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sábado, 16 de agosto de 2014

Guiné 63/74 - P13505: Quem era, afinal, o cap art Carlos Borges de Figueiredo, cmdt da CART 2742 (Fajonquito, 1970/72), morto em 2/4/1972, num sangrento domingo de Páscoa? Bem como o infeliz sold Pedro José Aleixo de Almeida? (José Cortes / Luís Graça / Carlos 'Gomes' / Cherno Baldé / António Bernardo)

1. Uma das versões sobre a tragédia de Fajonquito, ocorrida no domingo de Páscoa, de 2 de abril de 1972, já aqui nos foi contada pelo José Cortes, ou melhor, foi-me contada de de viva voz, ao telefone, pelo José Cortes e reproduzida por mim (*).

Recorde-se que o José  Corttes [, foto atual à direita], vive em Coimbra, trabalhou como técnico de manutenção nos SUCH [, Serviços de Utilização Comum dos Hospitais] e  foi fur mil at inf Inf da CCAÇ 3549/BCAÇ 3884, Fajonquito, 1972/74, a companhia que foi render a CART 2742 de que o cap art Carlos Borges de Figueiredo foi comandante até 2/4/1972.

O José Cortes falou-me com emoção desses tempos da Guiné. Ele próprio tem um filho que foi paraquedista e esteve em missões de paz (por ex.,Timor, Bósnia). Mas, como muitos outros camaradas, queixa-se de que nem sempre a família tem pachorra para ouvir as suas recordações da Guiné. Uma das que está bem presente na sua memória é a da morte do capitão e mais três ou quatro militares da companhia (a CART 2742, Fajonquito, 1970/72) que eles foram render.

Recorde-se que a CART 2742, comandada pelo cap art Carlos Borges de Figueiredo e, posteriormente, pelo alf mil art Baltazar Gomes da Silva, era uma unidade orgânica do BART 2920, mobilizada em Penafiel no Regimento de Artilharia Ligeira n.º 5, tendo assumido a responsabilidade do subsector de Fajonquito, rendendo a CCaç 2436, em 13 de Agosto de 1970, e  vindo a ser substituída pela CCaç 3549 em 21 de Maio de 1972.. 

O José Cortes  tinha-me prometido contar essa história,k por escrito,  mas só não o fez o fez por, alegadamente, ter "fraco jeito para a escrita". Aqui vai, pois, a sua versão oral (*):

(i) Havia um soldado da CART  2742 que, uma vez terminada a comissão, queria ficar na Guiné como civil;

(ii) Ao que parece o cap mil art Carlos Borges Figueiredo manifestou, desde logo, a sua fiorme oposição à ideia do soldado, de resto  contrária a todo o bom senso e sobretudo ao RDM: ter-lhe ditro;: "se viesrte comigo, voltas comigo!";

(iii)  Em consequência, as relações entre  o soldado da CART 2742  e o seu comandante tornaram-se conflituosas; neste contencioso, foi envolvido  também o primeiro sargento;

(iv) A mulher do capitão havia mandado, da metrópole, "dez quilos de amêndoas" (sic)b  para distribuir pelo pessoal da companhia; a distribuição foi feita pelo próprio comandante, no refeitório, no domingo de Páscoa, 2 de Abril de 1972;

(v) Quando chegou a vez do soldado em questão, o capitão terá passado à frente, num ato que aquele interpretou como de intolerável discriminação;

(vi) O soldado levantou-se, sem pedir a licença a ninguém, e saiu do refeitório;  dirigiu-se ao seu v abrigo (ou à sua caserna) e veio para a parada com "duas granadas de m~ºao já descavilhadas", uma em cada mã;

(vii) Foi dirto à  secretaria: o primeiro sargento ter-se-á apercebido, a tempo, das malévolas  intenções do soldado, tendo-se posto a salvo em bom tenmpo;

(viii) No interior da secretaria, estavam  o Capitão, um alferes e um furriel; inguém sabe o que se terá  passado  lá dentro; o  soldado terá deixado  cair as duas granadas, descavilhadas; otecto da secretaria foi pelos ares;  lá dentro ficaram 4 cadáveres

(ix) Mortos, em 2/4/1972, todos do Exército, por acidente (sic), constam os seguintes nomes, na lista dos Mortos do Ultramar da Liga dos Combatentes:

- Alcino Franco Jorge da Silva, fur mil
- Carlos Borges de Figueiredo, cap art
- José Fernando Rodrigues Félix, alf mil
- Pedro José Aleixo de Almeida, sold básico

(x) Sabemos que o sold básico Pedro José Aleixo de Almeida era natural de Portel, em cujo cemitério local repousam os seus restos mortais; foi o protagonista desta trágica história (fonte: Portal Ultramar Terraweb > Os mortos em campanha do BART 2920, 1970/72);

(xi) Por sua vez, o  alf mil art op esp José Fernando Rodrigues Félix era de Moimenta da Beira em cujo cemitério local está sepultado:

(xii) O cap mil art Carlos Borges de Figueiredo era natural de Vila Pouca de Aguiar; a  sua última morada era Meadela, Viana do Castelo, possivelmente a terra da sua esposa;

(xiii) Por último, o fur mil Alcino Franco Jorge da Silva também era de op esp,  sendo natural de Carcavelos. Cascais; está sepultado no cemitério de S. Domingos de Rana;

(xiv) Não sabemos o que faziam os dois rangers na secretaria, possivelmente terão vindo em auxílio do capitão com a intenção de desarmar o militar, o sold básico  Pedro José Aleixo de Almeida, que trazia consigo as duas granadas descavilhadas (ou só uma, segundo outras versões), pronto possivelmente para acaber com a sua vida e de quem mais se lhe atravessase no caminho:

(xv)  O José Cortes fala em cinco mortos, mas tudo indica que sejam apenas os quatro que constam da lista da Liga dos Combatentes;

(xvi) Li, em tempos, que o caso foi também utilizado pelo serviço de propaganda do PAIGC (nomeadamente a Rádio Libertação) para desmoralizar as tropas portuguesas: há um documento do PAIGC, no Arquivo Amílcar Cabral, no portal Casa Comum, desenvolvido pela  Fundação Mário Soares (FMS), que faz referência ao sucedido, e e que de momento não consigo localizar;

(xvii) O facto de o insólito caso ter ocorrido em Fajonquito, na fronteira com o Senegal, significa que foi de imediato conhecido da população local, das autoridades do Senegal e do PAIGC; o nosso Cherno Baldé, na altura com 12 ou 13 anos, faz referência, num dos seus postes a este trágico "acidente", que ocorreu a 100 metros, quando ele estava a brincar com outros putos na parada (**);

(xviii) Gostaríamos de ter outras versões deste acontecimento; infelizmente não temos ninguém, na nossa Tabanca Grande, da CART 2742 / BART 2920; julgo que seja difícil, ainda hoje, aos camaradas da CART 2742 abordar esta história, tão trágica quanto absurda...

2. Comentário de L. G.:

Infelizmente, este caso não foi único no TO da Guiné: o acesso fácil a armas de guerra e a usura física e mental da guerra ajudam também a explicar estes surtos de violência patológica que, de tempos a tempos, ocorriam nas nossas fileiras;

Quantos suicídios terão havido no CTIG, ao longo da guerra ? Quantos homícídios terão ocorrido, dentro das NT ? Na lógica da hierarquia militar, eram tratados como "acidentes com armas de fogo".... E assim ficarão, para a história - como acidentes, inexplicáveis - , se não houver da parte dos contemporâneas e das testemunhas presenciais destes casos a vontade de contribuir, com depoimentos em primeira mão, para o seu esclarecimento...

Intrigam-nos casos como este. O que podia levar um militar português a querer ficar na Guiné, na vida civil ? Podia não ter ninguém à sua espera, na sua terra, não ter família, não ter amigos... Podia, por qualquer razão, querer esquecer a sua origem ou condição. Podia estar perdido de amores por alguma bajuda... Podia estar pura e simplesmente deprimido ou psicótico...

Um indivíduo deprimido ou piscótico pode facilmente perder a noção do perigo, ficar indiferente a uma situação de perigo imediato e iminente, e até desejar a sua própria morte. Não nos parece ter sido uma acção premeditada, pensada e amadurecida a frio... Em princípio, foi uma acção precipitada, irreflectida, impulsiva. O tal "acto de loucura" da "vox populi"... A ser verdade que o capitão deliberadamente ou não discriminou o soldado, aquando da distribuição das amêndoas, isso poderá ser sido "a gota de água" que transformou um conflito disciplinar num massacre... No final da comissão de uma companhia, na festa do em que se celebravo o dever cumprido, no domingo de Páscoa de 2 de Abril de 1972...

