Mostrar mensagens com a etiqueta arte urbana. Mostrar todas as mensagens
Mostrar mensagens com a etiqueta arte urbana. Mostrar todas as mensagens

terça-feira, 8 de dezembro de 2020

Guiné 61/74 - P21621: Pensamento do dia (25): Grafito, logo existo... Ou a pandemia de Covid, romântica "ma non troppo"... Afinal, os grafiteiros das nossas cidades são uns meninos de coro quando comparados com alguns que se mudaram para as redes sociais...como o Facebook e o Twitter, diz o Jimmy Wales, o criador da Wikipedia


Foto nº 1


Foto nº 2


Foto nº 3


Foto nº 4


Foto nº 5


Fotos (e legendas): © Luís Graça (2020). Todos os direitos reservados.[Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Não sou caçador de grafitos...nem aprecio a generalidade dos nossos grafiteiros (, embora possamos distinguir entre grafitos e pichagens)... 

Há um em cada cem que tem algo para comunicar aos outros, e tem talento literário ou pictórico. Na maior dos casos, as pichagens são atos solitários ou lutas entre indivíduos ou bandos rivais, com ou sem conotação política.

Sobre os restantes 99, não me pronuncio, não comento. Há sociólogos e antropólogos que se dedicam ao seu estudo e à importância da "arte urbana" como forma de contestação social, participação direta e democratização dos espaços públicos... Enfim, faço uma distinção entre "arte urbana" e "pichagens"...

Se calhar não passam de gritos contra a solidão: "Grafito, logo existo!"...

Não gosto da poluição estética que os grafiteiros provocam nas nossas cidades... Além disso, canibalizam-se uns aos outros, na fossanguice de conquistar um metro quadrado de fama para os rabiscos e tags indecifráveis (a não ser para os iniciados). 

Como não gosto da poluição estética provocada pelos painés e cartazes de  publicidade comercial (que apesar de tudo tem regras de afixação). 

Como não gosto da distribuição selvagem dos cartazes e outros meios de propaganda política, em especial nos períodos eleitorais...

São, a par do trânsito automóvel,  e dos guetos (dos ricos e dos pobres), algumas das razões por que  as nossas cidades se tornaram num pesadelo, que nem sequer é climatizado, se tivermos em conta o desastre urbanístico dos últimos 100 anos ( incluindo os quase 50 anos de poder autárquico democrático).

Mas também não gosto das cidades completamente assépticas, limpas, sem sons nem cheiros... Muito menos sem bandos de crianças... Lisboa estava à beira da "gentrificação", na véspera da pandemia da Covid-19, com os lisboetas a serem expulsos da sua cidade... 

Não queremos uma cidade-museu, apenas para fruição estética ou usufruto turístico, asséptica, sem merda, sem lixo... Para isso, basta-nos o céu (ou o silêncio do cemitério) quando morrermos... 

Dito isto, aprecio alguma da "arte de rua" (ou "arte urbana")  que se faz nas nossas vilas e cidades... Dizem até que Lisboa é hoje um dos grandes centros mundiais de produção de "arte urbana"... Não sei, nunca dei a volta ao mundo para poder comparar... 

De qualquer modo,  não aprovo a "vandalização" dos nossos equipamentos sociais, monumentos, estátuas, paredes, muros, meios de transporte, sinalética rodoviária, portas, portões, etc. Há a contestação social, a ação política, o vandalismo e  a delinquência, se bem que a linha de fronteira nem sempre seja fácil de delimitar ao longo da história... 

Antes do 25 de Abril, o Bordalo II ou o Alexandre Farto (mais conhecido como Vhils) seriam presos por danificar a propriedade (pública ou privada). Ou até mais: por serem subversivos... Hoje dizem que são dois génios... e eu também acho. Mas começaram por ser "grafiteiros".... 

A pichagem também já se fazia, clandestinamente, como forma de protesto político, antes do 25 de Abril... Mas hoje tem menos riscos: na loja do chinés, há "sprays" de todas as cores, feitios e preços... O "spray" pode ser uma arma, como é o teclado do computador ou a caneta ou o pincel...

