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terça-feira, 13 de dezembro de 2022

Guiné 61/74 - P23874: História de vida (50): sinto-me muito realizada e feliz por ter sido uma simples enfermeira e, durante a guerra, enfermeira paraquedista (Rosa Serra) - Parte III: Relembrando o enorme prazer de saltar de paraquedas (e os meus instrutores, srgt Nogueira e cap Cordeiro)... O último salto que fiz, foi em dezembro de 1973, quatro meses antes de passar à disponibilidade


Cópia do documento atestando a atribuição do grau de Cavaleiro da Ordem de Benemerência 
à alferes enfermeira paraquedista Maria Ivone Quintino dos Reis, em 28 de fevereiro de 1962.  O original foi doado ao museu do RCP (Regimento de Caçadores Paraquedistas), em Tancos.


Foto (e legenda): © Rosa Serra (2022). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



Rosa Serra, em Ponte de Lima,
24 de agosto de 2020.
Foto: António Mário Leitão (2020)


 1. A Rosa Serra, natural de Vila Nova de Famalicão,   fez o curso de enfermagem no Porto, tendo aí conhecido a veterana Maria Ivone Reis (1929-2022), em 1967,  quando esta andava a recrutar jovens enfermeiras para a FAP (*). Fez o 45.º curso de paraquedismo, sendo "brevetada" em 13 de março 1968. Foi graduada em alferes enfermeira paraquedista.  

Conheceu os três teatros de operações da "guerra do ultramar": Guiné 1969-70, Angola 1970-71, e Moçambique 1973. Passou  à disponibilidade em 1 de março de 1974. Tem sido, juntamente ccom a Maria Arminda Santos e a Giselda Pessoa,  uma das mais mais ativas e profícuas autoras de textos sobre a história das enfermeiras paraquedistas e as suas protogonistas. 

Vive em Paço de Arcos, Oeiras. É membro da nossa Tabanca Grande desde 25/5/2010. É coordenadora literária e coautora do livro "Nós, Enfermeiras Paraquedistas", 2.ª edição, Porto, Fronteira do Caos, 2014, 439 pp. 

Está a ultimar um livro com a sua história de vida como enfermeira e enfermeira-paraquedista. Como "aperitivo", estamos a reproduzir aqui, por cortesia sua, um texto inédito seu, de 21 páginas, que nos chegou às mãos através de um amigo e camarada comum, o Jaime Silva, ex-alf mil paraquedista, BCP 21 (Angola, 1970-72) (**), membro da Tabanca do Atira-te ao Mar (... e Não Tenhas Medo), Lourinhã.



Rosa Serra, ex-alf enf paraquedista
(Guiné, 1969/79; Angola, 1970/71;
Moçambique, 1973)


História de vida (excertos): sinto-me muito realizada e feliz por ter sido uma simples enfermeira e, durante a guerra, enfermeira paraquedista (Rosa Serra)

Parte III:  Relembrando o enorme prazer de saltar de paraquedas (e os meus instrutores, srgt Nogueira e cap Cordeiro)  ... O último salto que fiz,  foi em dezembro de 1973,  quatro meses antes de passar à disponibilidade

E continuei seguindo a ordem das perguntas, agora sobre as desilusões (**) que expliquei não ser no plano pessoal, mas que foi nesta passagem pela Força Aérea, que despertei para os interesses de algumas pessoas, uma delas que serviu mal a Força Aérea, mas aproveitou-se bem dela, com incapacidades falsas, dadas por médicos sem escrúpulos, e que todos nós pagámos com os nossos impostos, para essa pessoa estar isenta de IRS com uma alta incapacidade há mais de quarenta anos.

É a única mulher “combatente” na lista dos deficientes das Forças Armadas, dos antigos combatentes da guerra do Ultramar Português. Desculpem a expressão, é uma “ovelha tresmalhada”, para nossa tristeza e desilusão, que não pode servir de exemplo para ninguém.

É triste ver uma nossa enfermeira, sempre saudável, que ignora os princípios éticos, inerentes à sua profissão, a Enfermagem.

Foi ainda como enfermeira paraquedista que despertei para muitos outros interesses que me escandalizaram:  caso dos Açores.

Sempre achei estranho situar-se na Ilha Terceira, um minúsculo hospital, rotulado como Hospital da Força Aérea, existindo apenas nessa ilha uma única Unidade Militar (BA 4) que, se algo acontecesse aos jovens militares, poderiam recorrer ao hospital civil, de Angra do Heroísmo, enquanto que no Continente existiam várias Bases Aéreas espalhadas pelo País, e sem qualquer hospital desse Ramo.

Os militares da Força Aérea só poderiam ser tratados ou socorridos no Hospital Militar da Estrela.

Nesta ilha açoriana existia um médico, salvo erro graduado em tenente coronel, que,  ao saber da existência de enfermeiras paraquedistas e sendo amigo do Diretor do Serviço de Saúde da Força Aérea em Lisboa, pediu a este se poderia enviar duas delas aos Açores, pois gostaria de as conhecer.

O Senhor Diretor assim fez, enviou duas enfermeiras que, ao chegarem lá, arregaçaram as mangas e com o seu profissionalismo, deram uma volta tal à orgânica, dos fracos serviços de enfermagem lá prestados, que o sr. Diretor gostou tanto que avançou logo com novos pedidos, ao seu amigo de Lisboa. Como os argumentos que iria usar, acreditava ele, que o Diretor de Lisboa não iria recusar.

A primeira proposta foi para que as enfermeiras paraquedistas, após o curso de paraquedismo e como forma de adaptação aos Serviços de Saúde Militar, passassem a fazer um estágio no Hospital da Terra Chã e só depois seguiriam para o Ultramar.

(Note-se: nessa altura havia uma enfermeira que quando se candidatou a paraquedista, desempenhava as suas funções no Serviço de Urgência do Hospital Central da Cidade onde trabalhava e, pasmem-se, também essa foi fazer estágio aos Açores no pequeno hospital da Ilha Terceira. Enquanto que o primeiro curso de Enfermeiras Paraquedistas, após concluído o curso de paraquedismo, foi fazer um estágio no Serviço de Urgência do Hospital de S. José. Espantados…? Eu também.)

