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domingo, 18 de setembro de 2016

Guiné 63/74 - P16499: Memória dos lugares (347): Samba Juli, Sansancuta e Demba Tacobá, tabancas fulas em autodefesa, a sudeste de Bambadinca, para as quais foi destacado por mês e meio, em 20/7/1969, o 3º pelotão da CPM [, Companhia de Polícia Militar,] 2537 (Bissau, 1969/71), a que pertencia o sold cond auto Jerónimo de Sousa, hoje secretário geral do PCP


Foto nº 1 > Samba Juli


Foto nº 2 > Samba Juli


Foto nº 2 A  Samba Juli > Canto superior esquerdo


Foto nº 2 B > Samba Juli > Canto superior direito


Foto nº 2 C  > Samba Juli > Canto inferior esquerdo


Foto nº 2 D > Samba Juli > Canto inferior direito


Guiné > Zona leste > Setor L1 (Bambadinca) > c. 1969/70 > Samba Juli, tabanca fula em autodefesa, do regulado de Badora... A tabanca era já guarnecida por valas, em todo o seu perímetro (linha a verde), e por duas fiadas de arame farpado (linhas a amarelo)... Havia ainda abrigos, construídos ou em construção, em cada em dos cantos do perímetro e eventualmente no eixo central (retângulo a vermelho). A tabanca de Demba Tacobá não deveria ser muito diferente.

Sabemos que em fevereiro de 1969, aquando o desastre do Cheche, a CCAÇ 2405 estava sediada em Galomaro, com um pelotão em Samba Juli, outro em Dulombi e um terceiro em Samba Cumbera. Samba Juli fazia parte de um conjunto de tabancas fulas, em autodefesa no regulado do Corubal, ao longo da estrada Bambadinca-Xitole, onde se incluía Dembataco e Moricanhe (a oeste da estrada), Samba Culi, Sinchã Mamajã, Sare Adé, Afiá, Candamã, entre outras (a leste)...

Tudo nomes que ainda ressoam estranhamente nas nossas cabeças: em muitas delas contávamos as estrelas à noite e esperávamos o alvorecer,  não sem alguma ansiedade... Nós e os nossos nharros da CCAÇ 12... Em dezembro de 1969, Beja Santos também veio, e Bambadinca, a Samba Juli, fazer um transporte de doentes, com o seu Pel Caç Nat 52, quando já tinha deixado Missirá e foi para a sede do BCAÇ 2852... A lealdade dos fulas (ou a sua aliança política com os tugas contra o PAIGC) era paga com estes e outros serviços: transporte de doentes, transporte da mancarra, reforço da autodefesa... Eles confiavam em nós, nós confiávamos deles.. Foi por isso que não os deixámos à mercê do terrível Mamadu Indjai...

Foto do álbum do Humberto Reis, ex-fur mil inf op esp, CCAÇ 12 (Contuboel e Bambadinca, 1969/71)


Foto: © Humberto Reis (2006). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem: Blogue Luís & Camaradas da Guiné]



1. Em 10 de julho de 1969, a CPM; [, Companhia de Polícia Militar,] 2537, a que pertencia o sold cond auto Jerónimo de Sousa (hoje secretário-geral do Partido Comunista Português), tendo chegado ao CTIG em finais de maio de 1969, "cedeu um pelotão para reforço do BCaç 2856, que se instalou em Bafatá", sede do Comando de Agrupamento 2957, comandado pelo cor inf Hélio Felgas...

O pelotão terá ido de Dakota de Bissau para Bafatá.  Dez dias depois, em  20 de julho de 1969, este pelotão, comandado por um alferes, "seguiu para o setor do BCaç 2852 [, Bambadinca, Setor L1], para organizar a autodefesa de Samba Juli, Sansacuta e Demba Tacobá"...  

Segundo entrevista dada por Jerónimo de Sousa à revista "Visão" (edição nº, 1216, de 22/6/2016), esta missão ter-se -á prolongado por 47 dias,  "após o que recolheu para Bissau" [, portanto, em princípios de setembro de 1969].