Dito isto, confesso que de vez em quando não resisto a "tirar um chapa" aos trabalhos dos nosso grafiteiros... Estarei com isso a "legitimar" e até a "glorificar", enquanto cidadão, os grafitos e as pichagens ?

O ser humano sempre foi grafiteiro, desde os nossos antepassados, podendo recuarmos até à arte rupestre do paleolítico; em Foz Coa, por exemplo, perdemos uma barragem, ganhámos um parque de arte rupestre, dos mais importantes do mundo... As árvores dos nossos jardins também era "grafitadas" pelos nossos pais e avós... Até nas rochas da praia, encontramos frases de amor, essas ao menos inocentes, ingénuas, inofensivas, gravadas a canivete: "Amo-te"...

Os nossos braços, na Guiné, também era "grafitados", embora com pobre imaginação: as nossas tatuagens não passavam de expressões singelas como "amor de Mãe" ou "sangue, suor e lágrimas"...

Acho bem que haja espaços da cidade (prédios em ruina ou em vias de demolição...), públicos e privados, onde se possa praticar a "arte urbana" com as devidas autorizações (, dos proprietários, dos autarcas, etc:) e à luz do sol... Mas isso é outra história que não cabe aqui desenvolver.

Mas, afinal, ainda pior talvez que o "lixo urbano visual", produzido por muitos dos nossos grafiteiros, são as "redes sociais", com destaque para o Facebook e o Twitter, no entender de Jimmy Wales, criador da Wikipédia... 

Achei piada há dias a um desabafo do nosso Zé Manel Lopes: "Já pensei sair deste poço de esterco [, o Facebook,], apenas me seguraram alguns amigos, que vejo pouco"... [Zé, tens razão, e não basta um litro de creolina para limpar o esterco.]

Deixo, à apreciação e ao comentário dos nossos leitores, alguns exemplos, de "frases grafitadas" que nos interpelam, quando passamos na rua ou ou passeamos nos nossos jardins... Se calhar a maior parte de nós, passa por elas sem já lhes ligar qualquer atenção... Banalizaram-se, são apenas poluição visual, tal comos os insultos, as mentiras e as mensagens de ódio que lemos no Facekook...

Foto nº 1 > "A romantização da quarentena é previlégio (sic) de classe" [O autor queria dizer..."privilégio"];

Foto nº 2 > "Não uso sutiã, não preciso de nada que me sustente"

Foto nº 3 > "Aprender é um processo, primeiro apreendes, depois aprendes"

Estas três primeiras fotos são recentes (27 de novembro de 2020) e foram tiradas dentro (fotos nº 1 e nº 2) ou fora (foto nº 3) do Jardim da Cerca da Graça, inaugurado em meados de 2015...  As fotos nº 4  e nº 5 são um pouco mais antigas, tiradas em 21 de setembro de 2019, no Caracol da Graça, Mouraria.

Mas, para mim, o mais genial dos "grafitos" da nossa guerra, que já li, foi a frase inscrita na parede, algures num quartel em Mueda, no norte de Moçambique,  por volta de 1968/70 (Vd. foto a seguir). 

No fundo, é uma variante do aforismo, "homo lupus homini" (, o homem é o lobo do homem), atribuído ao dramaturgo romano Plauto (254-184 a.C.). Na Guiné, no nosso tempo,  ainda não havia lojas de chineses nem "sprays" à venda, ao preço da mancarra... 

Se houvesse, talvez as paredes dos nossos quartéis, numa bela manhã, pudessen aparecer todas grafitadas, como as ruas das nossas cidades, com alguns insultos bem apropriados a  certos  "senhores da guerra" (, de um lado e do outro)...




Moçambique > Mueda > CART 2369 (1968/70) > O 2º sargento miliciano Sérgio Neves (que também passou pela Guiné), irmão do nosso camarada Tino Neves, junto a um mural onde se lê: "Em Mueda, os cordeiros que entram, são lobos que saem. Adeus, checas". Recorde-se que o checa, em Moçambique, era o nosso pira ou periquito, na Guiné (ou maçarico, em Angola).