3. Comentário do nosso leitor (e camarada) Carlos Gomes (*):

Gostava de comentar o drama da Páscoa de 72 em Fajonquito. Longe de mim fazer juizos de valores, de quem quer que seja, nem fomentar polémicas. Da CCS do BART 2920 fui destacado como enfermeiro para a CART 2742, sediada em Fajonquito,  no periodo de 2 dezembro 70 a 20 maio de 71. Por conseguinte um ano antes do trágico acontecimento [2/4/1972]. Se bem me lembro, foi nesse periodo que tambem chegou o sold Almeida à CART  2742. Dizia-se que ele vinha dos comandos, expulso  ou castigado.

Conheci o Almeida quase de imediato,pois ele tinha problemas de pele em várias partes do corpo que passei a tratar. Passado algum tempo  apercebi-me  que ele,  Almeida,  tinha algumas pertubações a nivel emocional. Não esqueço a forma maliciosa como a rapaziada o apelidava  ou tratava: Almeida, "apanhado,bate mal da bola,  maluco"... 

O Almeida estava sempre a alinhar nas saidas para o mato, dava para perceber que as relações com o comandante .da companhia não eram das melhores. Lembro um episódio em que o Almeida lavava os dentes à porta da camarata e o cap Figueiredo lhe chamar a atenção para o que estava a fazer, o que gerou entre ambos alguma discussão.

Como é óbvio,  tambem conheci o cap Figueiredo, algumas vezes lhe prestei assistência. Homem possante e de elevada estatura, era um  eximio jogador de futebol de salão. Pelo que sei era militar de carreira e não miliciano. As suas atitudes na liderança da companhia,  em vez de gerar confiança, tinham o efeito contrario. Eu sempre que podia evitava-o...

2 de Abril  de 1972: Tragédia.  Pelos relatos que me chegaram,  o Almeida passou-se  de todo,  queria o ajuste de conmtas com o capitão . e o primeiro sargento...Com uma granada na mão, descavilhada, entra na secretaria onde pretende ficar com o capitrão  e o sargento. O alf Alcino e o furriel Félix tentaram demover o Almeida. Disse-se que o Almeida gritou para que eles saissem,  ao alferes e ao  furriel, o que não fizeram ou não tiveram tempo de o fazer. Quanto ao sargento, talvez só ele possa dizer como escapou.

As razões para este acto tavez no concreto nunca se venham a saber, mas duma coisa tenho eu a certeza: actos como estes e tantos outros que aconteceram nesta guerra, não aconteceram por acaso (...)

4. Comentário do Cherno Baldé (**)

(..:) Depois do "acidente" ou melhor do homicidio, a versão que circulou e ficou até hoje entre a população nativa é bem diferente daquela que estou a ler agora na maior parte dos comentários. Pela versão que prevaleceu entre nós, alegadamente, o soldado Almeida estava revoltado por não poder voltar à sua terra após várias comissões de serviço, em virtude de um castigo a que estava sujeito e tinha decidido acabar com a sua vida e com ele, também, a do comandante da companhia. Claro que isto faz parte dos rumores que circularam, na ausência de informações oficiais, na altura.

Quero dizer a quem me quiser ouvir,e isto por minha conta, que o Almeida era um soldado "profissional" muito aguerrido que dificilmente poderia levar uma vida civil pacata no meio indígena ou gerindo uma lojeca ou um restaurante para servir a malta europeia numa cidade qualquer da Guiné.O Almeida não era um soldado vulgar e via-se claramente que no se tinha integrado na companhia dos restantes soldados milicianos aos quais ele nutria muita pouca consideração e/ou respeito.Tão pouco se podia integrar no meio dos pretos embora se identificasse com eles. Penso que, antes de mais, o nosso amigo Ameida (ele era de facto um amigo e defensor das crianças que frequentavam o aquartelamento, ai de quem se atrevesse a fazer mal a uma criançaa na sua presença!) deve ter sido mais uma das inúmeras vitimas daquela guerra terrivel. (..)


