadas do século XX. 

Em seguida, perscrutaremos o panlusitanismo nos anos 30, sendo o Boletim o principal órgão de reprodução do ideário, seja através da sua visão do panlusitanismo como resposta a ascenção do imperialismo germânico e italiano, seja através da 'Cartilha Colonial', de Augusto Casimiro, a principal expressão da visão de mundo dos republicanos que publicam nesta. 

Em um terceiro momento (capítulo IV), trataremos do “republicanismo nostálgico” no Boletim a partir das distintas críticas ao modelo de gestão colonial do salazarismo (centralismo, trabalho forçado, arcaismo economico, etc.). 

Por fim, no capítulo V, analisaremos os “exotismos” construídos sobre o “outro” colonizado a partir da historiografia e dos estudos africanistas (etnologia e antropologia) publicados no Boletim." (... ) (Assunção, 2017, pág. 59).(#)

Há referências à Guiné, mas as estrelas do império (e as   que ocupam mais espaço no Boletim)  são, sem dúvida, Angola e Moçambique. Talvez valha a pena, numa próxima oportunidade, explorar essas referências, o que implica percorrer com atenção os 20 exemplares disponíveis. Destaque para já para o número especial do Boletim, dedicado à Exposição Colonial do Porto de 1934 (de que foi diretor Henrique Calvão).


Capa do nº especial dedicado à exposição colonial do Porto (1934). Boletim da Sociedade Luso-Africana do Rio de Janeiro, nº 9, abril-julho de 1934.
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(#) Vd. ASSUNÇÃO, Marcelo. F. M. - A sociedade luso-africana do Rio de Janeiro (1930-1939): uma vertente do colonialismo português em terras brasileiras. 2017. 324 f. Tese (Doutorado em História) - Universidade Federal de Goiás, Goiânia, 2017. Disponível em formato pdf em: http://repositorio.bc.ufg.br/tede/handle/tede/6960 

Resumo:

Nosso objetivo principal nessa tese é analisar o projeto colonial da Sociedade Luso-Africana do Rio de Janeiro, tendo como fonte primordial de estudo os vinte volumes do seu Boletim (1931-1939), como também os livros, cartilhas e outras produções oriundas dos membros da Sociedade. 

Para realizar esse intento, num primeiro momento (capítulo I) analisamos as condições de emergência do “nacionalismo imperial” do qual o boletim é somente uma das expressões. 

Nos outros quatro capítulos, buscamos entender as diversas especificidades do Boletim. No capítulo II evidenciamos a trajetória da Sociedade Luso-Africana do Rio de Janeiro em suas duas grandes fases: da crítica velada ao salazarismo e a busca por uma grande “coalização panlusa” (1931-1934) até a repulsa ao Estado Novo dos últimos anos (1935-1939), apreendendo essas transformações a partir de diversas fontes, mas primordialmente através dos editoriais do Boletim. 

No III capítulo buscamos explorar os sentidos políticos do “panlusitanismo” no seio do contexto mais global dos “pan-etnicismos”, abordando também a partir do boletim e da obra “Cartilha Colonial”, de Augusto Casimiro” o discurso panlusitano. A frente, no capítulo IV, fizemos uma análise do projeto colonial dos gestores militares republicanos e sócio-correspondentes da Sociedade Luso-Africana do Rio de Janeiro, dando ênfase as críticas que estes faziam às práticas coloniais do salazarismo e o espelhamento idealizado no “modelo Norton de Matos”. 

Por fim, no capítulo V, perscrutamos as relações entre a historiografia do colonialismo e os estudos africanistas com um ideário de “vocação imperial” tão presente no saber colonial hegemônico nos anos 30. 

Em suma, o exame destes discursos permitem visualizar no seio do Boletim, e das publicações da Sociedade, a particularidade do colonialismo republicano em meio à hegemonia política salazarista nos anos 30. Estes irão ser uma vanguarda do reformismo colonial que só ganha força nos anos 50. A derrota do seu projeto nos anos 30 é uma expressão de que em tempos de Estados Novos a retórica “democrática” (mesmo que restrita ao discurso) não tinha espaço. 

