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terça-feira, 3 de janeiro de 2017

Guiné 61/74 - P16912: Inquérito 'on line' (96): "O meu inimigo de ontem nunca poderá ser meu amigo"... Resposta até ao dia 9, segunda-feira, às 18h36...



Guiné > Região de Gabu < Paunca > CCAÇ 11 (1969/74) > c. junho / julho / agosto de 1974 > A paz, depois da guerra, ou a guerra e a paz, como duas faces da mesma moeda... > O fur mil op esp J. Casimiro Carvalho, "herói de Gadamael", no meio dos inimigos de ontem... Fotos do seu álbum fotográfico, sem legendas... (*)

Agradecemos-lhe a coragem e a frontalidade com que, dezenas de anos depois, ele nos deixou ver, digitalizar e publicar essas fotos de inegável interesse documental. Este nosso camarada que vemos aqui a abraçar os inimigos de ontem, foi o mesmo que tinha escrito à mãe, em 6 de junho de 1974 a seguinte missiva:

"(...) Ficou, nesse encontro, determinado que amanhã o inimigo vinha a um quartel nosso visitar-nos, conhecer-nos, nós que nos matavámos [uns aos outros] sem nos vermos. Enfim, agora como está previsto, conhecer-nos-emos, se não houver imprevistos, e eu, que tanto os odiei, com o ódio que ganhei com a guerra, devido ao sangue que vi derramar, irei... talvez - quem sabe ? - ABRAÇÁ-LOS. Sim, porque eles lutaram para defenderem o que por direito lhes pertencia, um chão deles, bravos soldados como nós." (...).

É o mesmo J. Casimiro Carvalho que na batalha de Gadamael pôs a vida em risco para salvar outros camaradas (e nomeadamente o seu capitão) e que chegou a ser ferido.

Fotos: © José Casimiro Carvalho (2007). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



I. INQUÉRITO DE OPINIÃO:

"O MEU INIMIGO DE ONTEM
NUNCA PODERÁ VIR A SER MEU AMIGO"


1. Não, nunca poderá vir a ser meu amigo


2. Sim, poderá vir a ser meu amigo


3. Talvez, depende das circunstâncias


4. Não sei responder


Este é o primeiro inquérito de opinião do ano de 2017... Vá lá, façam, o favor de responder... no canto superior esquerdo do blogue... 

Precisamos de 100 respostas, que é um número redondo... Até ao dia 9, próxima segunda-feira. O encerramento das "urnas" é às 18h36...(**)

O tema foi suscitado pelos postes do José Teixeira (P16905) (***) e do Carlos Vinhal (P16908) (****).


II. Comentário de Carlos Vinhal (****):
(...) E agora chegamos ao que aqui me traz, o inimigo de ontem, amigo de hoje.
Os movimentos de libertação foram criados e dirigidos por africanos portugueses que adquiriram formação académica universitária na capital do império, onde nas barbas do poder se organizaram. Apoiados por potências com ambições estratégicas em África, e acompanhando os ventos e marés que se faziam sentir, não foi difícil começarem a guerra que iria desgastar uns e outros quase até à exaustão. Portugal mobilizou metropolitanos e locais, e os grupos de libertação tentaram localmente arranjar simpatizantes para a sua causa. Os seus quadros tiveram formação de luta de guerrilha principalmente nos países do leste da Europa, acabando por terem no terreno a colaboração activa de especialistas cubanos e o apoio material desses mesmos países e outros.

Dizia Cabral que não lutava contra os portugueses mas contra o colonialismo, logo os quase 9000 mortos do nosso lado foram vítimas dos chamados efeitos colaterais. Alguns dos guineenses, amigos de portugueses e de Portugal, ao passarem-se legitimamente para o lado do PAIGC, movimento pelo qual lutaram, tornaram-se naturalmente nossos inimigos. Pergunto eu: e agora, acabada a guerra, voltaram a ser nossos amigos? Maneira muito romântica de ver a coisa.
Aquele guerrilheiro, que no calor da luta não me matou por caso, é agora meu amigo, também por acaso, digo eu. Se me tivesse acertado, lá se tinha ido a nossa amizade do pós-guerra. (...)
_______________

Notas do editor:

(*) Vd. poste de 29 de abril de 2012 > Guiné 63/74 - P9826: Os nossos últimos seis meses (de 25abr74 a 15out74) (9): Cartas de Paunca, SPM 5668, Parte II (J. Casimiro Carvalho, Fur Mil Op Esp., CCAÇ 11, mai-ago 1974)