Voltando ao nosso Diretor da Terra Chã:  pouco tempo depois, deparou-se com um obstáculo, houve anos em que nenhuma enfermeira se candidatou a Enfermeiras Paraquedista.

Esperto como era, o Senhor Diretor dos Açores apresentou nova ideia ao seu amigo de Lisboa:  

–  Senhor Diretor do Serviço de Saúde da Força Aérea Portuguesa  argumentou ele –, coitadas das nossas enfermeiras, com um trabalho tão desgastante no Ultramar, bem merecem descansar nesta pequena, pacata e linda Ilha Açoriana durante uns tempos.

E para lá foram descansar algumas. Mas,  como em tudo, há sempre alguém que não está na Força Aérea para fazer favores a este tipo de pessoas, até que chegou o dia em que o sr. Diretor de Lisboa informou essa enfermeira que teria de ir para os Açores.

Essa senhora enfermeira foi, mas apenas para arranjar argumentos suficientes para nunca mais lá pôr os pés. Passado pouco tempo da sua estadia na bela Ilha Açoriana, a mesma enfermeira foi à BA 4,  pediu uma viagem para Lisboa e apresentou-se na Direção do Serviço de Saúde da Força Aérea em Lisboa, colocando os seus motivos para não voltar aos Açores.

Perante os argumentos apresentados,  o sr. Diretor do Serviço de Saúde da Força Aérea de Lisboa ligou logo para a  ilha, informando o seu amigo e lamentando que a dita enfermeira tinha argumentos demasiado fortes para não ir para os Açores. E acrescentava que, de facto, as enfermeiras paraquedistas, não tinham sido  criadas para essas funções.

O diretor Açoriano, com a sua prepotência, barafustou até se cansar e rematou que não era a sra. enfermeira que se recusava, era ele que não a queria lá, pelo seu mau feitio.


A então ten enf pqdt Ivone Reis,
em Cacine, 12/12/1968. Nasceu
em 1929, faleceu em 2022.
Foto: António J. Pereira
da Costa
 (2013)



Como curiosidade, que eu saiba, do primeiro curso de enfermeiras paraquedistas foi esta a única enfermeira paraquedista que,  no ano seguinte após concluído o curso de enfermeiras paraquedistas, lhe foi atribuído o grau de Cavaleiro da Ordem de Benemerência,  dada pelo sr. Presidente da República Américo Tomás, visto e registado a fl. 109 L.2 Decreto de 28 de fevereiro 1962, publicado no Diário do Governo nº 73, 2ª série de 27/3/1962, Expedido pelo Chancelaria das Ordens Portuguesas aos 3 de abril, de 1962, nº 1588. Por tanto cerca 6 meses depois, do primeiro curso de Enfermeiras Paraquedistas terminar a meio de agosto de 1961.

Em cima  a foto do respetivo diploma cujo original foi oferecido para o museu do 
Regimento de Caçadores Paraquedistas (RCP), em Tancos, no dia 15 de outubro de 2022.

Entretanto o  RCP, em Tancos, que tinha uma elevada noção de guerra, sabia que os primeiros socorros em terra, mesmo antes do Helicóptero de Socorro chegar, são importantes e, como tropa organizada e inteligente que é, teria de ter sempre alguém capaz para analisar qualquer situação, como: proteção à clareira onde o Helicóptero pudesse aterrar em segurança, assim como alguém devidamente preparado, que prestasse os primeiros socorros aos seus camaradas feridos, até esta aeronave chegar e os levar para o hospital.

A Direção do Serviço de Saúde da Força Aérea apenas se preocupava com os ditos “enfermeiros” da Força Aérea, que nos Açores aprendiam a dar comprimidos, injeções e a desinfetar pequenas escoriações e com fracas noções de assepsia.

Os paraquedistas resolveram a sua questão, não deixando que a Direção de Saúde da Força Aérea de Lisboa resolvesse o seu problema. Assim, nomearam enfermeiras paraquedistas, em anos diferentes para,  no próprio Regimento,  darem um Curso Avançado de Primeiros Socorros aos seus camaradas paraquedistas, acompanhando-os no respetivo estágio feito no Hospital Militar Principal em Lisboa.  

E os socorristas Paraquedistas ficaram mais bem preparados, e de forma mais adequada e mais eficaz, para poderem cuidar dos seus camaradas quando feridos ou doentes, até o Helicóptero chegar e os levar para o hospital.

Deixaram assim os “enfermeiros” da Força Aérea, sossegados nas suas Bases Aéreas,  a fazerem precárias tarefa tal como lhes ensinaram.

Foram três enfermeiras paraquedistas que, em anos diferentes, foram nomeadas para darem formação adequada aos seus camaradas socorristas paraquedistas e os acompanharam no seu estágio no Hospital Militar da Estrela em Lisboa.

Quando chegou a minha vez, após dar à formação aos nossos socorristas paraquedistas, com respetivo acompanhamento do estágio feito no Hospital Militar da Estrela, aproveitei e formulei um pedido ao nosso comandante, sr. coronel Fausto Marques, autorização para fazer o curso de instrutores e monitores, tal como a enfermeira Manuel França o tinha feito 2 ou 3 anos antes. 

Fui autorizada e concluí-o com muito gosto. Fiz este curso apenas pelo prazer de saltar e considero ter sido mais um contributo para o meu próprio equilíbrio. Devo este prazer de saltar ao meu instrutor do curso de paraquedismo, na altura o senhor sargento pqdt Nogueira, meu querido instrutor, que me estimulou o prazer de saltar.

Sempre me disse que eu saltava muito bem da torre e por isso podia perfeitamente tirar partido desses momentos mágicos que os saltos nos proporcionam. Dizia-me ele; 

–   Primeiro logo que larga a porta,  mantem o corpo recolhido e conta 232, 233, 234, que é o tempo para a calote se soltar do arnês e abrir. Depois é necessário verificar se todos os cordões não estão enrolados, e saber de que lado vem o vento. Com os pequenos minutos que lhe restam,  aproveita para olhar mais longe, ver o horizonte, ver a terra de cima. Depois certifica-se de que lado vem o vento e,  se necessário,  fazer trações, para que este não a leve para zonas não aconselhadas, evitando assim acidente.