Palavras-chave: Colonialismo, Republicanismo, Salazarismo, Panlusitanismo, Relações Luso-Afro-Brasileiras, Sociedade Luso-Africana do Rio de Janeiro.

 https://repositorio.bc.ufg.br/tedeserver/api/core/bitstreams/082dfd1d-ce90-4507-9e4f-cae7720dc11b/content (Com a devida vénia...)

quarta-feira, 15 de agosto de 2018

Guiné 61/74 - P18924: Bibliografia (48): "Portugal à Lei da Bala, Terrorismo e violência política no século XX", por António Luís Marinho e Mário Carneiro; Círculo de Leitores e Temas e Debates, 2018 (Mário Beja Santos)



1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 4 de Abril de 2018:

Queridos amigos,
Esta palpitante reportagem, com um acervo de imagens bem adequado, leva-nos a questionar qual a substância que atribuímos a esse axioma de que Portugal é um país de brandos costumes. Os autores passam em revista o terrorismo e a violência política no século XX, obviamente que nos devidos contextos, tudo começa com o anarquismo, a Carbonária, o Regicídio e o processo que se seguiu e de que se perdeu o rasto; a I República, a Lei da Bomba, a Formiga Branca, os assassinatos políticos, os ensaios para a ditadura, os complôs até ao 28 de maio de 1926; a ditadura e as insurreições, especialmente de 1934 a 1937, vidreiros, marinheiros, anarquistas, e depois 1961, logo com a tomada do Paquete de Santa Maria, as ações da LUAR, das Brigadas Revolucionárias, um acervo de ações contra a guerra colonial; e com o 25 de abril, o ELP, o MDLP, a FLAMA, a FLA, as Forças Populares 25 de Abril e algo mais.
Admita-se que somos estruturalmente de brandos costumes mas é largo o número das exceções que atravessam o século XX, pelo menos.

Um abraço do
Mário


Terrorismo e violência política em Portugal, no século XX

Beja Santos

A imagem nacional e internacional que temos é que somos um país de grandes costumes, um povo muito gentil, acolhedor, a violência é mínima, tratando-se de gente tolerante, multicultural, as práticas bombistas, o assassinato político, o sequestro, são resquícios do passado, vivemos em grande amenidade, a despeito de algum frenesim de tabloides ou canal de televisão bombástico.

No entanto, o século XX português está pontuado por violência política e atos terroristas conforme é patente num livro altamente pedagógico, de escrita palpitante, elucidativamente ilustrado, de título "Portugal à Lei da Bala, Terrorismo e violência política no século XX", por António Luís Marinho e Mário Carneiro, Círculo de Leitores e Temas e Debates, 2018.

Quando as práticas anarquistas chegaram a Portugal e se tornaram notórias, já tinham feito o seu caminho de tal modo que no final do ano de 1998 se realizou em Roma a Conferência Internacional pela Defesa Social contra os Anarquistas. Em finais de 1901, Theodore Roosevelt, presidente dos EUA, declarava que “O anarquismo é um crime contra a espécie humana, e toda a humanidade se deverá unir contra os anarquistas. Os seus crimes devem ser estigmatizados como ofensas contra as leis das nações”.

Os autores recordam estes anarquistas e a Carbonária devem ser vistas como peças fundamentais no derrube da monarquia em Portugal. A Casa de Bragança começa a oscilar com uma contestação onde se cruzam o Ultimato Inglês de 1890, uma crise financeira agudíssima, a ascensão dos ideais republicanos, os gastos na pacificação do Império Africano, e a questão religiosa não era despicienda, dividia as próprias forças apoiantes do regime monárquico. As tensões avolumavam-se na capital, aqui se concentravam centenas de conspiradores, se organizavam sociedades secretas, conspirava-se nos cafés, há insubordinações militares, os republicanos ganham a Câmara de Lisboa e aparecem coligados na autarquia do Porto, a incapacidade de entendimento entre partidos monárquicos leva a que D. Carlos apoie o regime musculado de João Franco, assinou a sua sentença de morte. O livro dá-nos diferentes angulações do que foi o regicídio e quem eram os possíveis mandantes dos regicidas.