(**) Último poste da série > 6 de dezembro de 2016 > Guiné 63/74 - P16805: Inquérito 'on line' (95): Texto e contexto: batota, balda, ronha, cobardia, indisciplina, traição?... Ou às vezes, também bom senso, experiência, velhice, sensatez ? (Hélder Sousa, ex-fur mil trms TSF, Piche e Bissau, 1970/72)

(***) Vd. poste de 1 de janeiro de  2017 > Guiné 61/74 - P16905: Fotos à procura de... uma legenda (80): Inimigos de ontem, amigos de hoje... (José Teixeira)
(...) O que estarão estes dois combatentes a planear?

Um, português, alferes miliciano, comandante em exercício da Companhia algures na Guiné. Outro, combatente do PAIGC. Reencontraram-se em 2013. Localizaram pontos comuns de convivência em barricadas opostas e toca a desenhar no terreno as suas posições estratégicas no passado ano de 1970 em que se enfrentaram em Jumbembem... Conversa amena que solidificou feridas e terminou num abraço.

Infelizmente o africano, funcionário da AD em Iemberém, já faleceu. Quem reconhece o nosso camarada, membro da nossa Tabanca Grande ? (...)


(****) Vd. poste de 2 de janeiro de 2017 > Guiné 61/74 - P16908: (In)citações (104): Inimigos de ontem, amigos de hoje? (Carlos Vinhal, ex-Fur Mil da CART 2732)

quarta-feira, 15 de abril de 2015

Guiné 63/74 - P14474: Agenda cultural (389): documentário sobre memórias de combatentes guineenses, de um lado e de outro ("Pabia di Aos", de Catarina Laranjeiro), na Cinemateca, Ciclo Panorama, 5ª feira, 16 de abril, 15h30


Fotograma do filme "Pabia di Aos", de Catarina Laranjeira (57', Portugal, 2013)


"PABIA DI AOS", da realizadora portuguesa Catarina Laranjeira
Produção: Portugal, 2013
Duração: 57'

Exibição:

16 de abril, 5ª feira, pelas 15h30
Sala M. Félix Ribeiro
Ciclo Panorama - Mostra do Documentário Português

Rua Barata Salgueiro, 39
1269-059 Lisboa
Tel: 213 596 200 - Fax: 213 523 180
GPS: 38°43'15.27"N, 9° 8'55.73"W


1. O documentário “Pabia di Aos” [, em crioulo, por via de hoje, ou por causa de hoje], da realizadora portuguesa Catarina Laranjeiro, foi filmado na Guiné em 2013 e estreou no Doclisboa' 13.  

É um documentário de longa duração (quase uma hora, 57'). Passa amanhã, 5ª feira, dia 16, na Cinemateca, em Lisboa, às 15h30, no âmbito do Ciclo Panorama - Mostra do Documentário Português (a decorrer entre 15 e 19 de abril).

O filme reúne testemunhos de guineenses sobre a guerra colonial/guerra de libertação que se travou no país, entre 1963 e 1974. Na Guiné-Bissau, quarenta anos depois da guerra, aqueles que aderiram ao movimento nacionalista de Amílcar Cabral e aqueles que lutaram no exército colonial põem em cena uma multiplicidade de discursos e memórias, fragmentados e dificilmente reconciliáveis. 

O nosso camarada Alberto Branquinho já viu o filme há um ano atrás  e deixou aqui a sua nota crítica (*).

2. Catarina Laranjeiro: (i)  é licenciada em Psicologia pela Universidade de Lisboa; (ii) tem um  mestrado em Antropologia Visual e dos Media pela Universidade de Berlim; (iii) é atualmente doutoranda em Pós-Colonialismo e Cidadania Global pelo CES/UC - Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra; (iv) trabalhou em diferentes associações de imigrantes em Portugal e em educação para o desenvolvimento na Guiné-Bissau; (v) dedica-se, desde 2010, a projetos de investigação e criação que cruzam a imagem e a antropologia. (**)

____________


Vd. também poste de 31 de outubro de 2013 > Guiné 63/74 - P12225: Agenda cultural (293): Estreia do filme da jovem realizadora portuguesa Catarina Laranjeiro, "Pavia de Ahos", sobre memórias guineenses da guerra de libertação / guerra colonial. Doclisboa'13, hoje, 5ª feira, 31/10/2013, 17h00, Cinema São Jorge, Sala 3

segunda-feira, 17 de março de 2008

Guiné 63/74 - P2656: Uma semana inolvidável na pátria de Cabral: 29/2 a 7/3/2008 (Luís Graça) (8): No corredor de Guiledje, com Dauda Cassamá (II)


Guiné-Bissau > Região de Tombali > Corredor de Guiledje > Simpósio Internacional de Guiledje > Visita ao sul > 1 de Março de 2008. Microfilme: 6' 32''. Alojado na conta no You Tube > Nhabijoes.