Foto: © Tino Neves (2007). Todos os direitos reservados.[Edição e legendagen: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]

__________

Nota do editor:

Último poste da série > 19 de março de 2015 > Guiné 63/74 - P14389: Pensamento do dia (24): No Dia do Pai... Mensagem ao meu pai, esse homem duro e autoritário que morreu aos 59 anos para grande pena minha (Francisco Baptista)

quarta-feira, 2 de setembro de 2020

Guiné 61/74 - P21313: Agenda cultural (753): Arte urbana: mural, da autoria do artista plástico cabo-verdiano, António Conceição, de homenagem às mulheres da seca do bacalhau, e aos demais ofícios da Faina Maior... Gafanha da Nazaré,Ílhavo, agosto de 2020 (Ana Aveiro / Valdemar Aveiro)








 


 





Ilhavo > Gafanha da Nazaré > Viaduto de acesso ao acesso ao Cais Bacalhoeiro > Agosto de 2020 > Mural do artista de origem cabo-verdiana, natural do Mindelo, António Conceição, 50 anos de idade,  que se licenciou em Belas Artes na Universidade do Porto em 2005. 

Homenagem aos ofícios da Faina Maior, a pesca do bacalhau, e dos seus antigos ofícios, com destaque para as ,mulheres, trabalhadoras da seca do bacalhau, mas também os pescadores, as peixeiras, os marinheiros.... Entre os "lobos" da Terra Nova, destaca-se o nosso amigo Capitão Aveiro, o Valdemar Aveiro, que é uma lenda viva desta epopeia, além de escritor de grande talento .(E continua a trabalhar, no setor,  aos 85 anos, agora na área da gestão!),

Destaque também, no mesmo pilar, para a escritora ribatejana Maria Lamas (Torres Novas, 1893 - Lisboa, 1983), autora de "As Mulheres do Meu País" (1947-1950).

Transcrição de uma das obras do Capitão Aveiro: "A vida dos homens da Pesca do Bacalhau é uma vivência de excessos pela negativa. Vivendo quarentenas prolongadas entre dois desertos infinitos - Céu e Mar - para eles um Oásis é sempr eum Porto e a Mulher é a Miragem suprema".

Fotos: © Ana Aveiro (2020). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]

 


Valdemar Aveiro, um dos últimos capitães da Faina Maior. 
Justa homenagem do artista António Conceição.


1. O Valdemar Aveiro, ou capitão Aveiro, como é carinhosamente conhecido e tratado na sua terra, é nosso amigo, meu e do arquitecto  José António Paradela. Tem uma dezena de referências no nosso blogue, ligadas à sua atividade como escritor e às suas memórias da pesca do bacalhau. Tem seis livros publicados na Âncora Editora. Acaba de nos mandar estas fotos, tiradas pela neta ou filha Ana Aveiro.

Por sua vez, temos 30 referências, no nosso blogue, à pesca do bacalhau que, para nós, está também associada à guerra colonial. Par muitos jovens  a Faina Maior foi uma não menos dolorosa alernativa à "guerra do ultramar".

De facto, não é demais recordar que  desde 1927, do tempo da Ditadura Militar (que antecedeu o Estafo Novo), havia legislação que veio promulgar medidas de incentivo ao desenvolvimento da pesca do bacalhau, e nomeadamente facilitar (e tornar mais atrativo) o recrutamento do pessoal (vd. Diário do Governo, 1.ª série, Decreto n.º 13441, de 8 de Abril de 1927).

Uma dessas medidas era justamente "a dispensa do serviço militar aos pescadores e marinheiros que tivessem cumprido um mínimo de seis campanhas de pesca consecutivas na frota nacional bacalhoeira". Frota heróica, diga-se de passagem!...A pesca do bacalhau é conhecida também como a Faina Maior.

Havia ainda a possibilidade de os mancebos apurados para o serviço militar beneficiarem de "adiamento até aos 26 anos"... Além disso, "a falta à junta de recrutamento podia ser relevada desde que os faltosos fizessem prova de que estavam embarcados"...

Conclusão; a pesca do bacalhau na Terra Nova e na Groenlândia, durante todo o Estado Novo, era um verdadeiro "desígnio nacional"...

