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sábado, 9 de março de 2024

Guiné 61/74 - P25256: Ser solidário (264): Relatório da viagem a Suzana em Fevereiro de 2024 (Manuel Rei Vilar Presidente da Associação Anghilau)

RELATORIO DA VIAGEM A SUZANA EM FEVEREIRO DE 2024

Introdução

Este é o relatório da nossa visita à Guiné-Bissau entre os dias 11 e 22 de fevereiro de 2024 e em particular a Suzana entre os dias 14 e 18 de fevereiro. Relatamos aqui todos os pontos que tínhamos anteriormente programado antes de realizarmos esta viagem. Um programa foi assim previamente elaborado para ser um guião da nossa visita. A realização deste programa ajudar-nos-ia a ter uma melhor ideia sobre a situação escolar e a avaliar a nossa colaboração com a Comunidade de Suzana e o seu Agrupamento Escolar.

Nesta viagem participaram Manuel Rei Vilar e Duarte Rei Vilar, Claude Piétrain (respetivamente Presidente, Vice-Presidente e Tesoureiro da Anghilau) e Marie-Christine Vickridge, uma nova madrinha da Associação. É necessário salientar que os custos desta viagem foram integralmente pagos por cada um dos viajantes e sem qualquer encargo para a Associação Anghilau.

A viagem foi iniciada em Lisboa no dia 11 com um embarque em atraso de mais de três horas do voo da Royal Air Maroc, o que nos levou a perder a ligação para Bissau na escala em Casablanca no mesmo dia e que nos obrigou a passar um dia inteiro nesta cidade à espera do próximo voo para Bissau. Chegámos a Bissau no dia 13 de madrugada. Marie-Christine chegou diretamente de Paris a Bissau no dia 12 de madrugada sem qualquer problema.

Logo no dia 13 pela manhã, pudemos ter uma conversa com Olálio Neves Trindade da Associação VIDA que tem sido uma ajuda preciosa no nosso trabalho e que se deslocou ao hotel Coimbra onde estávamos alojados com o propósito, sobretudo, de abrirmos uma conta conjunta no Banco da África Ocidental (BAO) em S. Domingos. O Olálio já tinha iniciado uma conversa com o responsável desta Agência Bancária, o que se revelou muito útil e facilitou as nossas démarches.

A partida para Suzana ocorreu no dia 14 de fevereiro de manhã com a viatura “Land Cruiser” da Missão Católica de Suzana que a Associação tinha mandado reparar anteriormente. Para seguirmos para Suzana, a viatura foi conduzida primeiramente por um motorista chamado António até S. Domingos. Ao sairmos de Bissau, tivemos uma pequena avaria que foi prontamente reparada numa estação de serviço. Em S. Domingos, encontrámos o segundo motorista de nome Setímio, um rapaz franzino que mais parecia um miúdo mas que já tinha 42 anos e 4 filhos e era um ótimo chofer. As coisas, porém, não correram tão bem e a segunda avaria ocorreu num sitio ermo da estrada de S. Domingos para Suzana, cujo estado continua deplorável, toda esburacada. O diferencial avariou-se num sitio absolutamente ermo da floresta e onde a rede telefónica era praticamente inexistente, foi muito mais grave pois. Depois de muitas tentativas para alertar a Missão de Suzana, pedindo ajuda aos raros carros que passavam, o Duarte conseguiu finalmente encontrar um sitio com rede e pediu auxílio ao Padre Vítor que pouco tempo depois chegou com o outro carro da Missão. O “Land Cruiser” teve de ser abandonado no local para ser rebocado e reparado posteriormente. Toda esta aventura ficou esquecida, pois o acolhimento à chegada a Suzana foi extraordinário com danças e cantares por muitas mulheres que nos vieram esperar para nos dar as boas-vindas.
1 - Segunda pane no meio da floresta
2 - Acolhimento das Mulheres de Suzana à nossa chegada.

Durante a nossa estadia em Suzana, residimos em Varela no Aparthotel Casa Aberta Kassumayaku. Em Suzana não há qualquer possibilidade de alojamento. Varela fica a à volta de 15 km de Suzana é uma estação balnear e tem dois aparthotéis onde há possibilidades de alojamento em pequenas cubatas bastante confortáveis. A estrada Varela-Suzana também se encontra num estado deplorável, tendo muitas vezes que se sair da própria estrada e ir pelo campo, porque a condução em certos sítios da estrada se torna puramente impossível. Nos dias seguintes, o Setímio ia-nos buscar de manhã e no final do dia reconduzia-nos a Varela, o que nos deu a possibilidade de tomar alguns banhos de mar durante a nossa estadia pois a praia de Varela é magnifica. Esta praia que faz parte dum parque natural está neste momento ameaçada por um projeto chinês que pretende explorar as areias pesadas para extrair entre outros metais raros, tais como o zircónio e o titânio numa zona de 5 km de areal. Isso está a preocupar particularmente os habitantes de Varela. Em particular, a nossa amiga Valentina Cirelli que é a proprietária do aparthotel onde ficámos, tem lutado com a comunidade de Varela contra esse projeto para evitar uma catástrofe ecológica.

Foi também nesta praia que encontrámos um português de Cascais de nome Armando Jaime Pinto Ferreira que constituiu uma Associação (As Pedras do Caminho) e circula pela Guiné acompanhado de quatro médicos bastante jovens com o objetivo de prestar assistência médica às populações. Os médicos foram formados na Guiné-Bissau pela Faculdade de Medicina Cubana e contratados pelo Jaime Ferreira. Têm feito centenas de consultas por toda a Guiné.

Ficámos ao todo 5 dias em Suzana, do dia 14 até ao dia 18 de fevereiro. No dia 18, regressámos no carro da Missão Católica conduzido pelo Padre Vítor: o Duarte para Bissau, donde partiu para Lisboa e nós, os três restantes, para um pequeno périplo nos Bijagós, Património Natural da Humanidade. Ficámos no pequeno ilhéu Keré nos Bijagós que se encontra entre duas grandes ilhas, a ilha de Carache e a ilha da Caravela, que tivemos a oportunidade de visitar. Aí, tivemos a sorte de assistir a dois eventos excecionais: em Carache, a um “Tchoro”, cerimónia do regresso da alma dum defunto à sua tabanca natal e na Caravela, a outra cerimónia a que eles chamam “Fanado” que consiste na passagem dos rapazes da adolescência à idade adulta. Dois eventos inesquecíveis!
3 -Poilão - A árvore sagrada da Guiné-Bissau.

• Abertura de uma Conta Bancária na Agência de São Domingos do Banco da África Ocidental (BAO).

Quando fomos de Bissau para Suzana, parámos em São Domingos para irmos à Agência do Banco da África Ocidental (BAO) abrir uma nova conta. De facto, a conta antiga é obsoleta pois ainda estar no nome do Padre Abraão que já não está na Missão Católica. Os titulares da nova conta bancária são agora o Presidente e o Vice-Presidente da Associação Anghilau, Manuel e Duarte Rei Vilar, respetivamente, e da parte de Suzana, o Padre Vítor e o nosso amigo Olávio Neves Trindade. Como cotitulares ficaram dois Professores da Escola de Suzana, o Professor Orlando e o Professor Alfredo que nós já conhecemos das visitas anteriores a Suzana. Só falta, agora, as assinaturas dos quatro titulares de Suzana. A conta é vantajosa também para podemos seguir as operações por “homebanking”.

1 - VISITA ÀS BENFEITORIAS REALIZADAS E SEU APROVEITAMENTO E UTILIZAÇÃO:

• Visita ao Jardim-Escola frequentado por mais de 60 crianças.

As infraestruturas estão em bom estado com exceção da pintura exterior que se encontra bastante deteriorada. O telhado, as pérgulas e as latrinas estão em bom estado de conservação. A mobília encontra-se bastante danificada, em especial as cadeirinhas. Muitas encontram-se partidas e terão de ser reparadas. Teremos de criar um pequeno orçamento para a manutenção da escolinha.

Existe agora um fontanário com agua corrente mas não foi instalado nenhum lavatório para as crianças utilizarem. Propõe-se a instalação de um lavatório duplo. Por outro lado, o Material Escolar é praticamente inexistente e deverá ser fornecido ainda este ano, visto que já se encontra contemplado no Programa de Atividades e Orçamento de 2024.

