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terça-feira, 3 de maio de 2022

Guiné 61/74 - P23224: A nossa guerra em números (16): A "força africana" em 1972: mais de 20 mil homens em armas, segundo o enviado especial do "Diário de Lisboa" ao CTIG



Guiné > s/l [Bambadinca ?] > s/d [c. 1971/73] > A Força Africana... O major inf Carlos Fabião, na altura (1971/73),  comandante do Comando Geral de Milícias, e o gen António Spínola, passando revista a uma formatura de novos milícias.(*)

In: Afonso, A., e Matos Gomes, C. - Guerra colonial: Angola,  Guiné, Moçambique. Lisboa: Diário de Notícias, s/d. , pp. 332 e 335. Autores das fotos: desconhecidos. (Reproduzidas com a devida vénia)


1. Estes dados  foram  retirados do trabalho do jornalista do "Diário de Lisboa", Avelino Rodrigues,  enviado em julho de 1972, à Guiné, por convite (e com garantias) de Spínola . 

Merecem o devido destaque, salvaguardadas as necessárias reservas por não se tratar de uma fonte independente... Nomeadamente, os que respeitam aos efetivos do PAIGC  e à população sob o seu controlo. Não é por acaso que o jornalista deu ao conjunto desses quatro artigos de reportagem o título de "Guiné, uma crónica imperfeita" (**)


TERRITÓRIO:

(i)  "A superfície cresce e diminui todos os dias, consoante as marés, situando-se numa média de 32 mil quilómetros quadrados, com 193 quilómetros na extensão Norte-Sul e 330 de Leste a Oeste".

(ii) "A estas condições geográficas tão difíceis para um exército tradicional, vem juntar-se uma fronteira de 750 quilómetros, completamente aberta tanto no aspecto físico como no povoamento".


POPULAÇÃO:

(iii) "Bissau afirma controlar 487 448 habitantes (foram os que se deixaram recensear em 1970), mantendo-se outros 27 174 em 'zonas de duplo controle' ".

(iv) "No Senegal vivem 60 000 refugiados, e na Guiné 20 000, segundo informa o Comando-Chefe, apoiando-se em  dados da Comissão de Refugiados da ONU".

(v) "A ser assim, 89,5 por cento dos guinéus viveriam no interior do TO (teatro de operações) e 82 por cento do total estariam sob controle português."

(vi) "Numa população que em 1970 era de 594 622 habitantes, os balantas seriam em 1963 perto de 200 mil, isto é, cerca de metade dos guinéus [ erro de cálculo do jornalista, é um  terço e não metade] . Uma maioria trabalhadora e explorada que forneceu à guerrilha os seus primeiros combatentes. Um povo dividido, combatendo, com o PAIGC os fulas, dominadores e contra o PAIGC, ao lado de outros fulas da Força Africana".


PAIGC:

(vii) "Os dois mil combatentes que (...) actuam dentro das fronteiras, manobram a partir das 'zonas sob duplo controle' (...), situadas ao longo do corredor florestal e particularmente nas proximidades de Bissorã / Mansabá / Canjambari, confluência do Geba/Corubal, e sobretudo na zona ao sul do rio Buba, à volta de Catió".

(viii) "Outra zona 'quente' situa-se perto do Cacheu, junto ao rio do mesmo nome, alastrando pelas florestas  ao norte do Bachile e do Pelundo".

(ix)  "Calculam-.se em 7 000 os combatentes do PAIGC actuando a partir de 25 bases da fronteira senegalesa e de 8 da República da Guiné, incluindo aqueles que se encontram dentro do TO".

(x) "Militarmente,  as forças do PAIGC estão estruturas em 'corpos de exército' integrados por um comandante, um comissário político, dois chefes de destacamento e três unidades: um grupo de bazookas, ou lança granadas foguete; uma bateria de artilharia, ou de armas pesadas de infantaria, como morteiros ou canhões sem recuo; e quatro bi-grupos. Cada bi-grupo é constituído por dois agrupamentos de trinta e cinco homens (agora reduzidos a vinte e cinco)".


FORÇA AFRICANA:

(xi) "Compõem a  Força Africana perto de 5 mil soldados regulares, cerca de 6 mil milícias e mais de 6 mil auto-defesas, além de outros 5 mil homens enquadrados na guarnição normal".

(xii) "Os regulares negros estão enquadrados em companhias de comandos africanos (uma outra está a ser constituída) com oficiais nativos, destacamentos de fuzileiros (e mais um em constituição) com alguns quadros negros, e ainda doze companhias de caçadores instaladas no 'chão' das suas etnias e igualmente comandadas por alguns graduados nativos. São a grande tropa de elite da guerra da Guiné, capazes de aguentar uma operação  de quatro a cinco dias nas zonas mais 'quentes' do mato, e sempre com um arrojo e ferocidade de fazer tremer a selva",

(xiii) "O corpo de milícias (nove semanas de instrução) é constituído por elementos novos com farda e soldo. São uma espécie de militares em part-time, com a missão fundamental de defesa das populações que habitualmente protegem durante a noite e acompanham nos trabalhos do campo. São todos voluntários, mas só em circunstâncias especiais participam em operações".

(xiv) "As auto-defesas são constituídas por civis nativos, sem instrução militar". (***)





Guiné > s/l > PAIGC > Novembro de 1970 > Um bigrupo (em geral, constituído por 30/40 elementos). Na foto contam-se 27 guerrilheiros. Repare-se que na sua generalidade  usam sandálias de plástico (só um usa botas de lona) e há uma grande indisciplina no vestuário. Metade não usa boina ou barrete. Quanto ao armamento, vemos dois apontadores de RPG, e o resto empunha armas automáticas (Kalash, PPSH, Degtyarev...)

Imagem do fotógrafo norueguês Knut Andreasson (com a devida autorização do Nordic Africa Institute, Upsala, Suécia). A fotografia não traz legenda. E  alegadamente. terá sido tirada   em "região libertada" (sic).

Fonte: Nordic Africa Institute (NAI) / Foto: Knut Andreasson (com a devida vénia... e a competente autorização do NAI)  (As fotografias tem numeração, mas não trazem legenda. 

Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné.

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Notas do editor:

(*) Vd. poste de 24 de fevereiro de 2012 > Guiné 63/74 - P9526: As novas milícias de Spínola & Fabião (1): excerto do depoimento, de 2002, do Cor Inf Carlos Fabião (1930-2006), no âmbito dos Estudos Gerais da Arrábida (Arquivo de História Social, ICS/UL - Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa)

(**) Vd. poste de 2 de maio de 2022 > Guiné 61/74 - P23222: 18º aniversário do nosso blogue (10): O enviado especial do "Diário de Lisboa", Avelino Rodrigues, em 1972, no CTIG: uma "crónica imperfeita" em quatro artigos - Parte III: 30 de agosto de 1972: uma formidável máquina de guerra africana contra o PAIGC

(***) Último poste da série > 15 de março de 2022 > Guiné 61/74 - P23079: A nossa guerra em números (15): Segundo o investigador Ricardo Ferraz, do Gabinete de Estratégia e Estudos do Ministério da Economia, a guerra colonial (1961/74) custou ao Estado Português, a preços de hoje, e na moeda atual, cerca de 21,8 mil milhões de euros

segunda-feira, 2 de maio de 2022

Guiné 61/74 - P23222: 18º aniversário do nosso blogue (10): O enviado especial do "Diário de Lisboa", Avelino Rodrigues, em julho de 1972, no CTIG: uma "crónica imperfeita" em quatro artigos - Parte III: 30 de agosto de 1972: uma formidável máquina de guerra, a Força Africana contra o PAIGC







Citação: (1972), "Diário de Lisboa", nº 17848, Ano 52, Quarta, 30 de Agosto de 1972, Fundação Mário Soares / DRR - Documentos Ruella Ramos, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_5496 (2022-5-2)






















(Com a devida vénia ao autor, Avelino Rodrigues,
aos herdeirtos do António Ruella Ramos, e à Fundação Mário Soares)

Fonte:

Casa Comum | Instituição: Fundação Mário Soares |  Pasta: 06815.165.26102 | Título: Diário de Lisboa | Número: 17848 | Ano: 52  | Data: Quarta, 30 de Agosto de 1972 | Directores: Director: António Ruella Ramos | Observações: Inclui supl. "DL Mulher". | Fundo: DRR - Documentos Ruella Ramos.


