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domingo, 16 de janeiro de 2022

Guiné 61/74 - P22912: Ocupação dos aquartelamentos das NT e povoações pelo PAIGC (jul-out 1974), de acordo com o Plano de Retração do Dispositivo: excertos do relatório da 2ª Rep/CC/FAG, datado de 28 de fevereiro de 1975


Guiné > Região de Quínara > Fulacunda > 3.ª CART/BART 6520/72 (Fulacunda, 1972/74) > Julho de 1974: visita de Bunca Dabó e do seu bigrupo, fortemente armado... Ao centro, o nosso amigo e camarada Jorge Pinto, então alf mil, em farda nº 2, desarmado, fazendo as "honras da casa" (*). O aquartelamento e a povoação foram ocupados pelo PAIGC apenas em 2 de setembro de 1974.  (Natural de Turquel, Alcobaça, o Jorge Pinto é professor do ensino secundário, reformado.)

Foto (e legenda): © Jorge Pinto  (2016). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]
 

Relatório 2ª Rep /Pág.  52


Relatório 2ª Rep /Pág.  53



Relatório 2ª Rep /Pág.  54

 

Luís Gonçalves Vaz


Henrique Gonçalves Vaz (1922-2001)

Excertos do relatório da 2ª Rep/CC/FAG, sobre a situação político-militar em 1974 , publicado em 28 de fevereiro de 1975, e na altura classificado como "Secreto". É 
 assinado pelo chefe da 2ª Rep do CC/FAG [, Comando Chefe das Forças Armadas da Guiné, comando unificado criado em 17 de Agosto de 1974], o maj inf Tito José Barroso Capela.

Este documento foi digitalizado pelo Luís Gonçalves Vaz, membro da nossa Tabanca Grande [,foto acima], a partir de um exemplar pertencente ao arquivo pessoal de seu pai, cor cav CEM Henrique Gonçalves Vaz (1922-2001), último Chefe do Estado-Maior do CTIG (1973/74) [, foto també, acima]. (**)

Índice do relatório [que tem 74 páginas] (***)

A. Período até 25Abr74

1. Situação em 25Abr74

a. Generalidades (pp.1/2)
b. Situação política externa:
(1) PAIGC e organizações internacionais (pp. 2/5)
(2) Países limítrofes (pp. 5/8)
(3) O reconhecimento internacional do “Estado da G/B em 25Abr74 (pp.8/9).

c. Situação interna:

1. Situação militar

(a) Actividade do PAIGC (pp. 10/12)
(b) Síntese da atividade do PAIGC e suas consequências (pp.13/15)
(c) Análise da actividade de guerrilha (pp. 16/18)
(d) Dispositivo geral do PAIGC e objetivos (pp. 18/19)
(e) Potencial de combate do PAIG (pp.19/20)
(f) Possibilidades do PAIGC e evolução provável da situação (p. 21)

2. Situação político-administrativa (pp. 22/24).

B. Período de 25Abr74 a 15Out74

2. Evolução da situação após 25Abr74

a. Generalidades (pp. 25/26)
b. Situação política externa (pp. 26/28)

(1) PAIGC (pp. 29/32)
(2) Organizações internacionais (pp. 32/34)
(3) Países africanos (pp. 34/35)
(4) Outros países (pp. 35/36)


c. Situação interna

(1) Situação militar

(a) Aspetos gerais (pp.37/46)

(b) Síntese da actividade de guerrilha

1. Ações de guerrilha realizadas pelo PAIGC após 25abr74 (pp. 47/52)
2. Ações de controlo às viaturas das NT (p. 52)
3. Ocupação dos aquartelamentos das NT e povoações pelo PAIG (pp. 52/54)

(2) Situação político-administrativa(a) PAIGC- Contactos e conversações no TO (pp. 55/64)

(b) Outros partidos políticos ou associações cívicas (pp. 64/66)
(c) Prisioneiros de guerra (pp. 66/68;
(d) Transferência dos serviços públicos sob administração portuguesa para a administração da República da Guiné-Bissau (pp. 68/70);
(e) Diversos (pp. 70/74)

