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sexta-feira, 21 de julho de 2023

Guiné 61/74 - P24493: Recordando o Amadu Bailo Djaló (Bafatá, 1940 - Lisboa, 2015), um luso-guineense com duas pátrias amadas, um valoroso combatente, um homem sábio, um bom muçulmano - Parte XXXII: Op Safira Solitária, na véspera do Natal de 1971, "ronco" e "desastre" no coração do Morés, com as 1ª e 2ª CCmds Africanos a sofrerem 8 mortos e 15 feridos graves (pp. 212-224)


Furriel Mamasaliu Bari (pág. 213)


Esquadrilha de Allouettes-III na BA12. 
Imagem cedida por Vítor Barata, especialista da FAP (pág. 212)


Ussumane Seca, Abdulai Djalo Cula, Aliu Djaquite, Aliu Sana Sanhé 
e Sissau Candé, em Tite, 1971 (pág. 215)



O Alferes Tomás Camará e o Furriel Anastácio Ferreira (pãg.  216)


Momentos antes do embarque para Angola, em Outubro de 1963. Em primeiro plano o Furriel Mil. Mário Dias. Atrás, da esquerda para a direita, o Furriel Artur Pires, o Soldado Abdulai Djaló e o Alferes Justino Godinho. (pãg. 217)


Um grupo de Comandos na Base Aérea de Bissalanca, de partida para Bafatá. Abdulai Djaló, de joelhos, ao lado do soldado com o lança-roquetes. Foto de finais de 1965 (pág. 218)


Capitão Almeida Bruno, ajudante-de-campo do Brigadeiro António de Spínola, fotografado no decorrer da Op Ostra Amarga,  na mata da Cobiana, em 18 Outubro 1969 (pág. 223)



Capa do livro do Amadu Bailo Djaló,
"Guineense, Comando, Português: I Volume:
Comandos Africanos, 1964 - 1974",
Lisboa, Associação de Comandos,
2010, 229 pp, + fotos, edição esgotada.



O autor, em Bafatá, sua terra natal,
por volta de meados de 1966.
(Foto reproduzida no livro, na pág. 149)


Síntese das partes anteriores:

(i) o autor, nascido em Bafatá, de pais oriundos da Guiné Conacri, começou a recruta, como voluntário, em 4 de janeiro de 1962, no Centro de Instrução Militar (CIM) de Bolama;

(ii) esteve depois no CICA/BAC, em Bissau, onde tirou a especialidade de soldado condutor autorrodas;

(iii) passou por Bedanda, 4ª CCaç (futura CCAÇ 6), e depois Farim, 1ª CCAÇ (futura CCAÇ 3), como sold cond auto;

(iv) regressou entretanto à CCS/QG, e alistou-se no Gr Cmds "Os Fantasmas", comandado pelo alf mil 'cmd' Maurício Saraiva, de outubro de 1964 a maio de 1965;

(v) em junho de 1965, fez a escola de cabos em Bissau, foi promovido a 1º cabo condutor, em 2 de janeiro de 1966;

(vi) voltou aos Comandos do CTIG, integrando-se desta vez no Gr Cmds "Os Centuriões", do alf mil 'cmd' Luís Rainha e do 1º cabo 'cmd' Júlio Costa Abreu (que vive atualmente em Amesterdão);

(vii) depois da última saída do Grupo, Op Virgínia, 24/25 de abril de 1966, na fronteira do Senegal, Amadu foi transferido, a seu pedido, por razões familitares, para Bafatá, sua terra natal, para o BCAV 757;

(viii) ficou em Bafatá até final de 1969, altura em que foi selecionado para integrar a 1ª CCmds Africanos, que será comandada pelo seu amigo João Bacar Djaló (Cacine, Catió, 1929 - Tite, 1971)

(ix) depois da formação da companhia (que terminou em meados de 1970), o Amadu Djaló, com 30 anos, integra uma das unidades de elite do CTIG; a 1ª CCmds Africanos, em julho, vai para a região de Gabu, Bajocunda e Pirada, fazendo incursões no Senegal e em setembro anda por Paunca: aqui ouve as previsões agoirentas de um adivinho;

(x) em finais de outubro de 1970, começam os preparativos da invasão anfíbia de Conacri (Op Mar Verde, 22 de novembro de 1970), na qual ele participaçou, com toda 1ª CCmds, sob o comando do cap graduado comando João Bacar Jaló (pp. 168-183);

(xi) a narrativa é retomada depois do regresso de Conacri, por pouco tempo, a Fá Mandinga, em dezembro de 1970; a companhia é destacada para Cacine [3 pelotões para reforço temporário das guarnições de Gandembel e Guileje, entre dez 1970 e jan 1971]; Amadu Djaló estava de licença de casamento (15 dias), para logo a seguir ser ferido em Jababá Biafada, sector de Tite, em fevereiro de 1971;

(xii) supersticioso, ouve a "profecia" de um velho adivinho que tem "um recado de Deus (...) para dar ao capitão João Bacar Jaló"; este sonha com a sua própria morte, que vai ocorrer no sector de Tite, perto da tabanca de Jufá, em 16 de abril de 1971 (versão contada ao autor pelo soldado 'comando' Abdulai Djaló Cula, texto em itálico no livro, pp.192-195) ,

(xiii) é entretanto transferido para a 2ª CCmds Africanos, agora em formação; 1ª fase de instrução, em Fá Mandinga , sector L1, de 24 de abril a fins de julho de 1971.

(xiv) o final da instrução realizou.se no subsector do Xitole, regulado do Corunal, cim uma incursão ao mítico Galo Corubal.

(xv) com a 2ª CCmds, comandada por Zacarias Saiegh, participa, em outubro e novembro de 1971, participa em duas acções, uma na zona de Bissum Naga e outra na área de Farim;

(xvi) em novembro de 1971, participa na ocupação da península de Gampará (Op  Satélite Dourado, de 11 a 15, e Pérola Amarela, de 24 a 28);

(xvii) 21-24 dezembro de 1971: Op Safira Solitária: "ronco" e "desastre" no coração do Morés, com as 1ª e 2ª CCmds Africanos  (8 morts e 15 feridos graves).


1. Continuação da publicação das memórias do Amadu Djaló (Bafatá, 1940-Lisboa, 2015), a partir do manuscrito, digital, do seu livro "Guineense, Comando, Português: I Volume: Comandos Africanos, 1964 - 1974" (Lisboa, Associação de Comandos, 2010, 229 pp, + fotos, edição esgotada) (*).

O nosso  camarada e amigo Virgínio Briote, o editor literário ou "copydesk" desta obra,  facultou-nos uma cópia digital. O Amadu Djaló, membro da Tabanca Grande, desde 2010, tem cerca de nove dezenas de referências no nosso blogue.



 Recordando o Amadu Bailo Djaló (Bafatá, 1940 - Lisboa, 2015), um luso-guineense com duas pátrias amadas, um valoroso combatente, um homem sábio, um bom muçulmano - Parte XXXII:

Op Safira Solitária, na véspera do Natal de 1971: "ronco" e  "desastre" no coração do Morés, com as 1ª e 2ª CCmds Africanos  a sofrerem 8 mortos e 15 feridos graves (pp. 212-224)

Dezembro de 1971. A 1ª e a 2ª companhias foram em viaturas para a zona de Morés[1], enquanto um único grupo, o meu, ficou de reserva, em Bissalanca[2], na base aérea, à espera que algum grupo pedisse a nossa ajuda.

No primeiro dia não aconteceu nada para registar, mas no dia seguinte, dia 21, houve vários contactos com a guerrilha. Depois de ter terminado o bombardeamento da aviação, o grupo do furriel Mamasaliu Bari, que tinha tido vários feridos durante a manhã, dirigiu-se para um local onde tinha visto cair várias bombas e deparou com vários corpos esfacelados.

No momento em que chegou ao local deu-se uma troca de tiros entre o PAIGC e o grupo, sem consequências. A seguir o Mamasaliu disse alto ao fogo, um soldado, que tinha o dispositivo de dilagrama montado, procurou a cavilha da respectiva granada, viu-a e, no momento em que a recolhia do chão, inclinou o cano da G-3 para o solo. A granada defensiva caiu, explodiu e atingiu-o, a ele e o guia que o acompanhava, e feriu ainda vários companheiros. 

Em dificuldades para sair do local, Mamasaliu pediu reforço e foi, então, que foi dada ordem para o meu grupo avançar.

Quando acabei de ser lançado na zona, chamei pelo rádio o Demba, que me respondeu. O capim cobria-nos mas fizemos a junção dos dois grupos, cada um recorrendo a um tiro para o ar. Reunimos os dois grupos e, com o grupo dele à frente, começámos a progressão, com o objectivo de tirarmos o Bari do local.

Sempre a corta-mato, demos com um carreiro, com muitos sinais de passagem. Podia ser, pensámos, o caminho trilhado pelo Mamasaliu. Logo a seguir o Demba virou à esquerda e, quando cheguei a esse local com o meu grupo, seguimos atrás, virando também à esquerda. Fiquei com algumas dúvidas e consultei a carta topográfica. Pedi para se fazer um alto e fui ter com o alferes Demba.

Demba, não é por aqui!

–  É por aqui!

Bom, retomámos a marcha e, um pouco mais à frente, voltei a fazer um alto ao meu grupo.

–  O que se está a passar? 
–  perguntou o Demba.

– Eu não vou andar mais nenhum passo para a frente, sem pedirmos ao Bari para assinalar a posição dele com um tiro para o ar.