Este segundo microfilme é sobretudo preenchido com os depoimentos do Pepito, do Dauda Cassamá e do Abílio Delgado, o capitão dos Gringos de Guileje (1972)...

Vídeo e texto: ©
Luís Graça (2008). Direitos reservados.

Dauda Cassamá, um Combatente da Liberdade da Pátria, como se chamam os antigos guerrilheiros do PAIGC (1). No âmbito do Projecto Guiledje, equipas de investigadores da AD - Acção para o Desenvolvimento entrevistaram-nos, gravaram e filmaram os seus depoimentos, em DVD.

Foram este e outros homens que operaram na região sul, no Tombali, tendo articipado no cerco e ocupação de Guiledje, de 18 a 22 de Maio de 1973 (Op Amílcar Cabral). São convidados especiais do
Simpósio Internacional de Guiledje.


Foto:
Guiledje - Simpósio Internacional (2007) (fotos editadas por L.G).. Com a devida vénia...
Guiné-Bissau > Região de Tombali > Guileje > O Pepito e um elemento da população local com uma T-Shirt de Amílcar Cabral, em que se nota um erro tipográfica na estampagem do fundador da Pátria...



Guiné-Bissau <> Guileje > Cabral cá mori... Mesmo com erros tipográficos... continua a ter um lugar muito especial no coração dos antigos combatentes do PAIGC e das populações do Cantanhez..

Guiné-Bissau > Região de Tombali > Corredor de Guiledje > 1 de Março de 2008 > O Dauda Cassamá falando do seu tempo de combatente e da experiência de passagem pelo Caminho do Povo... Em segundo plano, o nosso amigo e camarada José Rocha, que não escondia a sua emoção por voltar à Guiné e a Guileje...

Fotos: ©
Luís Graça (2008). Direitos reservados

O Dauda não irá a Bissau, mas eu vou ter o privilégio de privar um pouco com ele, neste fim de semana (2)... Infelizmente, o seu português é mau, mas o meu crioulo ainda é pior. Há uma barreira sócio-linguística que nos separa, o que é terrível. Vou ter que socorrer-me de alguém para comunicarmos.

Não sei que idade é que ele tem. Não ultrapassará em muito os sessenta, o que num guineense, desta geração, significa ter já batido largamente a sua esperança de vida ao nascer. Pelo que eu percebi, tem uma dúzia de filhos, quase todos na diáspora, e em especial na Alemanha mas também em Portugal. Mora como uma filha, numa tabanca cujo nome não fixei, entre Guileje e Gandembel...
Hei-de vê-lo, na segunda feira, dia 3 de Março, de regresso a casa, vindo connosco de Iemberém. Vem na caixa aberta do jipe, conduzido pelo Antero. Ao sol e ao pó, como sempre andou uma vida inteira. Dirige-se para a sua morança. Uma neta está a tirar água do poço. Ao vê-lo apressa-se a ir recebê-lo, pegando na sua mala de viagem. Caminha com toda a dignidade. É um homem grande, estimado por todos, a começar pelo Pepito e os seus colaboradores da AD.

É um homem de olhar sereno e afável, e que no entanto levou uma vida duríssima. Deixa transparecer sabedoria, experiência de vida, coragem, dignidade... Parece-me estar bem na sua pele... Tem orgulho em ter sido guerrilheiro, mas não puxa dos galões...

Fala com simplicidade e até humildade dos tempos que andou por aqui, no mítico corredor de Guiledje, por onde passavam cerca de 2/3 das armas e munições do PAIGC... Fiquei saber que as armas que nos matavam no triângulo Xime- Bambadinca-Xitole, no Sector L1, Zona Leste, passavam por aqui... Eram transportadas de Candjafara, da base na Guiné-Conacri, às costas (só em 1973 é que aparecem os camiões russos…), até ao Cumbijã, até ao Corubal… Chegavam a todo o lado, ao norte da Guiné, ao leste da Guiné.

