Mostrar mensagens com a etiqueta Suiça. Mostrar todas as mensagens
Mostrar mensagens com a etiqueta Suiça. Mostrar todas as mensagens

sexta-feira, 19 de outubro de 2012

Guiné 63/74 - P10547: Blogpoesia (308): Lisboa é um cofre forte, suíço... (Luís Graça)




Lisboa, vista em perspectiva. Gravura em cobre, meados do Séc. XVI (Pormenor) (in G. Braun - Civitates Orbis Terrarum.., vol. V, 1593) (Fonte: Museu da Cidade). Em meados do Séc. XVI, a cidade de Lisboa não sofrera grandes alterações desde o reinado de D. Manuel. Destaque, ao centro, para a representação do Terreiro do Paço e, mais a norte, a Praça do Rossio, com os edifícios do Paço dos Estaus, ao fundo, e do Hospital Real de Todos os Santos, do lado direito. O hospital ocupava grande parte do que é hoje a Praça da Figueira, e pode ser considerado o primeiro hospital mundial da era da globalização, inaugurada pelos portugueses, com a descoberta do caminho marítimo para a Índia.


Lisboa é um cofre forte suíço


(poema dedicado aos meus amigos kaluandas 
Elisabete Pinto, Jorge Lima, 
Paulo e São Salgado, 
Raúl Feio e Rui Pinto, 
pela sua sabedoria, 
pela sua hospitalidade,
pelo seu exemplo de interculturalidade

... mas também a uma jovem e sofrida poetisa do Huambo,
que foi minha formanda, Yelisa Visimilo, de seu nome literário,
e que teve a gentileza de me oferecer um exemplar autografado do seu primeiro livro de poemas)

Lisboa é um cofre forte,
uma casamata,
um bunker.
É linda de morrer,
... mas à distância de um tiro de canhão,
diz Braun, em 1593.

Para quem vem do norte
negociar as especiarias da Índia,
na Rua do Bem Formoso,
Lisboa é irrisão,
é uma miragem,
é o vento Suão,
é Seca e Meca, 
é torre de Babel,
é um ponto de reunião de meridianos, 
ou um simples lugar de passagem, 
com doces enlevos e puros enganos.
 
Do Palácio dos Estaus,
onde os santos oficiantes do Santo Ofício 
se reúnem em concílio,
ao Hospital Real de Todos os Santos,
o primeiro hospital da era da globalização,
vai um tiro de mosquete,
enquanto o mouro cai do minarete
e o pobre do rei do Congo morre no exílio.
Para lá do horizonte, a liberdade,
para cá da ponte,
a saudade.

Ah!, e há a embaixada 
da Sereníssima República da Suíça, 
com as suas grades nas janelas, 
de alto a baixo. 
E a ética protestante calvinista, 
afixada à porta.
Do Brasil virão canários e araras 
que em vez de alpista 
comerão papas da Nestlé, 
enquanto partem caravelas p’ra Guiné, 
terra de azenegues e de negros.
No tempo em que ainda não havia negócios da China.
 
A Suíça é burguesa, 
trepadora,
alpinista.
É um eldorado 
onde os cãocidadãos são levados pelas trelas 
dos donos 
e não mijam no chão. 
Dizem que lá o céu não é azul, 
é forrado a ouro.

Lisboa, essa, é de cor branco, sujo,
com cadáveres de escravos 
a boiar no Tejo imundo. 
Lisboa é o poço dos mouros e dos negros. 
Lisboa é a chusma de pedintes 
às portas das igrejas barrocas. 
E dos condomínios de jardins de luxo, 
e que luxos!, ai!, 
que luxos,
com buxos, 
até ao pescoço dos ricos, 
suspensos sob um céu de chumbo.

Não sei por que é que o pobre e o rico,  
gostam, em Lisboa, 
cidade,
púdica,
do risco
da exposição pública.
E também não sei, ai!,
por que é que se nasce suíço,
num cofre forte como maternidade.

Sigo hoje no voo da TAAG Luanda-Dubai.

Angola, Ilha de Luanda, 14-18 out 2012

(com um kandandu para os amigos e camaradas da Guiné, 
se a Internet ajudar)
____________

Nota do editor:

Último poste da série > 17 de outubro de 2012 > Guiné 63/74 - P10540: Blogpoesia (307): Àguas Paradas (Juvenal Amado)