 

Guiné > Região de Bafatá > Fajonquito > CART 2742 (1970/72) >  "Fajonquito em festa... Com a CART 2742 (1970-72) o ambiente entre a tropa e a população melhorou bastante, atingindo níveis nunca antes vistos. A foto de 1971 (amigavelmente enviada pelo ex-Furriel Mil. José Bebiano), mostra uma calorosa recepção de um grupo de artistas vindos da metrópole para animar a malta. Ao meio e ao lado de uma das artistas pode-se ver o nosso saudoso Cap Carlos Borges de Figueiredo. O rapazinho nas mãos do homem dos óculos escuros é o Carlitos, filho de um soldado português que, mais tarde, iria à procura do pai, tendo aquele recusado o encontro à última da hora. O ex-Furriel José Bebiano, que era de rendição individual, tendo feito toda a sua comissão em Fajonquito poderia, eventualmente, identificar os soldados que acompanham o seu Comandante nesta foto." (Foto de José Bebibao; legenda de Cherno Baldé).

5. Cherno Baldé > Homenagem póstuma ao Cap Carlos Borges de Figueiredo (**)

(...) Em 1970 chegou uma nova companhia (CART 2742 do Cap Figueiredo) e com ele inaugurou-se o período mais profícuo e dinâmico de Fajonquito. Nessa altura sentiu-se, de facto, que a Guiné estava a mudar e positivamente. Foi nessa altura, também, que acabei por me fixar no quartel como faxina num dos quartos da ferrugem (condutores), onde tinha a clara consciência de estar no meio de amigos, mas nem por isso isento de perigos. Sentia-me a vontade quando estava na caserna com os meus amigos condutores, mas sempre vigilante quando deambulava sozinho dentro do quartel. A idade, o stress provocado pela guerra, as saudades da terra natal e, provavelmente, o sentimento de impunidade por actos considerados menores, propiciavam alguns exageros em forma de brincadeira que não eram sancionados. Claro está que, salvo raras excepções, normalmente os lobos não se comem uns aos outros.

O Cap Figueiredo baniu a proibição da entrada no quartel, abriu as portas aos meninos, mas como contra partida pediu para que todos fossem à escola depois das horas de trabalho de faxina. Não era agradável, mas compensava. Pela primeira vez, foram colocados postes de iluminação na rua principal da vila, para alegria da criançada. Os oficiais da companhia davam apoio aos professores locais dentro e fora das aulas, com modalidades de futebol e ginástica. Foi instituída uma merenda para todos os alunos e prémios aos que se distinguiam nas aulas e nos exames finais, por exemplo, a participação nos campos de férias da Mocidade Portuguesa.

Muitas das pessoas que hoje são quadros nacionais na Guiné-Bissau têm uma dívida de gratidão aos soldados portugueses que, como o Cap  Figueiredo e o grupo dos seus oficiais e sargentos, contribuíram para a sua formação de base. O meu caso não é paradigmático porque fui obrigado a ir às aulas que detestava com todas as minhas forças, mas a teimosia dos meus pais, em particular a minha avó, e também, porque o quartel já não servia de refúgio aos refractários, tinha que cumprir as condições do nosso Capitão, depois pouco a pouco o meu horizonte que antes estava confinado à vida da minha aldeia e arredores, foi-se abrindo as maravilhas da ciência e do mundo externo.

Mas como se costuma dizer, Deus escreve direito por linhas tortas, porque,  depois de tudo o que fizeram por nós, estava predestinado que ele e parte dos seus oficiais nunca voltariam à sua terra natal. Eis a razão desta homenagem, também, ao Cap Carlos Borges de Figueiredo.

A toda a sua família e aos que o conheceram ou partilharam parte da sua vida e do seu percurso, quero expressar, em meu nome pessoal e em nome de todos os habitantes de Fajonquito, os meus sentimentos de pesar, mesmo que tardios e enaltecer o comportamento do Cap Figueiredo, como homem e como militar que, a justo título, foi um comandante exemplar para a sua época, que veio, sem medo, para o cenário da guerra trazendo consigo a semente da paz; que sem descurar a defesa dos seus homens, transformou as operações militares em operações para a promoção do desenvolvimento; acreditou na capacidade dos mais novos para a construção de uma Guiné melhor sem esquecer a sabedoria dos mais velhos; que investiu parte dos poucos recursos de que dispunha numa derradeira tentativa de construção dos fundamentos do homem novo que a Guiné tanto precisava.