Sempre fiz isso, tudo como ele me ensinou. Apenas me surpreendeu o silêncio, que o “escutei“ com surpresa e foi maravilhoso. Razão por que anos mais tarde pedi ao nosso primeiro comandante Fausto Marques, para fazer o curso de instrutores e monitores só pelo prazer de saltar. Foi meu instrutor neste curso o sr. capitão pqdt João Costa Cordeiro que, quando acabei o curso me convidou para um jantar em Abrantes com ele e com a sua esposa.

Fiquei tristíssima quando,  poucos anos depois,  ele foi para a Guiné e morreu num salto de queda livre.

Fiz vários saltos, sendo o último feito na Beira,  em Moçambique. quando de passagem para Lisboa, vinda de Mueda no fim da minha comissão, aguardando no BCP 32 pelos feridos, que vinham de Lourenço Marques. 

O primeiro foi um salto automático e,  acabada de chegar a terra e logo de seguida,  vi a filha do engenheiro Jardim, a Carmo, junto a um Helicópetro da Força Aérea,  equipada para fazer um salto manual, eu que estava junto de um paraquedista perguntei-lhe se havia um paraquedas para eu fazer um salto manual. Como foi buscar de imediato um, eu informei o piloto, que estava já dentro da aeronave,  que também eu ia saltar. 

Assim foi,  entrámos as duas, e a Carmo nem “tugiu nem mugiu", simpática pensei eu, mas ignorei a presença da dita filha do engenheiro Jardim, entrámos. Ela ficou mais perto da porta quando já estávamos numa altura suficiente,  já não sei a quantos metros de altitude, ela saltou e, de seguida, saltei eu. Foram os dois últimos saltos que dei e a última comissão que fiz. Fins de dezembro de 1973.

É de notar que nunca viemos como passageiras, mesmo em fim da comissão, sempre viemos prestando cuidados e assistência aos feridos durante toda a viagem até Lisboa.

(...) 

[Seleção / Revisão e fixação de texto / Negritos / Links / Titulo e subtítulo / Parênteses retos com notas: LG]

____________

Notas do editor:

(...) Muito recentemente, ao sair do Serviço de Urgência para o internamento do Hospital de Cascais, uma enfermeira jovem fez-me as seguintes perguntas: (i) quando resolveu ser enfermeira?;  (ii) nunca se arrependeu por ter escolhido enfermagem?;  (iii) onde trabalhou? (iv) quantos anos exerceu essa profissão?;  e (v) teve alguma desilusão ou desilusões?

Após a minha narrativa dos vários locais onde exerci a minha profissão, logicamente também referi que fui enfermeira paraquedista. A jovem, de olhos abertos de espanto, informou-me:

– O meu marido é militar paraquedista.

Sorri… (...)



(...) Perguntaram-me, no Hospital de Cascais onde estive recentemente internada, onde trabalhei, e ficaram admiradas, as enfermeiras, quando desfiei os vários locais e as experiências que tive durante quarenta anos.

Há um que deixou todas ainda com mais espanto. Foi o período em que estive na Força Aérea, como enfermeira paraquedista. (...)

segunda-feira, 3 de março de 2014

Guiné 63/74 - P12789: Crónicas higiénicas (Veríssimo Ferreira) (3): Esquecer? Nunca

Anúncio do sabão Lifebuoy, 1902.. Fonte:
Wikipedia. Imagem do domínio público.


1. Em mensagem do dia 24 de Fevereiro de 2014, o nosso camarada Veríssimo Ferreira (ex-Fur Mil, CCAÇ 1422 / BCAÇ 1858, Farim, Mansabá, K3 e Bissau, 1965/67) enviou-nos a segunda Crónica Higiénica para publicação.





CRÓNICAS HIGIÉNICAS

3 - ESQUECER? NUNCA

Post 12694 do nosso Blogue

Guiné-Bissau > Região do Oio > Mansabá > Dia nº 12 da viagem > 16 de abril de 2006 > Mullher com 2 dentes de ouro...
Foto (e legenda): © Hugo Costa (2006). Todos os direitos reservados.

Pois eu estou nos 82% dos que não voltaram à nossa Guiné e dos 83 que gostariam de voltar, mas calma que ainda não é tarde.
Deve ser uma emoção das grandes reviver os locais por onde andei bem como grande será a tristeza ao lembrar-me, dos amigos que deixaram de estar comigo, assassinados que foram por terroristas bárbaros e cruéis. Terroristas bárbaros e cruéis sim, e se dúvidas houvessem, basta que leiam o que se passou naquele conselho de guerra, como lhe chamaram os facínoras que o subscreveram e que tão bem está documentado no P12704 - O massacre do chão manjaco. (Transcrição do nosso camarada Jorge Picado, que em boa hora descobriu esta preciosidade) e espreitem também o P12732.

Afinal e infelizmente estávamos certos alguns de nós, quando denunciávamos o que seriam os amílcares do PAIGC e que tão bem foram recebidos em Portugal, com casa, água e lavadeira privadas, pagas pelo Estado, ou seja por nós os que nada recebemos, nem um pouco de consideração e até combatemos pelo País. E não me venha com as tretas costumadas... que não sabiam, etc., etc.
E para aqueles que ainda acreditavam na bondade dessa gente, vejam o horror que aconteceu com os nossos camaradas apunhalados e cortados com catanas... a sangue frio ali entre o Pelundo e Jolmete, para onde foram de boa fé e desarmados.
Este triste episódio demonstra àqueles que ainda tinham dúvidas, que cobardes combatemos. Guerra será sempre guerra de matas ou morres, mas isto premeditado que foi, é mais que selvajaria e bestialidade.