Comentário do editor LG:

"Guiné, crónica imperfeita" (*)... Porquê ? Porque o enviado especial do "Diário de Lisboa", ao CTIG, o jornalista Avelino Rodrigues.  só pôde ouvir uma das partes em conflito, Spínola e as suas tropas... 

Mas, ao que parece, nos 9 dias em que por lá andou, na "Spinolândia", em julho de 1972, o jornalista  teve bastante liberdade para saber tudo (ou quase tudo) sobre aquela "guerra camuflada", como lhe chamou na primeira crónia  (em Bissau, eram pouco visíveis os sinais da guerra).

Aceitou o repto (e o convite) de Spínola para ir ver com os seus próprios olhos a realidade da guerra, incluindo a inversão da situação, político-militar, que o general estava a operar com sucesso.  Excetuando, ao que parece, o último artigo (com uma entrevista a Spínola que não agradou a Marcelo Caetano), a reportagem (os três primeiros artigos) passou, sem cortes da censura (agora rebatizada,  eufemisticamente,  como "exame prévio").

Este é um dos raros trabalhos jornalísticos sérios,  feitos na Guiné,  por jornalistas portugueses durante todo o conflito... E merece ser aqui  destacado, 50 anos depois, por ocasião do 18º aniversário do nosso blogue.(**)

Recorde-se que o "Diário de Lisboa", um diário lisboeta vespertino, publicado entre 7 de abril de 1921 e 30 de novembro de 1990, e de que  teve Joaquim Manso como  primeiro diretor,  foi considerado  uma grande escola de jornalismo e um das grandes referências do jornalismo português do séc. XX, com um papel cívico, intelectual e cultural ímpar.  

Para o regime de Salazar-Caetano e seus apoiantes, era conotado com  o "reviralho", a oposição democrática ao Estado Novo. 

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Notas do editor:

(*) Vd. postes anteriores:

25 de abril de  2022 > Guiné 61/74 - P23198: 18º aniversário do nosso blogue (4): O enviado especial do "Diário de Lisboa", Avelino Rodrigues, em julho de 1972, no CTIG: uma "crónica imperfeita" em quatro artigos - Parte I: 28 de agosto de 1972, Bissau, a "guerra camuflada"

26 de abril de  2022 > Guiné 61/74 - P23201: 18º aniversário do nosso blogue (6): O enviado especial do "Diário de Lisboa", Avelino Rodrigues, em julho de 1972, no CTIG: uma "crónica imperfeita" em quatro artigos - Parte II: 29 de agosto de 1972: no mato com Spínola, "a simpatia como arma de guerra"

segunda-feira, 26 de abril de 2021

Guiné 61/74 - P22143: Recortes de imprensa (117): A RTP evoca os 60 anos da guerra colonial / guerra do ultramar

1. Continuação da série Memórias da Guerra, RTP (Telejornal, 19-24 de abril de 2021) (*)


Memórias da Guerra:
[4] Emigração salvou muitos jovens do conflito

RTP, Telejornal, 22 de abril de 2021 (vídeo: 6' 03'') [Apareceu às 20:47]

Sinopse:


Aos 18 anos, Luís Rego tomou uma decisão que mudaria a sua vida para sempre. Foi para França para fugir ao recrutamento militar e à guerra em África. Emigrar, muitas vezes a salto, foi uma estratégia seguida por milhares de jovens portugueses para escapar a guerra colonial.

https://www.rtp.pt/noticias/pais/memorias-da-guerra-emigracao-salvou-muitos-jovens-do-conflito_v1314773

Memórias da Guerra:
[5]  O drama dos combatentes africanos

RTP, Telejornal, 23 de abril de 2021 (vídeo: 7' 32'') [Apareceu às 20:41]

Sinopse:

Quatrocentos e quarenta mil africanos combateram nas forças armadas portuguesas durante a guerra colonial. Muitos desses homens vieram depois para Portugal tentar obter reconhecimento e compensação, em processo longos que demoraram anos.

Zeferino Andrade, angolano, é um desses homens... com a vida repartida entre tempos e continentes.

https://www.rtp.pt/noticias/pais/memorias-da-guerra-o-drama-dos-combatentes-africanos_v1314921

Memórias da Guerra:
[6] Os últimos contingentes antes da independência

RTP, Telejornal, 24 de abril de 2021 (vídeo: 5' 58'') [Apareceu às 21:03]

Sinopse:

Olhamos hoje para Luis Vicente que foi mobilizado para Moçambique em Março de 1974, nas vésperas do 25 de Abril. Esteve em Mueda, onde os ataques ao quartel se intensificaram, mesmo depois do golpe dos capitães.

A comissão deste soldado em África foi mais curta, regressou mais cedo numa época de muita incerteza em Portugal e nos territórios africanos.

https://www.rtp.pt/noticias/pais/memorias-da-guerra-os-ultimos-contingentes-antes-da-independencia_v1315091

Fonte: RTP > Memórias da guerra (com a devida vénia...)


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quarta-feira, 11 de março de 2020

Guiné 61/74 - P20722: (De)Caras (148): O Amílcar Cabral, desde o início e até ao fim, fez tudo para mobilizar os dignitários fulas para a causa da luta, sem qualquer sucesso. E isto não era uma mera coincidência. Os mesmos dignitários, imbuídos de realismo e pragmatismo, diziam-lhe: "Deixem os brancos porque eles são o garante da paz na província e, no dia em que se forem embora, nós vamos recomeçar as nossas guerras do passado recente"... Premonitório: 46 anos depois da independência, continuamos estagnados entre guerras e paz podre... (Cherno Baldé)

1. Comentário do Cherno Baldé, nosso colaborador permanente, ao poste P20720 (*) [, tem mais de duzentas referências no nosso blogue; nasceu em Fajonquito há 60 anos; é um 'homem grande', sábio, a viver em Bissau]:

Caro Valdemar,

Escreves um texto cheio de sentimentos de saudade e também de compaixão para com os vossos recrutas tão jovens, quase crianças. Todavia, olhando bem para vossa foto conjunta, tu apareces com uma maior quantidade de pêlos no corpo, mas também eras quase tão puto quanto eles.

Não deverão ter morrido de velhice, porque eram todos um pouco mais velhos que eu que neste momento estou na casa dos sessenta e não me sinto um velho, provavelmente o stress traumático, durante e depois da guerra, terá contribuído para o desaparecimento precoce desses jovens soldados.

Como é que se fazia o recrutamento nas aldeias e regulados fulas???...

Era simples e ninguém podia recusar. O régulo ou seu representante convocava os chefes das diferentes localidades sob a sua jurisdição e dizia que precisavam de um número X,  a pedido do Governo e o resto ficava a cargo dos chefes das aldeias e um agente da administração onde cada morança listava uma ou duas pessoas da família para o efeito. 