O Demba ligou o rádio e, então, pediu ao Bari que desse um tiro para melhor o localizarmos. E a resposta não demorou, o ruído do tiro ouviu-se bem, atrás de nós.

–  Estás a ver, Demba? Agora, temos que voltar para trás!

O Demba pediu desculpa e, sem demora, demos meia-volta e retomámos a marcha, agora um pouco mais rápida, até encontramos o grupo do Bari. Metemos o grupo no meio dos nossos dois, Demba à frente e o meu grupo atrás e continuámos a progressão em direcção aos cajueiros de Morés.

Eram cerca de 17h00, quando encontrámos o grupo chefiado pelo comandante da operação, o tenente Zacarias Saiegh.

Duas companhias juntas para passar a noite em Morés, num local[3] bem referenciado e muito conhecido em toda a zona. Fiquei junto ao tenente, que me disse que estava naquele sítio desde o meio-dia, à espera que os grupos se reunissem a ele. E que íamos dormir naquele local, que ninguém nem nada tirava os Comandos daqui.

–   Sabe quantos homens temos aqui? Duzentos e tal! Se nos atacarem hoje, nós vamos apanhar-lhes o material todo.

Não me faltava a confiança na força de tanta gente, mas não nos podíamos esquecer que, quanto maior é o número, maior pode ser também a derrota. Com boa pontaria ou sem boa pontaria, para acertar numa pessoa no meio da multidão basta apontar.

O que eu tinha era dúvidas, achava que havia tropa a mais naquele local, tanta que podia vir a atrapalhar.

Quando eu estava nos Comandos em Brá, no tempo do alferes Saraiva e dos outros, nós saíamos sempre em grupos pequenos e era mais fácil executar uma operação, havia menos barulho e menos riscos. Também só dávamos tiros quando era pela certa.

Quanto maior é o número de pessoas envolvidas, mais difícil uma operação ter sucesso. E ensinaram-me em Brá que sucesso era chegar de surpresa, atacar e retirar logo.

Mas, desta vez não estava a ser assim e a nossa dificuldade maior estava na coordenação dos nossos Comandos.

Fui juntar-me ao Demba, ao Vasconcelos e ao Sada e, com o seu guarda-costas Demba Demo, ficámos ali perto uns dos outros, cada um junto do respectivo grupo.

Por volta das 19h30, estávamos naquele local desde as 18 e pouco, ouvimos choros, que me pareceram de criança. E não paravam. Cada vez que menino chorava, o tenente mandava passar palavra, para ninguém abrir fogo, que devia ser população a regressar aos acampamentos, para arranjar comida para meninos

Um soldado chamado Djaquité, do grupo do Alferes Tomás Camará, trazia uma HK 21 com uma fita de balas muito comprida, que enrolava no corpo. Com o bipé montado apontou-a para fora dos cajueiros e a certa altura viu um grupo fardado que vinha na nossa direcção. Então, ele disse ao Tomás Camará:

–  Meu alferes, disse para não fazer fogo, vem um grupo armado na nossa direcção, e agora?

O Tomás respondeu que se vinha gente que abrisse fogo, o que o soldado fez, abriu uma rajada muito comprida para eles. Quando quis sair dali, para mudar de local, foi tarde de mais, uma roquetada acertou-lhe em cheio[4]. As morteiradas começaram a chover, umas atrás das outras, saímos todos dali, a correr. Não sei como foi, tinha deixado as minhas cartucheiras no local onde estivemos deitados. E agora, tinha que ir buscá-las lá. Resolvi voltar para trás.

Eu, muito antes de sermos atacados, quando ainda estava com o Saiegh, perguntei ao Abdulai Djaló o que é que ele achava de irmos dormir todos naquele local, onde o tenente tinha dito. O Abdulai respondeu-me que seria melhor não termos contacto com o IN durante a noite e não disse mais nada.

O Abdulai[5] era um soldado muito corajoso, bom combatente, era de 1961, tinha combatido sempre na guerra, desde o início.

Conhecemo-nos em Farim, éramos da mesma etnia, os nossos pais conheciam-se há muito tempo. Ele era mais antigo nos Comandos que eu, foi um dos que foi para Angola com o Alferes Saraiva e outros.

Nunca foi graduado porque era o indisciplinado número um, em todos os grupos por onde tinha passado. Nenhum comandante de grupo o aguentava mais que um mês. Levavam-no ao comandante a dizerem que não o podiam comandar, o comandante de companhia mandava-o para outro grupo e foi assim conhecendo quase todos os grupos, sempre a fazer as mesmas coisas.

Até que um dia, o comandante da 1ª Companhia ficou com ele. Quando o Saiegh saía, o Abdulai saía com ele, era o guarda-costas do tenente. Quando o comandante não saía, se o Abdulai não quisesse também não saía. Por isso ele nunca foi graduado.

Quando cheguei ao local, o Abdulai estava sentado ao lado do Tenente Saiegh e, depois de ouvir a ordem de passar a noite naquele local, fui juntar-me aos meus colegas.

Quando começou a chuva de morteiros levantámo-nos para abandonar o local. Mas já era um pouco tarde, devíamos ter abandonado aquele local mais cedo. Quando voltei atrás para recuperar as cartucheiras, o pessoal do PAIGC lançou dois “very-lights” seguidos. De trás de um cajueiro, com a iluminação, consegui ver onde as cartucheiras estavam. Quando a luz do “very-light” se apagou, corri para o local e agarrei-as. Na altura em que estava a regressar ao local onde estava antes, caíram duas morteiradas seguidas, entre o local onde eu me encontrava e o sítio onde estavam os meus companheiros. Continuei a andar até à saída dos cajueiros, quando vi um corpo deitado à minha frente, que na precipitação de sair dali nem reparei quem era. Depois voltei atrás. Nesta altura, ainda não sabia que era o cadáver do Demba Demo, guarda-costas de Sada Candé.

Soube depois, que também Sada Candé tinha perguntado ao Demba do que pensava ir acontecer nessa noite. Mas ele não respondeu, nem uma, nem duas vezes. Só à terceira vez que o Sada perguntou se ele não tinha ouvido, então Demba disse que não tinha ouvido, mas que pedia a Deus, que nessa noite não houvesse confronto.

Estendido no chão ali à minha frente, estava um cadáver. Vi dois soldados a rastejar e perguntei-lhes de que companhia eram. Da 2ª, responderam.

–    Vocês estão feridos? Não estão? Então deixem-me passar!

Puseram-se a pé e começaram a correr à minha frente. E quando já estávamos a sair da zona dos cajueiros, onde a chuva de granadas de morteiro continuava a cair, ouvi um gemido.

A voz parecia-me do Abdulai Djaló. Quando eu andava à procura, perguntando quem era que gemia, ouvi a voz do Abdulai a dizer que estava ferido. Encontrei-o sentado. Disse-me que tinha as pernas partidas.

Quando me pus a observar o que ele tinha, estava muito escuro, apalpei-lhe as pernas para ver da gravidade do ferimento e reparei que o Abdulai tinha as pernas feridas, dos pés às ancas, tudo esfacelado e partido. Pensei que não iria viver mais que alguns minutos.

–  Não me deixem aqui   
–  disse-me ele.

–  Não te deixo cá, ficas garantido, vou buscar reforço para te levar para um local mais seguro.


Corri para o Saiegh e disse-lhe que o Abdulai estava com feridas muito graves e que estava também um corpo perto dele, não descobri quem. Arranjei sete homens que foram comigo até ao local, sempre a corrermos, e quando olhei para trás só estava um comigo, o 1º cabo Mussa Djamanca, da 1ª CCmds.

Que é que aconteceu aos outros? Voltámos ao Saiegh, eu e o cabo, à procura dos outros. Esta história repetiu-se e da última vez ouvimos alguém chamar o comandante, pelo nome que era chamado em casa, pelo irmão e parentes da sua mãe.

Quando chegámos junto do tenente,  disse-lhe que tinham fugido todos, só estava eu e o Mussa. E acrescentei que tinha ouvido alguém chamar pelo Zick, o nome por que era tratado o Saiegh em família.

 
–  Onde ouviste? –  perguntou o Saiegh.

 –  Nos cajueiros!


Então, ele perguntou se alguém tinha visto o irmão dele, depois do ataque. Ninguém tinha visto. Passou para a frente e disse:

–   Porra, vamos embora, ninguém fica!

Segui-o até ao local onde estava o Abdulai Djaló e um corpo, o do Demba Dembo. Mostrei-lhe o local e, como não se via nada, ele perguntou-me de quem era esse corpo.

–  Não sei, não se vê nada com esta escuridão é difícil reconhecer de quem é o corpo. 

Quando estávamos nesta conversa, ouvimos chamar Zick. Então, ele, rápido, disse:

–  Amadu, levem daqui o Djaló e o corpo, enquanto nós vamos buscar o ferido aos cajueiros.

Para levarmos o Abdulai eram precisos quatro homens. Como os pés estavam desfeitos, não podíamos arrastá-lo pelo chão, duas pessoas pegaram nos braços e levámo-lo até debaixo de um mangueiro, onde estava o Saiegh. Quando o depositámos no chão, o Abdulai perguntou-me quando vinha o heli buscar os feridos.

–  Agora não pode ser, Abdulai, só de manhã.

–  Não aguento, vou morrer aqui!

–  Por que não aguentas, Abdulai?

–  Estou a perder muito sangue!