Continuo é sem perceber, mas lá chegarei, do porquê de termos dado asilo a monstros destes em vez de os termos aprisionado e colocado perante a justiça. Dos presentes naquela reunião, em Conacry, pelo menos um morreu da mesma forma como aplaudiu a dos nossos.
Ao que se diz e enquanto PR, usou do mesmo banho de sangue, até com os seus correligionários

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Tavira, Quartel da Atalaia > 2014 > Edifício onde esteve instalado o CISMI, até ser desactivado em 31/12/1975 
© Luís Graça (2014)

TAVIRA tem merecido (aqui no nosso Blogue) justas e merecidas homenagens, sejam escritas ou em fotos e também alguns comentários negativos contra a preparação militar de quem por ali passou e não gostou.
Para estes últimos sempre digo e não haveria necessidade de o fazer, que tudo fazia parte dum processo para preparar homens, como atiradores de Infantaria, que vieram a ser. Sem essas duríssimas etapas, física e mental, talvez não tivéssemos aguentado aquilo por que passámos lá na nossa Guiné. E sei do que falo, pois que também ajudei a treinar quatro pelotões, um de cada vez dado que só saí da Metrópole já com 21 meses e tudo o que havia de ser feito foi-o de maneira a não prejudicar ninguém mas "explorando" os limites humanamente exigíveis para que pudessem sobreviver às duras missões que se avizinhavam.

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Lamego
Foto: Pais&Filhos, com a devida vénia

E vai daí e pois tal como a Tavira, também Mafra, Lamego e Tancos, locais onde aprendi a arte da guerra, são por mim visitados regularmente e sempre com agrado, bem como Abrantes e Tomar, onde partilhei tal aprendizagem. Ontem mesmo almocei no Ti Chico, restaurante que serve o melhor peixe fresco e mantendo-me cá por baixo neste Reino dos Algarves, ali voltarei ainda esta semana, e com a conta não me preocupo que a despesa para mim e para uma das minhas "espósias" é sempre 17 euros, quer coma também pudim flin ou mousse ainda mornos, feitos diariamente... quer beba ou não aguardente de medronho (qu'o whikey "cá tem").

E se mais não for, passarei e espreitarei pela janela do quartel, onde do outro lado dormia.
E podem crer que saio revigorado desta visita da saudade.

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P12737 sobre as opiniões de altos membros das Forças Armadas.
Aqui não percebo a dúvida existente. Todos nós acompanhámos o que foi dito após o vinte e cinco do quatro por algumas personalidades (foram meia dúzia... mas foram) que em vez de respeitarem a Instituição Militar a que pertenciam, se atropelaram com verdades inverdades, esquecendo a ética... mas procurando subir, agradando à classe política dominante.
Tenho em meu poder uma gravação duma emissão de uma TV, onde estiveram reunidos alguns da esquerda e da direita. Está presente um senhor General, que perante um vídeo da própria TV, diz às tantas, mais ou menos isto: "Este que vai falando, se fosse no meu tempo e com a voz fininha" etc etc... dando a entender que nem tropa poderia ter sido.

E eu aplaudo-o. MAS QUE HÁ POR AÍ E CADA VEZ MAIS, MUITOS DE VOZ FININHA A PRECISAR DUM ENXERTO... Há.
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Nota do editor

Último poste da série de 23 DE FEVEREIRO DE 2014 > Guiné 63/74 - P12763: Crónicas higiénicas (Veríssimo Ferreira) (2): Os ursos, lobos, raposas e até os peçonhentos

terça-feira, 28 de janeiro de 2014

Guiné 63/74 - P12649: A cidade ou vila que eu mais amei ou odiei, no meu tempo de tropa, antes de ser mobilizado para o CTIG (14): As localidades por onde passei, sofri e amei - Conclusão (Veríssimo Ferreira)

1. Em mensagem do dia 34 de Janeiro de 2014, o nosso camarada Veríssimo Ferreira (ex-Fur Mil da CCAÇ 1422 / BCAÇ 1858, Farim, Mansabá, K3, e Bissau, 1965/67) enviou-nos a segunda e última parte do seu percurso militar desde sua promoção à alta patente de 1.º Cabo Miliciano, passando pela promoção a Senhor Furriel, terminando na sua ansiada ida para a Guiné.


AS LOCALIDADES POR ONDE PASSEI... SOFRI... AMEI
(continuação*)

À Amadora cheguei... nem ao almoço tive direito e mandam-me avançar, de forma a estar e sem falta, no dia seguinte em Lamego.
Voei para Sta. Apolónia, fui para o Porto, daqui para a Régua e o certo mesmo é que às 8,30 entro no novo poiso.

Bambúrrio... dei de caras, logo à porta de armas, com um herói da minha terra, combatente já com uma comissão prestada em Angola, 2.º Sargento e monitor agora, das tropas a preparar.
Trocámos abraços, continências e amigáveis palavras, e logo ali ele próprio se disponibilizou para me ajudar no que eu precisasse.

A caserna era óptima e fiquei em lugar privilegiado de cama. Fora dos últimos a chegar e não houve hipótese de arrebanhar melhor. Havia só que subir três beliches, até chegar ao 4.º onde dormia e com uma vista fantástica para os barrotes em madeira, que até me davam para estender a roupa molhada e esta, por sua vez, passava as gélidas noites, a afagar-me a tromba, durante os raros momentos que ali estacionei, pois que os treinos eram constantes, a qualquer momento... prolongados... estafantes.

Foram tempos duros, mas uma óptima preparação para as dificuldades que vieram depois. Ficou-me gravada, a frase: "Nunca se sabe", resposta que sempre ouvíamos a qualquer pergunta que fizéssemos.
Lá de quando em quando, também nos convidavam a ir até lá abaixo à City e então era um fartote... que belas pingas... bom presunto (coisa da qual eu já ouvira falar mas não provara qu'a crise abundava com'há agora) e até as pessoas eram simpáticas prá rapaziada fardada.

No aspecto da preparação militar, gostei "manning" d'atravessar o rio dum lado pró outro, agarrado a uma corda e com os pés assentes noutra e a água lá em baixo revolta com'ó caraças fez-me perguntar a mim próprio: porqu'é que não trouxeste o calção de banho em vez da farda de trabalho?