O que este mural do artista António Conceição nos conta é, citando "O Ilhavense" ["Arte urbana está a ajudar a retratar antigos ofícios ligados à pesca do bacalhau", por Afonso Ré Lau, 30 de abril de 202'] , "um pouco da história não só das trabalhadoras das secas, mas de várias profissões ligadas à pesca do bacalhau" [dos pescadores aos marinheiros, passando pelas peixeiras].

(...) "O desafio de homenagear as mulheres que trabalhavam nas antigas secas partiu do empresário Leonardo Aires, da Frigoríficos da Ermida, empresa da Gafanha da Nazaré que se dedica à transformação e comercialização de bacalhau desfiado. O convite veio no seguimento de outra obra que António levara a cabo na fachada nascente do edifício-sede daquela empresa, mesmo ao lado do local onde surge, agora, este novo mural. " (...)

(...) "o que concerne a este mural de homenagem às mulheres que trabalhavam nas antigas secas de bacalhau, há um ponto prévio que António faz questão de esclarecer: 'Não fiz uma interpretação à luz de grande parte dos relatos que chegaram aos dias de hoje. Este é o meu olhar sobre o passado e é uma tentativa assumida de ‘fazer uma lavagem’ àquilo que parecia ser uma realidade muito triste, uma tentativa de corrigir essa noção de sofrimento e desgaste que nos transmitiram'.  

"Segundo o raciocínio deste criador, 'ao relatar tempos difíceis, o ser humano tem sempre tendência para choramingar e pintar cenários mais dramáticos do que a realidade'. 'Mas imaginem estas mulheres em grupo. Era uma alegria fantástica! Era impossível andarem todas consternadas', repara António. 'Para levarem a vida que levavam, aquelas mulheres tinham de ter muita força. Mas essa não era uma força de sofrimento, mas sim coragem e ânimo', acredita.

"Assim sendo, 'as mulheres aqui retratadas transpiram energia, juventude e até alguma bizarria – umas parece que estão a brincar, outras mais concentradas no trabalho. Quis criar essa combinação expressiva entre elas', conclui." (...)

(...) "Ao recuperar a memória destas mulheres e do seu ofício, António está a retratar um objeto cultural e patrimonial profundamente ligado à história pessoal de muitas das pessoas que por ali passam diariamente. Esta proximidade afetiva com a comunidade faz com que a obra se eleve, adquira um simbolismo especial e estimule uma participação cívica curiosa" (...)

(...) "Já nos anos de 1990, António pintava murais ligados à pesca artesanal, em Cabo Verde. Todavia, esta é a primeira vez que trabalha o tema da faina maior. Para conceber estes retratos, António fez pesquisa no Museu Marítimo, visitou antigas secas, mas também teve em conta a comunidade, as pessoas, os herdeiros diretos desta cultura e tradição. No fim, já não tem dúvidas, o imaginário da pesca do bacalhau 'é fascinante' " (...)

2. Nota biográfica sobre o capitão  Aveiro:

(i) Valdemar Aveiro nasceu em Dezembro de 1934, em Ílhavo, no seio de uma família
de pescadores;

(ii)  aos 15 anos concorreu à Escola Profissional de Pesca, ganhou uma bolsa de estudo que lhe deu acesso ao liceu e, posteriormente, à Escola Náutica, onde concluiu o Curso de Pilotagem;

(iii) embarcou como moço a bordo do lugre-motor Viriato para fazer uma viagem à pesca do bacalhau no sentido de suportar as despesas da sua formação;

(iv) em 1957 embarcou como praticante de piloto no navio Santa Mafalda, da Empresa de Pesca de Aveiro, sendo promovido no ano seguinte a piloto, a bordo do mesmo navio;

(v) pssou a oficial imediato, do navio Santa Joana, em 1960;

(vi) foi emigrante no Canadá, até que  em 1966 voltou à Faina Maior, embarcando no navio São Gonçalinho;

(vii)  no ano seguinte passou para um navio moderno, Santa Isabel, comandado pelo capitão David Calão;