E assim chegamos à República, um tempo de greves, de bombas, de assassinatos, de governos precários, até de levantamentos monárquicos capitaneados por Paiva Couceiro, agravam-se as relações entre a Igreja e o Estado, aparece o terrorismo da Formiga Branca, tempo de complôs e de um país completamente dividido quando se perfila a necessidade de tomar posição face à I Grande Guerra, são anos de golpes, de governos que se pretendem autoritários, de Pimenta de Castro a Sidónio Pais, depois o terror da Legião Vermelha, a noite sangrenta em que se assassinou António Granjo e outros, a camioneta-fantasma ganhou foros de veículo terrorista, símbolo de massacre, assim se foi decompondo a I República, em total instabilidade e revoltas militares até que triunfou aquela que foi encabeçada por Gomes da Costa que partiu de Braga e chegou calmamente a Lisboa, em maio de 1926.

As revoltas não vão abrandar, como a da Marinha Grande, em 1934, a dos Marinheiros, em 1936, tenta-se liquidar Salazar à bomba em 1937, o Estado Novo ergue-se fazendo vergar as oposições políticas e volatizando os adeptos do anarco-sindicalismo, a violência em grande escala regressa em 1961 com a tomada do Santa Maria e a tentativa do assalto do quartel de Beja. A LUAR – Liga de Unidade e Acção Revolucionária – entra em atividade em 1966, era liderada por Hermínio da Palma Inácio, torna-se uma dor de cabeça para o regime, assalta-se a agência do Banco de Portugal na Figueira da Foz, desvia-se um avião, lançam-se panfletos sobre Lisboa. E com a guerra colonial os comunistas queriam o seu braço armado, a ARA – Acção Revolucionária Armada –, o seu nome está ligado a uma sabotagem ao navio Cunene, ataca-se a Escola Técnica da DGS e o Centro Cultural Norte-Americano, em março de 1971, a ARA destrói aeronaves em Tancos, 11 aviões e 17 helicópteros, era a maior parte da frota destinada à instrução dos pilotos que iriam combater na guerra de África, mas há muito mais ações ligadas às Brigadas Revolucionárias e à ARA, tudo aparece descrito em Portugal à Lei da Bala.

Depois de uma trégua, curta, a seguir ao 25 de abril de 1974, temos novos protagonistas: o ELP – A Armada Anticomunista, mas apresentada como o exército de libertação de Portugal, o seu nome tal como o MDLP, associado a Spínola e Alpoim Calvão fizeram história atacando sedes e centros de trabalho do PCP e do MDP/CDE bem como de partidos da extrema-esquerda, haverá nos Açores a FLA – Frente de Libertação dos Açores, que emergira do Movimento para a Autodeterminação do Povo Açoriano, haverá atividades e algumas bombas, na Madeira foi tudo mais brando, a FLAMA – Frente de Libertação do Arquipélago da Madeira também lançou uma campanha bombista, mas mais modesta.

Na década de 1980 fizeram furor as FP-25 de Abril, que levaram uma das figuras míticas do 25 de abril, Otelo Saraiva de Carvalho, à prisão. Portugal não irá escapar a ajustes de contas de certos movimentos do terrorismo internacional, num congresso da Internacional Socialista, em abril de 1983, é morto um dirigente da OLP, e nesse mesmo ano um comando de 5 terroristas pertencentes ao Exército Revolucionário Arménio ataca a Embaixada da Turquia em Lisboa e faz reféns; Evo Fernandes, representante da RENAMO em Portugal, é executado perto de Cascais por agentes do Serviço Nacional de Segurança Popular, de Moçambique. E os GAL – Grupos Antiterroristas de Libertação, financiados com dinheiros do governo espanhol para combater a ETA, tinham uma ligação portuguesa.