___________

Notas do editor:



 (*** ) Vd. restantes postes da série:




4 de fevereiro de 2012 > Guiné 63/74 - P9443: Situação Militar no TO da Guiné no ano de 1974: Relatório da 2ª REP/QG/CTIG: Transcrição, adaptação e digitalização de Luís Gonçalves Vaz (Parte V): pp. 10/21

31 de Janeiro de 2012 > Guiné 63/74 - P9424: Situação Militar no TO da Guiné no ano de 1974: Relatório da 2ª REP/QG/CTIG: Transcrição, adaptação e digitalização de Luís Gonçalves Vaz (Parte IV): pp. 1/9

quarta-feira, 24 de abril de 2019

Guiné 61/74 - P19713: Fotos à procura de... uma legenda (115): os nossos aposentos "bunkerizados"... com "climatizadores de pesadelos"!


Foto nº 1 > Guiné > Região de Bafatá > Sector L1 (Bambadinca) > Mansambo > CART 2339 (1968/69) > O alf mil at art Torcato Mendonça, ao centro, num dos abrigos subterrâneos do aquartelamento, onde as fotos das estrelas de cinema (,, "mulheres fatais" como Catherine Deneuve, por exemplo) ajudavam os jovens, nos seus verdes anos, a alimentar e a sublimar o ardente desejo... de viver (e sobreviver)!... Com Lisboa e o Porto, tão longe... e Bissau pelo meio, mas só para alguns privilegiados. Ah|, e ainda ficava longe, Mansambo, a 80 km, das garotas do Bataclã de Bafatá!... (*)

Foto (e legenda): © Torcato Mendonça (2006).  Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça  & Camaradas da Guiné]


Foto nº 2 > Guiné > Região de Gabu > Nova La,mego > CCS/BCAÇ 1933 (Nova Lamego e São Domingos, 1967/69) > O alf mil SAM Virgílio Teixeira escrevendo uma carta à namorada, a Manuela, sua futura esposa e mãe dos seus filhos (, vd. retrato em cima da mesa de cabeceira, à esquerda)  no seu quarto, cuja decoração era igual a tantas outras naquele tempo e lugar... A G3 ficava em cima, pendurada na parede, ou ao lado da cama. 

Foto (e legenda): ©  Virgílio Teixeira (2019).  Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça  & Camaradas da Guiné]


Foto nº 3 > Guiné > Região de Quínara > Fulacunda > 3ª CART / BART 6520/72 (1972/74) > A estante do quarto (, de 3 x 2 m,) dos "Mórmones de Fulacunda": o Dino, o Omar, o Meira e o Lee. à esquerda e à direita, dois beliches (quatro camas). Foto do  álbum do José Claudino da Silva, ex-1.º cabo cond auto, 3.ª CART / BART 6520/72 (Fulacunda, 1972/74) (**)

Foto (e legenda): © José Claudino da Silva (2017). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


Foto nº 4 > Guiné > Região de Tombali > Cufar > CCAÇ 4740 > 1973 > "Uma farra das NT"... O fotógrafo, o alf mil at inf Luís Mourato Oliveira,  é o segundo, a contar da esquerda para a direita

Foto (e legenda): © Luís Mourato Oliveira (2016). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné].


1. Qual a diferença entre as duas primeiras fotos de cima, tiradas a cerca de 140 quilómetros de distância uma da outra, mas sensivelmente na mesma época  (1968)? Mansambo ficava a sul de Bambadinca, a meio caminho, na estrada Bambadinca - Xitole - Saltinho (c. 60 km).  O "campo fortificado de Mansambo", como lhe chamava a "Maria Turra"... Foi construído de raiz, a pá e pica, pelos bravos "Viriato" da CART 2339.

Em geral, os alferes milicianos partilhavam um quarto a três, os furriéis a cinco ou seis, nas sedes de Batalhão (Bambadinca, por exemplo, onde só os oficiais superiores e os capitães tinham direito a "quarto privativo")... O "povo", esse, dormia a granel...