Na altura, tínhamos três feridos deitados neste local. Eram eles, o Abdulai Djaló, o Samba Bangura e o Vicente Malefo, todos atingidos nas pernas. Como gemiam alto, pedi ao enfermeiro, que era um Comando também, chamado Samba Tala, para dar umas picadas neles todos, para parar a hemorragia e para lhes tirar as dores. 

 Abdulai foi o primeiro a quem o enfermeiro deu uma injecção e ouvi-o dizer:

– Allahu Akbar,Allahu Akbar,Allahu Akbar!!! (**)

Quando acabou de falar no nome de Deus três vezes, calou-se de uma vez, boca e olhos abertos, olhando fixo. Abdulai tinha acabado de morrer.

Então, abandonei o local e fui ao encontro do Zacarias Saiegh. Nem me deixou sentar.

–  Trata-me aí do Malefo, está a fazer muito barulho.

Fui para junto dele, voltei a chamar o Samba Tala e pedi-lhe para lhe dar uma picada. Momentos depois, calou-se, não gemeu mais, já não devia ter dores. Isto tudo passou-se entre as 19h30 e as 21h00. A partir desta hora houve um silêncio total.

Entre as 02 e as 03h00[6], o PAIGC tentou acabar connosco. Tiros de canhão sem recuo e de armas automáticas amarraram-nos ao chão, ninguém conseguia levantar a cabeça. Quando o tiroteio acalmou, vi um militar da nossa companhia a correr. Insultei-o e mandei-o voltar para trás. Regressou para o pé de mim, a dizer:

–   Meu sargento, já foram todos, o comandante não está ali. Venha ver se está lá alguém nosso!

Levantei-me, fui atrás dele até ao local onde estava o comandante. Ninguém, ninguém estava ali, só os corpos. Continuámos a sair dali, a pouca distância um do outro e encontrámos um pequeno grupo de quatro companheiros. Éramos um grupo de sargentos: eu, os 2ºs Sargentos Vasconcelos e o Damo Baldé e os Furriéis Mamadu Djaquité, Facene Sama e Abu Seide. Corremos uma curta distância, talvez 100 metros. Parámos, não podíamos ir mais longe, os feridos estavam para trás.

–  Vamos para o lado das bananeiras 
–   disse-me o Vasconcelos. 

–  Para as bananeiras, não  –  disse eu. –  Se eles passarem por aqui, para onde podiam fazer fogo? Para as bananeiras, que é um local bom para pessoal se esconder, ou não?

–  Então, para onde vamos?

–  Ficar aqui, neste local descampado, sem árvores. Não tem nada, nada que leve a desconfiar que está aqui gente!

Concordaram. Aqui ficámos até às 05h00, mais minuto menos minuto. Estava a romper a aurora, tirei um cigarro, raspei um fósforo e disse para o lado que ia fumar um cigarro, que já era de manhã. Pediram todos logo licença para fumar também. Desloquei-me para o local onde tínhamos deixado os feridos.

Eu tinha ouvido tiros dirigidos para o local onde estavam os feridos e, mais tarde fogo sobre a zona dos mangueiros. Foi nesta altura que acabaram com Malefo, deram-lhe um tiro no peito. E, no regresso, fizeram a mesma coisa, abriram fogo na zona das bananeiras, que até começou um pequeno incêndio, que não durou muito, felizmente.

Fomos avançando, para ver se descobríamos algum companheiro nosso. Ouvimos alguém responder à nossa chamada, era o Samba Bangura.

Dirigi-me ao frriel Mamadu Djaquité, muito conhecido entre nós por Pélé e pedi-lhe para o irem buscar, enquanto eu ia procurar o Malefo. Encontrei-o morto, com um tiro no peito.

Naquela ocasião estava a chegar-se a nós, um grupo de cerca de vinte companheiros, com o respectivo comandante, que andava também à nossa procura e se vinham reunir a nós.

Eram quase 06h00, quando ouvimos o ruído de uma avioneta a sobrevoar a  zona. Chamaram-nos por rádio, pedindo que assinalássemos a nossa posição. E depois, ouvimos da avioneta chamarem o helicanhão, indicando-lhe onde nós estávamos. 

Apareceu no ar outro heli, que vim a saber que trazia o major Almeida Bruno, eram para aí 06h30, os dois helis no ar, em cima de nós. E foi, a partir desta altura, que o major Bruno tomou conta das operações. Em primeiro lugar as evacuações dos feridos, depois os mortos e a seguir recuperar o pessoal das companhias.

O major virou-se para mim e disse:

–  Amadu, ficas com o teu grupo a montar a segurança, enquanto trato da retirada das companhias para Mansabá, para seguirem depois, em coluna, para Bissau.

Montei a segurança e, quando estavam a entrar os últimos, avisou-nos:

–   Como estão a ver, a partir de agora somos só um grupo, estamos sem segurança. Portanto, temos que ser muito rápidos, quando chegarem os helis, corremos todos, ocupamos os lugares, sem hesitações.

Quando os helis levantaram com o penúltimo grupo, preparámo-nos e ficámos à espera. Depois, quando pousaram, arrancámos ordenadamente. Quando o heli em que eu ia estava a levantar, fiquei a olhar cá para baixo, para os cajueiros, até desaparecerem de vista. Da minha vista desapareceu, da minha memória não, ficou lá gravada aquela noite, até hoje.

O erro cometido pelo tenente Saiegh e pelos quadros todos foi fatal para todos nós. Para os que morreram foi completamente fatal, morreram ingloriamente. Para os que sobreviveram, como eu, foi fatal porque foi um momento que não recordo como glorioso. Saí dali com o sentimento de que tinha sofrido uma derrota. Mas é a guerra e a guerra é mesmo assim.

As nossas normas de Comandos foram completamente violadas. Um pequeno alto, um alto provisório, um bivaque clandestino. Tudo o que gastarmos, nem que sejam horas e horas na preparação, tem que ser respeitado. Se não respeitarmos, se cometermos um erro, pode perder-se uma vida.

Nós cometemos vários erros naquela noite. Tivemos cinco mortos[7] nos cajueiros, um ferido muito grave, catorze graves e vários[8] ligeiros, que nem contámos. Os mortos, sim, contámos: Aliu Djaquité, Quintino Gomes, Demba Dembo, Abdulai Djaló e Vicente Malefo. O ferido grave foi o Sam Bangorá. Dos feridos ligeiros não importa falar, nem me lembro quem foram.


Eu saí dali sem uma arranhadura.

Conforme escrevi atrás, o meu grupo ficou com o major Almeida Bruno no terreno. Íamos ser os últimos a retirar. Era perigoso, o local estava bem no centro de Morés, perto do quartel-general do PAIGC, segundo se dizia e, à volta, havia dezenas de pequenos acampamentos. 

Era uma boa altura para eles concentrarem todo o fogo em cima de tão pouca gente. Força para isso, eles tinham. Morteiros, armas pesadas, canhões sem recuo, armas automáticas, naquela área não lhes faltava material. Por isso, eu estava consciente que a retirada nos poderia custar algumas vidas mais. Mas, para além de nós, que estávamos numa clareira e com pouca natureza para nos abrigarmos, tínhamos em cima de nós, pronto a disparar o helicanhão. E ainda os bombardeiros, mortos por entrarem na guerra.

Mas eles deviam estar satisfeitos com os estragos que nos causaram, para além do que devem ter sofrido também. Certo é que, numa guerra destas, nem há vitórias nem derrotas completas. O Oio foi uma das primeiras zonas, onde o PAIGC reclamou área libertada, quase ainda no início da guerra.

Quando os helis levantaram para Bissau, íamos calados a olhar para os cajueiros até desaparecerem da nossa vista, mas as imagens da noite estavam gravadas definitivamente nas nossas memórias. 

Para mim, o dia 24 de Dezembro de 1971, é uma data inesquecível. Uma data amarga, para mim e para muitas famílias. A tristeza invadiu as nossas famílias, os nossos amigos e a gente de Bissau, que nos conhecia.

Chegámos ainda antes do meio-dia, com os familiares à nossa espera. Dos que ainda vinham em coluna de Mansabá, não tínhamos ainda resposta para lhes dar. Mesmo que os acalmássemos e disséssemos que estavam bem, não acreditavam. Assim era melhor ficarmos calados e esperarmos a chegada deles.

Não pude deixar de pensar e recordar, no voo de regresso do meu grupo a Bissau, nos companheiros que terminaram as carreiras e as suas vidas naquele local, chamado Morés.

O inimigo mereceu esta vitória sobre os Comandos? Se encararmos a negligência com que foi escolhido o local para passarmos a noite naquele local dos cajueiros, onde o Saiegh nos aguardava desde o meio dia, se pensarmos bem na desobediência às nossas regras de combate, então foi bem merecida a nossa derrota.

Os nossos instrutores nunca nos disseram para nos sentirmos mais confiantes se fossemos muitos. A nossa preparação era para nos tornar homens mais duros, mais fortes, mais eficazes. Mas que nunca nos devíamos considerar nem melhores nem piores, apenas diferentes. Numa palavra: Comandos. (***)

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Notas do autor ou do editor literário (VB)


[1] Nota do editor: operação “Safira Solitária”, 20/24 Dezembro 1971.

[2] Base aérea em Bissalanca, arredores de Bissau.

[3] Nas imediações do itinerário entre Bissorã e Mansabá.