Com este rol de práticas, é mesmo de questionar se somos um povo de brandos costumes…

Leitura a não perder.
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Nota do editor

Último poste da série de 14 de março de 2018 > Guiné 61/74 - P18415: Bibliografia (47): “Lamento de uma América em Ruínas”, por J. D. Vance; Publicações Dom Quixote, 2017 (Mário Beja Santos)

quarta-feira, 18 de outubro de 2017

Guiné 61/74 - P17877: Historiografia da presença portuguesa em África (98): Bissau, em 1947, ao tempo de Sarmento Rodrigues, revisitada por Norberto Lopes, o grande repórter da "terra ardente"





1. Norberto Lopes (Vimioso, 1900-Linda A Velha, Oeiras, 1989) foi um notável jornalista e escritor, tendo estado entre outros ao serviço do "Diário de Lisboa", onde foi chefe de redação, desde 1921, cronista e grande repórter, além de diretor (entre 1956 e 1967). Saiu do "Diário de Lisboa" para cofundar em 1967 o vespertino "A Capital" (que dirigiu até 1970, ano em que se jubilou).

Mestre do jornalismo na época da censura, transmontano de alma e coração,. sempre se bateu pela liberdade de expressão, que considerou a maior conquista do 25 de Abril. Entre a suas obras publicadadas, destaque-se:"Visado pela Censura: A Imprensa, Figuras, Evocações da Ditadura à Democracia "(1975). Aprendeu a lidar com a censura e os censores e a escrever nas entrelinhas, como muitos jornalistas que viveram no tempo do Estado Novo,

Claro, conciso, preciso. objetivo e imparcial... são alguns dos atributos da sua escrita e do seu estilo como repórter da imprensa escrita, um dos maiores do nosso séc. XX português. Foi. além disso, um grande amigo da Guiné e dos guineenses. Tal como nós, também ele bebeu a água do Geba... Visitou aquele território pelo menos duas vezes. Esteve lá em 1927  e em 1947. Das suas crónicas de 1947, publicou o livro "Terra Ardente -Narrativas da Guiné" (Lisboa, Editora Marítimo-Colonial, 1947, 148 pp. + fotos). (*)

2. O trabalho de Norberto Lopes, sobre a Guiné ao tempo do governador geral Sarmento Rodrigues, cuja ação ele apreciava e elogiava publicamente, merece ser conhecido dos nossos camaradas, que fizeram a guerra colonial, entre 1961 e 1974. Quando fomos mobilizados para o CTIG, pouco ou nada sabíamos daquela terra e das suas gentes, da sua história e da sua geografia...

O livro de Norberto Lopes, "Terra Ardente - Narrati vas da Guiné", já não é de fácil acesso, para a generalidade dos nossos leitores (e muito menos para os nossos amigos da Guiné-Bissau) mas em contrapartida as suas reportagens, publicadas no "Diário de Lisboa", podem ainda ser lidas no portal Casa Comum, da Fundação Mário Soares.

Hoje reproduzimos, com a devida vénia, a segunda crónica que ele mandou para o seu jornal, justamente sobre Bissau, então em fase de grande crescimento. Foi publicada em 10/2/1947, há  70 anos, a idade por que rondam muitos dos nossos camaradas.

Apesar do "desenvolvimentismo" do governador-geral  Sarmento Rodrigues, havia já  problemas cuja solução se iria eternizar como, por exemplo, a projetada construção da ponte sobre o rio Mansoa, ligando a ilha de Bissau ao norte e ao sul da colónia... No nosso tempo, por exemplo, lá continuávamos a usar a velha jandaga em João Landim...

Não é indiferente saber que Bissau era uma povoação insalubre e insegura até ao tempo da I República...e que a fortaleza da Amura iria custar, além de 50 contos de réis, mais de um milhar de vidas (!), entre os seus trabalhadores, "vitimados pelo gentio, pelo escorbuto e pela malária"...