Nas unidades de quadrícula, uns viviam em "bunkers" (ou melhor, "bu...rakos"), em abrigos subterrâneos (caso de Mansambo). Mas a decoração não variava muito: fotos de "garotas", "pinups", modelos fotográficos, artistas de cinema, em poses mais ou menos ousadas, tanto quanto a moral e os bons costumes o permitiam nessa época... Eróticas q.b., mas não nunca pornográficas (sexo explícito)... 

A foto nº 3  tem já cinco/seis anos de diferença, bem mais próximas do fim da guerra, c. 1973/74... Já o puritanismo de Salazar & Cerejeira estava a passar à História...  É do quarto (partilhado) do nosso camarada José Claudino da Silva, um dos quatro "mórmones de Fulacunda"... Surpreendentemente, era um aposentotado, minúsculo (, d e 3 x 2 m),  austero, puritano,  com dois  beliche (4 camas ), e um espécie de móvel encostado à parede, a servir de mesa de cabeceira  e estante, e onde ao que parece, só entravam as fotos... das castas... namoradas dos "mórmones" (**).

A foto nº 4 faz parte de um conjunto a que o fotógrafo chamou "farra das NT",   muito reveladores do universo concentracionário em que se vivia na Guiné, nos aquartelamentos e destacamentos das NT. "É a caserna na sua intimidade"...

A  CCAÇ 4740, era constituída por pessoal açoriano.  Centena e meia de homens, machos, na flor da idade, cheios de testosterona, partilhavam espaços reduzidos, geralmente sob a forma de toscos "bunkers", semi-enterrados, construídos de troncos de palmeira, chapa, bidões, terra e argamassa, e onde coabitavam com os bichos (mosquitos e demais insector, roedores, répteis) e a atmosfera era muitas vezes irrespirável, devido à multiciplicidade de cheiros,  à humidade, ao calor, à semi-obscuridade, à sujidade, ao pó ou à lama (conforme a estação do ano: época das chuvas ou época seca)... Noutros casos, eram verdadeiros "armazéns de depósito de material humano", com cobertura de chapa de zinco, onde era quase impossível permanecer durante o dia, devido à temperatura e humidade tropicais...

A ventoinha  era um luxo, só para alguns, e só durante escassas horas da noite, quando se ligava o gerador... Nestas "casernas do mato", os homens viviam, conviviam, comiam e dormiam quase sempre em tronco nu, de calções e chanatas.. O álcool, o tabaco e as cantorias, além das jogatanas de cartas, eram dos poucos escapes que a malta tinha nas "horas vagas"... Os dias sucediam-se aos dias, perdia-se a noção do tempo... Deixa-se crescer o bigode, contra os regulamentos, para se parecer mais bravo e macho.

No meio de toda esta promiscuidade, salvava-se a amizade, a solidariedade, a camaradagem... E cada companhia que chegava procurava melhorar, para si e para os vindouros, as condições de vida que encontrava... Se a guerra tivesse durado 100 anos, como alguns queriam, estou ciente que em Cufar já haveria hoje painéis solares, ar condicionado,   bar aberto e umas "ervas"... (E claro, militares de ambos os sexos, se bem que em aposentos separados; no nosso tempo, as únicas camaradas que tínhamos eram as enfermeiras paraquedistas, que causavam sempre algum alvoroço sempre que  vinham a "terra", isto é, à sede de algum batalhão, presenciei isso em Bambadinca...).

Temos, no nosso blogue, uma série sobre "Os Bu...rakos em que vivemos" que pode ser revisitada e que queremos retomar... Na realidade, não eram "bunkers" de cimento armado à prova de canhão s/r ou morteiro 120 (com raras exceções, como era o caso de Gandembel e de Guileje), mas verdadeiros "bu...rakos" a que  chamávamos pomposamente... "abrigos"... De Cafal Balanta a Mato Cão, de Mampatá a Banjara, da Ponte do rio Udunduma a Ponte Caium, de Sare Banda a Missirá, de Madina do Boé a Copá..., a Guiné era, toda ela, uma terra "es...bu...ra...ka...da". 