Lamego
Foto: Pais&Filhos, com a devida vénia

Tancos, desejava-me ardentemente e as Minas e Armadilhas que as amasse... e a Barquinha ali tão perto e com tão boa comida e melhor buída...
Recordo com alguma emoção convenhamos, aquele dia em que cá em baixo, junto ao Castelo de Almourol, me pediram atenciosamente para experimentar um pedaço de massa explosiva, a que chamavam farinheira. Colocada que foi, debaixo dum pedregulho de todo o tamanho, a que juntei depois um detonador, mais um cabo eléctrico com 50 metros que trouxe até cá ao alto e liguei a uma caixinha com alavanca que pressionei.
O estardalhaço do rebentamento foi impressionante, levantei a cabeçorra e é nessa altura que vejo no ar aquele monstro redondo a dirigir-se a jacto, precisamente para o local onde me encontrava e a quem eu disse:
-Trá-la-rai, la-rai, la-rai... falhaste pá... paciência.

Acabara sim, por derrubar uma pobre e velha árvore centenária.

Castelo de Almourol
Foto: Imagens de locais onde já estive, com a devida vénia

Passou-se e eis senão quando, me vejo a caminho de Lisboa, Avenida de Berna, Grupo de Companhias Trem Auto, o que me confundiu do porquê. E não só a mim, também o Senhor Sargento da Secretaria se espantou e exclamou:
- Ora porra, pedi um Cabo-Miliciano condutor e mandam-me um atirador? Mas... - continuou ele: Aguente aí ó patrício, você é da Ponte Sôr... eu sou de Alter... temos de resolver isto.

E após perguntar-me se conheço a capital e eu respondido "negativo", decidiu que eu devia ficar por ali, até que fosse rectificado o lapso, o que deveria demorar um mês.

Sem função atribuída, saía, à civil, de manhã e voltava para dormir, às vezes, num quarto com mais sete militares e cinco ratazanas, das maiores que já vi.
Turismei... Vi cinema nos: Piolho... Condes... Éden... S Jorge...;
Conheci, a desoras, as boas zonas... Intendente... Cais Sodré... Bairro Alto... Alfama... Mouraria... Madragoa...;
Vi campos de futebol, com relva imagine-se... o aeroporto... Cabo Ruivo e os hidroaviões... comboios em Santa Apolónia e Rossio... Fui a Cacilhas... ao Jardim Zoológico... Parque Mayer... Parque Eduardo VII... Feira Popular...;
Comi bifes na Solmar... Portugália... Império... Ribamar... sopa de marisco na Rua de S. José... iscas na Travessa do Cotovelo... bacalhau com grão no João do Dito...;
Bebi na Ginginha e no Pirata e uns tintos no Quebra Bilhas...

Lisboa - Cinema S. Jorge
Foto: Expressões Lusitanas, com a devida vénia

Até que um dia me transmitem:
- Vais para Abrantes.

Bati o pé e disse:
- Não vou... Não vou... Não vou... E fui.

Em Abrantes, estava mais perto de casa, o que me agradou.
Lá se foi passando o tempo e coube-me ajudar o Oficial instrutor, ensinando novos militares. Por que alguns de nós, os recentes cabo-milicianos, estávamos já a ser mobilizados, fui-me preparando. Contudo, tal mobilização só veio a acontecer, quando já houvera prestado 20 meses de tropa.

Entretanto em Abril de 1965 e "por equivalência a seis meses consecutivos em Unidade Operacional, condição a que satisfaz para promoção ao posto imediato (sic)" , fui promovido a Senhor Furriel-Miliciano. Estava então em Tomar a preparar outros jovens, que afinal acabaram por ser os que fazendo parte da Companhia de Caçadores 1422, embarcaram comigo para a Guiné, em 18 de Agosto.

Quando digo "embarcaram comigo", em vez de "embarquei com eles", deixem que explique:
Quer o Comandante, quer os restantes Oficiais e Sargentos, haviam partido uma semana antes, de avião, ficando apenas connosco, um senhor Sargento-ajudante, (pessoa com alguma idade e peso e que era chefe de secretaria) e nós próprios, os Furriéis Milicianos e toda a restante e valorosa CCAÇ 1422 claro.
A ele pertenceria comandar-nos antes do embarque, no desfile perante as autoridades... perante os nossos familiares presentes. No último momento, nomeia-me para o fazer... ordens não se discutem... cumpri.

Correu lindamente, marchámos com garbo. Depois? Bom... depois a vinte e tal de Agosto de 1965 chegámos a Bissau... para ganhar a guerra e preparar zonas de turismo para que os vindouros ali passassem férias descansadas.

Não precisam agradecer.
Disse.

Veríssimo Ferreira

Abrantes
Foto: Região do Médio Tejo, com a devida vénia
____________

Nota do editor

(*) Vd. poste de 21 DE JANEIRO DE 2014 > Guiné 63/74 - P12617: A cidade ou vila que eu mais amei ou odiei, no meu tempo de tropa, antes de ser mobilizado para o CTIG (7): As localidades por onde passei, sofri e amei (Veríssimo Ferreira)

Último poste da série de 27 DE JANEIRO DE 2014 > Guiné 63/74 - P12645: A cidade ou vila que eu mais amei ou odiei, no meu tempo de tropa, antes de ser mobilizado para o CTIG (13): Mafra e Lamego duas cidades que me marcaram (Francisco Baptista)

sábado, 4 de janeiro de 2014

Guiné 63/74 - P12540: Recordações de um "Zorba" (Mário Gaspar, ex-Fur Mil At Art, MA, CART 1659, Gadamael e Ganturé, 1967/68) (5): Sou do famigerado XX Curso de Explosivos de Minas e Armadilhas, iniciado a 8 de Agosto e terminado a 17 de Setembro de 1966, na Escola Prática de Engenharia (EPE), em Tancos

1. Mensagem de Mário Gaspar, com data de 18 de dezembro último

 Camarada Luís

Envio-te este texto, que foca mais o percurso do Serviço Militar Obrigatório antes da minha mobilização.


Sei que o texto não vai agradar a alguns, mas há que ter em conta que tive imenso cuidado, nesta época festiva, de narrar algo que julgo ser divertido. O Natal de 1967 foi terrível para mim, penso até que nenhum ex combatente gosta do Natal. Mas isso é caso para partilhar - talvez ainda esta semana, ou no início da semana que vem - num texto que posso tentar escrever.