Em 1947 aguardava-se a projetada construção do porto de Bissau...Foi o  governador Carlos [de Almeida] Pereira quem, em 1913, deu início ao processo de desenvolvimento urbanístico de Bissau, então vila e depois  cidade (a partir de 1914), derrubando a famigerada muralha (um muro de tijolo de 4 metros de altura, e antes uma tosca paliçada...) que ia de um dos baluartes da fortaleza da Amura até ao cais do Pigiguiti, separando brancos e pretos, neste caso a colonos (europeus e cabo-verdianos) e o "chão de papel"...Era um muralha protetora com valor mais simbólico do que físico...Foi este gesto iconoclasta que acabou por dar origem à moderna Bissau que nós ainda iríamos conhecer.

Considerando que terá sido eventualmente um erro a transferência da capital, em 1941, por ter ferido de morte a histórica cidade de Bolama, o jornalista três décadas e tal depois. da ação decisiva do governador republicano, Carlos Almeida Paredes (outubro de 1910-agosto de 1913), dava  conta de (e descrevia em detalhe) os notáveis progressos de Bissau "onde se rasgaram largas avenidas paralelas ao eixo central formado pela Avenida da República" [, hoje, av Amílcar Cabral]...

3. Enfim, a cidade começava a ter uma "fisionomia europeia" (**)... O clube de ténis é local de encontro das  senhoras,  brancas e cabo-verdianas, tão raras ainda nos anos 20. Para os homens ficava reservada a bola ( e as paixões da bola). O campeonato de futebol da Guiné estava ao rubro: "Vi jogar os Balantas de Mansoa contra o Sport Lisboa e Bolama, em Bissau. Azuis e vermelhos lutaram com a mesma ralé [, garra, raça, vigor...] dos clubes lisboetas"... Enfim, duas boas equipas, constituídas, na curiosa expressão do autor, por "indígenas assimilados à civilização europeia"  (sic)...

E o repórter cita largamente o escritor Fausto Duarte (1904-1953), o autor de "Auá" (1934), de origem cabo-vrediana, funcionário da admimnistração colonial, que foi  testemunha privilegiada dessas mudanças históricas... Para Fausto Duarte, o coração, os pulmões, os braços e as pernas de Bissão estavam no Pigiguiti, nas suas embarações e nos seus estivadores... Onde Norberto Lopes parece ser menos preciso é quando escreve que a construção da primeira ponte-cais de Bissau, a "maior obra de engenharia da colónia",  foi atribuída a uma empresa inglesa.  Tanto quanto sabemos, a construção da ponte-cais do porto de Bissau, em betão armado, foi feita pela empresa Moreira de Sá & Malevez (1910-1913) (segundo informação de Luís Calafate, bisneto de Moreira Sá) (***).

A última crónica (ou "narrativa da Guiné") de Norberto Lopes será a do elogio público da obra e da personalidade do enérgico transmontano Sarmento Rodrigues, futuro ministro das colónias (e depois do Ultramar).  (***) (LG)





























Recorte do "Diário de Lisboa" (diretor: Joaquim Manso), nº 8694, ano 26, segunda  feira, 10 de fevereiro de 1947, pp. 1 e 9.

Cortesia de portal Casa Comum > Fundação Mário Soares > Arquivos > Diário de Lisboa / Ruella Ramos >  05780.044.11045

Citação:

(1947), "Diário de Lisboa", nº 8694, Ano 26, Segunda, 10 de Fevereiro de 1947, CasaComum.org, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_22342 (2017-10-18)

[Seleção, montagem dos recortes, edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]

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Notas do editor

(*) Vd. poste de 21 de setembro de 2017 > Guiné 61/74 - P17785: Historiografia da presença portuguesa em África (92): quando a Guiné do tempo de Sarmento Rodrigues tinha uma "boa imprensa": Norberto Lopes, o grande repórter da "terra ardente"

(**) Sobre o planeamento e o desenvolvimento urbanístico de Bissau, bem como  da sua arquitectura colonial, vd. entre outros os  postes de:

12 de julho de  2014 > Guiné 63/74 - P13392: Manuscritos(s) (Luís Graça) (36): Revisitar Bissau, cidade da I República, pela mão de Ana Vaz Milheiro, especialista em arquitetura e urbanismo da época colonial (Parte VII): O melhor edifício da cidade, a Associação Comercial, hoje sede do PAIGC, projeto do arquiteto Jorge Chaves, de 1949-1952
20 de junho de 2014 > Guiné 63/74 - P13312: Manuscritos(s) (Luís Graça) (33): Revisitar Bissau, cidade da I República, pela mão de Ana Vaz Milheiro, especialista em arquitetura e urbanismo da época colonial (Parte VI): O novo bairro da Ajuda (1965/68), um "reordenamento" na estrada para o aeroporto...





A ponte de Ensalmá que que veio permitir
a ligação de Bissau a Mansoa
Vd. também os postes de Mário Dias:

9 de Fevereiro de 2006 >  Guiné 63/74 - P495: Memórias do antigamente (Mário Dias) (1): Um cabaço de leite



Bissau, 1908, antiga ponte cais em madeira: desembraque de
tropas
27 de março de 2008 > Guiné 63/74 - P2691: Memórias dos Lugares (6): A Bissau dos anos 50, que eu conheci (Mário Dias)

terça-feira, 20 de junho de 2017

Guiné 61/74 - P17489: (De) Caras (78): o testemunho de Manuel Amante da Rosa, embaixador plenipotenciário de Cabo Verde em Itália, sobre o Fausto Teixeira: "era uma figura distinta, opositor ao regime de Salazar, vigiado pela PIDE/DGS, amigo do meu pai que lhe comprou, no início dos anos 70, o último navio que ele levou para a Guiné, um antigo cacilheiro que fazia carreiras regulares para o Xime e para os Bijagós ...Morreu depois do 25 de Abril em Portugal".

1. Duas mensagens, a primeira do nosso editor Luís Graça, com data de 13 do corrente; e outra, a resposta, enviada a 16 do corrente pelo  nosso amigo, camarada e grã-tabanqueiro,  ex-fur mil, QG/CTIG, Bissau,1973/74, Manuel Amante da Rosa, embaixador plenipotenciário da República de Cabo Verde em Itália desde 16/1/2013, e agora também em Malta [foto, acima, de 2013; cortesia da RTC - Radiotelevisão Caboverdiana].

(i) Mensagem do nosso editor LG, com data de 13 do corrente, enviada a Manuel Amante da Rosa:

Assunto - Madeireiro "amgo" do PAIGC? Fausto Teixeira, deportado para a Guiné em 1925... Um barco dele é atacado no Rio Geba c. 1970.

Manuel: Como vais tu na "Roma eterna"? Com muitas saudades da "nossa terra, Cabo Verde", imagino!,,,

Preciso de um favor teu, mais um esforço de memória... Este homem, Fausto Teixeira,  foi contemporâneo do teu pai, era madeireiro, tinha barco(s) que fazia(m) o Geba... Ajudou o Luís Cabral a fugir para o Senegal...

Se achares conveniente, não te cito... Em todo o caso, não me parece que haja qualquer inconveniente... Era um "tuga", e possivelmente teria duas famílias, uma em Palmela e outra em Bafatá... No final dos anos 60, hospedava-se no Hotel Portugal e tinha uma companheira cabo-verdiana, muito mais nova do que ele, de nome Agostinha...

Esta história diz-te alguma coisa? Um xicoração... Luís

PS - Andamos a ajudar na exposição sobre o escritor Manuel Ferreira (1917-1998), autor de "Hora di Bai", contemporâneo do meu pai, Luís Henriques (1920-2012), em São Vicente, na II Guerra Mundial... Casou com a Orlanda Amarílis (1924-2014). Eram colegas do Liceu Gil Eanes, no Mindelo, em 1944. O Amílcar Cabral foi da turma da Orlanda...

(ii) Resposta do Manuel Amante da Rosa:

Data: 19 de junho de 2017 às 09:48

Assunto: Re: Madeireiro "amigo" do PAIGC? Fausto Teixeira, deportado para a Guiné em 1925... Um barco dele é atacado no Rio Geba c. 1970...