Agora de óculos, não deixa trair desilusão, desencanto, desapontamento pelo rumo dos acontecimentos do pós-independência, quando os seus companheiros tomaram o poder… Mas quem poderia substituí-los ? Ninguém, não havia mais ninguém, não havia sequer uma elite tecnoburocrática, poara governar a Guiné-Bissau em nome a guerrilha…

Não vejo ódio, nem agressividade, nem ressentimento neste homem... Também não o imagino a tirar benefícios pessoais por ter sido guerrilheiro do PAIGC. Não sei se foi um simples guerrilheiro ou se teve responsabilidades de comando…. Presumo que sim, já que a sua voz é ouvida e respeitada na região.

Num cartaz, muito bonito, que nos deram no final do Simpósio (Matas de Cantanhez, 2008: Biodiversidade ao serviço da soberania, numa edição de Tiniguena/CIDAC, com apoio da União Europeia), o Duda - reconheço-o pela fotografia -é citado como tendo dito:

“Muitos de nós, deixámos as nossas tabancas, apenas com as mochilas às costas e a firme determinação de não regressar antes de conquistar a independência. Hioje, pdoemos morrer em paz, porque atingimos o nosso objectivo.
"Se os que foram para a capital não estão a conseguio levar o país para o desenvolvimento, essa não é a nossa responsabilidade histórica. Compete à vossa geração fazer avançar essa luta (“Palavras de um Antigo Combatente da Frente Sul às 17 crianças em visita de estudo ao Cantanhez”).
Reparem: este homem deu o melhor da sua vida, lutando por uma causa. Não foi para a capital cobrar os dividendos a que poderia ter direito. Voltou a ser camponês, presumo. E hoje diz esta coisa espantosa, sereníssima: Posso morrer em paz, porque cumpri o meu objectivo… Passo o testemunho aos meus filhos e aos meus netos… Não me peçam mais, a conquista a terra e o céu ao mesmo tempo…

Que grande lição de filosofia de vida!... (LG)

__________

Notas de L.G.:

(1) Vd. poste de 24 de Janeiro de 2008 >
Guiné 63/74 - P2478: Guileje: Simpósio Internacional (1 a 7 de Março de 2008) (9): Inimigos de ontem, amigos de hoje

(2) Vd. postes anteriores desta série:
8 de Março de 2008 >Guiné 63/74 - P2618: Uma semana inolvidável na pátria de Cabral: 29/2 a 7/3/2008 (Luís Graça) (1): Regresso a Bissau, quatro décadas depois...
9 de Março de 2008> Guiné 63/74 - P2620: Uma semana inolvidável na pátria de Cabral: 29/2 a 7/3/2008 (Luís Graça) (2): O Hino de Gandembel, recriado pelos Furkuntunda
9 de Março de 2008 > Guiné 63/74 - P2621: Uma semana inolvidável na pátria de Cabral: 29/2 a 7/3/2008 (Luís Graça) (3): Pequeno-almoço no Saltinho, a caminho do Cantanhez
11 de Março de 2008 > Guiné 63/74 - P2625: Uma semana inolvidável na pátria de Cabral: 29/2 a 7/3/2008 (Luís Graça) (4): Na Ponte Balana, com Malan Biai, da RTP África
14 de Março de 2008 > Guiné 63/74 - P2640: Uma semana inolvidável na pátria de Cabral: 29/2 a 7/3/2008 (Luís Graça) (5): Um momento de grande emoção em Gandembel
16 de Março de 2008 > Guiné 63/74 - P2650: Uma semana involvidável na pátria de Cabral: 29/2 a 7/3/2008 (Luís Graça) (6): No coração do mítico corredor de Guiledje
17 de Março de 2008 > Guine 63/74 - P2655: Uma semana inolvidável na pátria de Cabral: 29/2 a 7/3/2008 (Luís Graça) (7): No corredor de Guiledje, com o Dauda Cassamá (I)

quinta-feira, 24 de janeiro de 2008

Guiné 63/74 - P2478: Guileje: Simpósio Internacional (1 a 7 de Março de 2008) (9): Inimigos de ontem, amigos de hoje