Todavia, os critérios das escolhas nunca eram claros de um lado e do outro. Se os chefes e o agente podiam ser tentados a fazer negociatas, os pais e chefes das moranças, pensando na utilidade no seio do núcleo familiar, procuravam listar os menos úteis nos trabalhos do sustento e reprodução familiar.

Luis, não concordo quando dizes que os fulas "estavam condenados a fazer a guerra....". 

Na minha opinião, longe de ser uma "condenação", era uma opção clara e sem equívocos por diferentes razões de caracter politico-ideológico, de natureza religiosa, do fundamento, motivações e da necessidade da própria luta. 

Não se fala muito disso, mas na verdade o Cabral desde o início e até ao fim, fez tudo para mobilizar os dignitários fulas para a causa da luta, sem qualquer sucesso. E isto não era uma mera coincidência. Os mesmos dignitários, imbuídos de realismo e pragmatismo, diziam ao A. Cabral: "Deixem os brancos porque eles são o garante da paz na província e, no dia em que forem embora nós vamos recomeçar as nossas guerras do passado recente". 

...E 46 anos depois da independência ainda continuamos entre as guerras e uma paz podre que impede o país de avançar para frente.

Valdemar, gostaria de poder ajudar, mas preciso de referências certas sobre as tabancas e regiões de origem. No entanto, receio que seja tempo perdido, pois já se passou muito tempo e nem todos ficaram com boas recordações do seu passado militar, um pouco como acontecia entre vós, até há poucos anos. (**)

Com um abraço amigo,

Cherno Baldé
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Nota do editor:

(*)  Último poste da série >  10 de março de 2020 > Guiné 61/74 - P20720: (De)Caras (120): O que é feito destes 'putos-soldados' da CART 11 e da CCAÇ 12 ? (Valdemar Queiroz)

terça-feira, 10 de março de 2020

Guiné 61/74 - P20720: (De)Caras (147): O que é feito destes 'putos-soldados' da CART 11 e da CCAÇ 12 ? (Valdemar Queiroz)


Guiné > Região de Bafatá > Contuboel > CIM - Centro de Instrução Militar > Março de 1969 > Recruta dos futuros soldados das futuras CART 11 e da CCAÇ 12 > Samba Baldé (Cimba), nº mec 82110969... Futuro Ap Metr Lig HK 21, 3º Gr Com 3º Gr Comb [Comandante: alf mil inf 01006868 Abel Maria Rodrigues [, bancário reformado, Miranda do Douro], 1ª secção [fur mil at inf Luciano Severo de Almeida, já falecido]...  De origem fula.


Guiné > Região de Bafatá > Contuboel > CIM - Centro de Instrução Militar > Março de 1969 > Recruta dos futuros soldados das futuras  CART 11 e da CCAÇ 12 > Salu Camara, nº mec 82103469. Provavelmente de origem futa.fula. Integrou a CART 11.


Guiné > Região de Bafatá > Contuboel > CIM - Centro de Instrução Militar > Narço de 1969 > Recruta dos futuros soldados das futuras  CART 11 e da CCAÇ 12 >  Sori Baldé, nº mec 82111069,  De origem futa. Integrou a CCAÇ 12, como sold at inf. Pertenceu O 4 º Gr Comb [, comandante: alf mil  at cav  10548668 José António G. Rodrigues, já falecido, vivia em Lisboa], 3º secção [1º Cabo 00520869 Virgilio S. A. Encarnação, vive em Barcarena]... [O Valdemar Queiroz identifica-o, erradamente, como sendo o Tijana Jaló, esse sim, devia pertencer à CART 11, mas com outro nº mecanográfico... Estou bem recordado do Sori Baldé, um dos meus soldados, quando estive no 4º Gr Comb.]


Guiné > Região de Bafatá > Contuboel > CIM - Centro de Instrução Militar > Março de 1969 > Recruta dos futuros soldados das futuras CART 11 e da CCAÇ 12 > Mamadu Jaló, nº mec 821179669, De origem futa. Integrou a CCAÇ 12, como sold arvorado. . Pertenceu ao 1 º Gr Comb 3ª secção [, fur mil at inf 19904168 António Manuel Martins Branquinho, reformado da Segurança Social, Évora, já falecido]


Guiné > Região de Bafatá > Contuboel > CIM - Centro de Instrução Militar > 1º trimestre de 1969 > Recruta dos futuros soldados das futuras CART 11 e da CCAÇ 12 > Alceine Jaló, nº mec 82114669, De origem futa ou futa-fula. Pertenceu à CART 11.

Fotos (e legendas): © Valdemar Queiroz (2020). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


Guiné > Zona leste > Região de Bafatá > Contuboel > CIM - Centro de Instrução Militar  > c. março / abril de 1969 > CART 2479 / CART 11 (1969/70) > > O Valdemar Queiroz, com os recrutas Cherno Baldé, Sori Baldé e Umarau Baldé (que irão depois para a CCAÇ 2590 / CCAÇ 12).

Estes mancebos aparentavam ter 16 ou menos anos de idade. Eram do recrutamento local. Os da CCAÇ 12 eram fulas, oriundos do chão fula e em especial dos regulados do Xime, Corubal, Badora e Cossé.

Foto (e legenda): © Valdemar Queiroz (2014). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Mensagem do Valdemar Queiroz [ex-fur mil, CART 2479 / CART 11, Contuboel, Nova Lamego, Canquelifá, Paunca, Guiro Iero Bocari, 1969/70]


Data: terça, 5/11/2019, 23:22

Assunto: O que será feito dos 'Putos-Soldados' do CIM de Contuboel

O que será feito dos 'Putos-Soldados'?

Passaram 50 anos que muitos 'putos' foram chamados prá tropa e receberam instrução militar em Contuboel-

Alguns apresentaram-se descalços, com as suas roupas usadas habituais e notava-se que eram muito jovens, mas diziam que tinham 18 anos.

Soube-se mais tarde que houve situações de recrutamento forçado, mas na maioria apareceram com vontade ser soldados. 'Manga de ronco' e 'manga de patacão' que lhes iria acontecer.

Não sabemos, eu não sei nem me lembro de contarem, como foram contactados e por quem (régulo/chefe de tabanca), e se lhes foi dito que iriam ser soldados para entrarem directamente na guerra, que eles já tão bem conheciam.

Não sei se vieram assentar praça, como um serviço militar obrigatório se tratasse, com a diferença de serem ainda menores, ou como uma espécie de voluntariado forçado (ideias de Spínola a fazer lembrar o recrutamento de crianças pelos nazis no final da guerra?).

E assim se formaram a CART.11 e a CCAÇ.12.

Também não soubemos se queriam ser soldados para fazerem guerra contra os 'bandidos' ou para ajudar (como já acontecera em séculos anteriores) os portugueses na guerra contra, neste caso, o PAIGC que queria a independência da Guiné.

Mas, a guerra acabou. Felizmente a guerra acabou.

Os 'putos-soldados' deixaram de ser soldados do Exército Português e passaram, automaticamente, à peluda da sua desgraça. Muitos houve que fugiram para não serem sumariamente executados, muitos outros não tiveram essa sorte e foram assassinados, os restantes resignaram-se voltando, já homens, às suas tabancas para serem o que já tinham sido. Foi sempre assim quando acabam as guerras.

E passados 50 anos o que será feito daqueles que conseguiram sobreviver?

Os que eram mais jovens devem ter, agora, 66/67 anos de idade. O que será feito deles?