Os "posters" / cartazes / capas de revistas com "meninas" mais ou menos "despidas" ajudavam-nos, ao menos,  a "climatizar" os nossos pesadelos (***)..

Vá lá, caros/as leitores/as, arranjem as vossas legendas para estas fotos... dos nossos verdes anos, passados lá na Guiné, quando ela ainda era "verde e rubra. Tínhamos, muitos de nós, "aposentos bunkerizados", daí o necessário  recurso aos "climatizadores de pesadelos" (****)... LG
_________________


segunda-feira, 1 de janeiro de 2018

Guiné 61/74 - P18164: Ai, Dino, o que te fizeram!... Memórias de José Claudino da Silva, ex-1.º cabo cond auto, 3.ª CART / BART 6520/72 (Fulacunda, 1972/74) > Capítulo 18: Os substitutos dos 'Capicuas' [CART 2772]


Guiné > Região de Quínara > Fulacunda > 3ª CART / BART 6520/72 (1972/74) > A estante do quarto (, de 3 x 2 m,) dos "Mórmones de Fulacunda":  o Dino, o Omar, o Meira e o Lee.
  

Foto (e legenda): © José Claudino da Silva (2017). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Continuação da pré-publicação do próximo livro (na versão manuscrita, "Em Nome da Pátria") do nosso camarada José Claudino Silva:





Nascido em Penafiel, em 1950, criado pela avó materna, reside hoje em Amarante. Está reformado como bate-chapas. Tem o 12º ano de escolaridade. Foi um "homem que se fez a si próprio", sendo já autor de dois livros, publicados (um de poesia e outro de ficção). Tem página no Facebook. É membro nº 756 da nossa Tabanca Grande .

Sinopse:

(i) foi à inspeção em 27 de junho de 1970, e começou a fazer a recruta, no dia 3 de janeiro de 1972,no CICA 1 [Centro de Instrução de Condutores Auto-rodas], no Porto, junto ao palácio de Cristal;

(ii) escreveu a sua primeira carta em 4 de janeiro de 1972, na recruta, no Porto; foi guia ocasional, para os camaradas que vinham de fora e queriam conhecer a cidade, da Via Norte à Rua Escura.

(iii) passou pelo Regimento de Cavalaria 6, depois da recruta; promovido a 1º cabo condutor autorrodas, será colocado em Penafiel, e daqui é mobilizado para a Guiné, fazendo parte da 3ª CART / BART 6250 (Fulacunda, 1972/74);

(iv) chegada à Bissalanca, em 26/6/1972, a bordo de um Boeing dos TAM - Transportes Aéreos Militares; faz a IAO no quartel do Cumeré;

(v) no dia 2 de julho de 1972, domingo, tem licença para ir visitar Bissau,

(vi) fica mais uns tempos em Bissau para um tirar um curso de especialista em Berliet;

(vii) um mês depois, parte para Bolama onde se junta aos seus camaradas companhia; partida em duas LDM parea Fulacunda; são "praxados" pelos 'velhinhos', os 'Capicuas", da CART 2772;

(viii) Faz a primeira coluna auto até à foz do Rio Fulacunda, onde de 15 em 15 dias a companhia era abastecida por LDM ou LDP; escreve e lê as cartas e os aerogramas de muitos dos seus camaradas analfabetos;

(ix) é "promovido" pelo 1º sargento a cabo dos reabastecimentos, o que lhe dá alguns pequenos privilégio como o de aprender a datilografar... e a "ter jipe";

(x) a 'herança' dos 'velhinhos' da CART 2772, "Os Capicuas", que deixam Fulacunda; o Dino partilha um quarto de 3 x 2 m, com mais 3 camaradas, "Os Mórmones de Fulacunda".