[4] Nota do editor: o Soldado Aliu Jaquité, da 1ªCCmds, “na noite de 23/24 Dezembro, após receber ordem para retirar, respondeu que um Comando só retira pelos braços de um camarada. Tendo avistado alguns elementos IN a meia dúzia de metros da sua posição, abriu fogo com a sua arma ligeira, abatendo-os, tendo sido por isso referenciado, sendo morto de seguida por uma granada de RPG-2.” Relatório da operação “Safira Solitária”.

 [5] Em árabe, Abdulai quer dizer “Escravo de Deus”

[6] Nota do editor: 22 Dezembro 1971.

[7] Nota do editor: oito no total, segundo o relatório da operação “Safira Solitária” (***)

[8] Nota do editor: quarenta e cinco, segundo o relatório.

[ Seleção / adaptação / revisão / fixação de texto / negritos, para efeitos de publicação deste poste no blogue: L.G.] (****)

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(**)  Deus é Grande, em árabe.

(***) O "pessimismo" do Amadu Djaló contrasta com o louvor dado, já em 1972, à 1ª e 2ª CCmds Adricanos,  pelo gen Spínola pelo seu brilhante e audacioso desempenho operacional, até então, com destaque para a Op Safira Solitária...Oportunamente faremos um poste com o teor desse louvor.

(****) Operação "Safira Solitária" - 20 a 24Dez1971:

Na região de Morés-Santambato- Tambato-Gã Farã- Talicó-Cambajo--larom-Siure, 04 e COP 6, forças da lª e 2CCmds Afr efectuaram ma nomadização. O ln reagiu por 21 vezes à penetração e progressão das NT, com maior intensidade nas regiões de Cubonge e Morés.

Foram causados ao ln 54 mortos confirmados, bastantes feridos e 83 elementos da milícias locais, todos armados, também mortos que reagiram à acção das NF. 

As NT sofreram 8 mortos, 15 feridos graves e 44 ligeiros. Recuperados 28 elementos da população, 2 esautom "Simonov", 2 eautom "Kalashnikov" com cinco carregadores, 1 esp
"Mosin-Nagant", 1 ml "MG-42", 1 "longa" e 2 gran lgfog "RPG-2".

Foi destruído um acampamento ln.

Fonte: Excertos de: Estado-Maior do Exército; Comissão para o Estudo das Campanhas de África (1961-1974). Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África; 6.º Volume; Aspectos da Actividade Operacional; Tomo II; Guiné; Livro III; 1.ª Edição; Lisboa (2015), pp. 293-294 (Com a devida vénia...)

sexta-feira, 7 de julho de 2023

Guiné 61/74 - P24457: Recordando o Amadu Bailo Djaló (Bafatá, 1940 - Lisboa, 2015), um luso-guineense com duas pátrias amadas, um valoroso combatente, um homem sábio, um bom muçulmano - Parte XXXI: Na ocupação da península de Gampará, com a farda do PAIGC, a G3 e um maço de cigarros "Português Suave"... (pp. 207-211)


Guiné > Brá >  c. 1965/66 > Mulheres a trabalho na bolanha. (Foto do álbum de Virgínio Briote, 2005) (Foto reproduzida na pág. 208, do livro do Amadu Dajló)


Guiné > Brá > c. 1973 > Batalhão de Comando dos da Guiné > Tenente graduado 'cmd' Zacarias Saiegh, à direita do Major 'cmd' Raul Folques Foto reproduzida na pág. 210, do livro)



Capa do livro do Amadu Bailo Djaló,
"Guineense, Comando, Português: I Volume:
Comandos Africanos, 1964 - 1974",
Lisboa, Associação de Comandos,
2010, 229 pp, + fotos, edição esgotada.



O autor, em Bafatá, sua terra natal,
por volta de meados de 1966.
(Foto reproduzida no livro, na pág. 149)


Síntese das partes anteriores:

(i) o autor, nascido em Bafatá, de pais oriundos da Guiné Conacri, começou a recruta, como voluntário, em 4 de janeiro de 1962, no Centro de Instrução Militar (CIM) de Bolama;

(ii) esteve depois no CICA/BAC, em Bissau, onde tirou a especialidade de soldado condutor autorrodas;

(iii) passou por Bedanda, 4ª CCaç (futura CCAÇ 6), e depois Farim, 1ª CCAÇ (futura CCAÇ 3), como sold cond auto;

(iv) regressou entretanto à CCS/QG, e alistou-se no Gr Cmds "Os Fantasmas", comandado pelo alf mil 'cmd' Maurício Saraiva, de outubro de 1964 a maio de 1965;

(v) em junho de 1965, fez a escola de cabos em Bissau, foi promovido a 1º cabo condutor, em 2 de janeiro de 1966;

(vi) voltou aos Comandos do CTIG, integrando-se desta vez no Gr Cmds "Os Centuriões", do alf mil 'cmd' Luís Rainha e do 1º cabo 'cmd' Júlio Costa Abreu (que vive atualmente em Amesterdão);

(vii) depois da última saída do Grupo, Op Virgínia, 24/25 de abril de 1966, na fronteira do Senegal, Amadu foi transferido, a seu pedido, por razões familitares, para Bafatá, sua terra natal, para o BCAV 757;

(viii) ficou em Bafatá até final de 1969, altura em que foi selecionado para integrar a 1ª CCmds Africanos, que será comandada pelo seu amigo João Bacar Djaló (Cacine, Catió, 1929 - Tite, 1971)

(ix) depois da formação da companhia (que terminou em meados de 1970), o Amadu Djaló, com 30 anos, integra uma das unidades de elite do CTIG; a 1ª CCmds Africanos, em julho, vai para a região de Gabu, Bajocunda e Pirada, fazendo incursões no Senegal e em setembro anda por Paunca: aqui ouve as previsões agoirentas de um adivinho;

(x) em finais de outubro de 1970, começam os preparativos da invasão anfíbia de Conacri (Op Mar Verde, 22 de novembro de 1970), na qual ele participaçou, com toda 1ª CCmds, sob o comando do cap graduado comando João Bacar Jaló (pp. 168-183);

(xi) a narrativa é retomada depois do regresso de Conacri, por pouco tempo, a Fá Mandinga, em dezembro de 1970; a companhia é destacada para Cacine [3 pelotões para reforço temporário das guarnições de Gandembel e Guileje, entre dez 1970 e jan 1971]; Amadu Djaló estava de licença de casamento (15 dias), para logo a seguir ser ferido em Jababá Biafada, sector de Tite, em fevereiro de 1971;

(xii) supersticioso, ouve a "profecia" de um velho adivinho que tem "um recado de Deus (...) para dar ao capitão João Bacar Jaló"; este sonha com a sua própria morte, que vai ocorrer no sector de Tite, perto da tabanca de Jufá, em 16 de abril de 1971 (versão contada ao autor pelo soldado 'comando' Abdulai Djaló Cula, texto em itálico no livro, pp.192-195) ,

(xiii) é entretanto transferido para a 2ª CCmds Africanos, agora em formação; 1ª fase de instrução, em Fá Mandinga , sector L1, de 24 de abril a fins de julho de 1971.

(xiv) o final da instrução realizou.se no subsector do Xitole, regulado do Corunal, cim uma incursão ao mítico Galo Corubal.

(xv) com a 2ª CCmds, comandada por Zacarias Saiegh, participa, em outubro e novembro de 1971, participa em duas acções, uma na zona de Bissum Naga e outra na área de Farim;

(xvi) em novembro de 1971, participa na ocupação da península de Gampará (Op  Satélite Dourado, de 11 a 15, e Pérola Amarela, de 24 a 28).


1. Continuação da publicação das memórias do Amadu Djaló (Bafatá, 1940-Lisboa, 2015), a partir do manuscrito, digital, do seu livro "Guineense, Comando, Português: I Volume: Comandos Africanos, 1964 - 1974" (Lisboa, Associação de Comandos, 2010, 229 pp, + fotos, edição esgotada) (*).

O nosso  camarada e amigo Virgínio Briote, o editor literário ou "copydesk" desta obra,  facultou-nos uma cópia digital. O Amadu Djaló, membro da Tabanca Grande, desde 2010, tem cerca de nove dezenas de referências no nosso blogue.


Guiné > Região de Quínara > Carta de Fulacunda (1955) (Escala: 1/50 mil) : Posição relativa de Gampará, rios Geba e Corubal, tabancas de Braia e Cubajal, bem como Uaná Porto.

Infografia: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2023)


Recordando o Amadu Bailo Djaló (Bafatá, 1940 - Lisboa, 2015), um luso-guineense com duas pátrias amadas, um valoroso combatente, um homem sábio, um bom muçulmano:

Parte XXXI:  Na ocupação da península de Gampará, com a farda do PAIGC, a G3 e um maço de cigarros "Portuguès Suave"... 
(pp. 207-211)

Na segunda quinzena de novembro[1] fomos para Quinara, na altura em que estava a decorrer a ocupação da península de Gampará. Armados com o nosso material, G-3 e respectivos equipamentos e fardados com roupa idêntica à do PAIGC, tomámos um barco em Bissau e navegámos na direcção de Quinara. 

Quando chegámos a um local adequado, o barco encostou à margem e começámos a desembarcar, amarrados aos ramos das árvores. Depois de reagrupados começámos a progressão rumo ao objectivo.

O sol estava a pôr-se e passámos a noite ali perto. De manhã, logo que o dia começou a clarear, retomámos a progressão até atingirmos uma bolanha, onde vimos mulheres[2] a fazerem as últimas colheitas.