Um abraço, Mário Vitorino Gaspar


P. S - Assino somente o meu nome completo pelo amor que nutro e nutria pela minha MÃE - Maria Eugénia da Conceição Vitorino Gaspar



Uma das traiçoeiras minas A/C montadas pelo PAIGC, algures no TO da Guiné... 

"Em 5 de Agosto de 1968, pelas 10h07, em [?] 1615 1220 A0-74, foi levantada uma mina A/C TMD, reforçada com 2 granadas P27, uma de cada lado. As duas espoletas MUV foram escorvadas em 2 petardos de 20 gramas de trotil e colocadas ao alto, indo o armador apoiar-se directamente na cauda do percutor, estando a mina montada para ser accionada por pressão. Em lugar da cavilha normal metálica da espoleta MUV encontrou-se uma cavilha calibrada, de madeira. O peso de qualquer indivíduo era suficiente para partir tal cavilha e accionar a espoleta, pelo que a mina assim montada funciona como anti-carro e anti-pessoal." [Fonte: Extrato de Supintrep, nº 32, de Junho de 1971]

Infografia: A. Marques Lopes (2008) / Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné


2. Sou do famigerado XX Curso de Explosivos de Minas e Armadilhas, iniciado a 8 de Agosto e terminado 17 de Setembro de 1966, na Escola Prática de Engenharia (EPE),  em Tancos

por Mário Gaspar

[ex Furriel Miliciano, Minas e Armadilhas,
CART 1659, "Zorba" 

(Gadamael e Ganturé, 1967/68)]

Eu, Furriel Miliciano de Artilharia nº 03163264, como Cabo Miliciano de Artilharia – e como costumo usualmente dizer – mas munido de G3 e de todas as armas, rumei para o RI 14, em Viseu, no dia 13 de Abril de 1966, onde,  como Monitor, dei diversas instruções até 26 de Junho.

Chamado para frequentar o Curso de Operações Especiais (CIOE) em Lamego, em 4 de Julho, em 10 de Julho, fomos inúmeros Oficiais e Sargentos eliminados deste curso, que tem muitas histórias para contar.

De 15 de Julho até 1 de Agosto estive novamente como Monitor no RI 14 em Viseu. Escolhido para representar a Unidade nos Campeonatos da 2ª Região Militar, em Tomar a 20 de Julho. Nestes campeonatos fui à final, e escolhido para os Campeonatos Nacionais das Regiões Militares.

Quando menos esperava, deixei o RI 14 visto ter conhecimento pessoalmente – e no dia do Juramento de Bandeira dos recrutas onde era um dos Monitores – ter sido mobilizado, ignorando o destino, se Angola, Guiné ou Moçambique. Os pelotões onde administrei recrutas, compunham-se de 77/78 mancebos, e quando se trata de falar em preparar jovens para a guerra são pelotões com um número anormal.

Marchei, portanto em 6 Agosto para a Escola Prática de Engenharia (EPE) em Tancos, a fim de frequentar o XX Curso de Explosivos de Minas e Armadilhas, iniciado a 8 e terminado 17 de Setembro de 1966. Pensei logo. Mais valia ter ficado em Lamego e frequentar o Curso de Operações Especiais.

O Curso de Explosivos de Minas e Armadilhas,  curiosamente, foi uma pausa na minha caminhada militar, visto ter sido rico em situações de algum modo caricatas. Somente Oficiais e Sargentos Milicianos, quase na unanimidade os que tinham estado comigo no CIOE em Lamego e que haviam sido excluídos (não é bem o termo porque a verdade é que não o quisemos frequentar, na grande parte dos casos), para além de um “levantamento de rancho”, numa Carne de Porco à Alentejana, por aquilo que me lembro, o levantamento só se fez na Messe de Sargentos. As amêijoas encontravam-se estragadas. Depois de diversas tentativas para uma reconciliação, mantivemos a posição até substituírem os bivalves, que cheiravam mal, por outra refeição.

Posteriormente na instrução prática, desviámos um detonador pirotécnico, um petardo de trotil, um adaptador e cordão lento. À noite, após a devida montagem, foi colocado este engenho explosivo, por um grupo previamente escolhido, num passeio, e encostado a uma caserna. Os outros, desde um Tenente, passando pelos Aspirantes e Cabos Milicianos, deitaram-se.

Aqueles que haviam colocado o engenho explosivo, nas maiores calmas, para que não sucedesse algo de imprevisto que estragasse a “brincadeira”, foram igualmente para as suas camas.

Rebentamento forte na Escola Prática de Engenharia, em Tancos – no XX Curso de Explosivos de Minas e Armadilhas – diga-se o XX Curso porque acho que ficou conhecido. E, após o rebentamento um alerta. Toda a EPE na parada. Sabotagem? A ARA? Diversas versões. Por mais voltas que dessem, ninguém piou. Quem foi, e quem não foi? Sabe-se lá o que mais se disse.

Eu fiquei sem os 90$00 do pré, porque o Cabo Miliciano era 1º Cabo no pré e Sargento no Serviço. Foi o castigo, que acho ter sido igual para todos.

No final do Curso, quanto à parte prática, tínhamos de “inventar uma armadilha”, mesmo montada ou em alternativa sugeri-la através de desenhos ou por sugestões escritas. Eu tinha como Instrutor um Tenente de Engenharia, bastante simpático e, quando chegou a vez de apresentar o meu trabalho, perguntou-me: 
– Então Mário, o que fez? –  Respondi-lhe: 
– Não me ocorreu nada,  meu Tenente!. 

Ele agarrou no meu Livro enorme de Minas e Armadilhas, e teve tempo ainda para dizer: 
– Tem este livro que tem tudo sobre minas e armadilhas…. 

Ouviu-se um estoiro. Eu havia retirado as páginas centrais do livro, substituindo as mesmas por páginas de jornais onde fizera uma fenda onde coloquei um disparador de descompressão. Trabalho difícil, mas fi-lo mais como brincadeira. Digo bem, foi uma brincadeira! O Tenente riu e gostou desta minha prova de final de Curso. Muitos foram os chumbos neste Curso.