Não era "normal" uma companhia de polícia militar (CPM) "alinhar no mato",  e para mais logo no início da comissão...  Já em 7 de julho de 1969,   esta CPM 2537 (Bissau, junho de 1969 / fevereiro de 1971; comandante: cap cav Hernâni Anjos Moás, hoje cor cav ref) tinha destacado  efetivos para reforço temporário (mês e meio) dos destacamentos de Rossum, Uaque, Jugudul e Infandre, no setor do BCaç 2885 (Mansoa, 1969/71).

Em ambos os casos eram missões para as quais as CPM  não se encontravam preparadas nem dispunham do material necessário: CPM 2537, mais concretamentem, foram confiadas "missões  de reforço às tropas de quadrícula e montagem da autodefesa de algumas tabancas" (nas região do Oio e de Bafatá).

No início da estação das chuvas do ano de 1969, as tabancas dos regulados de Padada (como Madina Xaquili), Corubal (Afiá, Candamã), Cossé e Badora, ficaram seriamente ameaçadas pela   ofensiva do IN, e nomeadamente pelo  bigrupo comandado por Mamadu Indjai, um grande chefe de guerrilha (que comandava o setor do Xime/Xitole). Spínola cometera um grave erro ao desguarnecer, com a retirada de Beli, Madina do Boé e Cheche, a defesa da margem direita do Rio Corubal... tornando mais vulneráveis os regulados de Padada, Cossé, Corubal e Badora...

No mês de Julho de 1969, a actividade do IN no Sector L1 (Bambadinca) foi intensíssima com ataques ou flagelações a diversas subunidades e tabancas, ou emboscadas nas imediações (indicam-se a seguir as localidades e entre parênteses o dia)... Grande parte destas ações têm a assinatura do comandante do PAIGC, na região, o temível Mamadu Indjai. Aqui vai uma listagem das ações do IN, no setor L1 (dia do mês de julho entre parênteses):

Dulombi (1),
Paia Numba (10),
Padada 2E4 (14),
Missirá (15),
Cansamba (15),
Madina Alage (15),
Cansamba (20),
Dulombi (24),
Mansambbo (24),
Xime (24),
Madina Xaquili (24),
Quirafo (25),
Xime (26),
Mansambo (27),
Madina Xaquili (28),
Dulombi (29),
Mansambo (30)
e Candamã (30)...

Demba Taco, Samba Juli e Sansancuta foram as 3 tabancas por onde o 3º pelotão da CPM 2537, o do Jerónimo de Sousa,  foi dividido. O pelotão era comandado por um alferes que acabou de ser evacuado, de Bambadinca para o HM 241 e, mais tarde, para a metrópole.

Um mês antes tinha  siodo enviado à pressa o alf mil  pel rec info Fernando Gouveia para Madina Xaquili, setor de Galomaro... Era um "homem de secretaria", não era um operacional, colaborador direto do cor inf Hélio Felgas,  comandante do Cmd Agr 2957 (Bafata, 1968/70)...  É preciso perceber que, na época, Spínola mobilizou toda a malta disponível para defender o chão fula, no seu flanco sul, face à ameaça do Mamadu Indjai... 

Jerónimo de Sousa e o seu pelotão não foram, pois, vítimas de nenhuma ação disciplinar, como se poderia deduzir, erradamente, do texto da "Visão", assinado pelo jornalista Filipe Luís.

Segundo Jerónimo de Sousa, Demba Tacobá (vd. carta de Duas Fontes) (nâo confundir com  Dembataco, no subsetor do Xime)  , foi a tabanca que lhe coube em sorte... Na altura nem arame farpado tinha... Os PM tiveram de abrir valas e  viver em condições precárias nas  moranças (palhotas) que lhe foram destinadas. 