2. Ai, Dino, o que te fizeram!... Memórias de José Claudino da Silva, ex-1.º cabo cond auto, 3.ª CART / BART 6520/72 (Fulacunda, 1972/74) > Capº 18: Os substitutos  


[O autor faz questão de não corrigir os excertos que transcreve,  das cartas e aerogramas que começou a escrever na tropa e depois no CTIG à sua futura esposa. Esses excertos vêm a negrito. O livro, que tinha originalmente como título "Em Nome da Pátria", passa a chamar-se "Ai, Dino, o que te fizeram!", frase dita pela avó materna do autor, quando o viu fardado pela primeira vez. Foi ela, de resto, quem o criou. ]


18º Capítulo > OS SUBSTITUTOS


Apesar das muitas festas em honra dos soldados que iam deixar Fulacunda [, da CART 2772,], a população nativa andava triste. Os velhos iam partir.

Durante dois longos anos, os “Capicuas” tinham angariado imenso prestígio entre a população, evitando muitas vezes que corresse perigo e socorrendo, tanto com alimentação como medicamentos deles próprios algumas enfermidades que a apoquentasse. Agora que os “Capicuas” partiam, notava-se algum receio. Seria que nós, os novos, estaríamos à altura dos que fomos substituir?

Posso garantir que nos comportámos dignamente. Sendo nós os últimos militares naquela região, antes da independência da Guiné, garanto, e posso provar, que os soldados da 3ª Companhia, do Batalhão 6520 que cumpriram a sua missão entre 72/74 do século XX foram, dentro do que lhes foi humanamente possível, excedíveis no cumprimento da sua missão. Em todos os aspectos. Salvaguardando, naturalmente, e de forma patriótica, o nome de Portugal. Esse que actualmente nos repudia e desconsidera.

Falo nisto porque, inclusive na altura, escrevi que até os cães e os gatos deixaram de brincar, depois que aqueles heróis partiram.

Partiram uns, ficaram outros não menos heróicos.

A carta que escrevi em 27 de Agosto tem oito páginas, mas resumidamente digo o que eu e mais três colegas recebemos, na véspera da partida dos velhinhos, no seu regresso a casa.

Tenho lá tudo mencionado, nas folhas já amarelecidas pelo tempo.

Primeiro esclareço que os quatro fomos parar a esse local porque foi antes ocupado pelos soldados que substituímos. Um dos quatro foi, e continua a ser, um dos meus maiores amigos. Tem nome: José Leal.

Recebemos um quarto com quatro camas, estante, ventoinha e candeeiro eléctrico. Quase porta com porta, um sólido abrigo antibomba, que também servia de cozinha. Nele existia uma máquina a petróleo, um tacho, uma panela, duas cafeteiras, uma frigideira, cinco pratos e quatro copos, diversas latas e garrafas. Enfim, tudo de que necessitássemos para cozinhar, desde que conseguíssemos os ingredientes.

Os aposentos palacianos tinham as seguintes áreas: O quarto - três metros por dois; o abrigo - quatro por dois. Nunca percebi porque não dormíamos nos abrigos, como todos os meus colegas. Estes, os abrigos eram subterrâneos para a população e em cimento armado para os militares. As paredes e teto teriam cerca de um metro de grossura. Estavam colocados em pontos estratégicos ao redor da “Vila”. Pista 1. Pista do Meio. Pista 2. Buba. Brutus. Lagartos. Torre.

Cada um tinha um espaço muito reduzido. No seu interior, doze camas amontoadas. A maioria dos que lá viviam eram os soldados atiradores. Os especialistas, tal como hoje, tinham um pouquinho mais de conforto. O certo é que estávamos protegidos. Eu acreditava mesmo nisso.

O nosso “palácio” não tinha nome; baptizámo-lo com o sonante nome “Refúgio dos Mórmones”.

Os quatro "Mórmones de Fulacunda"  rapidamente, e através do Programa das Forças Armadas [PFA] da Emissora Regional da Guiné, seriam conhecidos por toda a província. Éramos o Omar, o Dino, o Meira e o Lee.