Dirigimo-nos a elas, que ficaram muito surpreendidas com a nossa chegada. Dissemos-lhes que éramos do PAIGC e que tínhamos recebido G-3, para confundir os tugas. E que nos estávamos a deslocar para as proximidades de Tite, para atacarmos o aquartelamento nessa noite ou na próxima. Pareceu-me que ficaram convencidas, não sei se todas, e por volta das 16h00 despedimo-nos delas.

Quando estávamos a abandonar o local recebemos uma mensagem para arranjarmos um local para pernoitarmos, mas numa zona onde pudéssemos ser retirados por helicópteros.

Escolhemos uma grande bolanha de lavra de arroz onde os helis podiam aterrar à vontade. Nessa madrugada adormeci por uns momentos e estava a sonhar que um avião, um Dakota, cheio de passageiros, se estava a dirigir na nossa direcção, a baixar, a baixar, até que acabou por cair com um grande estrondo. Gritei bem alto e acordei sobressaltado, com os companheiros a perguntarem o que estava a acontecer.

De manhã voltámos a encontrar as mulheres, que ficaram surpreendidas quando nos viram. Uma começou a falar muito à vontade connosco e, a certa altura perguntou-nos:

– Vocês não disseram ontem que iam atacar Tite?

O tenente Saiegh respondeu que tínhamos recebido ordem para esperarmos aqui nesta zona, que os aviões nos vinham buscar.

A mulher perguntou se os aviões podiam aterrar neste local. Que sim, que podiam, respondeu. No meio desta conversa, ouvimos o ruído de uma avioneta que pediu a nossa localização.

Localizados facilmente, pouco tempo depois chegaram os helis que pousaram na bolanha e não demorou muito estávamos todos no ar. Entregaram-nos novas cartas topográficas, a missão tinha sido alterada.

Fomos largados junto a uma tabanca, na roda do rio Geba. Andámos um pouco, cortámos à direita e entrámos num carreiro com muitas marcas de pegadas. Ia direito a Cubajal. No trajecto encontrámos um velhote que nos disse que ia para a tabanca, onde tínhamos acabado de ser largados, e que vinha de Cubajal.

Perguntámos-lhe se nos podia acompanhar. Respondeu que tinha medo de estar na tabanca, que um avião andava lá em cima desde manhã. Saiegh garantiu-lhe que não ia acontecer nada e ele foi connosco. Enquanto caminhávamos ia conversando com o velhote e a certa altura disse que era o chefe da tabanca de Cubajara, informação que transmiti ao Saiegh.

Quando chegámos reunimos a população da tabanca. Era muita gente. Dissemos-lhes que éramos do PAIGC, que já tínhamos G-3 para confundirmos os tugas. E que tínhamos a informação que Gampará tinha sido ocupada pela tropa. Responderam que sim, que tinha sido ocupada. Estava ali o chefe da tabanca de Gampará que se levantou para se apresentar.

Continuámos a reunião dizendo-lhes que tínhamos vindo com uma missão, falar sobre mantimentos.

 Vocês sabem perfeitamente que nada nos falta na República da Guiné-Conakry. Mas não podíamos trazer connosco tudo o que precisávamos, por isso, têm que ter paciência, tem que nos reabastecer durante o cumprimento da nossa missão.

Foi assim que nos dirigimos à população da tabanca de Cubajal.

Foram rápidos a responder. Que podíamos contar com eles, que tinham arroz em quantidade suficiente para sustentar todos os combatentes pela Liberdade da Pátria que passassem em Cubajal.

O tenente Saiegh voltou a tomar a palavra para dizer que brevemente o quartel de Gampará iria cair nas nossas mãos, do PAICG, claro. Quando acabou de falar começaram a ouvir-se palmas e de um momento para o outro toda a gente aplaudia. Foi uma salva de palmas da população para o comandante da 1ª companhia de Comandos. O almoço ficou pronto e convidaram-nos a comer à vontade.

Perguntei a um rapaz que estava próximo se todos os chefes das famílias estavam ali connosco. Não, havia, ali em frente, uma família, respondeu-me.

Peguei na minha arma, chamei um soldado para me acompanhar e fui ao encontro de um homem que estava a comer com os filhos ao lado. Depois dos cumprimentos e do convite para almoçarmos com eles, perguntou-me de onde tínhamos vindo.

– De Conakry  respondi.

– De Conakry, com G-3?

   É por isso mesmo – comecei a responder    que estamos a convocar reuniões para toda a população saber que nós também temos G-3 para confundir os tugas.

Ele levantou-se e disse aos filhos para continuarem a comer.

 
– Também podes continuar a comer à vontade    disse eu. 

Que não estava bem, via-se na cara e na expressão,  que estava desconfiado.

Eu estava a fumar um cigarro, um Português Suave, e ele pediu-me um. Meti-lhe um cigarro na boca para o acender mas ele disse que primeiro gostava de lavar a boca. Pegou no cigarro, virou-o até à marca e depois meteu-o na boca, abanando a cabeça. Peguei-lhe num braço, levei-o até ao local da reunião, mandei-o sentar-se ao pé de mim e disse-lhe que não fizesse qualquer sinal às outras pessoas da tabanca.

Um dizia que desde o começo da guerra nunca a tropa lá tinha posto os pés, que tinha havido um ataque da aviação que tinha causado apenas um ferido ligeiro. Outro dizia que Cubajal era um local sagrado. Estava toda a gente a falar quando vimos uma avioneta aproximar-se. Quando estava quase em cima de nós, com todos a olhar para o ar, alguns disseram que era melhor afastarmo-nos e escondermo-nos.

Então dissemos quem éramos. Que os aviões não lhes iam fazer mal. Uma pessoa perguntou se aquele, o Saiegh, que estava ali com um aparelho estava a falar com o avião.

   Está – respondeu alguém. – Nós somos dos Comandos da Guiné, que alguns de vocês chamam criminosos. Estivemos convosco de manhã até agora, não matámos nem batemos em ninguém. Se formos atacados respondemos, isso é verdade. Quando há guerra é assim e tem que ser encarada com seriedade, não é brincadeira.

Toda a gente da tabanca estava surpreendida, menos um, o que eu tinha ido buscar. Ele sabia perfeitamente que não éramos do PAIGC.
Não falou nem uma vez, manteve-se sempre calado. Quando uma pessoa se levantou para falar, reparei que o homem fixava o olhar no orador, como se quisesse fazer um sinal, mas eu também nunca tirei os olhos dele. O erro do Português Suave não me saía da cabeça.



Português Suave" é uma marca de cigarros portuguesa, produzida e comercializada pela Tabaqueira a partir de 1929,, tendo passado a pertencente ao grupo Philip Morris International, desde 1997.  A imagem que se reproduz deve ser de 1975 ou data posterior, quando a Tabaqueria era E.P. (Cortesia da página, de Iana Peiu (Paris) >  "Peiuana", 23 de dezembro de 2013)

A reunião terminou com a avioneta em cima de nós. Foi-nos dada ordem de abandonarmos o local e levar connosco os chefes das tabancas de Cubajal e Gampará para a tabanca de Braia, que ficava junto ao rio, a cerca de uma hora de marcha. Ficámos com eles em nosso poder até de manhã. Depois demos a cada um cerca de 50 folhas de tabaco e um quilo de noz de cola e mandámo-los embora, de regresso a Cubajal.

Cerca de uma hora mais tarde recebemos ordem para nos dirigirmos para o porto de Uanazinho. Uma marcha de um dia inteiro, sem nada para comer. Tínhamos começado a andar às 08h00 da manhã e chegámos por volta das 18h30. Depois de ter comunicado a nossa chegada, o tenente Saiegh recebeu ordem para seguirmos para Gampará.

Dormimos um pouco, iniciámos a caminhada às 06h00 até que, por volta das 10h00, encontrámos uma tabanca com muitas cabras amarradas. Saiegh deu instruções para reunir a população da tabanca e para um grupo ficar de vigilância. Deu também ordem para se matarem três cabras, para as assarmos, porque já não víamos comida há muitas horas.

Na caminhada de regresso vimos manchas de sangue no caminho. Era sangue de páras que por ali tinham passado, viemos a saber depois. Nessa mesma operação tinham acabado de passar por ali, mesmo antes de nós. Já traziam um ferido e um deles pisou uma mina, que atingiu mais dois companheiros. (**)

Em Gampará soube que em vez de três tinham sido mortas quatro cabras, embora só nos tivessem apresentado três. A outra, pelo que vim a saber, era para levarem para Bissau. Mandei chamar o soldado e dei-lhe ordem para me trazer a cabra. Nem disse uma palavra, foi buscá-la e trouxe-a inteira.

Perguntei aos soldados o que é que pretendiam que se fizesse à cabra. Cozinhá-la, responderam. Que um tinha arroz e outro óleo de palma, acrescentou outro.

Dirigi-me em seguida para o aquartelamento e fui procurar o Saiegh para saber o que íamos fazer a seguir. Regressar a casa, missão terminada. Amanhã vem um barco que nos vai levar de regresso.

Avisei os meus soldados e aproveitei para lhes dizer que podemos roubar para matar a fome, não para levar para casa. Roubar e levar para casa é um crime e um mau vício.

Antes de embarcarmos, chegou um heli com o General Spínola. À frente da nossa companhia e da dos páras fez um pequeno discurso.
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Notas do autor e/ou editor literário:

[1] Nota do editor: as CCmds participaram nas operações da instalação do COP7 na península de Gampará, designadamente a “Satélite Dourado”, entre 11/15Nov71, e a “Pérola Amarela”, entre 24 e 28 Novembro 1971. 