Meu caro Luís, estou numa reunião sobre as secas e desertificação. Novas abordagens!

Aproveito um "break" para te dizer o que ainda a minha memória não apagou.

Este Senhor, Fausto Teixeira, era uma figura distinta na Guiné. Um empedernido opositor ao regime de Salazar, por vezes incómodo, e permanentemente seguido pela PIDE/DGS.

Conheci-o através do meu Pai, de quem era amigo. De baixa estatura, conversador, rijo apesar da idade e pertinaz em todas as opiniões que proferia.

Era originário de Setúbal e teria sido deportado para Bissau em finais de 40 ou inícios de 50 do século passado.


Fonte: Anúncio comercial. In: "Revista de Turismo", jan-fev 1956, número especial dedicado à então província portuguesa da Guiné






O meu Pai [, António Amante Rosa, que em 1956 era comerciante, em Belim, Fulacunda, e mais tarde armador] comprou-lhe o último navio que ele levou para a Guiné nos inícios dos anos 70.

Registou o navio, um antigo "cacilheiro", com o nome de "O Amanhã". Nessa altura, [o Fausto Teixeira] estaria já nos seus 70 anos e denotava esperanças em tudo o que fazia ou dizia.

O meu Pai conservou o nome e ele fazia carreiras regulares para o Xime diariamente. Eu fiz muitas viagens nele, não só para o Xime como para os Bijagós.

Julgo que o Sr. Fausto terá vivido o seu amanhã com o 25 de Abril ainda na Guiné e terá morrido anos depois na sua terra natal. Aqui não estou bem precisado.

O meu abraço de sempre.
Manuel Amante da Rosa


2. Comentário de LG:

Caro dr. Manuel Amante da Rosa, meu caro Manuel: estou-te muito grato pela rápida resposta e pela tua partilha de memórias sobre a terra que te vou nascer e crescer... Afinal, o Fausto Teixeira era teu conhecido e era amigo do teu pai, com quem teve negócios....

Só um detalhe biográfico, se me permites: o Fausto Teixeira já estava na Guiné desde o final da I República, mais concretamente desde julho de 1925. Foi deportado, não pela Ditadura Militar / Estado Novo (1926-1974), mas pela República (1910-1926), sem julgamento, por suspeita de pertencer à temível "Legião Vermelha".

Esta organização revolucionária (para outros meramente terrorista...) era, ao que parece, de inspiração bolchevique (e não anarcossindicalista, que era então a corrente dominante no movimento operário português,  e na Confederação Geral do Trabalho, de vida curta: 1919-1927)... 

O fantasma da "rede bombista" da Legião Vermelha seria usado como arma de arremesso da propaganda salazarista, anos mais tarde...  [Vd. documentário da RTP disponível no You Tube].




"Parte da retórica estado-novista foi construída e mantida capitalizando o fantasma da Legião Vermelha, concentrando em si toda a ideia de desordem política e social da I República, como se vê n[este] cartaz, presumivelmente, saído do Secretariado de Propaganda Nacional nos anos 40".

Fonte: Pinto, Ana Catarina Simões Mendonça - A luta de classes em Portugal (1919:1926) : a esquerda republicana e o bloco radical. Lisboa:  RUN [Repositório da Universidade NOVA de Lisboá. Faculdade de Ciências Sociais e Humanas (FCSH). Departamento de HistóriaTeses de Doutoramento, 2015, p. 339 (Com a devida vénia...).
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Nota do editor:

Últmo poste da série > 18 de junho de  2017 > Guiné 61/74 - P17482: (De) Caras (84): Fausto Teixeira, deportado político em 1925, empresário em Bafatá, de quem o 2º tenente Teixeira da Mota, ajudante de campo do governador Sarmento Rodrigues dizia, em 1947, ser um "incansável pioneiro da exploração de madeiras da Guiné"... Mais três contributos para o conhecimento desta figura singular (José Manuel Cancela / Jorge Cabral / Armando Tavares da Silva)