• Educadoras do Jardim-Escola

Atualmente o Jardim-Escola tem três Educadoras com quem falámos: a Adélia, a Virgínia que vai começar agora a sua formação e a Elisabeth. Enquanto a Virgínia faz a sua formação de 6 meses a Adélia e a Elisabeth asseguram o funcionamento do Jardim-Escola. Quando a Virgínia voltar para o Jardim-Escola, irá a Adélia fazer o Curso de Formação.

• Inauguração da Residência dos Professores e Visita

4 - Inauguração da Residência Cascais-Suzana.

A Residência Cascais-Suzana foi inaugurada solenemente pelo presidente da ANGHILAU. O nome escolhido é o mesmo do projeto que a Associação Anghilau promoveu com o apoio da Câmara Municipal de Cascais que subsidiou uma parte da construção da Residência. Esta encontra-se em ótimo estado em termos de infraestruturas e de mobiliário. Há água corrente na cozinha, nas casas de banho e nas retretes e a eletricidade é fornecida por painéis solares. Os quartos estão cuidadosamente arrumados. A taxa de ocupação da Residência é de 100 %: há 7 quartos duplos ocupados por 14 professores e um outro quarto ocupado pelo Diretor do Liceu onde se encontra arrumado algum material da Residência. Os Professores pediram um retrato do Capitão Rei Vilar para a Residência dos Professores.
5 - Inauguração da Residência Cascais-Suzana e da Biblioteca Camões.

Mais uma vez as mulheres de Suzana nos brindaram com danças e cantares.
6 - Inauguração da Residência Cascais-Suzana com danças e cantares das mulheres de Suzana.

• Inauguração da Biblioteca
7 - Inauguração da Biblioteca Camões.

A Biblioteca Escolar foi também inaugurada solenemente com a denominação de “Biblioteca Camões” em honra do maior poeta da Lusofonia, pois o Português é a língua oficial da Guiné-Bissau que partilhamos com este país.
8 - Reunião com a Comissão de Acompanhamento e outros elementos da Escola de Suzana.

O estado da sala é impecável assim como o mobiliário que foi adquirido igualmente pela nossa Associação e construído por uma empresa jovem da cidade de Bula. Os livros encontram-se distribuídos pelos diferentes anos escolares, arrumados em estantes. Por enquanto, não há um responsável pela Biblioteca mas a Escola secundária EVA e o Liceu vão eleger um responsável entre os Professores, eventualmente o Professor Orlando que já se encontra reformado. A Sala é ampla e a mobília é de boa qualidade e adaptada às visitas organizadas por cada turma. Há lugares suficientes para acolher 30 alunos acompanhados pelo Professor.

• Sala de Informática

Ao lado da Biblioteca Camões situa-se uma outra sala que está disponível onde se poderá instalar uma futura Sala de Informática da Escola de Suzana. No entanto, esta sala encontra-se bastante deteriorada sobretudo no telhado e com uma parede rachada de alto abaixo. Assim, para a utilizarmos ter-se-á de reparar o telhado e a parede. O Professor Alexandre Apaiam encontra-se à espera de formação de um curso de informática e manutenção do material informático a fim de ensinar os Professores e alunos e se poder responsabilizar pelo equipamento informático.

• Fontanários

O abastecimento de água corrente em Suzana é agora realizado por mais do que uma dúzia de fontanários que foram em parte subsidiados pela nossa Associação. O funcionamento destes fontanários não é contínuo visto que alguns deles dependem de bombas alimentadas em eletricidade por painéis solares… e quando não há Sol não há água.

• Painéis solares

Vários painéis solares foram instalados pela Associação Anghilau (Residência dos Professores e Fontanários) e encontram-se em bom estado de funcionamento.

• Computadores

Existem três computadores oferecidos pela Associação Anghilau e cedidos pelo Banco Alimentar: um está com o P. Vítor, o outro está com o Prof. Nicodemos, Diretor do Liceu e o terceiro com o Prof.

Alexandre Apaiam. O computador do Professor Alexandre não funciona bem e bloqueia ao fim de pouco tempo. Não temos informação sobre o estado de funcionamento dos outros dois computadores.

• Refeições do Jardim-Escola

As refeições do Jardim-Escola têm funcionado. A preparação é feita pelas cozinheiras da Missão Católica. A aquisição dos produtos alimentares não é fácil. Há necessidade de implementar o desenvolvimento duma horta para a produção de hortaliças e legumes. Para isso ter-se-á de falar com a Senhora Palmira Djata para envolver a Associação de Mulheres de Suzana.

Formação Profissional

Não foi possível realizar encontros com os alunos que estão em formação profissional fora de Suzana. Lembro que o Gino Djata está a tirar a Carta de Condução de Pesados, o Óscar Djedjo está a tirar o curso de eletricista e o Ermano Ebidja, o curso de canalizador. O Alexandre Apaiam ainda não conseguiu arranjar lugar num curso de informática e manutenção de computadores. 2 - REUNIÕES

• Reunião com os Diretores da Escola EVA, do Liceu de Suzana e da Comissão de Acompanhamento no dia 16 às 16 horas locais.

Tivemos uma reunião com a Comissão de Acompanhamento e com vários Professores, alguns deles bastante jovens, muito implicados, além do Professor Orlando, o Senhor Ujdili, Responsável do Registo Civil, da Senhora Palmira Djata, que é Presidente da Associação das Mulheres de Suzana e sogra do nosso amigo Olálio Neves Trindade e com o Padre Vítor Pereira, Prior de Suzana além de alguns membros da Assembleia dos Homens Grandes e outros habitantes de Suzana. Após uma homenagem ao Capitão Rei Vilar por parte da comunidade e agradecimento pelos benefícios que a nossa Associação tem trazido a Suzana, coube-nos a nós agradecer em nome da Associação a participação de todos nas cerimónias da inauguração da Residência Cascais-Suzana e da Biblioteca Camões. Duarte Rei Vilar lembrou que a nossa comitiva estava em Suzana para representar os 60 associados da Associação Anghilau e que sem eles não teria sido possível realizar os benefícios que foram introduzidos em Suzana. Manuel Rei Vilar enumerou os nove projetos contidos no Plano de Atividades de 2024. Uma das senhoras presentes declarou que todo o dinheiro implicado nos projetos da Associação Anghilau em Suzana tem sido totalmente utilizado pela Comunidade e não é atribuído a famílias ou a particulares. Esta declaração foi fortemente aplaudida pela audiência. Um dos presentes, afirmou que tudo o que fizemos deveria ter sido realizado pelo Governo, mas como não foi… “vós sois o nosso Governo”. Foi mencionado que algumas salas de aula não podem ser utilizadas durante o período das chuvas devido ao mau estado dos telhados por entra chuva. Falou-se de algumas necessidades de Suzana, entre outras da criação duma horta para a produção de hortaliças de legumes. Falou-se também da necessidade de painéis solares e duma televisão para as crianças ou outros meios audiovisuais para a Escola de Suzana. Pouco antes do final da reunião, houve um pedido de uma ambulância que é considerada uma necessidade de extrema importância para Suzana. Manuel Rei Vilar respondeu que a nossa Associação não tem meios para comprar uma Ambulância. No entanto, iremos trabalhar no sentido de apresentar um pedido de subsídio a várias instituições suscetíveis de conceder o financiamento para essa aquisição. Um dos participantes Bissau-Guineenses pediu que a Associação oferecesse uma fotografia do Capitão Rei Vilar para se expor na Residência dos Professores. Manuel Rei Vilar agradeceu a constante ajuda do Padre Vítor Pereira e do nosso amigo Olálio Neves Trindade.

Em relação aos Diretores das Escolas de Suzana, tivemos contacto com o Diretor do Liceu, o Professor Nicodemos Djata que é natural de Cassolol, uma tabanca vizinha de Suzana antes de Varela. O Diretor da Escola Eva (Escola de Verificação Ambiental) de Suzana que é o Professor Ismael Djata, natural de Suzana, não se encontrava pois estava ausente em Bissau. Com o Diretor do Liceu abordou-se a questão da atribuição e gestão das Bolsas de Estudo (Universidade ou Cursos técnico-profissionais) que a curto prazo deverá ser formalizada, mediante a definição de algumas orientações. O jovem Diretor do Liceu, Professor Nicodemos, manifestou o desejo de seguir um curso de Ciências da Educação.