Mesna Tchude Nhanga

Idrissa Cumpom

Dauda Cassamá

Quissif Na Mboto

Cusna Sambé

Bacar Cassamá

Alficene Mané

Malan Djassi

Queba Djassi

Marcos da Silva


Malan Camará

Caldeira Mendes

Cadjali Cissé

Bion Na Biahatchiba

Laminé Camará

Eis alguns dos Antigos Guerrilheiros do PAIGC, que operaram na região sul, tendo alguns deles participado no cerco e ocupação de Guiledje, de 18 a 22 de Maio de 1973 (Op Amílcar Cabral). No âmbito do Projecto Guiledje, equipas de investigadores da AD - Acção para o Desenvolvimento entrevistaram-nos, gravaram e filmaram os seus depoimentos, em DVD. São também convidados especiais do Simpósio Internacional de Guiledje. Vamos ter, os tugas que lá forem, oportunidade de confraternizar com eles.

Olhando para estes rostos, alguns dos quais precocemente envelhecidos por uma vida duríssima (anos e anos de guerrilha pura e dura, a que se somaram as não menos penalizantes condições de vida e de trabalho num novo país independente, em construção), eu só consigo descortinar serenidade, sabedoria, coragem, experiência de vida... Talvez orgulho pela missão (cumprida), orgulho por terem sido protagonistas da sua própria história... Talvez (aqui e ali, e é preciso adivinhar) alguma desilusão, algum desencanto, algum desapontamento pelo rumo dos acontecimentos que nos escapam, pelos amanhãs que não cantaram (ou não cantaram para todos, para a grande maioria do povo)... Mas não vejo ódio, nem agressividade, nem ressentimento...

Foram homens, idealistas e generosos, que eram tão jovens como nós, e que amavam a sua terra como nós amamos a nossa, oriundos de diferentes comunidades e grupos, partilhando diferentes credos (animistas, muçulmanos, cristãos...), reunidos sob a mesma bandeira, e que, como combatentes, foram bons, determinados, abnegados, corajosos...

Também tiveram sorte no campo de batalha, que a sorte protege os audazes (como dizem os nossos comandos): hoje estão vivos; mas muitos milhares dos seus camaradas pagaram, com o sacrifício da sua própria vida, a sua opção pela luta de libertação... Estão vivos, mas não tiraram benefícios pessoais por ter sido guerrilheiros do PAIGC, combatentes da liberdade ou heróis vivos, aos olhos dos seus filhos, parentes, amigos, vizinhos...

Muitos voltaram a ser camponeses, um ou outro seguiu a pobre carreira de armas, outros quiçá já tiveram inclusive de sair do seu país, por motivos políticos, económicos ou outros... Que as revoluções também, aqui como noutros lados, costumam tragar muitos dos que as fazem...

Homens que ontem eram o IN, eram nossos inimigos (não individualmente, mas como exército, como máquina, como entidade mítica; porque estávamos, objectivamente, de um lado e de outro do campo de batalha, empunhando uns a Kalash e outros a G3...); homens que hoje queremos que sejam nossos amigos e até irmãos; homens que, no mínimo, merecem o nosso respeito, senão mesmo a nossa admiração... Há sempre em todas as guerras uma estranha cumplicidade entre combatentes de um lado e de outro...

Oxalá possam, todos estes antigos guerrilheiros do PAIGC, viver o que resta das suas vidas em paz, em segurança, em dignidade... E espero poder encontrar alguns deles em Guileje e dar-lhes um abraço do tamanho do Cumbijã, ou do Geba, ou do Corubal, ou do Cacheu, rios míticos de uma Guiné que também nos pertence um bocadinho, ou de algum modo... Quanto mais não seja, pela simples razão de que lá deixámos dois dos nossos verdes anos... (LG)


Fotos: Guiledje - Simpósio Internacional (2007) (fotos editadas por L.G).. Com a devida vénia... Parabéns ao(s) fotógrafo(s) da AD.

terça-feira, 8 de janeiro de 2008

Guiné 63/74 - P2419: Tabanca Grande (52): Salutacions cordials a nostre amic catalan Àlex Tarradelas

1. Mensagem do nosso amigo catalão Àlex (1):

Caro Luís, obrigado a si. Se alguma vez precisar, ou simplesmente gostasse de publicar em castelhano ou catalão algum artigo que ache interessante para perceber o sentido do seu blog, ou qualquer coisa que achar que interessante para ser difundida, informe-me, e dentro da minha disponibilidade vou traduzi-lhe, encantado.