Os velhotes partiram no dia seguinte.
– Boa viagem, “Capicuas”.
– Obrigada,  3ª Companhia. Encontramo-nos na Metrópole daqui a dois anos.

(Continua) (**)

____________

Notas do editor:


(**) Fora da série foram já publicados dois capítulos (25º e 34º)  relativos à quadra natalícia de 1972:


22 de dezembro de 2017 > Guiné 61/74 - P18122: O meu Natal no mato (43): as mensagens natalícias de 1972, gravadas pela RTP a 23 de outubro... E se a gente morresse, entretanto ?...Como não tinha pai nem vivia com a minha mãe ou com os meus irmãos, tive de dizer “querida avó” e mais umas balelas obrigatórias... (José Claudino da Silva, ex-1º cabo cond auto, 3ª CART / BART 6520/72, Fulacunda, 1972/74)

terça-feira, 13 de dezembro de 2016

Guiné 63/74 - P16830: A construção de Mansambo, em imagens (Carlos Marques dos Santos, ex-fur mil at art, CART 2339, 1968/69) - Parte V: Anexos A água: o(s) suplício(s), de Sísifo e de Tântalo (1)


















Fotos (e legendas): © Carlos Marques dos Santos (2016). Todos os direitos reservados [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



História da “feitoria” de Mansambo, com foral a partir de 21 de abril de 1968







1. Quinta parte do trabalho sobre a "construção de Mansambo em imagens" (*), realizado pelo Carlos Marques dos Santos, nosso grã-tabanqueiro da primeira hora, ex-furriel miliciano da CART 2339 (Mansambo, 1968/69), subunidade adida ao BCAÇ 2852 (Bambadinca, 1968/70). (*)


Sísifo ...foi condenado pelos deuses, por toda a eternidade (!), a empurrar  uma enorme pedra,  com suas próprias mãos até ao cume de uma montanha. Chegado lá, a pedra rolava novamente montanha abaixo, e o suplício continuava, uma, duas, três, infinitas vezes, inútil e estúpidamente...

"O trabalho de Sísifo" exprime o absurdo de muitas vidas humanas, como a dos Viriatos da CART 2339, em Mansambo.

Tântalo, por sua vez,  por ter tentado enganar os deuses,  foi lançado, por castigo ao rio Tártaro, nunca pondo saciar a sua sede (... nem matar a sua fome),  já que, ao aproximar-se da superfície da água esta se escoava...

O suplício de Tântalo refere-se, assim, ao sofrimento daqueles que desejam ansiosamente algo que está aparentemente ao alcance da mão mas a que esta nunca poderá chegar...A água foi um dos bens essenciais que escasseava em Mansambo e  que os Viriatos aprenderam muito cedo a respeitar como algo de vital e de  sagrado... (LG)

quinta-feira, 3 de novembro de 2016

Guiné 63/74 - P16679: A construção de Mansambo, em imagens (Carlos Marques dos Santos, ex-fur mil at art, CART 2339, 1968/69) - Parte III: Um quartel do mato, projetado pelo BENG 447, e construido com a mão de obra dos valentes "Viriatos"

























Fotos (e legendas): © Carlos Marques dos Santos (2016). Todos os direitos reservados [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Terceira parte do trabalho sobre a "construção de Mansambo em imagens", realizado pelo Carlos Marques dos Santos, nosso grã-tabanqueiro da primeira hora, ex-furriel miliciano da CART 2339 (Mansambo, 1968/69), subunidade adida ao BCAÇ 2852 (Bambadinca, 1968/70).


O projeto foi do BENG 447 e a mão de obra foi... da CART 2339, "Os Viriatos".  Do reconhecimenmto do terreno, em fevereiro de 1968, ainda antes da chegada do novo Com-Chefe, o brig António Spínola, à inauguração oficial, em 21/1/1969, decorreu praticamennte um ano. (A cronologia da obra será apresentada no próximo poste.).