No final da nossa visita, a Equipa REI VILAR brindou-nos com um pequeno desafio de Futebol.
9 - Equipa de Futebol de Suzana (REI VILAR – Associação Anghilau)

3 - SITUAÇÃO ATUAL DE SAÚDE EM SUZANA.

A Missão Católica de Suzana dispõe de um pequeno Centro de Saúde que conta com a ajuda da Irmã Eurizanda, Bissau-guineense e de uma jovem irmã, além de uma outra senhora da tabanca de nome Manuela. Alem disso, elas contam com o serviço de uma parteira tradicional de Suzana. Quando visitámos o Centro de Saúde havia pessoas que estavam a ser tratadas: um rapaz que tinha caído de uma palmeira e que estava com os braços esfolados, um menino acompanhado com o seu pai com dores de cabeça e uma mãe com um bebé que tinha um mês e só pesava 2,700 kg porque a mãe não tinha leite para lhe dar. As irmãs queixaram-se que não têm medicamentos para dar aos enfermos. A Irmã Eurizanda reforçou a ideia da necessidade urgente de uma ambulância para Suzana.
10 - Centro de Saúde da Missão Católica de Suzana

4 – Visita A Budjim

Fizemos ainda uma visita à Escola de Budjim, uma tabanca já muito próxima da fronteira do Senegal. O capitão Rei Vilar tinha aí mandado construir uma Escola que já não existe e foi substituída por outro edifício maior. Em Budjim há escolaridade desde o Jardim-Escola até ao quarto ano. Há cerca de 70 alunos dos quais cerca de 30 no Jardim-Escola. Há grandes necessidades e os professores querem instituir mais dois anos de escolaridade. Pediram-nos para enviarmos algum material escolar para o Jardim-Escola.
11 - Partida de Bissau

Este é o relato da nossa viagem a Suzana e ao seu Agrupamento de Escolas. As necessidades são enormes mas tenho confiança que a nossa Associação continuará a estabelecer pontes para ajudar a comunidade Felupe de Suzana, as suas Escolas e as suas crianças.

Em nome das crianças de Suzana, agradeço a vossa implicação!

Manuel Rei Vilar
(Presidente da Associação Anghilau
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Nota do editor

Último post da série de24 DE NOVEMBRO DE 2023 > Guiné 61/74 - P24883: Ser solidário (263): Relatório da nossa 38.ª Missão Solidária que decorreu entre os dias 28 de Outubro e 04 de Novembro de 2023 na Guiné-Bissau (Afectos Com Letras)

terça-feira, 6 de fevereiro de 2024

Guiné 61/74 - P25142: Convívios (977): Almoço/Convívio do pessoal do BCAV 3846 (Ingoré, S. Domingos e Susana, 1971/73), a levar a efeito no próximo dia 3 de Março de 2024, em Fátima (Delfim Rodrigues, ex-1.º Cabo Aux Enfermeiro)

Ingoré, S. Domingos e Susana, 1971/73


ALMOÇO DE CONFRATERNIZAÇÃO DO BCAV 3846

DIA 3 DE MARÇO DE 2024 EM FÁTIMA

Caros amigos,
Vamos a  Fátima para o nosso regular encontro anual, onde haverá lugar a alegre e são convívio para recordar os episódios da nossa história conjunta na Guiné-Bissau.

O evento ocorrerá no Domingo, dia 3 de Março de 2024 no Restaurante Pastilha & Filhas, Estrada de Fátima, 34 Batalha

Apelamos a que compareças com a tua habitual alegria, se quiseres com a família e ou amigos, e nos ajudes a divulgar esta iniciativa por todos os teus amigos que estiveram connosco na Guiné e não receberam este convite. Estamos com dificuldade em ter a base de dados completa.

O programa será o seguinte:
Chegada e registo entre as 11h00 e as 12h00

Almoço com a seguinte ementa:
- Entradas: pão, azeitonas, camarão, rissóis, morcela e pastéis de bacalhau
- Aperitivos: martini, porto e ricard
- Bebidas: vinho maduro e verde, águas, refrigerantes e cervejas
- Sopas: legumes ou peixe
- Bacalhau à Zé do Pipo
- Cordeiro à padeiro
- Sobremesa: prato misto (gelado, fruta e pudim)
- Café e digestivos (aguardente, licores e whisky)

O preço será 30€/pessoa, (não se aceita Multibanco) e todas as bebidas estão incluídas.
(Crianças de 0 a 5 anos é grátis e de 6a 11 anos pagam 50%)

- Encerramento pelas 17h00 com bolo e espumante.

Confirma a tua presença com urgência (máximo até 20 de Fevereiro) para:
- Carlos Conceição (Xina) tlm 919 489 378 - email: carlosconceicaonovoa@gmail.com
- João Catarino tlm 919 805 205 email: catarino.isilva@gmail.com
- Abel Miranda tlm 966 963 841 email: miranda abel@hotmail.com
- Joaquim Monteiro tlm 964 071 285 email: monteiro.quito@gmail.com

AVISA TODA A GENTE QUE CONHEÇAS DAS NOSSAS RELAÇÕES no CTI Guiné

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Nota do editor

Último post da série de 16 DE JANEIRO DE 2024 > Guiné 61/74 - P25077: Convívios (976): A CCAÇ 4544/73 (Cafal Balanta, 1973/74) vai realizar o seu convívio comemorativo dos 50 anos do regresso a Portugal, em Setembro próximo, na zona de Coimbra (António Agreira, Fur Mil TRMS)

sexta-feira, 10 de novembro de 2023

Guiné 61/74 - P24839: Notas de leitura (1632): "No Limiar da Guerra", por José Manuel Barroca da Cunha; RARO, Tomar, 2021 (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 9 de Maio de 2022:

Queridos amigos,
Já sabemos que aquele ano de 1961 foi caracterizado por muita ação subversiva, por um lado Rafael Barbosa ia encaminhando centenas de jovens para Conacri e daí para a formação militar, eram distribuídos panfletos, agiam vários grupos políticos, rivais ferozes do PAIGC. Um deles, constituído por Manjacos residentes no Senegal, orientados por François Mendy, provocará alguma turbulência em São Domingos, Suzana e Varela, e mais tarde juntos dos madeireiros da região Norte, foi tempestade de pouca dura. Mas é verdade temos inventariados documentos que abonam as hostilidades a partir do 2º semestre de 1962, na região Sul, que entra numa verdadeira efervescência, não havia de facto um romance como este, descrito por alguém que desembarcou do navio Alfredo da Silva no cais do Pidjiquiti em 19 de fevereiro de 1961. O autor assegura que esta história é muito real, é um ribatejano que se radicou na região tomarense, figura muito estimada pela sua dedicação às atividades desportivas, a um verdadeiro benevolato. Bom seria que Barroca da Cunha, que parece estar cheio de genica, entrasse na nossa tabanca grande e nos contasse tudo quanto viveu entre 1961 e 1963.

Um abraço do
Mário



Um tomarense de coração que chegou à Guiné no limiar da guerra

Mário Beja Santos

Barroca da Cunha é natural da Praia do Ribatejo mas vive há décadas em Santa Cita. Segundo o autor, o livro baseia-se em factos reais, chegou a bordo do navio Alfredo da Silva a Bissau em 19 de fevereiro de 1961, ano já de grande efervescência subversiva, o núcleo do PAIGC coordenado por Rafael Barbosa já está a recrutar muitos jovens que vão para Conacri ou já partiram para a formação revolucionária armada, nesse mesmo ano grupos de etnia Manjaca procurarão atacar a povoação de São Domingos, com pouco sucesso, e vandalizarão em Suzana e Varela, manter-se-ão ativos a aterrorizar na fronteira norte, nada tinham a ver com o PAIGC. Barroca da Cunha encontra no cais do Porto de Bissau um amigo de longa data, ele é natural da Guiné, é o grande homenageado neste livro.