A criação do Comando Operacional nº 7, em 24/11/1971, tinha como finalidade concretização a execução de um reordenamento da população de Ganjauará / península de Gampará, e limitar a atividade IN na região de Quínara. (Nota do editor LG)

[2] Biafadas.

[Seleção / Revisão e fixação de texto / Subtítulo / Negritos: LG]
____________

Notas do editor:

(*) Último poste da série > 19 de junho de 2023 > Guiné 61/74 - P24414: Recordando o Amadu Bailo Djaló (Bafatá, 1940 - Lisboa, 2015), um luso-guineense com duas pátrias amadas, um valoroso combatente, um homem sábio, um bom muçulmano; Parte XXX: A guerra pela população (pp. 204-206)

(**) O Amadu Djaló não terá feito confusão com outra data ?

Vd. poste de 21 de fevereiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1540: Os pára-quedistas também choram: Operação Pato Azul ou a tragédia de Gampará, em 4 de Março de 1972 (Victor Tavares, CCP 121)

(...) Desta tragédia para a família pára-quedista, que jamais esquecerá este dia , resultaram:

(i) seis mortes, Alf Mil Paraquedista Abreu, Furriel Pára-quedista Cardiga Pinto, PCB/Pára-quedista 47/68 Santos , PCB/Pára-quedista 129/69 Almeida , Sol/Pára-quedista 318/69 Jesus , PCB/Pára-quedista 412/69 Sousa;

(ii) 2 feridos graves e nove com menos gravidade , Furriel Pára-quedista Casalta (Comandante da 1ª secção do 2º Pelotão) , Sol Pára-quedista Inês (evacuado para a metrópole ), Ferreira , Tavares, Ventura, e 1º Cabo Pára-quedista Figueiredo, todos do 2º Pelotão, e o Sold Pára-quedista Salgado - Estilhaço de alcunha - do 1º Pelotão, faltando três por identificar pois, passado todos estes anos, já não me recordo, e ficará para sempre uma saudade enorme D’AQUELES EM QUEM PODER NÃO TEVE A MORTE. (...) 

segunda-feira, 19 de junho de 2023

Guiné 61/74 - P24414: Recordando o Amadu Bailo Djaló (Bafatá, 1940 - Lisboa, 2015), um luso-guineense com duas pátrias amadas, um valoroso combatente, um homem sábio, um bom muçulmano; Parte XXX: A guerra pela população (pp. 204-206)


Guiné > Região do Oio > Farim > Aproximação à pista de Farim. Foto de Carlos Silva, ex-fur mil, CCAÇ 2548/BCAÇ 2879 (Jumbembem, 1969/71) (publicada, a preto e branco, no livro, na pág. 205)

Guiné > Região do Oio > Farim > O rio Cacheu em Farim.  Foto de Carlos Silva, ex-fur mil, (publicada, a preto e branco, no livro, na pág. 204)


Guiné > Região do Oio > Farim > O rio Cacheu em Farim.  Foto de Carlos Silva (publicada, a preto e branco, na pág. 206)

Fotos (e legendas): © Carlos Silva (2010). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



Capa do livro do Amadu Bailo Djaló,
"Guineense, Comando, Português: I Volume:
Comandos Africanos, 1964 - 1974",
Lisboa, Associação de Comandos,
2010, 229 pp, + fotos, edição esgotada.



O autor, em Bafatá, sua terra natal,
por volta de meados de 1966.
(Foto reproduzida no livro, na pág. 149


Síntese das partes anteriores:

(i) o autor, nascido em Bafatá, de pais oriundos da Guiné Conacri, começou a recruta, como voluntário, em 4 de janeiro de 1962, no Centro de Instrução Militar (CIM) de Bolama;

(ii) esteve depois no CICA/BAC, em Bissau, onde tirou a especialidade de soldado condutor autorrodas;

(iii) passou por Bedanda, 4ª CCaç (futura CCAÇ 6), e depois Farim, 1ª CCAÇ (futura CCAÇ 3), como sold cond auto;

(iv) regressou entretanto à CCS/QG, e alistou-se no Gr Cmds "Os Fantasmas", comandado pelo alf mil 'cmd' Maurício Saraiva, de outubro de 1964 a maio de 1965;

(v) em junho de 1965, fez a escola de cabos em Bissau, foi promovido a 1º cabo condutor, em 2 de janeiro de 1966;

(vi) voltou aos Comandos do CTIG, integrando-se desta vez no Gr Cmds "Os Centuriões", do alf mil 'cmd' Luís Rainha e do 1º cabo 'cmd' Júlio Costa Abreu (que vive atualmente em Amesterdão);

(vii) depois da última saída do Grupo, Op Virgínia, 24/25 de abril de 1966, na fronteira do Senegal, Amadu foi transferido, a seu pedido, por razões familitares, para Bafatá, sua terra natal, para o BCAV 757;

(viii) ficou em Bafatá até final de 1969, altura em que foi selecionado para integrar a 1ª CCmds Africanos, que será comandada pelo seu amigo João Bacar Djaló (Cacine, Catió, 1929 - Tite, 1971)

(ix) depois da formação da companhia (que terminou em meados de 1970), o Amadu Djaló, com 30 anos, integra uma das unidades de elite do CTIG; a 1ª CCmds Africanos, em julho, vai para a região de Gabu, Bajocunda e Pirada, fazendo incursões no Senegal e em setembro anda por Paunca: aqui ouve as previsões agoirentas de um adivinho;

(x) em finais de outubro de 1970, começam os preparativos da invasão anfíbia de Conacri (Op Mar Verde, 22 de novembro de 1970), na qual ele participaçou, com toda 1ª CCmds, sob o comando do cap graduado comando João Bacar Jaló (pp. 168-183);

(xi) a narrativa é retomada depois do regresso de Conacri, por pouco tempo, a Fá Mandinga, em dezembro de 1970; a companhia é destacada para Cacine [3 pelotões para reforço temporário das guarnições de Gandembel e Guileje, entre dez 1970 e jan 1971]; Amadu Djaló estava de licença de casamento (15 dias), para logo a seguir ser ferido em Jababá Biafada, sector de Tite, em fevereiro de 1971;

(xii) supersticioso, ouve a "profecia" de um velho adivinho que tem "um recado de Deus (...) para dar ao capitão João Bacar Jaló"; este sonha com a sua própria morte, que vai ocorrer no sector de Tite, perto da tabanca de Jufá, em 16 de abril de 1971 (versão contada ao autor pelo soldado 'comando' Abdulai Djaló Cula, texto em itálico no livro, pp.192-195) ,

(xiii) é entretanto transferido para a 2ª CCmds Africanos, agora em formação; 1ª fase de instrução, em Fá Mandinga , sector L1, de 24 de abril a fins de julho de 1971.

(xiv) o final da instrução realizou.se no subsector do Xitole, regulado do Corunal, cim uma incursão ao mítico Galo Corubal.

(xv) com a 2ª CCmds, comandada por Zacarias Saiegh, participa, em outubro e novembro de 1971, participa em duas acções, uma na zona de Bissum Naga e outra na área de Farim.



1. Continuação da publicação das memórias do Amadu Djaló (Bafatá, 1940-Lisboa, 2015), a partir do manuscrito, digital, do seu livro "Guineense, Comando, Português: I Volume: Comandos Africanos, 1964 - 1974" (Lisboa, Associação de Comandos, 2010, 229 pp, + fotos, edição esgotada) (*).

O nosso  camarada e amigo Virgínio Briote, o editor literário ou "copydesk" desta obra,  facultou-nos uma cópia digital. O Amadu Djaló, membro da Tabanca Grande, desde 2010, tem cerca de nove dezenas de referências no nosso blogue.



Recordando o Amadu Bailo Djaló (Bafatá, 1940 - Lisboa, 2015), um luso-guineense com duas pátrias amadas, um valoroso combatente, um homem sábio, um bom muçulmano:


Parte XXX:  A guerra pela populaçãpo (pp. 204-206)


Depois de várias saídas, a nossa companhia comandada pelo Tenente Zacarias Saiegh, partiu para Bissau, com a missão de executar duas acções, uma na zona de Bissum Naga[1] e outra na área de Farim.

Na zona de Bissum Naga, tivemos contacto com o PAIGC por duas vezes. Num dia, um dos nossos grupos, junto ao rio, capturou armas e granadas ao PAIGC. No dia seguinte, outro grupo nosso foi apanhado pelo IN, quando estava numa fonte a transportar água[2] e teve um ferido.

Duas companhias incompletas, a 1ª e a 2ªCCmds, comandadas também pelo Saiegh, embarcaram de avião para Farim, onde chegámos às 11h00. Depois, seguimos, a pé, da pista para o cais, onde ficámos até cerca das 16h00.

Entrámos para uma embarcação comercial e partimos, como quem ia para Binta[3]. A meio do rio, o barco encostou à margem esquerda, amarrámo-nos às árvores e saltámos para terra. Depois de reagrupados, rumámos na direcção de Oio Tiligi[4]. Entrámos na mata, fizemos um alto para comer qualquer coisa e mudamos para um local onde pernoitámos.

Logo de manhã, bem cedo, dirigimo-nos para a zona onde tinham sido referenciados acampamentos do PAIGC.

A certa altura, não muito longe desses locais, ouvimos barulho de vozes e tomámos as disposições para o assalto. Não sabíamos se era pessoal armado ou só população. Como os sons das vozes vinham de vários locais, separámos o nosso pessoal.

Fomo-nos aproximando na direcção das vozes, deparámos com barracas com população civil e, sem dar um tiro, recuperámos as cerca de trinta pessoas que encontrámos.