Eis como o nosso editor, Luis Graça, descreveu Mansambo, da primeira vez que lá passou, ainda periquito, com dois meses de permanência no setor L1 (Bambadinca), era então fur mil arm pes inf, CCAÇ 2590/CCAÇ 12 (Contuboel e Bambadinca, 1969/71)... 

E essa impressão foi fortíssima, confessou ele, passando a ter desde logo um enorme respeito por aqueles valemtes "Viriatos", com quem depois ainda fará vários operações, até ao fim da comissão deles:

"Uma clareira aberta no mato a golpes de catana e de motosserra, guarnecida de arame farpado, artilharia e abrigos-caserna à prova de canhão sem recuo, eis Mansambo.

"Os guerrilheiros chamam-lhe campo fortificado mas como este aquartelamento de mato há muitos – dizem-me – sobretudo no sul, e que são verdadeiros abcessos de fixação. Aqui vive-se praticamente em estado de sítio. Para ir descarregar o lixo fora do arame farpado, apanhar lenha ou encher os bidões de água a 100 metros sai-se com um grupo de combate armado até aos dentes. A rotina, porém, leva ao afrouxamento da disciplina.

"Há alguns meses atrás, o grupo de combate que montava segurança à viatura da água foi surpreendido pelos guerrilheiros, emboscados junto à fonte, no momento em que alguns soldados tomavam banho,  alegre e despreocupadamente. Resultado: 2 mortos e 10 feridos.

"O aquartelamento tem sofrido flagelações, sem consequências. O pior são as minas e emboscadas na estrada Bambadinca-Mansambo-Xitole. Todavia, o problema nº 1 aqui é o isolamento. A unidade é abastecida a partir de Bambadinca. Não há pista de aviação  [, só heliporto]. Não há população civil, exceto meia dúzia de guias nativos com as respectivas famílias. Ora o isolamento nestas circunstâncias acarreta toda uma séria de perturbações psicológicas e até mentais. Apanhado pelo clima é a expressão que se utiliza na gíria deste universo concentracionário em que se transformou a Guiné" (...) 


 [Fonte: Excertos do "Diário de um Tuga. Mansambo, 17 de Setembro de 1969"]...
______________

Nota do editor:

Postes anteriores da série >


15 de outubro de 2016 > Guiné 63/74 - P16603: A construção de Mansambo, em imagens (Carlos Marques dos Santos, ex-fur mil at art, CART 2339, 1968/69) - Parte I: era uma vez uma obscura tabanca do regulado do Corubal que mal se via no mapa...

quinta-feira, 20 de outubro de 2016

Guiné 63/74 - P16621: A construção de Mansambo, em imagens (Carlos Marques dos Santos, ex-fur mil at art, CART 2339, 1968/69) - Parte II: Fórmula para construir um aquartelamento de raiz, no mato: primeiro é preciso braços, cabeças, pernas, G3, pás, picaretas, enxadas, GMC do tempo da guerra da Coreia, etc.; depois cibes, areia ou pó de picada, terra, cimento, chapas, bidões, e muitos outros materiais; a seguir, construir paredes, tetos, telhados, abrigos, latrinas, manjedouras e outras amenidades hoteleiras; por fim, misturar tudo com... sangue, suor e lágrimas !




O  "campo fortificado" de Mansambo. Vista aérea (c. finais de 1969, princípios de 1970 ?). Foto do fur mil op esp, Humberto Reis (CCAÇ 12, Bambadinca, 1969/71). 




O  "campo fortificado" de Mansambo. Vista aérea (c. finais de 1969, princípios de 1970 ?). Foto (ampliada)  do Humberto Reis.