Tudo começa no Colégio Nun’Álvares de Tomar, fazem amizade Simão Galhardo, alentejano do Crato, ligado a uma família de grandes proprietários, com António Jorge Barbosa Gonçalves, o Tojó, natural da Guiné. Temos aqui a narrativa de dois jovens nascidos à volta de 1940 a viver em internamento, iremos saber as razões por que a família de Simão lhe impôs tal castigo, houve para ali uma série de aventuras amorosas com a empregada Rosinda que vivia com o Joaquim Pinoia enquanto este fazia a tropa num quartel do norte, o Simão tem tal castigo que nem aos fins-de-semana pode ir a casa, ora a sua amizade com o Tojó agradou à família, este agora é visita regular ao Crato, temos a descrição dos bailes e festas como era prática do tempo, aqueles dois amigos quase inseparáveis andam sempre na folia. O pai de Tojó é um colono um tanto diferentes dos outros, trata os seus trabalhadores indígenas com muita dignidade, os outros colonos não gostam de tais liberalidades.

Estes jovens de 20 anos vão parar à Guiné, Simão não quer cunhas dos pais junto dos governantes, Tojó tem saudades dos pais e da irmã, vamos ver o seu enquadramento na vida militar de Bissau, há muito marasmo, desconhecimento da dura guerra que se avizinha, o armamento é mais do que antiquado, ambos fazem amizades, Simão vive na mesma casa com Trigo Vargas, um franzino que enjoou durante toda a viagem, dá gosto ler estes frescos de alguém que reteve conversas possíveis entre jovens, sempre prontos para o bailarico, é nisto que entram em cena dois agentes da PIDE que têm como missão aperceber-se se junto daquela tropa branca há comunistas a trabalhar junto do descontentamento ou a aliciar outros jovens. Aparece também uma médica de família goesa, a delegada de saúde, uma trintona amadurecida, que se atira a Simão Galhardo, a relação não faiscou. A trama do romance traz para o tempo presente gente do passado, Rosinda casou com um dos PIDES, o agente Saraiva, Rosinda tenta reatar a relação com Simão, este nega-se a infidelidades, Rosinda promete vingança, Joaquim Pinoia tem o seu negócio, sente-se feliz com a mulher e filhos. O chefe dos PIDES alerta os seus agentes para a importância dos cabo-verdianos, é gente com maiores conhecimentos académicos, estão nos lugares do topo, cuidado com eles, é preciso muita vigilância.

Simão dá-se bem com o major Frutuoso, o seu chefe, natural de Alpalhão, é o seu ajudante, têm que preparar informações sobre o que se está a passar na Guiné. Os amigos encontram-se com muita regularidade, há inclusivamente um comissário daquele navio que trouxe Simão que quando vem até Bissau é uma gostosa companhia, as reuniões entre PIDES prosseguem, há festas para aqui e para ali, os agentes confessam ao chefe local da polícia política que aqueles militares é tudo gente inocente, falam unicamente de garotas, bailes e de fugazes encontros, o chefe exige persistência, há perigos que se avizinham. E abruptamente tudo se altera, lá no grupo há quem fale que houve baladas, está presente um agente da PIDE, Trigo Vargas será detido e bem maltratado, surpreendentemente irá fugir para o Senegal e acompanhado. No norte da Província alguém foi degolado, há deserções, desapareceram armas. Simão veio de férias, o seu amigo Tojó informa-o do que se está a passar com Trigo Vargas, Simão será interrogado pela PIDE, é uma dimensão interessantíssima deste livro os interrogatórios a que ele vai ser sujeito, fala-se em livros e revistas proibidos, música do Zeca Afonso, Simão completamente siderado com os aspetos disparatados das perguntas, iremos a saber que Rosinda também mete o seu veneno e iremos ser surpreendidos quando aparecer o nome do chefe.

A agitação no Norte, aquelas deserções e o cabo degolado levam a que se mande um pelotão para a fronteira com o Senegal, o major, Simão e Tojó viajam para ter conhecimento do que ali se passa, vão no jipe, haverá para ali uma perseguição, um militar impreparado pega numa pistola-metralhadora FBP e acidentalmente atinge Tojó, Simão esforça-se por o manter vivo e vêm à procura de ajuda no hospital de Bissau, nesse tempo o hospital militar ainda está em construção. Se a viagem para cima não fora fácil, o regresso foi pior, só havia alcatroado até Mansoa, a picada sofria as consequências da época das chuvas, foi o cabo dos trabalhos, Tojó morrerá no hospital, Simão revela-se inconsolável.

Caminhamos para o termo do romance, temos as exéquias de Tojó na Sé Catedral, um mar de gente acompanha-o até ao cemitério, negros simples prestam-lhe a sua homenagem, nas melhores vestimentas de cores aguerridas, compareceu o Governador, o Chefe de Estado-Maior, o Presidente da Câmara de Bissau, o Gerente do BNU. No regresso o major Frutuoso conversa com Simão: “De uma vez por todas, é necessário que se alerte de forma firme quem toma decisões. O aviso está feito, já houve mortes, os indicadores de todas as guerras. Esta última ainda não se apresentou muito a sério, mas não tarda a guerra, ela chegará. É preciso organização, preparação. Que todos se consensualizem que é preciso ação, é preciso atuar.” E deixa no ar que a única maneira de honrar Tojó seria a de evitar que muitas mais se deem. Que a morte do Tojó não tenha sido em vão. É este o surpreendente teor do romance de Barroca da Cunha, um tomarense de coração que assistiu ao limiar da guerra da Guiné.
Barroca da Cunha a assinar o seu livro No Limiar da Guerra, em 31 de março passado, na Secção Regional de Tomar do Sindicato dos Bancários
A Associação Cultural e Recreativa de Santa Cita atribuiu o nome de Barroca da Cunha ao Pavilhão Polivalente
Lançamento do livro No Limiar da Guerra, na Informação da Associação dos Pupilos do Exército
O arquiteto Schiappa Campos a mostrar a Felupes o catálogo de fotografias A Família do Homem. O registo data do seu trabalho na Guiné entre 1956 e 1960. Imagem doada pelo autor ao Instituto de Investigação Científica Tropical em 2014 e apresentada na exposição “Moranças - habitações tradicionais da Guiné Bissau”, que decorreu no Museu Nacional de História Natural e da Ciência
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Nota do editor

Último poste da série de 6 DE NOVEMBRO DE 2023 > Guiné 61/74 - P24826: Notas de leitura (1631): Uma nova leitura da incontornável entrevista de Carlos de Matos Gomes sobre a descolonização da Guiné (2) (Mário Beja Santos)

domingo, 19 de fevereiro de 2023

Guiné 61/74 - P24078: O que é feito de ti, camarada ? (17): Hugo Guerra, ex-alf mil, Pel Caç Nat 55 e 60 (Gandembel, Ponte Balana, Chamarra e S. Domingos, 1968/70), hoje cor inf ref, DFA

VII Encontro Nacional da Tabanca Grande > Monte Real > Palace Hotel > 21 de Abril de 2012> Lendo (e comentando para mim, LG) o livro do Idálio Reis.. O Hugo Guerra é  um dos bravos de Gandambel / Ponte Balana (esteve lá de agosto de 1968 até ao fim, janeiro de 1969)... Veio acompanhado da sua esposa, Ema Guerra, que tinha acabado de  concluir,  com sucesso, a sua licenciatura em serviço social. É uma mulher de armas!... Do Porto...

VII Encontro Nacional da Tabanca Grande > Monte Real > Palace Hotel > 21 de Abril de 2012> Sessão de lançamento do livro do Idálio Reis,  "A CCAÇ 2317 na Guerra da Guiné - Gandembel / Ponte Balana" > Duas  ex-enfermeiras parquedistas Natércia Neves (à direita) e Giselda Pessoa (à esquerda), ambas do mesmo curso. Nenhuma delas conheceu a Gandembel/Ponte Balana do tempo da CCAÇ 2317... (Em São Domingos, o Hugo Guerra e o Manuel Seleiro foram assistidos pela Ivone Reis, 1929-2022.)

Fotos (e legendas): © Luís Graça (2012)  Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné].

Guiné > Região de Tombali > Ponte Balana > Dezembro de 1968 > Da esquerda para a direita, os alf mil Hugo Guerra e João Barge (1945-2010), com os respetivos "lavadeiros (graduados em alferes)"...