Carlos Borges de Figueiredo foi oficial e comandante que compreendeu como poucos e soube executar com mestria a nova filosofia que o Gen Spínola queria com a sua politica por “uma Guiné melhor” (...)

6. Comentário de António Bernardo [, nosso leitor e camarada, mas não registado na Tabanca Grande; pertenceu à CCS/BART 2920]

Muito embora, seja um dos melhores textos do Cherno Baldé (**), o mesmo peca por um  retrato falseado, no que respeita ao cap art Carlos Borges de Figueiredo, cmdt da CArt 2742, sedeada em Fajonquito e subunidade do BArt 2920 (1970/72).

É bom lembrar que, embora ostentasse galões nos ombros, era  um homem boçal, diria mesmo que labrego, igual a muitos outros que comandavam outros homens.

A sua personalidade conflituosa levou ao ajuste de contas, ocorrido no domingo de Páscoa,de 2 de Abril de 1972, e aqui já abordado no post 5938 (*)

António Bernardo
[CCS/BART.2920, Bafatá, 1970/72]
______________

Notas do editor:

(*) Vd. poste de 6 de março de  2010 > Guiné 63/74 - P5938: A tragédia de Fajonquito ou as amêndoas, vermelhas de sangue, do domingo de Páscoa de 2 de Abril de 1972 (José Cortes / Luís Graça)

(**) Vd. poste de 18 de Junho de 2009 > Guiné 63/74 - P4550: Tabanca Grande (153): Cherno Baldé (n. 1960), rafeiro de Fajonquito, hoje engenheiro em Bissau...

(**)   Vd. poste de 15 de agosto de  2014 >  Guiné 63/74 - P13500: Memórias do Chico, menino e moço (Cherno Baldé) (47): Retrato de uma família - A guerra, a pobreza e a presença dos soldados portugueses

Vd. também  poste de 24 de abril de 2010 >  Guiné 63/74 - P6244: Memórias do Chico, menino e moço (Cherno Baldé) (14): Cap Figueiredo: Capiton Lelö dahdè ou capitão cabeça inclinada

(...) "O que vou dizer pode parecer paradoxal se não incongruente. O Sr. Carlos Borges de Figueiredo, ao contrário de muitos outros, foi um Capitão pacifista pois ele tinha-se distinguido, sobretudo, pela promoção da educação entre as criancas nativas (o número de alunos na escola local tinha aumentado significativamente facto que poderia estar ligado ao ambiente de paz criado e uma grande sensibilidade pelos problemas sociais da população) e organização de eventos sócio-culturais que, não só afastavam, por algumas horas, o espectro da guerra e da morte entre a tropa mas eram também muito úteis e importantes na construção de relações de aproximação e de confiança com a populaçã local, tão prezada por General Spínola.

Foi nessa altura que, pela primeira vez, recebemos a visita de grupos musicais vindos da metrópole. Numa dessas visitas, lembro-me da presença de uma ou mais mulheres cantavam o Fado. A música era muito morna, lenta demais para o nosso gosto temperado na ritmada, quase violenta dança de tambor mandinga. No meio de tudo isso, não nos escapou um detalhe importante. Notamos a deferençaa e o extremo respeito com que todos a(s) tratavam. O respeito dado àquela(s) mulher(res) contrastava de forma flagrante com a maneira como habitualmente lidavam com as nossas mulheres, fossem elas grandes ou pequenas. E não estou a referir-me, claro esta, à esposa do Capitão que, também, deve ter visitado Fajonquito.

Ele ficou conhecido no meio da populacao local com o nome de Capiton Lelö dahdè o que na lingua fula significa o Capitão cabeça inclinada. Talvez aqueles que o conheceram de perto me possam corrigir, parece que ele tinha o hábito de inclinar ligeiramente a cabeça para um dos lados, daí o nome com que o baptizaram e que fica para a historia." (...)

quinta-feira, 12 de junho de 2014

Guiné 63/74 - P13274: Artistas de variedades no mato (3): Cachil, ao tempo da CCAÇ 557 (1963/65): a prata da casa, para levantar o moral ao pessoal... (José Colaço)


Guiné > Região de Tombali > Cachil > CCAÇ 557 (,Cachil, Bissau e Bafatá, 1963/65) > Foto nº 24  > Junho de 1964: secção de milícias adida à CCAÇ  557, executando um batuque



Guiné > Região de Tombali > Cachil > CCAÇ 557 (,Cachil, Bissau e Bafatá, 1963/65) > Foto nº 23 >  Junho de 1964: o grupo de teatro que veio de Catió



Guiné > Região de Tombali > Cachil > CCAÇ 557 (,Cachil, Bissau e Bafatá, 1963/65)  > Foto nº 16 > A LDM 300, encalhado em terra, à espera da maré-cheia. Fotos do álbum do José Colaço (ex-Soldado Trms da CCAÇ 557, Cachil, Bissau e Bafatá, 1963/65).