No Cine Teatro de Tancos – para os que o completaram com êxito o Curso – foi-lhes ofertado um Diploma. Eu tenho o meu. Os que chumbaram, julgo que foram punidos disciplinarmente. Ouvimos todos, um raspanete do Comandante de Instrução: 
– Porque o vosso Curso foi o pior da Escola Prática de Engenharia… Por isto e por aquilo!

Ter feito este Curso de Explosivos de Minas e Armadilhas, foi a pior coisa que me aconteceu no meu percurso militar.

Pergunto para quem me lê: 
– Quantos Especialistas de Explosivos de Minas e Armadilhas morreram ou ficaram deficientes nesta Guerra Colonial?.

É pena que não tenham feito um Levantamento da Guerra Colonial.  Colocavam as questões:  (i) Esteve na Guerra Colonial?;  (ii) Se esteve diga onde?. E com espaços para as respostas... Outras questões podiam e podem ser colocadas.

Tiveram todo o tempo para o fazer, e todas as oportunidades com os “Censos”. Penso que após o fim da Guerra Colonial existiram os “Censos” de 1981, 1991, 2001 e 2011, portanto ultimamente são efectuados de dez em dez anos. Agora possivelmente só em 2021.

Muito embora não tenha falado sobre a minha experiência de guerra em Gadamael Porto e Ganturé, passando por Mejo, Guileje, Sangonhá, Cacoca, Cameconde e Cacine. Mais tarde surgiu Gandembel, que deve ser, e com certeza, uma “pedra no sapato” dos nossos cérebros militares. Para quem lá estava, e que conhecia a realidade da zona do famigerado “corredor da morte”, impensável montar um aquartelamento em pleno corredor, também chamado “corredor de Guileje”. 

E viu-se o que se viu. Acabou-se com Sangonhá e Cacoca – enquanto a CART 1659 se encontrava em Gadamael – e depois Ganturé e Mejo. Gandembel vai também ao ar e incrivelmente em Guileje acontece o que todos sabem. E Gadamael Porto esteve por pouco.

Depois foi o caos.
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segunda-feira, 4 de novembro de 2013

Guiné 63/74 - P12251: Historial das Escolas Práticas do Exército (José Marcelino Martins) (6): Escola Prática de Engenharia de Tancos




1. Com o Historial da Escola Prática de Engenharia, localizada em Tancos, o nosso camarada José Marcelino Martins (ex-Fur Mil Trms da CCAÇ 5, Gatos Pretos, Canjadude, 1968/70), dá por findo o seu trabalho sobre o Historial das Escolas Práticas do Exército a integrar num único grupo chamado Escola das Armas.


















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Nota do editor

Vd. postes anteriores da série de:

20 DE OUTUBRO DE 2013 > Guiné 63/74 - P12178: Historial das Escolas Práticas do Exército (José Marcelino Martins) (1): Preâmbulo

23 DE OUTUBRO DE 2013 > Guiné 63/74 - P12193: Historial das Escolas Práticas do Exército (José Marcelino Martins) (2): Escola Prática de Infantaria de Mafra

26 DE OUTUBRO DE 2013 > Guiné 63/74 - P12204: Historial das Escolas Práticas do Exército (José Marcelino Martins) (3): Escola Prática de Cavalaria de Abrantes

29 DE OUTUBRO DE 2013 > Guiné 63/74 - P12218: Historial das Escolas Práticas do Exército (José Marcelino Martins) (4): Escola Prática de Artilharia de Vendas Novas

1 DE NOVEMBRO DE 2013 > Guiné 63/74 - P12233: Historial das Escolas Práticas do Exército (José Marcelino Martins) (5): Escola Prática de Transmissões do Porto

domingo, 20 de outubro de 2013

Guiné 63/74 - P12178: Historial das Escolas Práticas do Exército (José Marcelino Martins) (1): Preâmbulo

1. Vamos começar a publicar hoje mais um interessante trabalho de compilação do nosso camarada José Marcelino Martins (ex-Fur Mil Trms da CCAÇ 5, Gatos Pretos, Canjadude, 1968/70), desta vez dedicado às Escolas Práticas das Armas de Infantaria, Cavalaria, Artilharia, Transmissões e Engenharia, que, como ele próprio diz no preâmbulo agora apresentado, vão integrar a Escola de Armas que ficará sediada nas instalações da EPI, em Mafra.

A ideia do camarada José Martins, é deixar para memória futura a história das Armas agora extintas por mais esta reestruturação.










quinta-feira, 26 de março de 2009

Guiné 63/74 - P4079: O trauma da notícia da mobilização (3): Calma rapaz, nem tudo há-de ser mau (Carlos Vinhal)

1. Calma rapaz, nem tudo há-de ser mau

Carlos Vinhal

Quanto ao dia da minha inspecção militar em Matosinhos, no dia 21 de Junho de 1968, de pouco me lembro, a não ser do meu amigo Arménio Lucas que ficou livre por ser deficiente de um pé. Tirando este, grandes, pequenos, gordos e magros, foram todos apurados para servirem a Pátria.
Claro que me lembro de andarmos todos à pai Adão, sem parra, num edifício devoluto, de sala em sala, curiosamente contíguo à Escola Secundária que tinha frequentado uns anos antes, destinado temporariamente às Inspecções Militares.
Também me lembro da famosa pergunta de alguém que deveria ser médico ou afim:
- Sofre de alguma coisa?

Como na altura não percebia nada de postos militares, respondi em termos mais ou menos provocatórios:
- O senhor acha que eu com este corpo, sofro de alguma coisa?
Ao tempo eu era um pouco para o anafado.

Quem se lembra da célebre saquinha de onde se tirava o número mecanográfico? 19551569 tocou-me em sorte. Virá daí o ir às sortes?

Fui ainda cravado por um militar que deambulava por lá e se aprontou a vender-me uma fitinha horrorosa onde se lia APURADO.

Não sendo um homem de fortes convicções religiosas, logo portador de pouca fé, entreguei-me sempre ao destino, coisa em que acredito, esperando sempre o pior, para receber com alegria o que de melhor vier.