Um grande abraço,

Àlex Tarradellas

2. Comentário de L.G.:

Obrigado, Àlex, pela tua disponibilidade. Accionarei o eixo da amizade Portugal -Espanha-Catalunha-União Europeia-África-Guiné Bissau, sempre que se justificar e nos apetecer... Se me dás licença, vou-te pôr na lista dos amigos da Guiné que fazem parte da nossa Tabanca Grande... Vejo que estás atento a (e te interessas por) o que se passa hoje, não só na Guiné-Bissau como noutros países africanos de língua oficial portuguesa (PALOP) (2).
____________

Notas de L.G.:

(1) Vd. post de 3 de Janeiro de 2008 >Guiné 63/74 - P2403: Antologia (67): As Duas Faces da Guerra: Como si la guerra fuera un simple juego de ajedrez (Álex Tarradelas)

(2) Vd. texto de Alex Tarradellas (que escreveu o prólogo e traduziu para castelhano o livro da mçamnicana Paulina Chiziane): Paulina Chiziane em espanhol. Diário dos Açores. 14/7/2007.

(...) Com o seu primeiro romance (Balada de Amor ao Vento, 1990), Paulina Chiziane foi considerada a primeira mu-lher de Moçambique a escrever um romance. No entanto, ela contradiz este dado ao negar sentir-se romancista. Define-se simplesmente como contadora de «estórias»: «Escrevo livros com muitas estórias, estórias grandes e pequenas. Inspiro-me nos contos em volta da fogueira, a minha primeira escola de arte.» As «estórias» são a forma de definir a narrativa de cunho popular e tradicional nutrida de uma grande influência oral. (...).

(...) Se nos cingimos ao caso de Paulina Chiziane, encontramo-nos com uma mulher nascida em 1955 em Manjcaze, uma população rural no sul de Moçambique. Aos sete anos muda-se para os subúrbios de Maputo, conhecida como Lourenço Marques nos tempos coloniais. Ali, subsiste com o seu pai a trabalhar como costureiro pelas ruas e a sua mãe como camponesa. Na capital, conhece a independência do país a 25 de Junho de 1975. E os bons augúrios nacionalistas, gerados após libertar-se das tropas portuguesas, dissipam-se rapidamente com o início da guerra civil, que não vai terminar até 1992 com o Acordo Geral de Paz.

Durante este turbulento período, Paulina Chiziane obtém a sua formação escolar e começa os estudos em linguística na Universidade Eduardo Mondlane, mas não os acaba. Com o tempo, começa a publicar contos na imprensa moçambicana, até que em 1990 escreve o seu primeiro romance. O facto de trabalhar na Cruz Vermelha durante a guerra civil permite-lhe nutrir-se da crueldade do conflito na primeira fila (...).

(...) Com a publicação em espanhol de O Sétimo Juramento, a autora adentra-nos numa sociedade cheia de contradições, onde os costumes convencionais chocam constantemente com as raízes ancestrais das personagens.

David é um guerrilheiro que, após a independência de Moçambique das forças portuguesas, converte-se em director de uma fábrica. Membro de uma emergente pequena burguesia, assentada sobretudo em Maputo, agirá como um bom cristão. No entanto, perante o primeiro problema pessoal com que se depare, recorrerá à magia negra. Esta será a tónica geral de um reduzido grupo social regido por dogmas católicos e, ao mesmo tempo, carregado de hipocrisia. Portanto, apesar de agir sob os princípios da ciência, a religião católica e, em resumo, o modus vivendi trazido do Ocidente, não poderá fugir das religiões animistas que acompanharam os seus antepassados.

Ao longo do romance, Paulina Chiziane desvela-nos uma vida cheia de dualismos que se entrecruzam constantemente: passado e presente, revolucionários e acomodados, tradições ancestrais e religião católica, homens e mulheres, jovens e anciões, curandeiros e feiticeiros, magia negra e magia branca e um longo etc. Contudo, é muito importante destacar que não se trata de puro maniqueísmo, senão de binómios, muitas vezes enlaçados sem poder separar-se. Esta é a essência do romance, um mundo de contradições e incompatibilidades entre crenças. Uma longa história de feitiçaria num mundo dual, característico da sociedade africana. (...)


Paulina Chiziane
é editada em Portugal pela Caminho
(a quem são devidos os créditos fotográficos desta imagem).