Foto e legenda): © Hugo Guerra (2007).  Todos os direitos reservados.
 [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné].


1. Há muito, desde 2013, que não temos notícias (*) do Hugo Guerra, que comandou o Pel Caç Nat 55 (Gandembel e Balana) e depois o Pel Caç Nat 60 (São Domingos), entre 1968 e 1970. Temos-lhe dado os parabéns pelo seu aniversário a 27 de abril (nasceu em 1945) e pouco mais.

Em 21 de abril de 2012, participou no VII Encontro Nacional da Tabanca Grande em Monte Real, acompanhado da sua esposa Ema Guerra. (**)

O último poste da sua autoria, aqui publicado, remonta a 2013 (***). Entrou para a Tabanca Grande em 2008 (****). Tem cerca de 4 dezenas de referências no blogue. Tem página no Facebook mas é pouco ativo.

2. Quando se apresentou à Tabanca Grande em 2007, escreveu sobre ele o seguinte:

(...) Chamo-me Hugo Guerra, nasci em Estremoz em abril de 1945 e estudei na Escola de Regentes Agrícolas de Évora onde acabei o meu curso em 1964. 

Em agosto de 1968, sem perceber bem como (depois hei-de contar), estava no Ana Mafalda a caminho da Guiné em rendição individual e, como a sorte nunca me bafejou, quando desembarquei já tinha guia de marcha para Gandembel onde fui comandar o Pel Caç Nat 55 que estava adstrito à CCaç 2317 [Gandembel/Balana, 1968/69].

Passei por Aldeia Formosa, num heli, e aterrei, ainda em agosto, em Gandembel. Passei a maior parte do tempo em Ponte Balana e estava lá quando fechámos a porta em Janeiro de 1969 (...).

 [ Foto à esquerda, com uma granada ao cinto e toalha ao ombro e sabonete na mão, ia tomar banho num regato perto de Gandembel; e à direita, em Balana, 1968].

Nessa altura, e porque a sorte continuava alheia à  odisseia, fiquei num destacamento logo a seguir, de nome Chamarra. A CCAÇ 2317 foi para Buba e mais tarde foram acabar a sua martirizada comissão em território menos hostil.

Eu tive, mais tarde, uma passagem rápida por S. Domingos no comando do Pel Caç Nat 60 mas o suficiente para ficar ferido com o rebentamento duma mina anti-pessoal, salvo erro a 13 de março de 1970.

Sou hoje DFA e Coronel. (...)

Moro em Lisboa e o meu contacto de (...) telemóvel: 960 085 289. /...)

[ Foto à direita em São Domingos, com o 1º Cabo Manuel Seleiro, que ficou gravemente ferido no mesmo rebentamento que o Hugo Guerra, em 11 de março de 1970... O  Seleiro perdeu as duas vistas e ambas as mãos; o Guerra perdeu uma vista.].


3. No seu último poste,  P11142 (**), o Hugo Guerra falou-nos depois do rumo que a sua vida tomou, indo parar a Angola e, 
após o 25 de Abril e o regresso à metrópole, enveredar pela carreira militar:


(...) Depois de ser ferido em São Domingos em março de 1970 (*****), fiz-me à vida e fui trabalhar e viver para Angola em setembro desse mesmo ano.

Como era Regente Agrícola de formação, não tive qualquer dificuldade em arranjar bons empregos e por lá estive até agosto de 1974, quando optei por reingressar no Exército e vir prá Capital.

Corri Angola de Norte a Sul, exceptuando as Terras do Fim do Mundo, e depois da experiência traumatizante que foi Gandembel/Ponte Balana e São Domingos,  tive oportunidade de formar opinião comparativa entre as três colónias.

Também passei algum tempo em Moçambique. (...)


4. Sobre a sua "vivência" em Angola, deixou-nos aqui uma "saborosa" história que vale a pena relembrar (***):

- Como está, Senhor Capitão? E os senhores Alferes,  sentem-se bem? Está uma óptima tarde para o nosso chazinho, só tenho pena que não possamos ficar mais tempo aqui fora porque os mosquitos não nos largam... Vamos entrar.

Assim falava a Dona, mulher do Gerente da Fazenda Tabi,  a maior produtora de banana do Norte de Angola com o à-vontade do seu estatuto,  dirigindo-se depois ao subgerente e à mulher deste que também faziam parte deste ritual.

Com o grunhido de assentimento do marido, homem feito nas roças de cacau um São Tomé sempre de chibata na mão e acompanhado do seu fiel cão, entrámos.

Um dos criados, fardado de branco e com luvas da mesma cor, habituado a estas andanças, providenciou as bebidas para todos em copos de cristal e um dos Alferes dirigiu-se ao piano e dedilhou qualquer melodia, que já se sabia fazia os encantos da Dona.

A conversa naquele dia girou à volta do acidente que poucos dias antes tivera lugar, quando um Unimog carregado de militares havia sido alvo de uma emboscada no percurso para as salinas a poucos quilómetros da sede da Companhia, tendo os soldados sido apanhados à mão ( parece que levavam as armas debaixo dos bancos) e, não podendo resistir,  foram dizi
mados e a viatura queimada.

-  Uma desgraça… Um lamentável acidente…

- Um enorme desleixo - disse eu, ainda fresquinho de dois anos de porrada na Guiné.

- Mas eles não foram culpados -  logo se levantou a Dona.

Pois não, a culpa é da bandalheira a que se deixa chegar esta situação nas Fazendas onde os Senhores Oficiais são tratados a uísque, gin e tapas, onde os Furriéis têm um belo bar com piscina,  jogos de cartas ou de mesa e onde as patrulhas são efectuadas por civis armados.

O ambiente ficou de cortar à faca. Veio-me à cabeça que àquela hora, na Guiné estariam a começar os ataques aos desgraçados que iriam passa a noite em claro a levar e dar porrada e sem lhe passar pela cabeça que noutras paragens como aquela onde agora eu me encontrava, se jantava com todos os requintes, se bebiam os melhores vinhos de mesa com café, conhaque e charutos.

Se não estou pirado, esta cena passou-se em Outubro de 1970. (...)

5. Comentário do Zé Teixeira ao poste P24074 (*****):

(...) Tenho acompanhado com muita emoção todo este sangrento filme que envolveu o Manuel Saleiro e o Hugo Guerra que conheci na sua passagem por Mampatá. Aquele jovem alferes que foi enviado para Gandembel,  chegadinho da Metropole. Ali viveu momentos terríveis que punham aos saltos o nosso coraçaão, apesar de estarmos a mais de 10 Km, "passeou" por campos de minas que o guerrilheiro Braima Camará ia semeando, conforme me contou em 2008 no Simpósio Internacional de Guileje.  

Depois, quando Gandembel foi abandonado, foi para o Norte e caiu com a Manuel Saleiro.

Doi muito, ainda hoje, tomar conhecimento destas tristes realidades de uma guerra que não queríamos. Parece que estou a ver e a ouvir os lamentos do Hugo, quando em Mampatá se apercebeu do que o esperava.

Ao Manuel Saleiro um abraço sentido de admiração pela sua força anímica. Ao Hugo Guerra cujo Facebook está parado, mas creio que está vivo,  um abraço de solidariedade e amizade.

(***) Vd. poste de 21 de fevereiro de  2013> Guiné 63/74 - P11132: Vivências em tempo de guerra (Hugo Guerra)

(****) Vd. poste de 29 de novembro de  2007 > Guiné 63/74 - P2312: Tabanca Grande (43): Hugo Guerra, ex-Alf Mil, Pel Caç Nat 55 e 60 (Gandembel, Ponte Balana, Chamarra e S. Domingos, 1968/70)

(*****) Vd. poste de 17 de fevereiro de 2023 >  Guiné 61/74 - P24074: (De) Caras (195): Em 1975, cinco anos depois, saí do Hospital Militar Principal com as marcas da mina A/P, armadilhada, que me mudou completamente a vida: estava destroçado, cego, sem a mão direita e com dois dedos na mão esquerda (Manuel Seleiro, 1º cabo, Pel Caç Nat 60, DFA, São Domingos, Ingoré e Susana, 1968/70)

sábado, 18 de fevereiro de 2023

Guiné 61/74 - P24076: In Memoriam (469): Manuela Gonçalves (Nela) (Castelo Branco, 1946 - Caldas da Rainha, 2019), professora aposentada, cooperante, esposa do ex-alf mil, Nelson Gonçalves, cmdt Pel Caç Nat 60, 1969/70, vítima de mina A/C , em 13/11/1969, na estrada São Domingos-Susana


Guiné-Bissau > Região do Cacheu > Rio Cacheu > 1981 > A caminho de Ingoré... A Nela, turista, de perfil...Aqui com os filhos 
.