Sobre esta foto, escreveu o Carlos Marques dos Santos [e fica em aberto a questão da data: se a foto foi tirada, de heli ou de DO,  só pode ser de 1969 (2º semestre), 1970 ou 1971 (janeiro/fevereiro), já que o Humberto Reis, tal como os restantes camaradas da CCAÇ 12, chegou ao setor L1 (Bambadinca) na 3ª semana de julho de 1969 e terminou a sua comissâo em março de 1971; mas esta vista aérea também pode ser de 1968, tirada por algum amigo do Humberto, da Força Aérea: nesse caso, seria de Mansambo ainda construção; na realidade, parece faltar ainda o arame farpado, os 2 espaldões do obus 10,5 que só vieram em janeiro de 1969; vamos tentar esclarecer o "mistério" com o Humberto]: 

"Quanto à foto de Mansambo, a vista aérea – que é espectacular e que pessoalmente agradeço - gostava de saber de que ano é, se o Humberto tiver esses dados. A zona está totalmente nua, só com uma grande árvore ao fundo que se encontra à entrada do aquartelamento, pois vê-se a bifurcação para a estrada Bambadinca-Xitole (esquerda-direita). Falta ali uma árvore, a tal de referência para o IN, e que os nossos soldados chamavam a árvore dos 17 passarinhos, tal era a quantidade deles, que se situava na parte mais afastada da entrada. A mancha branca de maior dimensão seria o heliporto. Faltam os obuses, um de cada lado à esquerda e à direita. Ao lado dessa árvore ficava o depósito, que era uma palhota, de géneros e munições, que ardeu a 20 de Janeiro de 1969 (nesse dia chegaram os 2 Obuses 105 mm). Era véspera do aniversário da CART 2339. Ao fundo vê-se uma mancha à esquerda do trilho de entrada que era a tabanca dos picadores. À direita no triângulo de trilhos, ficava a nossa horta. A fonte ficava à direita da foto onde se vêem 3 trilhos, na mancha mais negra em baixo. Se confrontares com um mapa da zona vê-se aí uma linha de água."  



O Carlos Marques dos Santos, ex-fur mil, CART 2339 
(Fá Mandinga e Mansambo, 1968/69)


CART 2339, Viriatos... leais e nobres
























Fotos (e legendas): © Carlos Marques dos Santos (2026). Todos os direitos reservados [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Segunda parte do trabalho sobre a "construção de Mansambo em imagens", realizado pelo Carlos Marques dos Santos, nosso grã-tabanqueiro da primeira hora, ex-furriel miliciano da CART 2339 (Mansambo, 1968/69), subunidade adida ao BCAÇ 2852 (Bambadinca, 1968/70).

Depois de pronto, ao fim de largos meses, a "Maria Turra" chamava-lhe o "campo fortificado de Mansambo". O Mamadu Indjai não deu descanso à rapaziada da CART 2339, os famosos "Viriatos",,, Não houve tempo para tirar férias, gozar a piscina do "resort", curtir os fins de tarde românticos ou ir fazer uns piqueniques nos rápidos do Rio Corubal, era um Saltinho... 

O Mamadu tanto lhes f... o juízo  que eles um dia pregaram-lhe uma partida, fizeram-lhe uma espera, a ele e ao seu bigrupo quando atravessavam a estrada a caminho de casa...  e o Mamadu, o terrível,   teve que ir de padiola para o hospital de Boké. Desta vez, mesmo gravemente ferido,  safou-se. 

Conta a lenda  que seria mais tarde...  fuzilado pelos seus próprios camaradas de armas, na região do Boé, por estar envolvido, em Conacri,  na conspiração que levou ao assassinato de Amílcar Cabral... Amor com amor se paga...  Enfim, fica para a história como vilão e traidor. Se tivesse morrido às mãos do 3º Gr Comb, da CART 2339, a que pertencia o nosso Carlos Marques Santos, hoje seria um herói nacional, como o Domingos Ramos ou a Titina Silá, com direito a mausoléu na Amura (, o panteão nacional).  A história tem destas partidas... (LG)

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Nota do editor:

15 de outubro de 2016 > Guiné 63/74 - P16603: A construção de Mansambo, em imagens (Carlos Marques dos Santos, ex-fur mil at art, CART 2339, 1968/69) - Parte I: era uma vez uma obscura tabanca do regulado do Corubal que mal se via no mapa...