Guiné > Carta da província (1961) > Escala 1/500 mil... Posição relativa das tabancas de Samba Juli e Demba Tacobá a sudeste de Bambadinca. Sansancuta ficava entre as duas.

quinta-feira, 15 de setembro de 2016

Guiné 63/74 - P16493: (De)Caras (45): Conversa com Jerónimo de Sousa, Soldado Condutor Auto da Companhia Polícia Militar 2537 (Bissau, 1969/71) (Mário Beja Santos)


O nosso ex-camarada de armas (e hoje secretário-geral e deputado do PCP)  Jerónimo de Sousa foi capa da revista "Visão", na sua  edição nº 1216, de 22 de junho de 2016


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 15 de Abril de 2016:

Queridos amigos,
Quando li a reportagem sobre Jerónimo de Sousa e vi referência ao mato da Guiné, atirei-me à leitura. Havia para ali exageros inaceitáveis: a Bambadinca bombardeada, uma ida absolutamente incompreensível de uma seção reforçada da PM para Demba Tacobá, missão apresentada como num dos locais mais desolados da colónia, próximo da fronteira do Senegal.
Trocámos correspondência, gostei do desportivismo do secretário-geral do PCP, propôs uma conversa esclarecedora do que realmente se passara. Gostei daquela hora de convívio. Subsistem mistérios, um deles a natureza da missão, Demba Tacobá, para quem se recorda era uma tabanca em autodefesa num território em que naquele tempo ainda se circulava com absoluta segurança, sou testemunha, Jerónimo de Sousa nunca conseguiu apurar quem os atirou e porquê para castigo de abrir valas e pôr arame-farpado. Falámos da roupa aos pedaços, 47 dias com o mesmo fardamento, lembrei-lhe as micoses, as virilhas cortadas, enfim, rendi-me à versão que me deu.
Foi uma despedida cordial, por alguma razão somos camaradas da Guiné, e para sempre.

Um abraço do
Mário


Jerónimo de Sousa, Companhia da Polícia Militar 2537, 3.º Pelotão, Guiné

Beja Santos

A revista Visão, na sua última edição de Julho de 2016, publicou uma reportagem sobre o secretário-geral do PCP, referindo tratar-se de uma viagem, entre outras paragens, aos esteiros do Tejo, ao mato da Guiné, à infância em Pirescoxe e às primeiras gloriosas reuniões que os históricos do PCP. Interessou-me logo esta relação entre os matos da Guiné e o líder comunista. Li, e fiquei bem perplexo. O Soldado Condutor da Polícia Militar, Jerónimo de Sousa, fez comissão militar na Guiné entre 1969 e 1971. Depõe na entrevista que um dia o comandante o acordou de madrugada e o mandou apresentar no aeroporto com mais elementos de uma secção reforçada, foram 47 dias para um dos locais mais desolados da colónia, próximo da fronteira do Senegal. Reza o texto:  
“Aterraram em Bambadinca, recentemente arrasada por 80 morteiradas”.

Li emudecido, Bambadinca foi flagelada em finais de Maio de 1969, praticamente sem consequências, e num outro ataque, poucos anos mais tarde, os foguetões foram todos parar ao rio Geba. Teriam feito uma viagem num Dakota e em Bambadinca mandaram-nos para uma localidade Demba Tacobá, perto de Dulombi. Foi-lhes dito:

“O PAICG apanha aqui a malta à mão. Se querem dormir, cavem abrigos montem segurança. Se querem comida, comprem na aldeia mais próxima. De vez em quando passaremos por cá. Vocês são homens fortes, são da Polícia Militar, passem bem”.

Regressaram a Bissau mês e meio depois, com a mesma roupa que tinham levado, já desfeita, e um alferes enlouquecido.

Aturdido com esta baralha informativa, escrevi ao deputado Jerónimo de Sousa, tentei aclarar que povoação era aquela próxima do Senegal e junto a Bambadinca, que arrasamento fora aquele, como sobrevivera com a mesma roupa no pelo 47 dias a fio. Trocámos correspondência, o secretário-geral do PCP revelou-se bem-humorado e pronto a cavaquear. Marcou-me entrevista para a Soeiro Gomes, e durante uma hora voltámos à Guiné.