Julgo que eram todos Fulas e maioritariamente eram das regiões de Gabu/Piche, os da CART.11, ou de Bambadinca/Xime, os da CCAÇ.12.

O Alceine Jaló era do meu Pelotão, casou-se muito novo com uma bajuda (Saco ou Taco?) e levou-a com ele para Guiro Iero Bocari. As mulheres e os filhos dos nossos soldados também dormiam connosco nas valas e aí aguentavam quando havia ataques à tabanca.

O que será feito deles?

Gostava muito de saber deles e peço um favor muito especial ao nosso grande amigo Cherno Baldé de tentar saber se eles ainda são vivos.

Como curiosidade com os 'putos', havia quatro soldados arvorados, e frequentavam a escola de cabos, em cada Pelotão sendo a escolha feita entre eles e um da nossa escolha. Dos quatro do meu Pelotão o da nossa escolha recaiu no Saliu Jau por ser impecável, mas deu algum recusa por parte dos restantes por o considerarem 'ser djubi mesmo pra cabo'.

Valdemar Queiroz

PS - Anexo fotos de alguns 'putos-soldados' , falta a do Umaru Baldé, talvez o 'puto mais puto', e que me foi oferecida quando estive com ele na Amadora.


2. Resposta do editor Luís Graça:

Valdemar, folgo em saber de ti... E obrigado pela tua "lembrança"... Reconheço estes putos ou pelo menos três, os que pertenceram à CCAÇ 12, e que fizeram a guerra comigo (*)...

Quanto ao Umaru Baldé [c. 1953-2004), o "menino de sua mãe", tens aqui uma foto dele, à direita... Ele tem mais de vinte referências no nosso blogue. 

Soldado do recrutamento local, nº 82115869, tirou a recruta e a especialidade no CIM de Contuboel. Foi exímio apontador de morteiro 60, soldado arvorado e depois 1º cabo at inf  da CCAÇ 12 (1969-1972), no 4º Gr Comb,  3ª secção [, comandada pelo fur mil 11941567 António Fernando R. Marques: DFA, vive em Cascais, empresário reformado, membro da nossa Tabanca Grande].

O Umaru Baldé [, que era de Dembatacpo ou Taibatá, tendo sido  recrutado em 12/3/1969], foi depois colocado,em 1972,  em Santa Luzia, Bissau, no quartel do Serviço de Transmissões, onde ficou até ao fim da guerra. Conheceu, em mais de metade da vida, a amargura e a solidão do exílio. Veio morrer a Portugal, no Hospital do Barro, Torres Vedras. Contou apenas com o apoio e a ajuda de alguns dos seus antigos camaradas de armas.

Valdemar: se me mandaste,  em tempos, este material que agora se publica , ficou para aí na "picada"... Vá temos falado sobre este tema, que nos é caro, a nós os dois (**).

Afinal, fomos instrutores destes putos, no CIM de Contuboel e eles estiveram sob as nossas ordens na guerra, tu na região de Gabu, setor de Nova Lamego, eu na  região de Bafatá, setor L1 (Bambadicna) Foram extraordinários soldados e grandes camaradas, estes "meninos-soldados" (***).

Vamos ver se alguém mais se recorda destes nossos putos, "meninos de sua mãe", parafraseando o título de um extraordinário, pungente, poema de Fernando Pessoa.

3. Aproveito para reproduzir aqui um comentário meu que já tem 14 anos, sobre  "a lista dos Baldés" da CCAÇ 12, e que volto a subscrever: eram 100 os "baldés", que foram integrados na CCAÇ 2590 / CCAÇ 12, muitíssimos poucos estarão vivos hoje, talvez menos de 5%  (****):

(...) É também um pequeno, modestíssimo, gesto de elementar justiça para com aqueles guineenses que lutaram ao nosso lado, que fizeram parte da CCAÇ 12 e, portanto, da nova força africana com que sonhou Spínola e que tanto atemorizou o PAIGC. Infelizmente, uma parte deles (quantos, exactamente?) já não hoje estarão vivos. Uns foram fuzilados, como o Abibo Jau (...), outros terão morrido de morte natural, que a sua esperança de vida era muito menor que a nossa, em 1969...

Eu estou à vontade para publicar esta lista: sempre critiquei a africanização da guerra da Guiné, embora longe de imaginar que, no dia seguinte à nossa retirada, começasse a caça aos traidores, aos contra-revolucionários, aos mercenários, aos colaboracionistas... 


Em 1969, ainda estava vivo o Amílcar Cabral e eu admirava-o, intelectualmente... Achava que na Guiné, depois da independência, tudo seria diferente, e não aconteceriam os ajustes de contas que se verificaram noutras revoluções ou guerras civis, na Rússia, na China, na Espanha franquista, na França depois da libertação, etc. Pobre de mim, ingénuo...

Mas, por outro lado, também fui cúmplice da sua integração no nosso exército: mesmo sendo de da especialidade de armas pesadas, e não fazer parte formalmente de nenhum dos quatro grupos de combate da CCAÇ 12, participei em muitas das operações em que estes participaram, fui testemunha da sua coragem e do seu medo, dormi com eles nas mais diversas situações, incluindo nas suas tabancas... Foram meus camaradas, em suma.

Soldados ex-milícias, a maior parte com experiência de combate, os nossos camaradas guineenses da CCAÇ 12 (originalmente, CCAÇ 2590), eram oriundos do chão fula e em especial dos regulados do Xime, Corubal, Basora e Cossé, com excepção de um mancanhe, oriundo de Bissau.

“Todos falam português mas poucos sabem ler e escrever", lê-se na história da CCAÇ 12 (O que só verdade, 21 meses depois de os termos conhecido e instruído em Contuboel, em junho e julho de 1969). Foram incorporados no Exército como voluntários, acrescentou o escriba, para branquear a insustentável situação dos fulas, condenados a aliarem-se aos tugas. (...)

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(***) Último poste da série > 12 de fevereiro de  2020 > Guiné 63/74 – P20644: (De) Caras (119): Um pequeno texto, cuja essência teve o BLOGUE na sua concepção (António Matos)

sexta-feira, 1 de fevereiro de 2019

Guiné 61/74 - P19458: (In)citações (124): A Angola e os angolanos que eu conheci e que ficaram no meu coração: os nossos camaradas angolanos eram filhos do povo, do admirável e sofrido povo de Angola; (...) para a esmagadora maioria deles, foi só quando passaram a fazer parte da nossa companhia que eles puderam, pela primeira vez nas suas vidas, relacionar-se com brancos de igual para igual, olhos nos olhos, ombro com ombro, de homem para homem ... (Fernando de Sousa Ribeiro, ex-alf mil, CCAÇ 3535, 1972/74)

Fernando de Sousa Ribeiro. Vive no Porto.
Mss também gosta de Lisboa  onde viveu e trabalhou
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1. Mensagem de Fernando de Sousa Ribeiro, ex-alf mil, CCAÇ 3535 (Angola, 1972/74), membro da Tabanca Grande desde 11 de novembro de 2018_

Obrihgado, Luís, pelos votos e pelo vídeo.

Alguma coisa tem vindo a mudar em Angola desde que João Lourenço assumiu a presidência. Este vídeo [, em que o comandantenacional da política denuncia, publicamente, a corrupção na instituição e expulsa das suas suas fileiras alguns dos seus mais elementos] é uma demonstração real disso.

Mas as dificuldades que o João Lourenço está a enfrentar são provavelmente maiores do que as que ele esperava encontrar, sobretudo no que ao repatriamento de capitais desviados para os paraísos fiscais diz respeito.