Guiné-Bissau > Bissau > 1982 >  A Nela, cooperante,  e os filhos...


Cortesia do seu blogue Viagens, Fotos e Palavras 
(https://viagensdanela.blogspot.com/)


1. Há muito que não tínhamos notícia da nossa amiga Manuela Gonçalves (Nela), que residia as Caldas da Rainha, professora do ensino secundário, esposa do infortunado alf mil Nelson Gonçalves, um dos comandantes (o segundo, por ordem cronológica) do Pel Caç Nat 60 (criado em São Domingos em 1968).

Foi a primeira, ou uma das primeiras mulheres, companheiras de camaradas nossos, a integrar a nossa Tabanca Grande. Não eram (nem são)  muitas, contam-e pelos dedos... O marido (o "maridão", como ela o chamava) foi alf mil, cmdt do Pel Caç Nat 60 (São Domingos, Ingoré e Susana, 1969/70): o Nelson Gonçalves foi vítima de uma mina anticarro, nas imediações de Nhambalá, na estrada São Domingos-Susana, em 13/11/1969, que lhe levou uma perna (*).

Infelizmente, confirmámos há dias que a nossa amiga, que estava reformada e era avó , já nos deixou, conforme página do Facebook "Em memória de Manuela Gonçalves". Confirmámos a notícia noutra fonte: segundo a AgênciaNeves - Serviços Funerários, das Caldas da Rainha, a nossa amiga Nela, de seu nome completo, Maria Manuela Fernandes Gonçalves , nasceu a 12 de dezembro de 1946, em Castelo Branco,  e morreu, nas Caldas da Rainha, em 2 de setembro de 2019. Era casada com Nelson Gonçalves, mãe de Tânia Manuela Gonçalves e do  Nelson Alexandre Gonçalves.

Daí a razão de ser deste In Memoriam (**). 

Apaixonada por viagens à volta do mundo, escrevia no blogue Viagens, Fotos e Palavras, em 26 de janeiro de 2019: 

"Faltam-me Tantos Países Para Visitar....Visitei 37 países das Nações Unidas (19.1%) num total de 193"... (Do México ao Japão, da Guiné-Bissau à Suécia, do Brasil à Índia, de Marrocos à África do Sul, de São Tomé e Príncipe a Moçambique, do Reino Unido à Itália...).   Seria já uma despedida ?... Aliás, é em meados desse ano, 2019,  que os seus blogues ficam inativos.


2. A Nela manteve ao longo do tempo da sua vida ativa (e depois na reforma) diversos blogues (nada menos que seis) e seguia muitos mais (cerca de duas dezenas e meia), incluindo o nosso, blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné e o blogue do Pel Caç Nat 60, criado pelo Manuel Seleiro.

Na altura, em 1970,  a Nela, jovem estudante universitára, a frequentar a Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa,  e então namorada do Nelson, viveu a guerra à distância, com a morte na alma (***)... 

Já casada, anos depois, desloca-se à Guiné-Bissau, com o marido e os seus dois filhos pequenos, em 1981, para exorcizar os seus fantasmas... Da paixão à cooperação foi um passo... Viveu lá, na Guiné-Bissau, em 1981/82 (***)... 

Mais tarde, no início de 2006, descobriu o nosso blogue, que passou a visitar regularmente, e mais do que isso mantinha nessa altura o seu próprio blogue: Caminhos por onde andei...(infelizmente já descontinuado, não foi sequer capturado pelo Arquivo.pt) (****).
 
No seu perfil, no Bogger, definia-se nestes termos: "Mulher, sempre pronta a fazer malas e partir... com uma máquina fotográfica, uns livrinhos e, claro, de tenis... Também gosto de dar a minha opinião... e não prescindo dos meus direitos".

Era natural de Castelo Branco. Viveu e trabalhou nas Caldas da Rainha. Um abraço na dor ao marido (e nosso camarada Nelson Gonçalves, de quem não temos nenhum contacto), filhos  e restante família.

Requiescat in Pace, Nela!


(...) Que se passava? Um aerograma de um amigo, Alferes Baptista, no Q.G. em Bissau, deu – me a notícia: uma mina tinha rebentado com o Unimog, quando ele [o NEpson Gonçalves] e o seu pelotão, o Pel Caç Nat 60,  seguiam numa patrulha. Ele estava no HMP em Bissau, em coma. Era dia 13 de Novembro de 1969, 10:30 da manhã.

Restava-me esperar que o trouxessem para Lisboa e falar diariamente com um médico, amigo de uma tia, que prestava serviço no Hospital em Bissau. E de longe fui acompanhando o seu estado! Mais tarde um lacónico aerograma dele, muito parco em palavras, cheio de silêncios, confirmava-a.

Apesar de toda a dor e angústia sentidas, uma grande alegria: ele estava vivo. Os sonhos continuavam adiados, mas não jogados fora. Uma nova etapa nas nossas vidas havia começado! (...)

26 de março de 2006 > Guiné 63/74 - P634: Uma mina na estrada de São Domingos para Susana (Manuela Gonçalves)

 (...) O flagelo das minas continua e não sei mesmo se muitas delas não serão ainda daquelas que foram colocadas na guerra colonial.  A coincidência transportou-me até  [13 de] Novembro de 69.

Foi naquela mesmo estrada - de São Domingos para Susana - numa operação de reconhecimento da via, que o Unimog em que o maridão seguia, pisou uma mina anti-carro. No Unimog, uma outra mina anti-carro, levantada cerca de 300 metros antes, era transportada atrás e, por mero acaso, não rebentou, o que teria sido catastrófico para todo o pelotão!

A mina tinha sido accionada pelo pneu do lado direito, pelo que o maridão foi atirado para fora, em estado crítico, não tendo o condutor sofrido senão pequenos ferimentos, apesar da força do embate!

Um helicópetro transportou-o para Bissau, tendo acordado uns dias mais tarde numa cama no Hospital Militar, sem uma perna e tendo por companheiro de quarto o capitão Peralta, cubano, cuja captura tão noticiada era nos media de então. (...)



Sábado, Janeiro 7, 2006

Guiné- Bissau (1)

Esta noite, ao navegar pelos blogs que visito habitualmente, fui parar , através de hiperligações de posts, ao Blogue Fora-Nada, que reúne documentos e memórias de ex-combatentes da Guiné-Bissau!

Não fui combatente na Guiné, mas esses caminhos foram percorridos por mim de modo e tempo diferentes... Tornaram-se mesmo decisivos na minha vida de jovem estudante universitária rebelde , namorada de um alferes miliciano que para ali fora enviado para a guerra , mais tarde meu companheiro de vida (já lá vão 35 anos) e de mulher e mãe, que considerou importante ir para Bissau, como cooperante!

A Guiné dos aerogramas despertara um desejo imenso de conhecer a Guiné das bolanhas, das tabancas, dos mosquitos, dos rios e pântanos e das gentes que ali viviam, dos felupes, dos mandingas, dos papéis, de Amílcar Cabral, dos guerrilheiros do PAIGC...

Nunca tinha aceite a Guerra Colonial, mas uma vez que ela tinha entrado nas nossas vidas abruptamente e deixado incapacidades físicas ao maridão, senti uma vontade imensa de viajar para aquele pequeno país e conhecê-lo bem!

Era como que uma necessidade intrínseca de compreender bem uma etapa importante da vida vivida pelo companheiro de route!

Bissau, Bafatá, Mansoa, São Domingos, Ingoré eram locais que precisávamos (re)visitar.

E fomos lá! Também os nossos filhos nos acompanharam , crianças ainda, viram e pisaram as picadas que, anos antes, o pai cruzara, sempre alerta! Agora podíamos circular livremente, apesar do mau estado das estradas, mas em paz e liberdade!