Fotos (e legendas): © José Colaço (2014). Todos os direitos reservados.


1. Mensagem, de 5 do corrente,  do nosso camarada José Colaço, respondendo a desafio dos nossos editores (*)

Camaradas: Quem se tembra de espetáculo de variedades no mato ? E com que artistas ? E em que épocas ? Podiam ser iniciativas do Programa das Forças Armadas ou o Movimento Nacional Feminino... Se sim, mandem histórias e fotos... Obrigado. Luís Graça


Caro amigo Luís Graça:

Podia ser  copy & paste do poste do Gabriel Gonçalves, já que muitos  espectáculos de variedades no mato durante os treze anos da guerra da Guiné terão sido feitos... com a "prata da casa" (*)

Quanto à questão que pões), lembro-me que no tempo do BCAÇ 2852 (ambadinca, 1968/70), os espectáculos eram feitos com a prata da casa, [Gabriel Gonçalves].

Recuando no tempo... Vivia-se o ano de 1964,  princípio do mês de Junho no quartel do Cachil . que aqui alguém baptizou como quartel do fim do mundo. O moral dos militares portugueses estava de facto a bater no fundo. Para os católicos praticantes o comando de Catió emanou uma ordem para o capelão da unidade quando possível dar a missa no Cachil e fazer uma homilia  de conforto.

Mas havia os católicos não praticantes, nos quais me incluo... Então o comando de Catió resolve enviar um grupo de artistas militares de teatro de Catió para darem um espectáculo no Cachil. Monta-se o palco, a plateia tudo genuíno como podem ver pelas fotos em anexo. Estas é que de genuíno não têm quase nada, estão fartas de serem clonadas de imagens que  passaram que de CD a DVD e de DVD a fotos.

Agora o espectáculo: como tínhamos na companhia uma secção de milícias,  eles abriram o espectáculo com uma dança de batuque. A seguir, vieram os artistas de teatro de Catió com a representação de uma  peça de teatro que, passados 49 anos, não consigo recordar o nome.

Como de noite não havia meio fluvial de transporte para Catió,  passou a haver mais uns quantos que,   puderam contar aos filhos e netos que também frequentaram e gozaram, embora só por uma noite,  as  suites do Cachil  (Ilha do Como).

Um abraço.

Colaço.

PS - Como sempre, se te parecer que tem sumo para publicar após as devidas correcções, utiliza.

_______________

Nota do editor:

(*) Postes anteriores da série > 

4 dce junho de 2014 > Guiné 63/74 - P13235: Artistas de variedades no mato (1): Rui Mascarenhas... em Bafatá, anunciado para o dia 27/2/1973... Ou uma história com moral: voluntário na tropa nem para comer... (António Santos, ex-sold trms, Pel Mort 4574/72, Nova Lamego, 1972/74)

quinta-feira, 5 de junho de 2014

Guiné 63/74 - P13239: Artistas de variedades no mato (2): Em Bambadinca, no meu tempo, trabalhava-se com a prata da casa... Mas também me lembro de um espetáculo com profissionais: Tino Costa, Fernando Correia... (Gabriel Gonçalves, ex-1º cabo cripto, CCAÇ 12, 1969/71)


Guiné > Zona Leste > Setor L1 > Bambadinca > CCS/BCAÇ 2852 (1968/70) > Possivelmente maio de 1969 > Foto (nº 212) do álbum do José Carlos Lopes, ex-fur mil amanuense, com a especialidade de contabilidade e pagadoria, especialidade essa que ele nunca exerceu (na prática, foi o homem dos reabastecimentos do batalhão).