Nas Caldas da Rainha (ABR a JUL1969), nos últimos dias da Recruta, houve formatura geral na Companhia para chamar o povo, separando-o por Especialidades. Logo pensei - Carlos, presta atenção quando chamarem para Tavira para o curso de Atirador, não escaparás.
Não podia ser, não é que não fui para Atirador? Já estavam a chamar para uma outra Especialidade qualquer.

Mas, oh cruel destino, a tal coisa em que acredito, começaram a chamar, desta feita, para a Especialidade de Atirador de Artilharia, EPA/Vendas Novas. Não tardou muito... Soldado Instruendo 19551569 – Carlos Esteves Vinhal...
Pensei - mais uma vez fui beneficiado, não fui para o Algarve, o Alentejo sempre é mais perto do Porto.

Se bem se lembram, no final da Especialidade davam uma espécie de inquérito onde cada um podia escolher (santa inocência) três quartéis. Sendo eu um militar da Arma de Artilharia, escolhi as três Unidades mais próximas do Porto, a saber: Espinho (GACA 3), Gaia (RAP 2) e Penafiel (RAL 4).

Em meados de Setembro, acabada a Especialidade, concederam-nos uns dias de licença. Tinham-nos dito que receberíamos em casa a indicação do local e dia para nos apresentarmos. Esperei que o correio trouxesse o meu destino e um dia chega o veredicto: Colocado no BAG 2, em diligência no GACA 2, onde se deve apresentar no dia 13 de Outubro.

Como naquele tempo não havia internete, fui ao local onde se aprendia tudo, o Café. Perguntei a este e àquele, mas ninguém sabia onde era o BAG 2. O GACA 2 era em Torres Novas, mas o BAG 2...?

Lembrei-me de um amigo que era Furriel Miliciano e que estava colocado no QG da RMP, sito ainda hoje na Praça da República da Cidade Invicta, pessoa à partida conhecedora destas coisas. Nem ele, mas de repente fez-se luz. Um seu amigo, também Furriel Miliciano, estava colocado no BAG 1 e isso era... nos Açores. Seria o BAG 2 na Madeira?

Optimista como sou, pensei - qual quê, estes gajos para me serem agradáveis colocaram-me em Torres Novas, bem “pertinho” de casa, afinal. Nunca irei parar a esse tal BAG 2.
No aprazado dia 13 de Outubro (Segunda-feira), apresentei-me em Torres Novas, disposto a montar o acampamento pelo maior espaço de tempo possível. Qual quê? No dia 20, passada apenas uma semana, estava já a caminho de Tancos para tirar aquela Especialidade que qualquer militar anseia, Minas e Armadilhas. São mais conhecimentos adquiridos e mais uma estadia em Quartel com tudo incluído.

Ainda em Tancos, certo dia, constou que havia saído as mobilizações. Juntámo-nos uns quantos e fomos à Formação ter com o Sargento para que nos dissesse de sua justiça. O sistema era... nome, procurar em Angola, se não estava, procurar na Guiné, se não estava, procurar em Moçambique, está aqui, felicidades, outro...
Chegada a minha vez, acho que fiquei para último, disse ao Sargento para não perder tempo e procurar na lista da Guiné. Tiro e melro abatido... O 1.º Cabo Miliciano 19551569 - Carlos Esteves Vinhal, constava daquela lista.

Como se depreende, fiquei na maior, Especialidade de Atirador, Curso de Minas e Armadilhas e mobilizado para a Guiné. Como se costuma dizer, ninguém morre de véspera, só o peru. Calma rapaz, nem tudo há-de ser mau.

Para compor o ramalhete, nos últimos dias de Curso de Minas, já tinha na mão a Guia de Marcha e o Bilhete de Embarque, para no dia 8 de Dezembro, no navio Funchal, rumar com destino ao... Funchal. Afinal sempre iria conhecer o BAG 2.

Com a anuência do Comandante do BAG 2, viemos, desenfiados, ao Continente passar o Natal de 1969 e a passagem de ano para 1970. De avião, às nossas custas, claro.
A expensas do erário público, viemos em Março ao Continente passar os 10 dias de mobilização, a viagem do Funchal para Lisboa foi feita a bordo do navio Angra do Heroísmo e regresso no Funchal, por avaria no primeiro.

O pior de tudo foi convencer a minha mãe destas viagens todas, sendo que a derradeira seria um dia para a... Guiné.
- Oh mãe, temos tantos vizinhos por aqui que foram para a Guiné e já estão cá, casados e tudo, limpe as lágrimas. Nem sei quando embarco. Mentira.

O meu pobre pai, já bastante debilitado pela doença que o vitimou anos mais tarde, aguentou estoicamente sem demonstrar o mais pequeno sinal de fraqueza. Homem não chora, nem pelo filho único que vai para a guerra, que eu visse, claro. A ele disse-lhe que não viria mais a casa uma vez que se embarcaria na Madeira para a Guiné.

Após cerca de quatro meses no Funchal, com tempo para dar uma Especialidade aos homens que haviam de integrar as CART 2731 (Angola) e CART 2732 (Guiné), formar Companhia, fazer IAO na Ilha, despejando carregadores de G3 para o mar, chegou o dia 13 de Abril, já no Ano da Graça de 1970, quando finalmente fomos do Funchal para o nosso derradeiro destino enquanto militares. A viagem desta vez foi no navio Ana Mafalda para variar.

Aquela coisa em que acredito, o destino, levou-me para a Guiné, trouxe-me para casa, deu mais uns anos de vida a meu pai e há-de ter-me por cá até a factura estar saldada.


Porto do Funchal, 13 de Abril de 1970. A CART 2732 desfila antes de embarcar no Ana Mafalda


Carlos Vinhal
Ex-Fur Mil Art MA
CART 2732
Mansabá, 1970/72
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Nota de CV

Vd. último poste da série de 24 de Março de 2009 > Guiné 63/74 - P4075: O trauma da notícia da mobilização (2): No dia da minha inspecção, ali estava eu, em pelota... (Joaquim Mexia Alves)