Em marcha rápida saímos do local, com o objectivo de evitar contacto armado, uma vez que tínhamos entre nós crianças, velhos e mulheres. Sabíamos que eles conheciam a zona melhor que nós e mantivemos o ritmo da marcha até encontrarmos um local que nos pareceu relativamente seguro para dormir um pouco. 

Como estávamos no mês do Ramadão demos às pessoas a nossa ração de combate para quebrarem o jejum.

Ao romper da aurora dirigimo-nos para a margem do rio Cacheu e, depois de muito andar, avistámos o barco, que estava encostado a umas árvores, numa zona em que o rio faz uma curva. Não foi fácil meter toda a gente na embarcação mas conseguimos.

Chegámos ao cais de Farim, entre as 15 e as 16h00 e apresentámo-nos no comando do batalhão[5]. Um capitão disse que quem tivesse onde dormir que podia ir e regressar no dia seguinte, aí pelas oito horas.

Eu e mais alguns colegas fomos para o bairro de Sinchã, onde a maioria dos moradores era da minha etnia. Não estavam à nossa espera e não tinham condições para nos dar comer e alojamento mas nada nos faltou e dormimos bem até de manhã.

No dia seguinte, conforme estava determinado, encontrámo-nos na pista à espera dos aviões que chegaram por volta das 09h00[6].

(Continua)
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Notas do autor e/ou do editor literário (VB):

[1] Nota do editor: a cerca de 17km a norte de Binar.

[2] Nota do editor: esta acção na zona de Bissum Naga, executada pelas 1ª e 2ª CCmds, foi elaborada pelo COE, comandado pelo Major Almeida Bruno, e decorreu entre 18/22 Outubro 1971 na mata do Choquemone.

[3] Nota do editor: destacamento da CArt 3358.

[4] Tiligi, palavra mandinga que significa pôr-do-sol.

[5] Nota do editor: BArt 3844.

[6] Nota do editor: acção no Tancroal (rio Jagali, Ganturé-Cacheu), sector de Farim, comandada pelo Major Almeida Bruno, entre 29 Outubro/01 Novembro 1971.

[Seleção / Revisão e fixação de texto /  Subtítulo / Negritos:  LG]
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quinta-feira, 25 de maio de 2023

Guiné 61/74 - P24339: Tugas, pocos pero locos: algumas das nossas operações temerárias (2): Op Gavião (Madina / Belel, 4-6 de abril de 1968): 300 homens desbaratados pelas abelhas, armas extraviadas, um cadáver abandonado, um homem perdido, etc.


Cracá do Pel Caç Nat 52 (1966/1974), "Os Gaviões". Divisa: "Matar ou morrer"


Operação Gavião (Madina / Belel, 4-6 de Abril de 1968)  

1. Todos os anos, pela época seca, de preferência entre março e abril, o comando do batalhão sediado em Bambadinca, Sector L1, zona leste, região de Bafatá, mandava uma força de cerca de 300 homens à procura do acampamento IN do Enxalé, algures na península de Madina / Belel, mesmo já no limite do Sector, a sudeste da base de Sara.  Por aqui o IN e a população sob o seu controlo viviam com relativa tranquilidade, só sendo importunados por alguma incursão de tropas helitransportadas ou pelos bombardeamentos da FAP. A ida a Madina / Belel era quase sempre azarada: em geral as NT levavam prisioneiros que serviam de guias, e que procuravam ludibriar as NT, "perdendo-se" propositadamente ou tentando inclusive a fuga (como aconteceu, por exemplo, na Op Anda Cá, 22 e 23 de fevereiro de 1968) (*), 

Todos os anos aconteciam erros de planeamento, guias que se perdiam, itinerários mal escolhidos, PCV (antes da época do Strela...) que denunciavam a presença das NT, falhas no abastecimento de água, progressão para o objectivo a horas proibidas, confusão de (ou chegada tardia aos objetivos), flagelações do IN, tabancas abandonadas e queimadas, casos de exaustão, insolação e  desidratação, indisciplina de fogo, ataques de abelhas, debandada geral, perda de armas e muniçóes, e até de homens, regresso dramático ao Enxalé com viaturas a sair até São Belchior para transportar os mais "desgraçados", tentatativa de recuperação, no dia seguinte, do material perdidos… e, claro, relatórios por vezes fantasiosos, pouco rigorosos, etc....

Em 1968 (Op Gavião), aconteceram também estas coisas, próprias de uma guerra de contraguerrilha, num terreno inóspito para muitas das tropas portuguesas... É também caso para dizer, "tugas pocos pero locos" (**).

2.  Op Gavião: Desenrolar da acção

Iniciada no dia 4 de abril de 1968, às 18h00, com a duração de 3 dias, tinha como finalidade excutar uma acção ofensiva na mata de Belel, começando por um golpe de mão ao acampamento IN  do Enxalé. 

Forças ( c. 300 homens) que tomaram parte na operação:

(i) Cmdt: 2º cmdt BART 1904;

(ii)  Destacamento A: CART 2338 a 4 Gr Com + Pel Caç Nat 52;

(iii) Destacamento B: CART 2339, a 4 Gr Comb + Pel Caç Nat 53


Destacamento A

O Pel Caç Nat 52 deslocou-se de Missirá para a região de Aldeia do Cuorno dia 4 de abril de 1968, às 15h00, onde se instalou protegendo a cambança das restantes forças do Destacamento (CART 2338), cambança essa que foi efectuadas às 18h45 do mesmo dia.

Uma vez completo o Destacamemnto, as NT iniciaram a marcha para Missirá, tendo pernoitado um pouco antes de o atingir, pelas 22h00. 

Reiniciaram o movimento no dia 5, às 5h30, utilizando um guia natural de Missirá, ao qual foi acordado e indicado qual o serviço a desempenhar só pouco antes do início do movimento, por razões de sigilo e segurança.

Ao fim  da tarde do dia 5 atingiu um ponto cerca de 1 km atrás do local previsto onde pernoitou.

Reiniciado o movimento no dia 6, pelas 5h30, foi detectado um sentinela por volta das 7h30. Começou então a instação de 3 Gr Comb para proteger o ataque dos outros dois grupos. 

Entretanto a sentinela detectou as NT e fugiu. Passados poucos minutos o IN emboscou as NT com LGFog e armas automáticas
Zacarias Saiegh, mais tarde,
na 1ª CCmds Africanos,
como  tenente graduado
'comando'

Com o Pel Caç Nat 52 à frente, impulsionado pelo seu comandante, o fur mil Zacarias Saiegh, que demonstrou um sangue frio, decisão e temeridade  dignos de serem apontados, reagiu à emboscada,  perseguindo o IN durante cerca de 1,5 km. 

Deparou nessa altura com a tabanca de Belel que imediatamente atacou e destruiu totalmente, tabanca essa que tinha sido abandonada recentememnte, e que tinha 25 palhotas. Foram destruídos ainda um tanque de água e uma horta grande.

Aquando da  destruição da tabanca pelo fogo, foram ouvidos uns rebentamentos muito fortes, o que levou a concluir tratar-se de um pequeno paiol.

Entretanto, o PCV infornou o Destacamento A que o objetivo destruído era o objectivo do Dest B e deu ordens para reiniciar o regresso para o local previsto onde se devia emboscar durante a acção do Dest B, o que foi cumprido,

Ao chegar ao local previsto, encontrou-se com o outro Dest, que já tinha destruído o objetivo deste Dest (B), e acabava de sofrer um ataque de abelhas que tinha provocado uma grande desorganziação. 

Tendo então recebido ordem do PCV para iniciar o regresso da operação, acordou com o Dest B que seguisse este na frente por já conhecer o caminho. Entretanto, ao iniciar o movimenmto depois da preparação das macas improvisadas para o transporte dos elementos mais atingidos pelo ataque das abelhas, o que demorou um certo tempo, foram emboscados novamente por forças do IN, tendo sido pedido então apoio aéreo, o que foi recusado pelo PCV.

Foi reiniciado o movimento com algumas paragens motivadas por flagelações do IN, com armas automáticas, e mais dois ataques de abelhas na margem do Rio Gandurandim, o que provocou nova desorganização nos Destacamentos. 

Por fim foi atingida a estrada Finete-Enxalé, sendo o Destacamemto recolhido em viaturas em São Belchior, atingindo o Enxalé no dia 6, às 18h30.

Aí, mais tarde, foi constatado o desaparecimento de uma praça metropolitana pelo que o cmdt do Destacamento A resolveu  na madrugada seguinte ir à sua procura, não tendo sido necessário por a praça ter aparecido no Enxalé no dia 7, às 6h00.

Iniciou-se a cambança do Rio Geba para o Xime, e daí, em viaturas, iniciou-se o movimento para Fá que foi atingida no dia 8, às 15h00.

Constatou-se que, durante o ataque de abelhas, duas praças perderam as armas, pelo que o Cmdt do BART ordenou a ida de 1 Gr Comb deste Dest, e um do Dest B no dia seguinte, 8, às 5h00 ao local,  a fim de recuperar as referidas armas, o que foi conseguido. A força regerssou ao quartel em 8, às 20h00.