(viii) assumiu, em 1970, o comando do mais velho arrastão português, Santa Joana, e, dois anos depois, foi convidado para comandar o navio Coimbra, então em construção nos Estaleiros de S. Jacinto;

(ix)  retirou-se por doença em 1988;

(x) após a sua recuperação, foi convidado a colaborar com a administração da Empresa de Pescas S. Jacinto, SA, sendo, desde 1991, membro do seu conselho de administração.

segunda-feira, 23 de setembro de 2019

Guiné 61/74 - P20171: Fotos à procura de... uma legenda (118): Seleção das minhas fotos do Festival Todos 2019... Parte I: enquanto vou ali e já venho (Luís Graça)



Foto nº  78


Foto nº 54


Foto nº 252


Foto nº 386


Foto nº 199


Foto nº 19



Foto nº 15 

Foto nº 5


Foto nº 548


Foto nº 543

 

Foto nº 82


Foto nº 181

 

Foto nº  35



Foto nº 36

 

Foto nº 32

Foto nº 37


Foto nº 24


Foto nº 561



Foto nº  549


Foto nº 560


Festival Todos 2019, Lisboa, São Vicente: Largo da Graça e imediações


Fotos (e legendas): © Luís Graça (2019). Todos os direitos reservados. [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]

1. Há mais de meio século que conheço Lisboa. Ou penso que conheço. Trabalhei e vivi aqui. Vim a Lisboa pela primeira vez aos oito anos, Mas Lisboa surpreende-me sempre que a revisito, com tempo e vagar. 

O Festival Todos, desde 2009, tem funcionado, para mim, como uma caixinha de surpresas, nesse aspeto. Permite-me o acesso a lugares e a gentes da cidade que nos são menos familiares, a começar pela Mouraria e a acabar agora pela Graça...

Enquanto vou ali e já venho (, espero, já na 4ª feira), deixo-me com as minhas fotos, ou uma seleção  das  570 que fiz este fim de semana... Ficaria lisonjeado se as quiserem comentar. Amanhã vou estar no estaleiro, de papo para o ar. Espero voltar, melhor do joelho. Até 4ª ou 5ª... Alfabravo, Luís.

________________

Nota do editor:

quarta-feira, 5 de abril de 2017

Guiné 61/74 - P17210: Os nossos seres, saberes e lazeres (206): Uma biblioteca de pedra na estação do Metro de Entre Campos (Mário Beja Santos)

Estação do Metro de Entre Campos


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70) com data de 29 de Dezembro de 2016:

Queridos amigos,
Gostos não se discutem, é a minha estação preferida, em termos artísticos. Teria 18 anos quando me fiz sócio da Gravura, uma cooperativa de gravadores, recebia regularmente belíssimas gravuras de Alice Jorge, António Areal, Júlio Pomar, João Hogan e as daquele que para mim foi o maior dos gravadores portugueses, Bartolomeu Cid dos Santos.
Aquando da inauguração do painel para a estação do metro de Nihonbashi, em Tóquio, escreveu Margarida Botelho algo que eu perfilho: "Há em Bartolomeu uma vontade contida e obstinada de dar corpo aos grandes sonhos e de cobrir as obras de conceções que se poderiam apelidar, com alguma verdade, de românticas. Bartolomeu pertence tanto à poesia como à gravura. Os seus temas intemporais e os seus motivos, magistral e totalmente dominados, não são o resultado de uma escolha, mas uma forma de evidência que o mobiliza. Daí decorre a unidade e também a mensagem da sua obra".

Um abraço do
Mário


Uma biblioteca de pedra na estação do Metro de Entre Campos

Beja Santos

A estação Entre Campos abriu ao público em 1959, quando da inauguração da rede, seguiu, em termos arquitetónicos e artísticos, o programa adotado para todas as estações desta primeira fase da sua vida, o projeto arquitetónico foi de Keil do Amaral e o revestimento de azulejos pertenceu a Maria Keil. Esta adotou um padrão que tem como fundo uma harmonia de cores quentes que vão do amarelo ao vermelho, marcados aqui e além por pequenos grupos de azulejos de fundo verde e claro.


Em 1993, Entre Campos foi a primeira estação a beneficiar de obras de remodelação, Bartolomeu Cid dos Santos foi o artista convidado para a animação plástica e o escultor José Santa Bárbara para o tratamento da zona de ligação com o interface com a CP.



O interface entre o Metro e a CP tem 150 metros de comprimento, o escultor José Santa Bárbara idealizou, em pedra e aço inox, uma espécie de fonte estilizada. O escultor declarou a tal propósito:
“Não cedo à tentações de facilidade e rejeito o àvontade de um computador que faz tudo menos conseguir transmitir qualquer tipo de sentimento". O interface tem passadeiras e um corredor por onde se espalham lojas. Ali estive o tempo suficiente para me aperceber que a multidão leva destino, não se debruça sobre a peça estética de Santa Bárbara, há gente a ler nas passadeiras rolantes ou a congeminar a elaboração do jantar, mas há gente que se passeia com propósito de compra ou beber um café ou mordiscar um salgado ou ver as montras com roupa e artigos de papelaria.




Enfim, já estamos no átrio Sul, é território de Bartolomeu Cid dos Santos, está aqui a sua decoração mural em pedra gravada, é um painel dedicado a uma biblioteca. Bartolomeu deu a seguinte explicação: “Tentei organizar os livros, não só cronologicamente mas também por associações de autores ou movimento literários”. Para quebrar a monotonia deste trabalho, Bartolomeu repensou as lombadas de modo a assegurar referências gráficas do conteúdo dos livros ou dos seus autores. No centro da composição, um número significativo de escritores autografaram o painel, num grafiti representativo da literatura atual (da época).


Frente à biblioteca, mesmo por cima das linhas do metro, está um painel transversal, com 40 metros de comprimento. Bartolomeu deu o seguinte esclarecimento: “Eu e os meus colaboradores decidimos dedicar este espaço ao grande pintor norte-americano Robert Motherwell, admirado por todos nós e que havia falecido recentemente. Criou-se um trabalho discreto, em branco sobre branco, ou seja, em que o branco da pedra polida e não gravada contrasta com a área baça, corroída pelo ácido”. No painel pode ler-se: “Importa saber que não se pode falar numa arte nacional; ser simplesmente um artista americano ou francês não significa coisa nenhuma. Não ser capaz de sair do seu primeiro meio artístico, é meio caminho para nunca atingir o Humano”, Motherwell define assim o conceito de universidade de arte, que Bartolomeu subscreve.



A plataforma poente tem por tema Luís de Camões, é uma sequência de 10 imagens, cada uma referente a um dos Cantos dos Lusíadas, todos interpretados muito livremente.


Os painéis que prolongam pelas escadas os outros dois painéis correspondentes aos de Camões e Fernando Pessoa levantaram problemas a Bartolomeu. Ele explicou: “Enquanto os painéis até aqui descritos foram desenhados no verniz e depois gravados, os restantes foram pintados com verniz na horizontal antes de serem tratados com ácido. Quem subir qualquer das escadas encontrará em sequência aos painéis dos poetas duas enormes cabeças de mulher, memórias de pinturas romanas que numa recente visita a Roma havia conhecido. Se assim o desejarmos, poderemos também considera-las como as musas dos respetivos poetas”.




A plataforma nascente é dedicada a Fernando Pessoa, a sua obra foi descoberta por Bartolomeu em 1952. Ele não esconde a admiração por ele: “A obra do heterónimo Álvaro de Campos e especialmente a Ode Marítima, com o seu sentido de espaço, de distância, bem como de nostalgia de terras nunca visitadas, influenciou grande parte do meu trabalho desde então. Nada mais natural que dedicar 30 metros de parede a um dos meus poetas preferidos, usando uma forma de decoração afim do grafiti em que as palavras e as imagens se confundem”.
____________

Nota do editor

Último poste da série de 29 de março de 2017 > Guiné 61/74 - P17187: Os nossos seres, saberes e lazeres (205): De Pedrógão Pequeno a Tomar, com mala-posta e azémolas (Mário Beja Santos)