Gostei da Guiné-Bissau! Voltar lá foi um modo de "exorcizar" fantasmas de guerra que habitavam a nossa casa! (...)

quinta-feira, 16 de fevereiro de 2023

Guiné 61/74 - P24072: Tabanca Grande (543): Manuel Seleiro, ex-1º cabo, Pel Caç Nat 60 (São Domingos, Ingoré e Susana, 1968/70), natural de Serpa, DFA, sofreu cegueira total e amputação das mãos, ao levantar e desativar um engenho explosivo, durante uma operação, em 13/3/1970... Senta-se à sombra do nosso poilão, sob o nº 870.


Foto nº 1 > Guiné > Região do Cacheu >  São Domingos > Pel Çaç Nat 60 > 1968/70 > O Manuel Seleiro, a sintonizar o rádio e a ouvir música.


Foto nº 2 > Guiné > Região do Cacheu > São Domingos > Pel Çaç Nat 60 > 1968/70 > O Seleiro (à esquerda), no café do Leal


Foto nº 3 > Guiné > Região do Cacheu > São Domingos > Pel Çaç Nat 60 > Estrada  São Domingos - Susana - Varela > Proximidades de Nhambalã > 13 de novembro de 1969 > O 1º cabo caçador Manuel Saleiro, que era o "sapador" do pelotão, aqui levantando uma mina anticarro... Foi desativada sem problemas... O problema é que mais à frente havia outra não detetada pelos picadores (*)...


Foto nº 4 > Guiné > Região do Cacheu > São Domingos > Pel Çaç Nat 60 > Três minas A/P


Foto nº 5 > Guiné > Região do Cacheu > São Domingos > Pel Çaç Nat 60 > Estrada 
 São Domingos - Susana - Varela > Proximidades de Nhambalã > 13 de novembro de 1969 >  O Seleiro, feliz, por ter feito, com sucesso, o seu trabalho...

Fotos (e legendas): © Manuel Seleiro (2009). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné. Os créditos fotográficos das fotos de nºs 3 e 5 devem ser atribuídos ao fur mil Moreira, que vive hoje em Riba D' Ave: ele foi o fotógrafo que estava lá, nesse dia fatídico de 13/11/1969, nas proximidades de Nhambalã, no blogue do Pel Caç Nat 60  estão em formato reduzido, sem edição]. 

1. Manuel Seleiro, de seu nome completo, Manuel Francisco Cataluna Graça Seleiro, natural de Serpa, 76 anos (nasceu a 29/7/1946), Cataluna da mãe, Seleiro do pai. Famílas bem conhecdias da terra, que ele já não visita  desde 2014.  João Cataluna, do grupo musical de Serpa, "Os Alentejanos", é seu primo do lado materno.

Fiquei chocado, ontem à tarde, ao falar ao telemóvel com o Manuel Seleiro , e só então saber que ele era invisual total, tinha perdido as duas vistas e as duas mãos (!) ao levantar e desactivar uma mina (creio que A/P), na  mesma ocasião  em que foi ferido o Hugo Guerra, em 13/10/1970 (*)

O José Arruda (1949-2019), o  José Eduardo Gaspar Arruda,o líder histórico da ADFA - Associação dos Deficientes das Forças Armadas), era uma figura pública, fui ao seu funeral: sofreu cegueira total e amputação (do membro superior esquerdo), um acidente com mina em Moçambique. Como também são figuras conhecidas de muitos de nós  o Cândido Patuleia Mendes (natural do Bombarral, meu vizinho,  com amigos na Lourinhã, ferido em Angola) e o Manuel Lopes Dias (não sei onde foí ferido)  (estes dois útimos membros da atual direção da ADFA, eleitos para o triénio de 2022/24, o prmeiro como tesoureiro e o segundo como secretário: mas já foram ambos presidentes da direção).

Da condição do Manuel Seleiro eu, confesso, que não sabia. Aliás, nunca nos encontrámos. Só sabia que era DFA.  Mas falou-me com uma aparente naturalidade e tranquilidade, fazendo-se valer da sua prodigiosa memória e grande coragem. Imagino o que tenha sido o seu calvário, no processo de tratamento, convalescência, reabilitação e integração ao longo de anos... Deu-me algumas detalhes... Mas eu não quis obrigá-lo a reviver o seu doloroso passado, para mais numa conversa telefónica... Disse-me que tem, não uma prótese, mas "dois dedos enxertados" numa das mãos (
a esquerda), que lhe permitem realizar algumas tarefas do dia-a-dia, incuindo comer ou  escrever no computador: recebe e responde a emails, tem dois blogues...  

Com essa mão de dois dedos edita o seu blogue (Pel Caç Nat 60) e a sua página de divulgação do Cante Alentejano (Luar da Meia Noite), que é também a sua página pessoal na Web... É "leitor" regular (!) do nosso blogue, ou melhor, acompanha o nosso blogue por voz...

Está registado no Blogger desde novembro de 2008. No seu perfil diz que a sua ocupação é a "informática". Presumimos que tenha feito formação nesta área, o que permite por exemplo acompanhar regulamente o nosso blogue (e outros) em modo áudio (há programas que leem o ecrã para os invisuais... Também foi rádio-amador. Foi fotógrafo na Guiné, mas hoje só  reconhece as fotos que tirou e que o filho digitalizou, através das legendas...

Sobre os seus passatempos, diz:

"Gosto do Mar, e do campo, a leitura, e a informática, Desporto favorito: Natação, Não gosto de animais: Adoro as aves, em particular os melros, pela sua beleza, de cantar, gosto de acordar com as suas melodias... Gostava da eletrónica. A minha cor preferida, o Azul. O pior da minha vida, foi ter que fazer a guerra. Mais vale um pássaro num ramo Que numa gaiola dourada."

Aceitou de bom grado integrar a nossa Tabanca Grande!... Passa ser o nosso grã-tabanqueiro nº 870, o lugar que lhe reservamos sob o nosso fraterno e mágico poilão, à sombra do qual se untam os amigos e camaradas da Guiné.

Sobre o seu passado militar, já sabemos que  foi 1º cabo, de rendição individual, no Pel Caç Nat 60 (São Domingos, Ingoré e Susana, 1968/70). Ficou no ativo como cabo. É DFA - Deficiente das Forças Armadas. Cegueira total, e amputação das duas mãos, na sequência da explosão de um engenho explosivo. 

Sobre o Hugo Guerra (**),  diz-me que não tem notícias dele há anos. Ao que parece, estará doente e acamado. Tal como não tem notícias da Manuela Gonçalves (a Nela), das Caldas da Raiha, professora reformada, esposa do infortunado alf mil Nelson Gonçalves, um dos comandantes do Pel Caç Nat 60, vítima de mina A/C, em 13/11/1969, que lhe levou uma perna (***), e foi a primeira mulher a integrar a Tabanca Grande... (Infelizmente, confirmámos hoje esta nossa amiga já nos deixou, conforme página do Facebook "Em memória de Manuela Gonçalves";   vamos fazer-lhe oportunamente um In Memoriam, no nosso blogue).


2. O Manuel Seleiro vive na Parede, Cascais, vamos convidá-lo para um dia destes aparecer na Magnífica Tabanca da Linha e arranjar-lhe uma boleia.

Contactos (que ele disponibiliza na sua página na Web):
Telem:  930 672 960
Email: manuelseleiro@gmail.com

Telefonem-lhe que ele gosta. Ajuda a suportar a sua solidão.  A esposa também tem problemas de visão  (lateral).

Mas, como o Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande (!), viemos também a saber que: 

(i) ele sabia que eu era natural da Lourinhã; 

(ii) disse-me que era casado com uma senhora do Sobral, Lourinhã; 

e (iii) tem um filho, Emanuel Seleiro, de uma primera relação: andou nos pupilos
do Exercito, está a trabalhar na Associação dos Bombeiros Voluntários da Lourinhã (BVL), de que foi presidente da direção, até maio de 2022, o meu amigo, vizinho e colega de escola Carlos Horta...

Para acabar esta apresentação do Manuel Seleiro aos membros da Tabanca Grande (****) foi-lhe fazer, talvez, uma surpresa (ele deve conhecer esta moda, mesmo que a não tenha listado na sua página pessoal, Luar da Meia Noite):



Vídeo (2' 12'') > Alojado em Luís Graça > Nhabijoes (2020). 

Lisboa > Casa do Alentejo > 8 de fevereiro de 2020 > Sessão de lançamento do livro do serpense José Saúde,  "Um ranger na guerra colonial: Guiné-Bissau, 1973-1974: memórias de Gabu" (Lisboa, Edições Colibri, 2019, 220 pp.)

Momento cultural: atuação do grupo musical "Os Alentejanos", de Serpa, com o João Cataluna ao centro (voz e acordeão). Moda alusiva ao embarque de tropas para a guerra colonial, "Lá vai uma embarcação / Por esses mares fora, / Por aqueles que lá vão / Há muita gente que chora"... (Reproduz-se a letra mais abaixo.)

Trata-se de uma homenagem sentida a um combatente da terra, o José Saúde, nascido em Aldeia Nova de São Bento, hoje vila, concelho de Serpa (em 23/11/1950), mas que foi cedo para Beja, a sua segunda terra, onde ainda hoje vive e onde nasceram as suas duas filhas, Marta e Rita.

Os dois concelhos viram sacrificados, no "altar da Pátria", 69 dos seus filhos, durante a guerra do ultramar/guerra colonial: 35, de Beja; 34, de Serpa... Só a freguesia de Aldeia Nova de São Bento teve 10 mortos, uma terra que viu decrescer a sua população para menos de metade em pouco de meio século: 8.842 habitantes em 1950, 3.073 em 2011.

Há uma versão original desta moda, de 1973, gravada pelo Trio Guadiana e o Quim Barreiros (como acordeonista). Segundo Miguel Catarino, "esta gravação data de 1973 e pertence à Banda 1 da Face A do disco EP de 45 R.P.M. editado pela 'Orfeu, etiqueta da 'Arnaldo Trindade e Companhia, Lda.', matriz 'ATEP 6514', em que o Trio Guadiana, acompanhado pelo acordeão de Quim Barreiros, interpreta quatro modas regionais alentejanas populares, com arranjos musicais do acordeonista. Esta moda é uma das mais pungentes que existe no Cante Alentejano, de seu nome 'Tão Triste Ver Partir', conhecida também como 'Lá Vai Uma Embarcação' ".

Convirá acrescentar que isto não é "cante", mas tem as suas raízes na música tradicional alentejana. No cante, não se usam, em regra, instrumentos musicais. Abrem-se exceções para a viola campaniça... A voz é o único (e grande) instrumento do cante, música do trabalho, do lazer e do protesto, cantada nos campos, na rua e na taberna... Em grupo, sempre em grupo. Homens e mulheres, se bem que os grupos corais femininos só tenham começado a aparecer há 3 décadas, por razões socioculturais... Mas as mulheres sempre cantaram, em grupo, com os homens no duro trabalho agrícola... Em grupo, num coro polifónico, "à capela" que não deixa ninguém indiferente: ou se ama ou se odeia... Um alentejano (do Baixo Alentejo) nunca conta(va) sozinho. No campo, trabalhava-se em "rancho", e cantava-se em "rancho"...O "cante" amenizava a dureza do trabalho e da vida no Alentejo dos latifúndios...

Lá vai uma embarcação (**)

É tão triste ver partir
Um barco do Continente,
Para Angola ou Moçambique
Lá lai outro contingente.

Tanta lágrima perdida,
Quando o barco larga o cais,
Adeus, minha mãe querida,
Não sei se voltarei mais.

Lá vai uma embarcação
Por esses mares afora,
Por aqueles que lá vão,
Há muita gente que chora.

Há muita gente que chora,
Com mágoas no coração,
Por esse mares afora,
Lá vai uma embarcação.

É tão triste ver partir
Um barco do Continente,
Para Angola ou Moçambique
Lá lai outro contingente.

Tanta lágrima perdida,
Quando o barco larga o cais,
Adeus, minha mãe querida,
Não sei se voltarei mais.

Lá vai uma embarcação
Por esses mares afora,
Por aqueles que lá vão,
Há muita gente que chora.

Há muita gente que chora,
Com mágoas no coração,
Por esse mares afora,
Lá vai uma embarcação.

[Revisão, fixação de texto: LG]


Contacto de "Os Alentejanos",
música tradicional Alentejana, Serpa

Telem: 962 766 339 / 938 527 595
Email: joaocataluna@gmail.com
___________

Notas do editor:

(*) Vd. poste de 15 de fevereiro de 2023 > Guiné 61/74 - P24067: Blogues da nossa blogosfera (177): Pel Caç Nat 60 (São Domingos, Ingoré e Susana, 1968/74), blogue criado por Manuel Seleiro, 1º cabo caçador, DFA, natural de Serpa - Parte I: Histórias de minas que marcaram corpos e almas...

(**) Vd. poste de 25 de novembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3518: História de vida (18): Evacuado duas vezes e meia...(Hugo Guerra, ex-alf mil, cmdt Pel Caç Nat 50, 55 e 60 (Gandembel, Ponte Balana, Chamarra e S. Domingos, 1968/70); hoje cor ref, DFA

(...) Fiquei a comandar o Pel Caç Nat 60 e ainda tenho algumas lembranças de coisas que por lá aconteceram. Adiante.

No dia 13 de Março de 1970, ia comandar um patrulhamento até à fronteira e eis senão quando detectámos uma primeira mina reforçada, mas em tal estado de conservação que não houve qualquer problema para a levantar.

Tinha no Pelotão um Primeiro Cabo, de nome Seleiro, já com um longo historial de levantar minas e, depois de a vermos, concordei que ele a levantasse, o que foi feito sem qualquer problema. Passámos o detonador para a bolsa do enfermeiro e continuámos a progressão.

Como eu era sempre o terceiro ou quarto homem depois das picas, vi perfeitamente que os picadores tinham localizado qualquer coisa. Montada a segurança,  lá chamei de novo o Seleiro para conferenciarmos sobre aquela.

Depois de nos certificarmos que estava isolada, tinha que decidir se abortava a operação, rebentando a mesma e regressando a São Domingos, expostos a alguma emboscada do IN. Se fosse entendido desactivar a mesma, poderíamos ir ao objectivo e no regresso levantá-la sem qualquer perigo.

Um e outro rastejámos até à mina que parecia nova e eu comecei a dizer ao Seleiro que a queria levantar. Ele acabaria a sua comissão dois meses mais tarde.

Comecei a suar por todos os poros e depois de olhar bem aquela malvada, disse ao Seleiro que não era capaz. Ele disse-me que não havia crise e tomou o meu lugar.

Deitado no chão a cerca de 5 metros, acompanhei todos os seus movimentos com angústia e só relaxei um pouco quando ele, de joelhos e com a mina na mão, prestes a desarmadilhá-la me chamou:

- Meu Alferes, olhe aqui.

Comecei a levantar-me e senti o estrondo infernal, o sopro que me projectou de costas, o sangue quente a escorrer na cara e os gritos dele a dizer que estava morto…

Mas não estava. Os nossos homens trataram-nos o melhor possível, pediram as evacuações e fizeram uma macas com bambus e camisas. Tinha medo de perder a consciência e passar para o outro lado.

Aguentei, em choque, até chegarmos ao HM 241 em Bissau e o que mais me agradava naquele desespero todo era continuar a ouvir o Seleiro a dizer que estava morto. Se ele se calasse, sabia que podia ter perdido um amigo.

Quarenta e oito horas depois chegámos ao aeroporto de Figo Maduro e, como já foi dito por um camarada nosso, fomos colocados dentro de ambulâncias militares e sem qualquer barulho para não acordar a cidade, levaram-me a mim para o HMP na Infante Santo e o Seleiro foi levado para o Anexo, em Campolide.(...)


(***) Vd. poste de 26 de março de 2006 > Guiné 63/74 - P634: Uma mina na estrada de São Domingos para Susana (Manuela Gonçalves)

(****) Último poste da série > 28 de janeiro de 2023 > Guiné 61/74 - P24019: Tabanca Grande (542): Eduardo Jacinto Estevens, ex-1.º Cabo Radiomontador da CCS/BCAV 3854 (Nova Lamego, 1971/73), que se senta no lugar n.º 869 da nossa Terúlia