Destacamento B

A CART 2339 iniciou o seu movimento, em meios auto, no dia 5, às 15h00, de Fá para o Xime onde agregou o Pel Caç Nat 53. Iniciou a cambança do Rio Geba pelas 18h00, recebeu no Enxalé dois guias e iniciou a marcha pelo itinerário previsto, tendo atingido o local a norte de Madina onde se devia instalar, no dia 6, às 7h00, após alguma hesitações ("exitações", no originnal) dos guias,

Cerca das 9h00, o PCV informou que o Dest A tinha já destruído a tabanca de Belel e ordenou que se iniciasse o movimento pelo trilho Mandina-Belel, a fim de iniciar a batida à zona a sul do referido trilho.

Durante o deslocamento foi detectado o acampamento de Enxalé. que imediatamente foi atacado e destruído, sem resistência, verificando-se que tinha sido abandonado há pouco tempo. O objectivo tinha 8 palhotas, e forma capturadas 1 espingarda Mauser, 2 marmitas, 1 granada de RPG, e alguns documentos.

Aquando da destruição pelo fogo, foram ouvidos rebentamentos de munições de armas ligeiras e granadas de RPG.

Entretanto, os elementos do Dest instalados, quando se procedia ao assalto, foram atacados pela abelhas, o que provocou uma desorganiozaçáo grande, e pôs 2 homens em estado grave, que não permitiu que se deslocassem pelos seus meios.  

Devido ainda a esse ataque de abelhas, no seu movimento desordenado o Dest encontrou-se com o Dest A instalado no local previsto.

Nessa altura e como havia uma linha de água perto, 3 elementoso do Pel Caç Nat 53, sem autorização, deslocaram-se para se reabastecerem de água. Foram atacados pelo IN tendo sido abatido o soldado milícia 60/64, Tura Jau, e tendo o IN capaturado a sua arma, espingarda G3 nº 035786.

Acorrendo imediatamente ao local, repeliu-se o IN e recuperou-se o corpo  do referido mílicia.

Como o PCV informara que ía Bissau abastecer, foi pedido pela rede de operação a evacuação dos elementos feridos e do morto. Entretanto, ao chegar o PCV, foi pedida novamente a evacuação, tendo o mesmo  determinado que não houvesse evacuações, após se ter inteirado que os feridos picados pelas anelhas estavam a recuperar, e ter decidido o regresso ao quartéis em face dos objectivos previstos terem sido destruídos, o terreno a sul da picada onde nos encontrávamos estar queimado e não havendo possibilidade de se esconderem instalações do IN e ainda pelo facto do Dest GAMA (BCAÇ 1912) não se ter instalado no local previsto para proteger a acção deste Dest.

Por lapso que se explica pelas circunstâncias de momento, o PCV não foi informado que já tinha sido pedida a evacuação pela rede de operações, o que provocou a vinda do héli a Bambadinca, não sendo contudo utilizado.

Depois de uma certa demora, com o Pel Caç Nat 52 e 53 à frente, iniciou-se o regresso, tendo as NT sofrido 3 flagelações sem consequèncias, e tendo o IN sofrido 5 mortos confirmados.

Já junto da estrada Finete-Enxalé as NT sofreram mais 2 ataques de abelhas, provocando o desmaio de alguns elementos que tiveram de ser transportados às costas.

Continuando a progressão atingiu-se São Belchioronde se foi recolhido por viaturas para Enxalé, que foi atingo cerca das 18h00.

Verificou-se que o morto tinha ficado na zona d0 último ataque de abelhas pelo que foi decidido o Pel Caç Nat 53 ficar em Enxalé, a fim de ir de madrugada no dia seguinte recuperar o corpo, o que foi feito.

A CART 2339 inicou a travessia do Rio Geba, e deslocou-se em viaturas para Fá, que atingiu no dia 7 às 3h00.

Ao conferir o material foi constatada a falta de 2 espingardas G3 e alguns cantis e bornais ("burnais", no original), o que foi comunidacado ao Cmdt do BART que ordenou a ida no dia seguinte à zona do último ataque das abelhas juntamente com 1 Gr Comb da CART 2338, o que foi feito e conseguido recuperar parte do material perdido. As NT regressaram  a Fá, que atingiram no dia 8, às 20h00.

Fonte: Excerto das  páginas 43, 44 e 45 da História da Unidade: Batalhão de Artilharia nº 1904, 1966/68. Relatório da Op Gavião, iniciada em 4 de Abril de 1968: com a duração de três dias, e destinada a executar um golpe de mão contra o acampamento do Enxalé, do PAIGC, na mata de Belel, teve a participação da CART 2338, a 4 Gr Comb, mais o Pel Caç Nat 52 (Destacamento A), bem como da CART 2339, a 4 Gr Comb, mais o Pel Caç Nat 53 (Destacamento B). Foi comandada pelo 2º Comandante do BART 1904.


Documento digitalizado: © Armando Fernandes (2008). Direitos reservadas.


3. O Armando Fernandes, ex-alf mil cav, cmdt do  Pel Rec  Info,  CCS / BART 1904, Bissau e Bambadinca, 1966/68), mandou-nos em 8 de maio de 2008 fotocópias das páginas 43, 44 e 45 da história da unidade, com base nas quais transcrevemos o texto acima (com algumas adaptações, devido ao facto de estar mal redigido e ter alguns erros de ortografia).

Na altura, o nosso camarada escreveu o seguinte:

Professor Luís Graça:

Chamo-me Armando Fernandes, fui alf mil cav, comandei o Pel Rec do BART 1904 que esteve sedeado em Bambadinca, de Janeiro a Setembro de 1968. Durante todo o ano de 1967 o Batalhão esteve sedeado em Santa Luzia, Bissau, onde rendeu, em Janeiro de 67, o BCAÇ 1876.

Entrei ontem, pela 1ª vez, no seu blogue e chamou-me a atenção o nome de uma operação referido em P2817 (***), Operação Gavião.

Sobre essa operação consta da história do BART 1904, pags. 43/45 (edição não canónica em meu poder) que o fur mil Zacarias Saiegh nela participou, o que está em desacordo com uma resposta do doutor Beja Santos registada em P2817. Parece, também, que relativamente à entrada em Belel há discrepância entre o registado na história do BART e o afirmado no mesmo poste. Onde estará a verdade?

Em anexo envio cópia das páginas que referi.

Apresento os meus cumprimentos, Armando Fernandes

4. Comentário do editor L.G.:

Na altura agradeci ao camarada Armando Fernandes, dizendo-lhe que ia divulgar a sua versão (que era a versão do BART 1904)  (****) e dar conhecimentos aos camaradas que tinham escrito sobre a Op Gavião (Mário Beja Santos, do Pel Caç Nat 52, e Torcato Mendonça e Carlos Marques dos Santos, da CART 2339, estes dois últimos participantes da Op Gavião) (*****). 

Escrevi então: 

"A nós interessa-nos a verdade e só a verdade... Em muitos casos, há discrepâncias factuais entre os nossos relatórios de operações e os depoimentos pessoais. É normal. O Mário Beja Santos, que comandou o Pel Caç Nat 52 (a partir de agosto de 1968), não poderia obviamente ter participado nesta Operação Gavião (abril de 1968). Socorre-se da memória dos seus antigos soldados, alguns dos quais felizmente ainda estão vivos e vivem em Portugal."

O ex-alf mil Torcato Mendonça e o ex-fur mil Carlos Marques dos Santos, da CART 2339 (Mansambo, 1968/69), esses,  infelizmente, já náo estão entre nós...

Na altura também convidei o Armando Ferreira  a ingressar na nossa Tabanca Grande.  Infelizmente nunca mais nos contactou, pelo que nem ele nem mais ninguém representa o BART 1904 no nosso blogue.

De qualquer modo, ficou claro na altura que  o fur mil Zacarias Saiegh, a comandar interinamente  o Pel Caç Nat 52, tinha particiapdo na Op Gavião, e que recebera do comandante da operação, rasgados elogios, como se depreende deste excerto do relatório:

(...) "Com o Pel Caç Nat 52 à frente, impulsionado pelo seu comandante, o fur mil Zacarias Saiegh, que demonstrou um sangue frio, decisão e temeridade  dignos de serem apontados, reagiu à emboscada,  perseguindo o IN durante cerca de 1,5 km. " (...)
__________

Notas de L. G.:

(*) Vd. poste de 23 de fevereiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1542: Operação Macaréu à Vista (Beja Santos) (34): Uma desastrada e desaosa operação a Madina/Belel

(**) Último poste da série > 21 de maio de 2023 > Guiné 61/74 - P24330: Tugas, pocos pero locos: algumas das nossas operações temerárias (1): Op Tigre Vadio, 30 de março a 1 de abril de 1970, sector L1, Península de Madina / Belel, zona leste, sector L1 (Bambadinca)

(***) Vd. poste de 7 de Maio de 2008 > Guiné 63/74 - P2817: Blogoterapia (51): O Alentejo do Casadinho e do Cascalheira, o Tura Baldé, a Op Gavião... (Torcato Mendonça / Beja Santos)
(****) Vd. poste de 11 de maio de 2008 > Guiné 63/74: P2833: Op Gavião (Belel, 4-6 de Abril de 1968) (Armando Fernandes, Pel Rec CCS / BART 1904, Bissau e Bambadinca, 1966/68)

(*****) Vd. ppostes de:

9 de maio de 2008 > Guiné 63/74 - P2823: Dando a mão à palmatória (11): Operação Gavião, 5 de Abril de 1968, com as CART 2338 e 2339 (Torcato Mendonça / Beja Santos)

2 de janeiro de 2012 > Guiné 63/74 - P9303: Memórias do Carlos Marques dos Santos (Mansambo, CART 2339, 1968/69) (1): Op Gavião: Abril de 1968, antes o fogo do IN que o ataque das abelhas