Até agora, ele só tem ouvido palavras aparentemente muito simpáticas de vários governos e entidades internacionais, mas sem consequências práticas. O Reino Unido, então, já recusou repatriar os 500 Milhões  de dólares desviados do Fundo Soberano de Angola pelo filho mais novo do José Eduardo dos Santos, José Filomeno dos Santos, e sua quadrilha. É a pérfida Albion no seu "melhor".

De qualquer modo, o tempo parece estar a jogar a favor de João Lourenço, que vai consolidando o seu poder, mas também joga contra ele, porque a economia angolana não parece estar a "levantar voo", nem pouco mais ou menos. Espera-se que este ano a economia do país entre em recessão, o que é muito mau.

Esperemos para ver, desejando que as coisas melhorem, para bem de um povo que eu aprendi a amar, graças aos maravilhosos subordinados angolanos que tive o supremo privilégio de comandar e pelos quais choro copiosas lágrimas de saudade.

A este respeito, permito-me reproduzir as seguintes palavras que lhes dediquei no meu livro inédito de memórias da guerra, a que dei o título de "Dignidade e Ignomínia":


Sinto um orgulho enorme nos subordinados [portugueses e angolanos] que me coube comandar.

(...) Posso (...) afirmar categoricamente que fui um privilegiado por ter tido a meu lado companheiros dotados de uma tal fibra.

Fui ainda mais privilegiado porque entre eles havia angolanos, que foram das pessoas mais extraordinárias que conheci. Não há dinheiro no mundo que pague toda a sua sabedoria, toda a sua generosidade e toda a sua sensibilidade. Depois de os ter conhecido, nunca mais fui o mesmo.


Tenho os seus nomes escritos em letras de ouro no meu coração: Domingos Amado Neto, Silva Alfredo dos Santos, Domingos Cangúia, Diogo Manuel, Ramiro Elias da Silva, Domingos Jonas, Mateus Tchingúri, Jonas Vitorino, Lucas Quinta, Henrique Luneva, Raimundo Nunulo, Domingos Dala, Fortunato Francisco João Diogo e Simão João Leitão Cavaleiro. Nunca os esquecerei.

Os nossos camaradas angolanos eram filhos do povo. Do admirável e sofrido povo de Angola. Quer isto dizer que, para a esmagadora maioria deles, foi só quando passaram a fazer parte da nossa companhia que eles puderam, pela primeira vez nas suas vidas, relacionar-se com brancos de igual para igual. Olhos nos olhos, ombro com ombro, de homem para homem. E eles foram insuperáveis no companheirismo e na dignidade com que se relacionaram connosco, os europeus da companhia.


Encontrando-se na mesma situação que nós, os nossos camaradas angolanos não se limitaram a partilhar as suas vidas connosco no seio da companhia; eles fizeram parte integrante de nós mesmos, tanto quanto isto foi possível.


Eles travaram os mesmos combates que nós.


Eles caíram nas mesmas emboscadas que nós.


Eles enfrentaram as mesmas minas que nós.


Eles contornaram as mesmas "bocas‑de‑lobo" que nós.


Eles suaram os mesmos cansaços que nós.


Eles enjoaram as mesmas rações de combate que nós.


Eles dormiram debaixo da mesma chuva que nós.


Eles tremeram os mesmos medos que nós.


Eles riram as mesmas alegrias que nós.


Eles choraram as mesmas saudades que nós.


Eles acalentaram as mesmas esperanças que nós.


Eles foram nós. Todos fomos nós." (...)(**)
Um abraço

Fernando de Sousa Ribeiro
Porto, 12 de janeiro de 2019

quarta-feira, 21 de fevereiro de 2018

Guiné 61/74 - P18337: Recortes de imprensa (92): A primeira visita de um chefe do governo português ao Ultramar: Marcelo Caetano, em Bissau ("Diário de Lisboa", 14/4/1969)






"Diário de Lisboa", nº 16637, ano 49, segunda feira, 14 de abril de 1969, 3ª edição, pp. 1 e 10. Diretor: António Ruella Ramos. Cortesia de Casa Comum > Fundação Mário Soares > Fundos DRR - Documentos Ruella Ramos.

Citação:(1969), "Diário de Lisboa", nº 16637, Ano 49, Segunda, 14 de Abril de 1969, CasaComum.org, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_7219 (2018-2-20)


1. Complementando a "cobertura fotográfica" da visita a Bissau, do prof Marcelo Caetano, da autoria do nosso grã-tabanqueiro Virgílio Teixeira (*), publica-se um recorte de imprensa da época, mais exatamente do vespertino "Diário de Lisboa", com data de 14 de abril de 1969. (**)

Tratava-se de um jornal "independente", considerado de "referência", que se publicou entre 1921 e 1990,  e que foi, entre nós, uma grande escola de jornalismo.  Chama-se a atenção para o título de caixa alta, publicado na primeira página: "A primeira visita de um chefe do governo português ao Ultramar"...

Caetano, que sucedeu a Salazar, tinha estado na Guiné em 1935, no âmbito do I Cruzeiro de Férias às Colónias do Ocidente (Cabo Verde, Guiné, S. Tomé e Príncipe e Angola), de que foi o diretor cultural. (Este cruzeiro foi uma inciativa da revista "O Mundo Português",  tendo juntado  cerca de duas centenas de "estudantes, professores, médicos, engenheiros, advogados, artistas, escritores, industriais e comeriantes").

Há aqui uma crítica implícita ao seu antecessor que nunca quis pôr os pés no "império"... Nesta viagem, de 14 a 21 de abril de 1968,   às capitais da Guiné, Angola e Moçambique os aviões da TAP iriam fazer qualquer coisa como 19 mil quilómetros, o que dá uma ideia da distância dos territórios ultramarinos em relação a Lisboa.

O jornal é politicamente correto, referindo-se sempre às "províncias ultramarinas" (e não colónias, desde a reforma de 1951). Não nos parece que tenha mandado um "enviado especial" a acompanhar o périplo de Marcelo Caetano  pelo Ultramar, tendo por isso que recorrer ao material enviado pelas "agências noticiosas do regime", a Lusitânia e  a ANI. 

Relativamente aos representantes das principais etnias presentes nas cerimónias de boas vindas, é dado o destaque aos fulas, mandingas, felupes e bijagós, mas fazem-se também referências a outros como os papéis, os manjacos e os balantas...

A "representação social" destes grupos continua a ser "estereotipada" na imprensa portuguesa:  "os Papéis dos subúrbios de Bissau, os Manjacos, trabalhadores do porto, os Balantas, cultivadores de arroz, os Beafadas, os Nalus, hábeis escultores de madeira, os Saracolés,  notáveis ourives, enfim, todas as raças"...  Mas antes deles, vêm os "chefes fulas e mandingas que ostentam condecorações ganhas por atos de bravura em campanha"... E ainda, "com turbantes e formatos especiais, os maometanos que já foram em peregrinação a Meca, nas viagens que todos os anos o Ministério do Ultramar organiza"...

Era aguardado, com expetativa e interesse, o discurso do chefe do governo no palácio do Governador. Nessa cerimónia usaram igualmente da palavra o vogal do conselho legislativo Joaquim Baticã Ferreira (, de etnia manjaca, fuzilado pelo PAIGC depois da independência) e o brigadeiro António de Spínola governador-geral e comandante-chefe. 

O último ato público do presidente do conselho de ministros, antes de partir, no dia seguinte, 15 de abril, para Luanda foi a homenagem aos "mortos em defesa da Pátria", no cemitério de Bissau.