O meu camarada Lopes (, estivemos juntos em Bambadinca, de julho de 1969 a maio de 1970,) já não pode precisar em que data é que foi tirado este "slide" (e outros do mesmo evento). Mas lembra-se muito bem da visita da Cilinha e do conjunto musical das Forças Armadas que veio animar a malta da CCS do batalhão e subunidades adidas (Pel Rec Daimler 2046, Pel Mort 2106, Pel Caç Nat 63 - que em maio vai para Fá, sendo rendido pelo Pel Caç Nat 53) . Se foi nesta data, a CCAÇ 2590/CCAÇ 12 ainda estava para chegar...
.
O conjunto musical (foto. nº 212) era formado por 5 elementos, tudo ou quase tudo cabos, havendo 1 cantor, 3 guitarras elétricas e 1 baterista (pormenor curioso: arranjou um cunhete de munições para pôr em cima da cadeira e "fazer altura"). (O nosso camarada Vitor Raposeiro, ex-Fur Mil, Radiotelegrafista, STM, de rendição indiviual, que passou por Aldeia Formosa, Bambadinca, Bula e Bissau, 1970/72, também viria integrar este conjunto musical das Forças Armadas, tendo saído de Bambadinca ao tempo do BART 2917).

Foto: © José Carlos Lopes (2013). Todos os direitos reservados. (Editada e legendada por L.G.)


1. Mensagem do Gabriel Gonçalves [, ex-1º cabo cripto, CCAÇ 2590 / CCAÇ 12, Contuboel e Bambadinca, 1969/71], com data de ontem,

 Luis:

Espero que já estejas totalmente restabelecido da cirurgia.

Quanto à questão que pões (*), lembro-me que no tempo do BCAÇ 2852 (1968/70), os espectáculos eram feitos com a prata da casa, pois formou-se um conjunto musical, do qual eu fazia parte, ( tenho que ir procurar algumas fotos que testemunham isso).

No tempo do BART 2917 (1970/72), houve um espectáculo onde participaram, além de mim, outros camaradas da  CCAÇ 12, acompanhados ao acordeon pelo Tavares [, 1º cabo escriturário].

Também houve um espectáculo, esse sim com profissionais, dos quais o acordeonista Tino Costa, uma cantora (de que não me lembro o nome) e o Fernando Correia, este lembro-me, dado ter interpretado uma canção da qual nunca me esqueci:  Canção do Moliceiro  [, disponível no You Tube / João Santos, em áudio] (**) : 

Grande abraço

GG

2. Comentário de LG:

Obrigado, GG, grande companheiro das noitadas de Bambadinca, e meu camarada da CCAÇ 12. Obrigado pelas tuas recordações. Nessa altura, tu tocavas violas e canatavas muito bem, nomeadamente músicas com letras parodiadas...

 Chamavam-te (descobri há tempos num texto do Luís Nascimento, o cripto da CCAÇ2533)  o "bambibo de oro"... Com toda a justiça.. Para nós, eras o GG, o Arcanjo Gabriel...

Do nosso 1º cabo escriturário Tavares [, foto à esquerda, do Humberto Reis, em Nhabijõies, c. 1970,] e do seu acordeão lembro-me muito bem! O nosos 1º cabo escriturário Eduardo Veríssimo de Sousa Tavares!... (O que será feito dele ? Disse-me alguém tê-lo encontrado,há uns anos, a trabalhar no Porto).

Havia mais malta que tocava viola, na nossa CCAÇ 12...

Mas eu agora queria era chamar-te a atenção para foto que republico acima (***)...Há dúvidas sobre a data. Em princípio, teria sido tirada em maio de 1979, aquando de um visita das senhoras do Movimento Nacional Feminino a Bambadinca, acompanhadas do conjunto musical das Forças Armadas.  Será mesmo malta desse conjunto ou será malta da CCS/BCAÇ 2852 ? Inclino-me mais para a 1º hipótese...  Se a foto de maio de 1969, ainda não é do nosso tempo, já que fomos para Bambadinca só em 18/7/1969.