Ainda hoje não sabe os motivos que levaram o comandante a enviá-los à pressa para Demba Tacobá. Como se falava de Demba Tacobá, procurei esclarecer se não havia confusão com Demba Taco, perto de Amedalai e de Taibatá e Moricanhe, já a apontar para o Corubal. Não, era mesma Demba Tacobá, uma localidade em que tiveram de abrir valas, viver em moranças numa localidade que nem de arame-farpado dispunha. Lembrava-se de uma criança ramelosa, não tinham levado maqueiro mas havia um saco de primeiros-socorros, lavou os olhos à criança, removeu o pus, e horas depois a criança aparecia-lhe com uns ovinhos nas mãos, era o seu agradecimento. Tratou-se de uma experiência terrível, o alferes entrou em perturbação, dava tiros a despropósito, chegava junto dos militares e rasgava-lhes as cartas de jogar, apanharam paludismo, de Bambadinca o alferes foi transferido para o HM 241 e posteriormente evacuado. Regressaram e foram levados. O mais importante foi a seguir. Estabeleceu um pacto com aqueles homens com quem viveu em Demba Tacobá, tinham aprendido as vicissitudes do viver do mato, andar a angariar alimentos para a subsistência, nem rações de combate lhes deram, compraram um panela por 500 pesos, galinha, cabrito, arroz e alguns legumes, era tudo negociado na localidade. Tinham aprendido a dureza do isolamento.

O pacto era simples: a partir daquele dia não se iria lixar nem mais um soldado. Assim foi durante semanas, o comando não gostou dos relatórios, queria resultados, detenções de gente de bota mal engraxada, barba por fazer, camisa aberta, cabeça descoberta, ou havia resultados ou voltariam a ser metidos no mato. Não desarmaram, iniciaram caça a oficiais e sargentos com tal intensidade que o comando percebeu o fundo da questão.

Jerónimo de Sousa passou a ver de maneira muito diferente a condição militar e lembrou-me uma história. Um dia, a desoras, apanharam um oficial médico totalmente embriagado. Toca de começar um auto de detenção. O tenente-médico gritava:

- “Prendam-me! Prendam-me já! Prefiro a prisão a voltar para o hospital e cortar corpos, não vos passa pela cabeça o sofrimento que vai por aquelas salas de operações e também não vos passa pela cabeça que eu tinha acabado de montar consultório, que amo a minha mulher, que tenho filhos crianças, que um dia me convocaram e para aqui me atiraram. Prendam-me! Estou saturado da minha dor e do sofrimento que tenho que viver na sala de operações”.

Havia ainda um assunto na manga, os tais 47 dias com a roupa a desfazer-se, recordei-lhe brandamente que três dias com aquele roupinha suada, empoeirada e emporcalhada dava direito a feridas e comichões, respondeu que iam conseguindo umas lavagens de tempos a tempos, fingi que acreditava piamente em tudo quanto estava a ouvir, não há corpo humano que resista a tanta falta de higiene.

Tinha-se passado uma hora de conversa, Jerónimo de Sousa avisou-me que ia partir para a Madeira daí a pouco. Perguntei-lhe se tinha fotos daquele tempo, disse que tinha para ali uma foto mal-amanhada e que me ia mandar durante a tarde, o que aconteceu. Avisei-o que a conversa havida ia para o blogue e que ele ainda está a tempo de se inscrever. Sorriu com gentileza, a Guiné fica muito longe mas foi determinante para ele passar a ver a condição humana com outros olhos.

Jerónimo de Sousa na Guiné
Foto: © Jerónimo de Sousa / Mário Beja Santos (2016). Todos os direitos reservados 
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Nota do editor

Último poste da série de 29 de agosto de 2016 > Guiné 63/74 - P16430: (De)Caras (43): Os "periquitos" da Tabanca da Linha: almoço-convívio de 21 de julho de 2016, no restaurante "Caravela de Ouro", em Algés, Oeiras (Manuel Resende)