Destaque também para a entrevista do brigadeiro António de Spínola, à Emissora Nacional, em que "minimiza" o problema "militar", face às preocupações do governo da província, que seriam a promoção económica, social e cultural do povo guineense, com vista a "acelerar o seu processo de desenvolvimento" (sic)... Começa talvez aqui, menos de um ano depois da sua chegada à Guiné, a consolidar-se a tese (spinolista) de que a solução para o conflito que se trava no território, é muito mais "política" do que "militar"...



Guiné > Bissau > 14 de abril de 1969 > Visita presidencial do Professor Marcelo Caetano a Bissau: lado a lado, mas já de costas viradas, Marcelo Caetano e Spínola...

Foto: © Virgílio Teixeira (2018). Todos os direitos reservados [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


2. O que os jornais (e muito menos a televisão...) não noticiaram foi a reunião extraordinária de comandos, ocorrida a 14 de abril de 1969, na sala de operações do comando chefe, em que estiveram presentes, além de Spínola e de Marcelo Caetano, o ministro do ultramar [, Silva Cunha], o CEMGFA [, gen Venâncio Deslandes,] e mais cerca de duas dezenas oficiais com funções operacionais e de comando no TO da Guiné.  Foi seguramente mais importante do que a reunião anterior, protocolar e propagandística, do conselho legislativo...

A reunião extraordinária de comandos acabou num tom sombrio, face às perspetivas de deterioração da situação militar,  à consolidação e relativo sucesso da estratégia do IN (e à sua mais que previsível escalada militar), à ausência de uma "ideia de manobra à escala estratégica nacional", à incapacidade de resposta da "infra-estrutura administrativa-militar", à desmoralização dos operacionais metropolitanos no CTIG, à dramática falta de reforços (em homens e material)...

Segundo o biógrafo de Spínola, Luís Nuno Rodrigues, Marcelo Caetano tende  a ser visto pelo primeiro  como um político, fraco e impotente, nomeadamente face à inércia da estrutura administrativo-militar.  Mas Spínola, que chega ao generalato em julho desse ano, não se coíbe  de falar alto e bom som, ao CEMGFAQ, o gen Venâncio Deslandes, que ele trata por tu, que nunca aceitaria, em terras da Guiné, um segundo caso da Índia...em que os militares foram os bodes expiatórios do desastre político e diplomático... (Rodrigues, L. N. - Spínola: biografia. Lisboa: A Esfera dos Livros, 2010,  pp. 130-135).

Spínola recordou o pedido, ainda em grande parte por satisfazer, que tinha feito em nobvembro de 1968, em termos de "necessidades imediatas": 4 comandos de batalhão  e 13 companhias, além de material de artilharia e antiaéreas...

Marcelo Caetano terá perguntado a Spínola porque é que não utilizava "mais pessoal africano",  uma vez que se encontravam "exaustas as possibilidades demográficas metropolitanas" (sic). Spínola respondeu que a africanização da guerra poderia resolver o "problema humano", mas não dispensava a solução do "problema financeiro"... O tosco do ministro do Ultramar ainda perguntou se as unidades africanas não seriam "mais baratas"... Estou a imaginar a  irritação (contida) de Spínola, ao responder-lhe que já não o eram, por que: (i) "os africanos já tinham tomado consciência de que "neste tipo de guerra e neste terreno são mais aptos do que os metropolitanos" (sic); e (ii) e já não aceitam auferir remunerações inferiores a estes, tendo perdido o seu "complexo de inferioridade" (ibidem, p. 131).

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Nota do editor:


sexta-feira, 28 de setembro de 2012

Guiné 63/74 - P10446: A africanização na guerra colonial e as suas sequelas (Carlos Matos Gomes) (Parte I)



Guiné > Zona leste > Setor L1 (Bambadinca) > CCAÇ 12 (julho de 1969 / março de 1971) >  Uma companhia indepedente, baseada em praças do recrutamento local, de etnia fula, criada em 1969.  Todos eles eram soldados de 2ª classe, com alguns arvorados, suscetíveis de virem a ser promovidos a 1ºs cabos, logo que fizessem o exame da 4ª classe... Na foto, paragem de um coluna numa tabanca fula, para gáudio dos djubis que não escondiam o seu fascínio  pelas fardas e o armamento dos seus irmâos mais velhos, e pelas viaturas em que eram transportados...

Álbum do Arlindo Roda, ex-fur mil at inf, 3º gr comb, CCAÇ 12 (1969/71). Edição e legendagem: L.G.


Foto: © Arlindo Teixeira Roda (2010) / Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné. Todos os direitos reservados.


1. Mensagem de Carlos Matos Gomes, Coronel Cavalaria Reformado (escritor e historiógrafo da guerra colonial), encaminhada para o nosso Blogue por Mário Beja Santos:

Meus caros amigos
Junto vos envio um texto sobre tropas locais e africanização da guerra que é a adptação para publicação em livro do Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra do texto que serviu de base a uma comunicação num seminário sobre a guerra colonial seus segredos.
Tem alguns números novos e alguns enquadramentos que julgo originais a propósito das tropas locais e do seu papel na guerra e no seu destino no pós-guerra...
Um abraço
Carlos Matos Gomes


A africanização na guerra colonial e as suas sequelas 
“Tropas Locais – Os vilões nos ventos da História”

Carlos de Matos Gomes

A administração colonial e o papel dos agentes locais 

O colonialismo português, tal como o francês e o inglês (também o alemão, enquanto durou) exerceram o seu domínio nos territórios que dividiram entre si na Conferência de Berlim (1884-1885) interpondo agentes locais entre os administradores europeus e os povos. As estruturas de contacto incluíam as autoridades tradicionais mais ou menos controladas para garantirem a fidelidade aos poderes coloniais, os elementos assimilados, que funcionavam nos níveis mais baixos da administração e das forças de segurança e forças de segurança, tanto de polícia como militares.

Quanto aos aparelhos militares, existia uma tradição de participação de africanos no exército colonial português desde a segunda metade do século dezanove, para apoiar a penetração no interior de África. O Exército colonial estava então organizado em unidades de primeira linha, constituídas por contingentes expedicionários enviados de Lisboa e por deportados e por tropas de segunda linha, com soldados recrutados localmente, mulatos e negros assimilados. Em tempo de conflitos, eram constituídas forças nativas sob o comando de chefes locais fiéis, que assumiram várias designações, entre elas a de “empacaceiros” (um termo que, curiosamente, seria recuperado durante a guerra colonial para designar as tropas regulares – “a tropa pacaça”). Estas tropas são a longínqua origem das forças africanas e alguns autores julgam que as “campanhas de pacificação” do início do século XX de Angola e de Moçambique não teriam sido possíveis sem estas tropas auxiliares, que atingiram elevadas percentagens de forças combatentes (90% em Angola), como também julgamos que a guerra colonial o não teria sido, pelo menos nos últimos anos.

A regulamentação do recrutamento destas tropas, feita em 1904, estipulava que este devia ser realizado através dos régulos. O que significou o envolvimento das autoridades locais, desde muito cedo, no processo de criação de tropas locais. Em Moçambique o recrutamento militar seguiu, aliás, os mesmos procedimentos do recrutamento para as minas do Transvaal, realizado com forte envolvimento das autoridades tradicionais. Em Moçambique, durante a guerra contra os alemães (IGG) foram incorporados 25.000 moçambicanos como soldados para combaterem no norte, o que representava 44% dos efectivos portugueses e o recrutamento a partir daí passou a ser um acto comum e regulamentado, fazendo as forças do Exército nas colónias parte do aparelho colonial e pertencendo a sua administração ao Ministério das Colónias. Após a II Guerra Mundial, durante os anos 50, ocorreu a reestruturação das forças armadas portuguesas, passando todas elas a depender do Ministério da Defesa. No Exército foram criadas as Regiões Militares de Angola e de Moçambique, os Comandos Territoriais Independentes. Na Armada, os Comandos Navais, e na Força Aérea, as Regiões e Zonas Aéreas. Foram criadas, ou reorganizadas as unidades africanas, que passaram a integrar o dispositivo militar português. Foram ainda criados pelo Exército centros de instrução de tropas em Angola (Nova Lisboa/Huambo); Moçambique (Boane) e Guiné (Bolama). Ver Quadro 2. Em 1961, ano do inicio da guerra colonial o Exército dispunha em África de unidades locais organizadas nos mesmos moldes das unidades europeias.


A africanização das forças portuguesas na guerra

A africanização das forças portuguesas começou, como vimos, muito cedo e muito antes do início da guerra colonial e processou-se seguindo o modelo das outras potências coloniais. A necessidade do recrutamento local tem a ver com razões de quantidade e de qualidade.

No caso português, as razões de quantidade são as que resultaram das crescentes dificuldades financeiras de Portugal em suportar as despesas da guerra (as tropas recrutadas localmente eram mais baratas, pois não necessitavam de ser transportadas para os Teatros de Operações e ganhavam menos) e porque supriam o défice de recrutamento metropolitano, que chegara em 1973 aos limites da sua capacidade. Em 1973, 6% da força de trabalho português estava empenhada na guerra e Portugal era o país com maior percentagem da população a cumprir obrigações militares, depois de Israel.

As razões de qualidade para a utilização de africanos como força de combate de primeira linha são as que resultam do facto do soldado africano, além de ser mais barato, se adaptar melhor do que o europeu ao terreno, se inserir nas culturas locais e avaliar por isso melhor o «estado de espírito das populações», ser mais produtivo na recolha de informações, resistir melhor às doenças tropicais. Tinha, por fim, uma vantagem política de grande importância a nível psicológico, porque a sua morte ou ferimento exercia menos impacto na opinião pública metropolitana.

Apesar destas vantagens, o processo de africanização não foi de aceitação generalizada entre a hierarquia política e militar portuguesa. Os setores mais conservadores viam nos africanos potenciais terroristas, antes de qualquer outra coisa, opuseram-se ou procuraram limitá-lo e os comandantes militares encararam o processo de africanização das forças armadas cada um segundo a sua perspetiva de emprego no respetivo teatro de operações, sem unidade de doutrina.

Convém no entanto dizer que a questão da africanização, mais do que uma questão de quantidade de homens e unidades, foi uma questão de qualidade dessas tropas e, acima de tudo da qualidade dos papéis políticos que elas desempenhavam ou estava previsto virem a desempenhar, como veremos.


Os papéis das forças e a sua organização 

A africanização das forças portuguesas assentou em três tipos de unidades:
- unidades regulares do Exército - companhias e batalhões de caçadores (infantaria), grupos de artilharia e de cavalaria; unidades de serviços, recrutadas localmente, que faziam parte do dispositivo das regiões militares de Angola e de Moçambique e comando territorial independente da Guiné.
- unidades especiais – unidades de características ofensivas e com elevada capacidade de combate, umas eram orgânicas das forças armadas, no caso do Exército, companhias e batalhões de comandos recrutados localmente; na Marinha, destacamentos de fuzileiros especiais da Guiné; outras dependiam dos governos locais, como foram o caso dos GE, dos GEP; ou de outras instituições, que não as forças armadas, caso dos Flechas da PIDE/DGS, e até forças oriundas de territórios estrangeiros, como os catangueses dos «Fiéis» e os zambianos dos «Leais». (Designaremos estas, de forma geral, por “forças especiais africanas” para facilidade e comodidade de comunicação.)
- unidades de milícias – pequenas unidades de base local, étnica/tribal, normalmente com funções de autodefesa e segurança próxima.

Estes três tipos de forças desempenharam papéis muito diferentes na guerra e sofreram tratamento diferente das novas autoridades no pós-independência. As unidades regulares faziam parte de uma tradição de serviço militar estabelecida desde o inicio da colonização e, apesar do seu incremento durante a guerra, não sofreram um impacto maior do que aquele que é produzido em situações normais de conflito. As unidades de milícia, implantadas nas regiões de origem dos seus elementos, também integravam as estruturas administrativas e não motivaram reações de violência que tivessem excedido as disputas locais.

A grande questão da violência originada pela africanização centrou-se nas “forças especiais africanas”, fossem as forças especiais orgânicas das forças armadas, comandos e fuzileiros; fossem as forças especiais constituídas no universo da administração civil, GE, GEP e «Flechas». Isto porque foi nestas que assentou a especificidade da africanização da guerra nos três teatros de operações. Essa especificidade teve a ver com a sua organização e comando, com as suas missões ofensivas, mas sobretudo com o papel político que lhes estava destinado desempenharem numa fase futura da situação colonial.

Quanto à sua organização e comando, os dois aspectos mais distintivos destas forças são a intensidade do empenhamento dos quadros europeus com as tropas africanas; e a promoção aos postos mais elevados de comando operacional de quadros africanos com base no seu mérito. O empenhamento e envolvimento de quadros portugueses europeus no comando de unidades africanas (único na história militar das potências europeias em guerras coloniais, em que europeus comandaram unidades em combate onde todos os efectivos eram africanos, em acções de alta perigosidade e em situações extremas de isolamento, incluindo o combate em territórios estrangeiros) e a promoção de militares africanos aos postos mais elevados na hierarquia das unidades operacionais tinha o óbvio significado de identificação dos quadros africanos com a política colonial portuguesa, que lhes reservava um futuro lugar de relevo.

A grande questão que estas unidades de “forças especiais africanas” levantaram e que motivaram a reação dos novos poderes instalados após as independências, foi a de elas terem conjugado a sua capacidade operacional tanto através do espírito de corpo e do respeito por valores essencialmente militares, inerentes ao profissionalismo militar como, e isso era inaceitável nas condições em que os novos dirigentes chegaram ao poder, através da identificação politico/ideológico dos seus quadros e tropas, com uma possível solução de tipo que seria considerado neocolonial. Será por este motivo que os novos poderes orientarão a sua atenção e em muitos casos a sua violência, contra estas tropas e os seus membros.

Por fim, a amplitude da africanização das forças portuguesas, atingiu proporções únicas nos conflitos coloniais. (Quadro 1)

Quadro 1 – Relação de Efetivos Metropolitanos e de Recrutamento Local


Legenda:
Ex (M) = Exército (Metrópole); Ex (RL) = Exército (Recrutamento Local); GE = (Grupos Especiais); TE = (Tropas Especiais)
Recrutamento Local – Inclui efetivos das Forças Armadas recrutados localmente e forças auxiliares locais.

Em resumo, dos cerca de 170 mil homens nos três teatros de operações, cerca de 83 mil eram de recrutamento local, o que representa aproximadamente 48%, uma percentagem que, se forem tomados em consideração os efetivos da OPVDC (Organização Provincial de Voluntários de Defesa Civil) existentes em Angola e Moçambique e as Guardas Rurais, deverá ficar muito próximo dos 50%.


As forças especiais africanas 

A dimensão destas forças e a sua tipologia foram diferentes nos três teatros, embora dentro dos mesmos princípios de emprego. Elas tomaram nomes muito variados, tantos que, à falta de designação, chegaram a ser constituídos os Grupos Muito Especiais em Moçambique. Assim e por teatro de operações, temos como forças principais (Ver Quadro 2):

Quadro 2 - Unidades de Recrutamento local



Angola

Grupos Especiais (GE) - Criados em Angola em 1968, como primeiro modelo de unidade operacional africana autónoma de base local, dependente das forças armadas. Beneficiavam de treino militar equivalente ao das tropas especiais de tipo comando. Organizados como grupos de combate e estacionados junto às companhias do exército regular, sob as ordens das quais atuavam. Constituíram uma evolução do conceito de milícias de auto-defesa, passando a ser forças de intervenção auto-organizadas e autónomas.

 Os GE angolanos foram o modelo mais popular no conceito militar colonial de tropas auxiliares, tendo chegado aos cerca de 3 000 homens, distribuídos por todo o território, sobretudo no norte e no leste.

Flechas – Criados pela PIDE/DGS, a partir de antigos guerrilheiros e de elementos das tribos Khoisan (Bosquímanos) do sul de Angola. No final da guerra ultrapassavam os 2 500 homens. Apesar da grande autonomia de emprego, dependiam operacionalmente das forças armadas.

Tropas Especiais (TE) – Surgiram em 1966, em Cabinda, quando Alexandre Tati desertou da FNLA. Os seus efectivos rondavam os 1.200 homens e atuaram especialmente contra o MPLA, em Cabinda e no norte de Angola.

Fiéis - Forças originárias do Catanga. A estratégia de criação e accionamento de tropas auxiliares autónomas foi levada ao limite, em Angola, com a criação de forças originárias em grupos dissidentes de países vizinhos, nomeadamente o Zaire e a Zâmbia. Em 1967, aproveitando a entrada no leste de Angola de grupos de gendarmes catangueses antigos apoiantes de Moisés Tchombé, que as autoridades portuguesas acolheram como refugiados políticos, foi criada, através de uma operação denominada «Fidelidade», uma força militar africana de cerca de 2 500 homens, que foi utilizada na luta contra o MPLA em troca da promessa de um futuro apoio português à luta pela “libertação” do Zaire.

Leais - Numa acção em tudo idêntica e contemporânea da dos Fiéis, embora com menores proporções, as autoridades portuguesas montaram a «Operação Colt» para formar uma força auxiliar à base de refugiados zambianos do African National Congress (ANC), que se opunham ao regime de Kenneth Kaunda. Com o nome de código de Leais, esta força actuou no leste e no sul de Angola.

Além destas forças especiais as forças armadas portuguesas dispunham em Angola de unidades de comandos, do Exército, instruídos localmente e que incluíam uma elevada percentagem de elementos recrutados no território, incluindo oficiais e sargentos.


Guiné 

Milícias – A partir das milícias de autodefesa, foi desenvolvido pelo estado-maior do general Spínola o conceito de grupos de intervenção de milícias (companhias e pelotões), já não ligados meramente à autodefesa das “tabancas”, mas operando como força étnica de intervenção, enquadrada pelo Comando Geral de Milícias, que dispunha de um centro de instrução próprio.

As forças armadas dispunham, como forças especiais, de um Batalhão de Comandos Africanos (Exército), com três companhias de comandos e de dois Destacamentos de Fuzileiros Especiais Africanos (Armada).


Moçambique

Grupos Especiais (GE) – Criados em 1970, para integrarem a operação «Nó Górdio» como forças de recrutamento local, com base étnica, semelhantes aos GE de Angola. Posteriormente foram criados os Grupos Especiais Paraquedistas (GEP), de recrutamento nacional, com sede no Dondo/Beira e que actuaram especialmente na zona de Tete.

Além destes GE e GEP, existiram ainda grupos de milícias dependentes dos governos de distrito, com funções de autodefesa, de pesquisa de informações e de patrulhamento. O mais conhecido foi o grupo de milícias do Niassa, comandado por um caçador europeu, Daniel Roxo.

Além destas forças especiais, as forças armadas dispunham em Moçambique de um Batalhão de Comandos (Exército), que passou a formar companhias de comandos de recrutamento local a partir de 1970, em Montepuez.


Conceitos de africanização nos Teatros de Operações 

A análise da africanização da guerra, em especial das tropas especiais africanas, permite verificar as diferenças estruturais que, a partir de 1970, se abrem na direcção da guerra, que até então era unitária. Os objectivos da africanização – dada a personalidade dos seus comandantes-chefe - são claramente diferentes em cada um dos teatros de operações e correspondem a projetos políticos muito distintos.

Na Guiné, Spínola procurou, a partir das experiências de milícias e explorando distinções étnicas, criar um exército africano «nacional» à imagem do exército português, estruturado em companhias agrupadas em batalhões, tendo em vista provavelmente uma futura federação de Estados de língua portuguesa. A africanização da guerra na Guiné estava ao serviço do projecto político de Spínola de uma comunidade de países e de uma federação de Estados.

Em Angola, a africanização teve como objectivo aumentar a capacidade operacional das forças portuguesas e a sua autonomia de forma a criar condições políticas e militares para atrair um dos movimentos – a UNITA – e elementos dos outros. Os Flechas serão o conceito mais específico deste tipo de tropas. A africanização tinha como objectivo político a atração de guerrilheiros e dirigentes nacionalistas, especialmente no Leste e Sudeste do território.

Finalmente, em Moçambique, apesar da grande percentagem de recrutamento local, a formação de tropas africanas autónomas não só foi mais tardia, como estas foram integradas na manobra convencional de Kaúlza de Arriaga, sem explorar todas as suas especificidades de conhecimento do terreno e de ligação às populações. Esta situação explica-se pelos conceitos táticos de Kaúlza de Arriaga, mais inclinado para a manobra clássica e por outro pela difícil relação entre as forças armadas, as autoridades civis e a PIDE/DGS, que levaram o general a resistir até ao limite à formação de «Flechas», o que só veio a acontecer por determinação de Lisboa e já no final do seu mandato.

No final da guerra, os três teatros de operações apresentavam realidades distintas, embora em todos eles fosse generalizada a utilização de forças de recrutamento local. Na Guiné prevalecia um quadro com tendência a evoluir para um conflito opondo um exército africano semelhante ao português às forças do PAIGC, portanto com nítidos contornos de conflito civil, em que a componente de forças armadas europeias seria utilizada como reserva. Em Moçambique, apesar das resistências, houve uma evolução lenta mas consistente de unidades africanas, que em 1973 tinham um papel de principal força de combate na zona de Tete, asseguravam a estabilidade na zona do Niassa e funcionavam como força supletiva na zona de Cabo Delgado. Não tinham contudo, nenhum papel político, a não ser aquele que o engenheiro Jorge Jardim para elas estabelecesse. Os GEP seriam a sua força de manobra.

Finalmente em Angola, as forças africanas foram particularmente importantes no Leste, onde se conjugaram com as forças especiais das forças armadas, comandos, paraquedistas e com as forças sul-africanas. Sem elas, em especial sem os «Flechas» e alguns GE, as forças portuguesas não teriam conseguido os sucessos operacionais que obtiveram nessa frente. Em comum, os três teatros de operações, apresentavam uma realidade onde o avanço das forças de guerrilheiros dos movimentos de libertação deparava com a oposição de dezenas de milhares de «militares locais» acionados pelas autoridades coloniais. Em 1974, quando ocorreu o 25 de Abril, a tendência da africanização das forças ia no sentido de transformar a guerra colonial em três conflitos internos nos três teatros de operações.

(Continua)