3. Mensagem posterior do Gabriel Gonçalves, em comentário ao poste e em resposta ao pedido pelo editor:

Essa foto é de 1969 [, 1º semestre,] e o conjunto musical é constituído por elementos de Bambadinca, da CCS/BCAÇ 2852 ( nós, CCAÇ 12, ainda não estávamos lá). O baterista que está sentado no cunhete, é o Serafim, condutor auto [ 1º cabo condutor auto Serafim Gragelo de Jesus]; o vocalista é o Tony, telegrafista [1º cabo radiolegrafista António N. Sousa]; quanto aos outros não me lembro dos nomes, mas são todos do BCAÇ 2852. ____________

Notas do editor

(*) Vd., primeiro poste da série > 4 dce junho de  2014 > Guiné 63/74 - P13235: Artistas de variedades no mato (1): Rui Mascarenhas... em Bafatá, anunciado para o dia 27/2/1973... Ou uma história com moral: voluntário na tropa nem para comer... (António Santos, ex-sold trms, Pel Mort 4574/72, Nova Lamego, 1972/74)

Vd. também os seguintes postes_

Meia-noite ria abaixo,
Lá vai lesto o moliceiro,
Vai retratando nas águas
As saudades do barqueiro.

Nas noites em que há luar.
Quando passas. moliceiro,
És das coisas mais bonitas
Que tem a ria de Aveiro.

Ai, ai, ai, lindo moliceiro,
Deixa-me ir contigo à ria de Aveiro.
À ria d'Aveiro, à ria sem par,
Lindo moliceiro que andas a vogar.
Que andas a vogar na ria d'Aveiro,
Deixa-me ir contigo, lindo moliceiro.


(***) Vd. poste de 23 de janeiro de  2013 > Guiné 63/74 - P10993: Álbum fotográfico do ex- fur mil José Carlos Lopes, amanuense do conselho administrativo da CCS/BCAÇ 2852 (Bambadinca, 1968/70) (8): Há festa no quartel: visita da Cilinha e do conjunto musical das Forças Armadas, em abril ou maio de 1969

quarta-feira, 4 de junho de 2014

Guiné 63/74 - P13235: Artistas de variedades no mato (1): Rui Mascarenhas... em Bafatá, anunciado para o dia 27/2/1973... Ou uma história com moral: voluntário na tropa nem para comer... (António Santos, ex-sold trms, Pel Mort 4574/72, Nova Lamego, 1972/74)

1. Mensagem do António Santos, grã-tabanqueiro da primeira hora [, ex-sold trms, Pel Mort 4574/72, Nova Lamego, 1972/74], respondendo a um  mail nosso, enviado pelo correio interno da Tabanca Grande, na sequência do poste P13233 (*):

Camaradas:  Quem se tembra de espetáculo de variedades no mato ? E com que artistas ? E em que épocas ? Podiam ser iniciativas do Programa das Forças Armadas ou o Movimento Nacional Feminino... Se sim, mandem histórias e fotos... Obrigado. Luís Graça

Data: 4 de Junho de 2014 às 16:18

Assunto: Artista no mato

Caro Luís

Espero que estejas a recuperar bem desse esqueleto.

Uma pequena estória sobre o assunto em epígrafe: no dia 27-02-1973, saí da enfermaria [, em Nova Lamego,] para dois dias de convalescença de mais uma dose de Paludismo, portanto dois dias sem escala de serviço. Ao sair da mesma fui convidado a ir numa coluna para Bafatá para assistir a um espectáculo do Rui de Mascarenhas.

Claro que não resisti e vai daí saltei para a Berliet. A viagem era para ser de ida e volta no mesmo dia, mas não foi.

Não foi porque infelizmente morreu um camarada nosso afogado no Rio Geba, e o Ten Cor de Bafatá não autorizou o espectáculo. Depois descambou tudo, tivemos que ficar para o outro dia, acabamos por dormir numa caserna de um pelotão que tinha saído para o mato, jantar, lerpámos, pequeno almoço idem, Arrancamos para o Xime que ainda era a casa da CART 3494 do Sousa de Castro e de um amigo meu que foi 1º cabo enfermeiro da a mesma e que descobri in loco.

De novo Bafatá e depois de algum barulho lá se arranjou uma ração de combate para dois, e seguimos para a tua Contubuel para recolher 2 Pelotões de Mililícias destinados à zona de Nova Lamego, onde chegamos ao fim do dia 28-02-1973... sem Rui de Mascarenhas, cansados e maltratados moralmente.

Para mim chegou, voltei a aplicar a velha máxima, voluntário na tropa nem para comer, que eu na véspera tinha esquecido.Cumprimentos,
António Santos

[foto à direita: II Encontro Nacional da
 Tabanca Grande, Pombal, 2007]

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Nota do editor: