Mostrar mensagens com a etiqueta colonos. Mostrar todas as mensagens
Mostrar mensagens com a etiqueta colonos. Mostrar todas as mensagens

terça-feira, 9 de novembro de 2021

Guiné 61/74 - P22699: (De)Caras (182): os dois "ponteiros" de Bambadinca, o velho Brandão (da Ponta Brandão) e o histórico Inácio Semedo, de quem o Amílcar Cabral foi padrinho de casamento - II (e última) Parte


Guiné-Bissau > Região de Bafatá > Bambadinca > Bairro Joli > Novembro de 2010 > "
A casa no Bairro Joli, perto de Santa Helena, onde estou a viver. Foi erguida por Inácio Semedo, que pertenceu ao PAIGC,  e que por isso foi obrigado a viver em Angola durante 7 anos. Um dos seus filhos, o Eng.º Fernando Semedo, procura pôr de pé o sonho do seu pai, dar vida ao projecto agro-industrial." (*)

Fotos (e legenda): © Mário Beja Santos  (2010). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



Guiné > Região de Bafatá > Carta de Bambadinca (1955) > Escala 1/50 mil > Posição relativa da Ponta Nova, junto ao Bairro Joli e a Santa Helena, e  Ponta Brandão,  entre Bambadinca e Fá Mandinga. 

 Eram as duas pontas com destilaria de aguardente de cana  que  restavam ao tempo do BART 2917 (Bambadinca, 1970/72).

Mas, antes da guerra,  havia outras pontas e outras destilarias, em Bambadinca. Explorando a carta de Bambadinca de 1955, encontramos mais pontas para além da Ponta Brandão e da Ponta Nova: por exemplo, Ponta Barbosa, a sudoeste de Fá Mandinga, Ponta Cabarande e Ponta Amaro (acima de Bissaque), mais a norte, na margem esquerda do Rio Geba Estreito... Mas também Ponta Gregório Mendonça, a nordeste de Bambadincazinho, e Ponta Mamadu, a sul...Havia ainda a Ponta Romão, a sul do campo de aviação de Bambadinca... Havia outra Ponta, sem nome, do outro lado do rio, a oeste da Ponta Amaro... Enfim, "manga de pontas", que havia à volta de Bambadinca antes do início da guerra... Quem seriam estes "ponteiros" ? O que lhes aconteceu ? 

Infografia: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2021).


1. Diz a  história do BART 2917 (Bambadinca, 1970/72), que em Bambadinca restavam só duas destilarias de aguardente de cana (**).  

Uma delas era a da Ponta Brandão (***), sabemos nós de ciência certa. A outra pertencia a outro ponteiro, Inácio Semedo Sénior: foi o próprio filho Inácio Semedo Júnior que mo disse, em 2008. Mas só ontem localizámos na carta de Bambadinca a Ponta Nova, ao reler as crónicas do Mário Beja Santos, que revisitou Bambadinca e os seus arredores em novembro de 2010, crónicas a que deu nome "Operação Tangomau"(*).

A Ponta Nova e a sua destilaria pertenciam à família do Inácio Semedo, um histórico nacionalista, proprietário, de quem o Amílcar Cabral foi padrinho de casamento, 
numa cerimónia que se realizou justamente em Bambadinca,  no início dos anos 50, segundo informação do historiador e nosso saudoso amigo Leopoldo Amado (1960-2021).

Inácio Semedo, agricultor, proprietário, foi um nacionalista da primeira hora, que andou a conspirar com o Amílcar Cabral e outros históricos do PAIGC, e que como tal caiu nas malhas da PIDE. Condenado a dois anos de prisão, acabou por sair da Guiné e ir para Angola, onde viveu 7 anos (, segundo imformação do Beja Santos). 

O velho Semedo era pai do Inácio Semedo Júnior, que aderiu à guerrilha em 1964, tendo combatido no sul, e mais tarde, a seguir à independência, formou-se em engenharia na Hungria, onde se doutorou em ciências. Conheci-o em Lisboa, em 2008, estando afastado da vida política.  Disse-lhe que era uma pena se não escrevesse as suas memórias. Foi embaixador do seu país em Portugal e na Suécia. (****)

Falando, ao telefone, em 15 de outubro de 2008,   com ex-guerrilheiro e quadro do PAIGC, e ex-embaixador aposentado, apurei o seguinte:

(i) na altura, ele estava com 65 anos de idade, devendo  ter nascido, portanto, por volta de 1943;

(ii) era natural de Bambadinca;

(iii) era filho de Inácio Semedo Sénior, um histórico do PAIGC;

(iv) a família tinha propriedades na região; nomeadamente o pai tinha uma destilaria de aguardente de cana, tendo o costume de comprar arroz aos Brandão, de Catió, para alimentar os seus trabalhadores balantas de Bambadinca (possivelmente oriundos de Samba Silate, Nhabijões, Mero, Bairro Joli,  Santa Helena...);

(v) trocava-se, naquele tempo, aguardente por arroz, sendo o arroz do sul, o celeiro da Guiné, o melhor;

(vi) a Guiné era pequena e todo o mundo se conhecia antes da guerra;

(vii) disse-me ainda que estava então, em 2008, a ver se ainda recuperava parte do património da família em Bambadinca...

2. Sobre o Inácio Semedo, sénior, ver aqui a sua evocação pelo embaixador Carlos Frota (que em 2013 era x-embaixador de Portugal nas Coreias, ASEAN e Indonésia, docente da Universidade de S. José, Macau; passou três anos na Guiné-Bissau). (*****)

O Carlos Frota foi visitar o velho Semedo, à sua ponta, no Bairro Joli, nas imediações de Bambadinca, já depois da independênca. Ia acompanhado, dos dois filhos do velho Inácio Semedo, o mais velho, Júlio Semedo, na altura ministro dos negócios estrangeiros e um dos dirigentes históricos do PAIGC, e Inácio Semedo Jr, embaixador em Washington.

" (...) Revisitando a 'minha' Guiné, lembro com saudade muitas pessoas, algumas já desaparecidas,como José Baptista, jovem diplomata do Protocolo do MNE guineense, e passados poucos anos embaixador em Lisboa. (...)

Lembro-me também com respeitosa saudade de Inácio Semedo, sénior, nos seus setenta e muitos anos naquela época que nos recebeu, num domingo, para o almoço, na sua casa de Bambadinca, com a dignidade de um grande senhor que era.

Homem seco, de uma disciplina pessoal e frugalidade extremas, era proprietário agrícola e habituado por isso a exercer autoridade sobre quem estava sobre as suas ordens, fazendo-o de forma quase paternal. E todos lhe retribuíam com afectuoso respeito essa maneira de estar na vida."

Reunimo-nos à mesa, cheia de acepipes mais coloridos e bem cheirosos uns do que outros, com a família alargada, incluindo naturalmente o Júlio, ministro dos Negócios Estrangeiros, e o Inácio Junior, embaixador em Washington. E isto, entre as brincadeiras da criançada e ordens da dona da casa directamente para a cozinha.

Foi uma reunião de família, a qual fomos associados com a informalidade que só os africanos e poucos outros (nos portugueses incluídos) sabem ter.

E falou-se de tudo entre família, desaparecendo, logo à entrada da porta, o meu estatuto de diplomata português, para dar lugar, simplesmente e para meu grande prazer, ao do amigo. Meus filhos foram imediatamente “adoptados” também como os netos mais recentes.

E durante a conversa, ininterrupta, houve referências, naturalmente, à luta do PAIGC pela independência. Mas, dos casos relatados, não transparecia nenhum ódio, nem mesmo animosidade, para com o antigo inimigo.

Havia resignação sofredora, uma como que fatalidade pelo que acontecera, mas transposto “isso” (um “isso” que implicou, infelizmente, milhares de mortos, de ambos os lados) ressurgiram os afectos entre muitos, para além das barreiras da cor da pele e do estatuto social.

Tive aliás o ensejo de testemunhar essa estranha camaradagem entre velhos inimigos quando, como Encarregado de Negócios, fui anfitrião da primeira delegação militar portuguesa que se deslocou à Guiné depois de 1975-76.

Para minha estupefacção, e durante todo um jantar que ofereci a militares portugueses e seus interlocutores guineenses, eles trocaram entre si anedotas de “tugas” e “turras”, acabando tudo em risadas e abraços! Magnífico efeito da paz!

Nós éramos vizinhos do ministro Júlio Semedo. Estivemos na festa de baptizado da sua filha, como vizinhos normais que éramos. A única anormalidade foi que, durante um bailarico improvisado, dançámos numa sala onde havia um militar armado até aos dentes em cada canto, “apenas” porque entre nós estava também…o camarada presidente Nino Vieira…E entre bom vinho português, garrafas de cerveja Cicer (muito gostosa, de fabrico local) e galinha de churrasco, nas várias mesas dispersas pela sala e abundantemente providas, lá via de repente o olho de uma Kalashnikov apontada…a ninguém!

Estranha confraternização, realmente! (...)".


3. A família Brandão, de Catió, também deu pelo menos um militante do PAIGC, que ele, Inácio Semedo Júnior, irá conhecer na luta de guerrilha, no sul. Seria o Brandão Mané, de que já aqui falámos em tempo ? (******)

A família Brandão de Bambadinca  seria também aparentada com os Semedo,  se bem percebi na mibha coversa ao telefone com o Inácio Semedo Júnior em 15 de outubro de 2008.

Disse-me ainda que, aos 16/17 anos [, por volta de 1959/60,] veio estudar para Portugal, onde fez o liceu. Deve ter aderido ao PAIGC  e/ou saído de Portugal nessa época.  

Em 1964 [, com c. 21 anos,] vamos encontrá-lo, ao Inácio Semedo Jr, na guerrilha, no sul, sob as ordens do comandante Manuel Saturnino da Costa, irmão do Vitorino Costa, morto pela CCAÇ 153, do cap u«inf José Curto, em meados de 1962. 

Garantiu-me que nunca andou na guerrilha, na sua terra natal, Bambadinca, na zona leste. A orientação do PAIGC era, compreensivelmente, pôr os guerrilheiros em regiões diferentes daquelas onde tinham nascido e vivido, e tinham família, vizinhos e amigos.

Mais tarde (não percebi quando, exactamente) o jovem Inácio Semedo foi para a Hungria, onde tirou então o curso de engenharia e e doutorou-se. A seguir à independência trabalhou no Ministério das Obras Públicas, cujo titular da pasta era o Arquitecto Alberto Lima Gomes, mais conhecido por Tino, e que viria a morrer, mais tarde, num acidente de caça, actividade de lazer de que era um apaixonado.

Inácio Semedo Jr. vivia, em 2008, em Portugal, retirado da vida pública do seu país. Tinha um filho bancário. Confessou que não conhecia o nosso blogue, por não estar muito familiarizado com a Internet. Tinha endereço de e-mail mas era o filho que o ajudava a gerir a caixa de correio.

Continuava ligado ao seu partido de sempre, o PAIGC. Prometemo-nos voltar a contactar (, o que nunca mais voltou a acontecer, imfelizmente), quando houvesse maior disponibilidade, de parte a parte. Para falarmos da nossa Bambadinca ("hoje tão decadente, tão triste, tão morta"...), do nosso Geba Estreito ("onde já não circulam os barcos que lhe deram vida, cor e movimento"...), enfim, da "nossa Guiné" (onde o Inácio Semedo continuava a ir regularmente...).

Pergnto-me: o que será feito dele ?
 ___________

Notas do editor:

(*) Vd. postes de:

10 de dezembro de 2010 > Guiné 63/74 - P7417: Operação Tangomau (Mário Beja Santos) (4): 20 de Novembro, de Bambadinca para o Bairro Joli

(...) Tangomau tem paciência. Já cumprimentou meio mundo, como não tem o caderno à mão não fixou nomes que se irão tornar tão comuns como Braima, Madjo, Aliu, Fatu ou Nhalim. Calilo no que resta de uma Renault Express leva-o até ao Bairro Joli, é em casa da família Semedo que se vai aboletar. É melhor ficar por aqui. É que muito há a dizer sobre o Bairro Joli e esta quinta que Inácio Semedo ergueu com tanto amor, muito antes da guerra. O importante é saber que a bola de fogo paira sobre os palmares de Finete quando ele é acolhido no Bairro Joli. E por hoje, ponto final. (...) 


15 de dezembro de 2010 > Guiné 63/74 - P7440: Operação Tangomau (Mário Beja Santos) (5): Do Bambadincazinho para Ponta Varela

(...) A partir de Bambadinca, chega-se num ápice ao Bairro Joli, contíguo de Santa Helena. Por aqui andei no passado longínquo em missões pacíficas e em nomadizações hostis. Durante a guerra, comprava-se aqui gado, muito útil para os problemas de intendência de Missirá, os dois cabritos que Jobo Baldé ali assou no Natal de 1968, daqui vieram, seguiram pela bolanha de Finete num Unimog 411 e finaram-se na véspera de Natal, para gáudio de quem combatia e vivia naquele ponto do Cuor. Estes caminhos do Bairro Joli eram espiolhados devido à incontestável conivência de alguma população com os inimigos de Madina/Belel. Era o drama das relações de sangue de quem tinha optado pela luta ou ficado à sombra da bandeira portuguesa.

Em Santa Helena, Fá Balanta e Mero viviam comunidades balantas onde se acoitavam, à sorrelfa, civis e militares do mato, que procuravam informações, compravam tabaco ou sal, abasteciam-se de gado, traziam esteiras e produtos das suas hortas. Atravessavam o Geba estreito entre as bolanhas de Finete e Ponta Nova. Aparecíamos ao amanhecer em missões pouco conciliatórias e às vezes com inquirições duras. A verdade é que a comunicação, mesmo com mortes e feridos de permeio, nunca se interrompeu completamente. Ora é acima de Ponta Nova que eu vou habitar. Aqui se devotou Inácio Semedo a construir casa, destilaria e horta. A casa, basta ver a fotografia, é bem semelhante àquelas que se podiam ver em Malandim, Saliquinhé ou São Belchior, até mesmo no Enxalé, ao tempo. (..)



(****) Vd. postes de:


26 de outubro de  2008  > Guiné 63/74 - P3359: Em busca de ... (46): Inácio Semedo, agricultor de Bambadinca, um histórico do nacionalismo guineense (Pepito)

(...) Luís: Conheço muito bem o Inácio Semedo Jr.. É um bom amigo meu e pessoa por quem tenho muita consideração. Combatente da Libertação da Guiné-Bissau, sempre foi um Homem de Estado, com uma postura digna. (...)

Nada de estranho quando se é filho do já falecido Inácio Semedo, agricultor que, com o meu pai[ Artur Augusto Silva,] (...), fez parte de um grupo que nos idos de 50 pugnou pelo desenvolvimento do associativismo rural na então Guiné Portuguesa.

Quase 40 anos depois, tive a honra de o convidar a presidir às primeiras jornadas sobre o Associativismo Agricola na Guiné-Bissau. Fui a casa dele em Bambadinca para o efeito. Não estava lá, mas antes na sua propriedade agrícola onde o fui encontrar, já muito velhote, numa cadeira de rodas, a orientar os trabalhos. Uma verdadeira lição que nunca esquecerei.

Quando contactares o filho, ficarás rendido à sua simplicidade e maneira de ser. (...)

segunda-feira, 8 de novembro de 2021

Guiné 61/74 - P22696: (De)Caras (181): os dois "ponteiros" de Bambadinca, o velho Brandão (da Ponta Brandão) e o histórico Inácio Semedo, de quem o Amílcar Cabral foi padrinho de casamento - Parte I



Guiné > Região de Bafatá > Bambadinca (Sector L1 > Ponta Brandão, fevereiro de 1970: major Cunha Ribeiro (2.º cmdt do BCAÇ 2852, Bambadinca, 1968/70, de alcunha, o "major elétrico") na  ação psicossocial. Havia aqui uma destilaria, de cana de acúcar... Repare-se que a morança tem uma placa, no meio da parede, com "número de polícia": GU 23 (ou 27). A população parece ser balanta.


Guiné > Região de Bafatá > Bambadinca (Sector L1) > Ponta Brandão, uma "ponta" (exploração agrícola, com destilaria de cana de açúcar) que ficava nas imediações de Bambadinca, a caminho de Bafatá, na margem esquerda do Rio Geba Estreito... Na foto, o alf mil cav Jaime Machado (*).

Fotos (e legendas): © Jaime Machado (2015). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Bambadinca > Ponta Brandão > 1970 > Dois velhos balantas,  um deles vestido apenas de um rudimentar tapa-sexo. Arquivo pessoal de Humberto Reis (ex-furriel miliciano de operações especiais, CCAÇ 12, Bambadinca, 1969/71).

Foto: © Humberto Reis (2006). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



Guiné > Região de Bafatá > Carta de Bambadinca (1955) > Escala 1/50 mil > Posição relativa de Nhabijões, Mero, Santa Helena, Fá Balanta e Ponta Brandão, núcleos populacionais consideradas, desde o início da guerra, como estando "sob duplo controlo", ou seja, com população (maioritariamente balanta) que tinha parentes no "mato" (zona controlada pelo PAIGC)... Em Finete, Missirá e Fá Mandinga havia destacamentos nossos: milícias e/ou Pel Caç Nat (52, 63)... Entre Bambadinca e Fá Mandinga ficava Ponta Brandão. Havia aqui uma destilaria, de cana de acúcar... O "ponteiro" era o velho Brandão.

Infografia: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2014).


1. A Ponta Brandão veio,  de novo, à baila com a republicação  recente de mais uma das deliciosas  "estórias cabralianas" (**)... Oficial e cavalheiro, o "alfero Cabral", comandante do Pel Caç Nat 63 (Fá Mandinga e Missirá, 1969/71) conta-nos, com a sua inimitável e inefável  brejeirice, as peripécias da 
inesperada visita ao destacamento de Fá Mandinga de "tres alferes de Bambadinca, acompanhados de duas raparigas", uma, a "filha do Senhor Brandão [, da ponta Brandão]" e a outra,  "uma amiga de Bissau, cabo-verdiana".

Não sabemos a razão de ser da visita: por motivos de segurança, só se podia viajar, sem escolta,  à volta de Bambadinca. Fá Mandinga ficava ali à mão, a cerca de 5 km. Ia-se (e vinha-se),;de jipe, nas calmas. Por outro lado, em Fá Mandinga tinha sido uma antiga estação agronómica por onde se dizia ter passado, nos anos 50, o Engº Agrónomo Amílcar Cabral, licenciado pelo ISA- Instituto Superior de Agronomia, de Lisboa... O que parece não corresponder à verdade, mas, provavelmente, as "duas raparigas" eram simpatisantes do PAIGC e queriam ver, com os seus olhos,  o que restava dessas instalações onde o "pai da Pátria" alegadamente trabalhara vinte anos antes ...Ou então os três jovens e galantes alferes de Bambadinca (quem teriam sido eles? ) devem-lhes vendido essa patranha...

Havia uma outra ponta, em Bambadinca (diz a história do BART 2917) (***), mas eu nunca soube onde ficava exatamente . Presumo que essa pertencesse ao outra "ponteiro", Inácio Semedo, de que falaremos num próximo poste. Antes da guerra, teria havido outras mais pontas. 

Os balantas adoravam aguardente de cana. Por outro lado, os comerciamtes também trocavam aguardente de cana por arroz aos balantas, que eram grande orizicultores. Era natural que a guerrilha do PAIGC (ou os seus elementos locais, nomeadamente em Nhabijões, Mero e Santa Helena) viessem aqui, a Ponta Brandão, abastecer-se. A aguardente de cana era o uísque dos pobres. E sem álcool  ou droga ninguém faz guerras.

O Jorge Cabral conhecia, melhor do que eu, a Ponta Brandão (a escassos  quilómetros de Bambadinca, à esquerda da estrada para Bafatá, e a meio caminho de Fá Mandinga; ia-se lá por causa da aguardente de cana, dos leitoes, da fruta tropical e de .... uma certa bajuda, que devia ser filha ou mais provavelmente neta do velho Brandão).
 
2. Recorde-se que na Guiné o vocábulo "ponta" quer dizer propriedade agrícola, exploração agrícola, horta, em geral junto a um curso de água, na margem de um rio, e o nome estava muitas vezes associado ao seu proprietário, cabo-verdiano ou "tuga": por exemplo, Ponta do Inglês, Ponta João da Silva, Ponta Luís Dias, Ponta Nova, no Rio Corubal.. Mas havia muito mais pontas pelo interior da Guiné: por exemplo, pela Carta de Farim, verifica-se que havia diversas pontas ao longo do curso do Rio Farim:

Ponta Caeiro
Ponta Fernandes
Ponta Paulo Cumba
Ponta Camilo
Ponta Pinto
Ponta Manuel Rodrigues
Ponta Boa Esperança
Ponta Cabral
Ponta Francisco Monteiro
Ponta Simão, etc.

Com o início da guerra, grande parte destas explorações agrícolas foram abandonadas...

Está, de resto, por fazer a história das pontas na Guiné (****)... Na carta de Cacheu / São Domingos, fui encontrar o topónimo, Ponta Salvador Barreto... Em Bambadinca, havia a Ponta Brandão... Fui lá algumas vezes... No Xime, a Ponta Coli, a Ponta Varela...

Há muitas histórias, ligadas às Pontas, que estão por contar... Mas a nossa curiosidade ficará, em muitos casos, por satisfazer: afinal, quem era o Varela ? E o Inglês ? E o Salvador Barreto ?

Mesmo em relação a Ponta Brandão... Q
uem era o velho Brandão?  A sua origem, a sua historia?... Seria também um desterrado? ... Não temos bnenhuma foto dele, só do sítio (e de parte da sua destilaria). Mas na Ponta Brandão haveria mais população, e nomeadamente balanta, gente que no passado trabalhava o arame ele, na ponta e na destilaria...
Enfim, do velho  Brandão, sabemos pouco, embora a malta de Bambadinca, do meu tempo (1969/71), lá fosse com alguma frequência... Afinal, era um vizinho.

Eis aqui alguns testemunhos, já em tempos aqui publicados (*****):

(i) Torcato Mendonça (1943-2021) (, o nosso saudaso amigo e camarada passou por Fá Mandinga, antes da da sua CART 2339, 1968/69, ter sido colocada em Mansambo):

(...)  Não sei se a Ponta Brandão de que falas, se refere a uma quinta, algures entre Fá e Bambadinca, e pertencente a um português há muito radicado na Guiné. Creio que por razões de ordem politica.

Tenho disso uma recordação muito fraca. O vagomestre parece que ia lá comprar vegetais. Passei lá uma ou duas vezes. O Velhote tinha quatro ou cinco filhos, já homens e mulheres, mais velhos que nós. Falei com, pelo menos, um dos filhos. Contou-me que, antes da guerra certamente, caçavam no Geba jacarés e outro tipo de caça naquela zona, etc.

O Velhote tinha uma destilaria. Estando a fazer aguardente de cana,quando por lá passei, agarrou num copo em bambú, encheu e bebeu a aguardente de um trago. Como quem bebe água fresca. Depois, noutro copo, deitou aguardente e deu-me a beber. Foi o liquido mais forte que bebi... deslizava e queimava... e ele olhava... respirei fundo e soprei forte. Fiquei desinfectado. O fulano sorrindo disse ter-me portado bem. 

A minha memória dessa destilaria é fraquissima. Há outro pormenor mas é com a "inteligência" de Bambadinca. O Jorge Cabral e outros militares que passaram por Fá, certamente lembram-se desta família. Será Brandão? Não sei.


(ii) Luís Graça:


(...) Também lá fui uma ou outra vez. Ponta quer dizer quinta. Logo havia lá criação (leitões, por exemplo), horta e fruta (abecaxis, por exemplo). Julgo ter lá ido algumas vezes quando algum de nós estava de sargento de dia à messe (ou sargento de mês, mais exactamente)... 

O Jaime  (Soares Santos), o nosso vaguemestre (da CCAÇ 12), batia região à cata de matéria-prima para satisfazer o apetite voraz da messe de Bambadinca (as meses de sargentos e de oficiais eram separadas, mas a cozinha era a mesma)...

O Jorge Cabral também conhecia a Ponta Brandão, que de resto ficava perto de Fá... Mas tudo aquilo, a começar pela casa, tinha um ar decadente...

Já não posso jurar se a família era de origem metropolitana, ou cabo-verdiana... Sei que a família Brandão de Bambadinca era aparentada com os Brandão de Catió... Uns e outros tinham fama de ter gente no PAIGC. Já os Semedos tinham fortes ligações ao PAIGC (...)

(iii) António Rosinha:

Quando se fala nestas figuras de comerciantes ou agricultores, neste caso com o nome de Brandão, que na Guiné é um dos nomes de colonos históricos, noutras ex-colónias há outros nomes também com história, estamos a falar dos verdadeiros colonizadores "à lá portuguesa".  

Estes homens, sem disso terem consciência, chegaram e abriram caminho e serviram de intérpretes, a missionários católicos e outros, a chefes de posto e administradores e militares.

Estes comerciantes raramente foram alvo de um estudo, que analizasse as suas grandezas e misérias. Mas todos os governantes, desde o Diogo Cão até ao Gen Spínola, secundarizaram estas pessoas, quando devia ter sido o contrário.

Os africanos (indígenas) davam mais importância a um comerciante do que a um governador geral ou a um missionário ou chefe de posto.

Em relação à guerra, tiveram um papel tão importante, para o bem ou para o mal, que podemos dizer que os milhares de Brandões na África portuguesa, foram os pais e os avós da maioria dos teóricos fundadores, do MPLA, PAIGC e FRELIMO, movimentos que secaram outros em volta, e com isso, talvez ainda sobre alguma coisa no fim de isto tudo.

Estes comerciantes, a maioria analfabetos, ou quase, chegavam a falar um dialeto ou mais que um, continuarão a ser olhados de soslaio por qualquer militar que, ao fim de 24 meses, não chegava a comprender aquela africanização, para não dizer outros nomes.

Estes portugueses de Áfricas e Brasis foram a história mais importante da diáspora portuguesa. Em geral viajaram com passagem paga por eles. Muitos netos dessa gente veio para o meio de nós em pontes aéreas. (*****)

(iv) Jorge Cabral:

Confirmo. Fui visita assídua do Senhor Brandão, principalmente durante as férias da filha que trabalhava em Bissau. Era natural de Viana do Castelo ou da Póvoa de Varzim, já não me recordo bem. Teria na altura quase 80 anos, mais de 40 de Guiné e muitos filhos. (******)

A aguardente de cana era fogo... mas matava qualquer bicho, mesmo os imaginários...

(Continua)
___________



(***) Vd. poste de 16 de junho de 2010 > Guiné 63/74 - P6601: Elementos para a caracterização sociodemográfica e político-militar do Sector L1 (6): Povoações sob controlo IN; Recursos; Clima e meteorologia; Dispositivo e actuação da guerrilha (Benjamim Durães / J. Armando F. Almeida / Luís Graça)

domingo, 17 de janeiro de 2021

Guiné 61/74 - P21777: O nosso blogue como fonte de informação e conhecimento (82): as milícias que ajudaram os militares a ripostar o ataque da UPA no norte de Angola, a 15 de Março de 1961... Quem conheceu de perto a OPDVCA - Organização Provincial de Voluntários e Defesa Civil de Angola ? (Tiago Carrasco, jornalista)



Diário de Lisboa, 18 de março de 1961 (*)


[Fundação Mário Soares > Portal Casa Comum > Pasta: 06541.079.17211 > Título: Diário de Lisboa > Número: 13743 > Ano: 40 > Data: Sábado, 18 de Março de 1961 > Directores: Director: Norberto Lopes; Director Adjunto: Mário Neves > Edição: 2ª edição > Observações: Inclui supl. "Diário de Lisboa Magazine", "Diário de Lisboa Juvenil" > .Fundo: DRR - Documentos Ruella Ramos. (Com a devida vénia...) 

Citação:
(1961), "Diário de Lisboa", nº 13743, Ano 40, Sábado, 18 de Março de 1961, CasaComum.org, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_16336 (2019-1-9)


1. Do jornalista Tiago Carrasco recebemos o seguinte pedido
 
Date: terça, 12/01/2021 à(s) 17:37
Subject: Pedido de colaboração reportagem Revista Sábado 

Boa tarde,

Como estão? Chamo-me Tiago Carrasco, sou jornalista da revista Sábado e estou a preparar uma reportagem sobre as milícias que ajudaram os militares a ripostar o ataque da UPA no norte de Angola, a 15 de Março de 1961. 

A reportagem vai sair em Março, exatamente para assinalar o 60º aniversário desses acontecimentos. 

No entanto, escasseia o material sobre as OPVDCA [Organização Provincial de Voluntários e Defesa Civi de Angolal]. 

Contacto-vos para vos pedir a vossa preciosa ajuda - que muito útil me foi noutras ocasiões - na identificação de pessoas que testemunharam estes acontecimentos e que fizeram parte (ou viveram perto) destas milícias em Angola e até mesmo em Moçambique.

Conseguem me ajudar?

Gostava de saber quem fazia parte destas milícias, como se organizavam, como atacavam, como se armavam e como evoluíram depois para uma organização muito ligada aos salvamentos, combates a incêndios e desenvolvimento rural.

Muito obrigado.

Eu vivo em Peniche (perto do Luís Graça, creio) mas consigo pôr-me rapidamente em qualquer parte do país.

Cumprimentos,

Tiago Carrasco
Telemovel: 926 988 005


2. Resposta do nosso editor LG, com data de 15 do corrente;

Tiago, obrigado pelo seu contacto. Em relação ao seu pedido..., como sabe o nosso blogue só reúne ex-combatentes que estiveram na guerra colonial na Guiné...Alguns de nós conhece(ra)m outros territórios, como é o caso de Angola...

Posso sugerir que contacte o nosso amigo e camarada António Rosinha, que fez o serviço militar em Angola, e estava lá justamente em 1961...E tem uma larga experiência de Angola (bem como da Guiné), como civil: trabalhou como topógrafo numa empresa de obras públicas... O António Rosinha é uma testemunha privilegiada desses tempos de 1961 em Angola. Ele tem cerca de 125 referências no nosso blogue.

Para já é tudo, espero que o Rosinha aceite falar consigo. Tenho outros contactos de camaradas que lhe podem falar de Angola em fases da guerra posteriiores...

Boa saúde e bom trabalho. Luís Graça

3.  Posto em contacto com o António Rosinha, este respondeu hoje  ao Tiago nestes termos:

Sobre esta organização [OPVDCA], mais não sei do que publicamente em geral se falava.

Nem nunca conheci pessoalmente qualquer elemento dessa organização, nem conheci qualquer actividade militar.

Mas de certeza que existe gente viva e de cabeça fresca que, anunciando, vão comparecer.

Não sei se essa organização durou muitos anos, Quem tenha incorporado essa organização em 1961, que tivesse 22 ou 23 anos, hoje tem 83 ou 84.

Cumprimentos

Antº Rosinha

4. Resposta do Tiago Carrasco:

Caro António Rosinha,

Prazer em conhecê-lo.

Muito obrigado pela resposta rápida ao meu pedido. As OPVDCA foram constituídas espontaneamente em 1961 para dar resposta aos ataques da UPA em 1961 e evoluíram para uma organização paramilitar de defesa civil até 1974. Também eram conhecidas como defesas civis e, para além da defesa das zonas urbanas, prestavam serviços como salvamentos, combate a incêndios e projetos de desenvolvimento rural. 

Não conhece ninguém que tenha feito parte do conflito em Angola que tenha conhecimento sobre estas organizações? Haverá alguém do seu conhecimento que possa ter feito parte das defesas civis ou que tenha testemunhado as suas acções? Eu já tenho dois ou três contatos mas estou à procura de mais informação.

Qualquer pista que me possa prestar será de extrema utilidade para mim.

Muito obrigado e bom resto de domingo,

Tiago Carrasco


5. Novo pedido de Tiago Carrasco, de hoje, às 16h33:


Caro Luís Graça,

Muito obrigado pela sua resposta e pelo encaminhamento para o vosso camarada António Rosinha. Entretanto, o António Rosinha já entrou em contacto comigo e estamos a falar. Ele não tem memória destas organizações, mas estou a pedir-lhe contactos que possam ter.

Aproveito para lhe perguntar se na Guiné não existiam, durante a época do conflito, organizações similares às OPVDCA, ou seja, grupos paramilitares que se encarregavam da defesa do território e de outras acções relacionadas com a protecção civil? 

Calculo que não, uma vez que na Guiné-Bissau havia menos colonos, mas não gostaria de deixar de lhe perguntar.

Retribuo os votos de boa saúde e desejo-lhe um bom resto de fim-de-semana,

Tiago Carrasco

6. Comentário e apelo do editor  LG:

Tiago, o mais próximo o que eu conheco, no teatro de operações da Guiné, equivalente às OPVDCA, são as milícias e as tabancas em sistema de autodefesa... 

Não temos grande informação sobre o seu início, formação, organização e funcionamento. Em princípio, estavam subordinadas a um régulo, oficial de segunda linha (alferes, tenente, capitão)... Havia também a polícia administrativa (cipaios), às ordens do adinistrador de circunscrição / concelho e do chefe de posto...

Mas, que saibamos, os colonos (da metrópole, de Cabo Verde ou de origem sírio-libanesa) não estavam enquadrados em nenhuma organização de tipo paramilitar como as mílicias (que eram, etnicamente, homogéneas, e em geral formadas por homens da etnia fula). E alguns desses colonos (pequeno funcionalismo público, empregados de comércio, pequenos comerciantes, pequenos agricultores, donos de "pontas"...) foram também foam aliciados pelos movimentos nacionalistas, e em especial pelo PAIGC. De resto, eram de facto poucos os chamados "colonos" e estavam espalhados pelo território. 

Mas podemos pedir aqui também a ajuda do nosso colaborador permanente Cherno Baldé, que vive em Bissau... No entanto, ele era criança, no início da guerra. Mas é uma espécie de "caixa forte" das memórias dos mais velhos...

Fazemos igualmente um apelo a todos os colaboradores e leitores que queiram e possam responder a este pedido de colaboração do jornalista Tiago Carrasco. (**)

____________

Notas do editor:

(*) Vd. poste de 9 de janeiro de 2019 > Guiné 61/74 - P19385: Guerra colonial - cronologia(s) - Parte I: 1961, Angola

terça-feira, 20 de junho de 2017

Guiné 61/74 - P17489: (De) Caras (78): o testemunho de Manuel Amante da Rosa, embaixador plenipotenciário de Cabo Verde em Itália, sobre o Fausto Teixeira: "era uma figura distinta, opositor ao regime de Salazar, vigiado pela PIDE/DGS, amigo do meu pai que lhe comprou, no início dos anos 70, o último navio que ele levou para a Guiné, um antigo cacilheiro que fazia carreiras regulares para o Xime e para os Bijagós ...Morreu depois do 25 de Abril em Portugal".

1. Duas mensagens, a primeira do nosso editor Luís Graça, com data de 13 do corrente; e outra, a resposta, enviada a 16 do corrente pelo  nosso amigo, camarada e grã-tabanqueiro,  ex-fur mil, QG/CTIG, Bissau,1973/74, Manuel Amante da Rosa, embaixador plenipotenciário da República de Cabo Verde em Itália desde 16/1/2013, e agora também em Malta [foto, acima, de 2013; cortesia da RTC - Radiotelevisão Caboverdiana].

(i) Mensagem do nosso editor LG, com data de 13 do corrente, enviada a Manuel Amante da Rosa:

Assunto - Madeireiro "amgo" do PAIGC? Fausto Teixeira, deportado para a Guiné em 1925... Um barco dele é atacado no Rio Geba c. 1970.

Manuel: Como vais tu na "Roma eterna"? Com muitas saudades da "nossa terra, Cabo Verde", imagino!,,,

Preciso de um favor teu, mais um esforço de memória... Este homem, Fausto Teixeira,  foi contemporâneo do teu pai, era madeireiro, tinha barco(s) que fazia(m) o Geba... Ajudou o Luís Cabral a fugir para o Senegal...

Se achares conveniente, não te cito... Em todo o caso, não me parece que haja qualquer inconveniente... Era um "tuga", e possivelmente teria duas famílias, uma em Palmela e outra em Bafatá... No final dos anos 60, hospedava-se no Hotel Portugal e tinha uma companheira cabo-verdiana, muito mais nova do que ele, de nome Agostinha...

Esta história diz-te alguma coisa? Um xicoração... Luís

PS - Andamos a ajudar na exposição sobre o escritor Manuel Ferreira (1917-1998), autor de "Hora di Bai", contemporâneo do meu pai, Luís Henriques (1920-2012), em São Vicente, na II Guerra Mundial... Casou com a Orlanda Amarílis (1924-2014). Eram colegas do Liceu Gil Eanes, no Mindelo, em 1944. O Amílcar Cabral foi da turma da Orlanda...

(ii) Resposta do Manuel Amante da Rosa:

Data: 19 de junho de 2017 às 09:48

Assunto: Re: Madeireiro "amigo" do PAIGC? Fausto Teixeira, deportado para a Guiné em 1925... Um barco dele é atacado no Rio Geba c. 1970...

Meu caro Luís, estou numa reunião sobre as secas e desertificação. Novas abordagens!

Aproveito um "break" para te dizer o que ainda a minha memória não apagou.

Este Senhor, Fausto Teixeira, era uma figura distinta na Guiné. Um empedernido opositor ao regime de Salazar, por vezes incómodo, e permanentemente seguido pela PIDE/DGS.

Conheci-o através do meu Pai, de quem era amigo. De baixa estatura, conversador, rijo apesar da idade e pertinaz em todas as opiniões que proferia.

Era originário de Setúbal e teria sido deportado para Bissau em finais de 40 ou inícios de 50 do século passado.


Fonte: Anúncio comercial. In: "Revista de Turismo", jan-fev 1956, número especial dedicado à então província portuguesa da Guiné






O meu Pai [, António Amante Rosa, que em 1956 era comerciante, em Belim, Fulacunda, e mais tarde armador] comprou-lhe o último navio que ele levou para a Guiné nos inícios dos anos 70.

Registou o navio, um antigo "cacilheiro", com o nome de "O Amanhã". Nessa altura, [o Fausto Teixeira] estaria já nos seus 70 anos e denotava esperanças em tudo o que fazia ou dizia.

O meu Pai conservou o nome e ele fazia carreiras regulares para o Xime diariamente. Eu fiz muitas viagens nele, não só para o Xime como para os Bijagós.

Julgo que o Sr. Fausto terá vivido o seu amanhã com o 25 de Abril ainda na Guiné e terá morrido anos depois na sua terra natal. Aqui não estou bem precisado.

O meu abraço de sempre.
Manuel Amante da Rosa


2. Comentário de LG:

Caro dr. Manuel Amante da Rosa, meu caro Manuel: estou-te muito grato pela rápida resposta e pela tua partilha de memórias sobre a terra que te vou nascer e crescer... Afinal, o Fausto Teixeira era teu conhecido e era amigo do teu pai, com quem teve negócios....

Só um detalhe biográfico, se me permites: o Fausto Teixeira já estava na Guiné desde o final da I República, mais concretamente desde julho de 1925. Foi deportado, não pela Ditadura Militar / Estado Novo (1926-1974), mas pela República (1910-1926), sem julgamento, por suspeita de pertencer à temível "Legião Vermelha".

Esta organização revolucionária (para outros meramente terrorista...) era, ao que parece, de inspiração bolchevique (e não anarcossindicalista, que era então a corrente dominante no movimento operário português,  e na Confederação Geral do Trabalho, de vida curta: 1919-1927)... 

O fantasma da "rede bombista" da Legião Vermelha seria usado como arma de arremesso da propaganda salazarista, anos mais tarde...  [Vd. documentário da RTP disponível no You Tube].




"Parte da retórica estado-novista foi construída e mantida capitalizando o fantasma da Legião Vermelha, concentrando em si toda a ideia de desordem política e social da I República, como se vê n[este] cartaz, presumivelmente, saído do Secretariado de Propaganda Nacional nos anos 40".

Fonte: Pinto, Ana Catarina Simões Mendonça - A luta de classes em Portugal (1919:1926) : a esquerda republicana e o bloco radical. Lisboa:  RUN [Repositório da Universidade NOVA de Lisboá. Faculdade de Ciências Sociais e Humanas (FCSH). Departamento de HistóriaTeses de Doutoramento, 2015, p. 339 (Com a devida vénia...).
_____________

Nota do editor:

Últmo poste da série > 18 de junho de  2017 > Guiné 61/74 - P17482: (De) Caras (84): Fausto Teixeira, deportado político em 1925, empresário em Bafatá, de quem o 2º tenente Teixeira da Mota, ajudante de campo do governador Sarmento Rodrigues dizia, em 1947, ser um "incansável pioneiro da exploração de madeiras da Guiné"... Mais três contributos para o conhecimento desta figura singular (José Manuel Cancela / Jorge Cabral / Armando Tavares da Silva)

quinta-feira, 8 de setembro de 2016

Guiné 63/74 - P16464: Agenda cultural (497): Festival Todos 2016, Lisboa, Colina de Santana, Campo dos Mártires da Pátria, de 8 a 11 de setembro de 2016: Destaque para a peça de teatro documental "Portugal não é um país pequeno", de e com André Amálio, na Academia Militar, Rua Gomes Freire, hoje (21h00), sábado (17h00) e domingo (19h00): entrada gratuita, limitada a lotação do espaço (140 lugares)... Há também visitas guiadas à Academia Militar no âmbito do festival. Muitas dezenas de eventos: Festival Todos... para Todos, em 8ª edição


Cartaz do festival Todos 2016, Lisboa, Colina de Santana, Campo dos Mártires da Pátria, de 8 a 11 de setembro de 2016.~




"Criado em 2009, o TODOS-Caminhada de Culturas tem afirmado Lisboa como uma cidade empenhada no diálogo entre culturas, entre religiões e entre pessoas de diversas origens e gerações. O TODOS tem contribuído para a destruição de guetos territoriais associados à imigração, abrindo toda a cidade a todas as pessoas interessadas em nela viver e trabalhar."



Destaque: 

Teatro Documental 

PORTUGAL NÃO É UM PAÍS PEQUENO 
André Amálio | Hotel Europa PORTUGAL 

8 SET – 21h00 | 10 SET – 17h00 11 SET – 19h00 [duração 90 min] M/12

Academia Militar – Rua Gomes Freire 

Sinopse1

Portugal sofreu a mais longa ditadura fascista da Europa (48 anos), 
e o mais persistente império colonial (500 anos). 
Partindo dos testemunhos de antigos colonos portugueses entrevistados pelo autor, 
este espetáculo de teatro documental reflete sobre a ditadura 
e a complexidade do fim do colonialismo português. 
Reproduzindo fielmente as suas palavras, 

André Amálio explora situações onde pessoas reais contestam 
e reconstroem identidades culturais. 
Um contributo para a reescrita da história 
e transmissão da memória entre  gerações.

Sinopse2:

Espectáculo que reflete sobre a ditadura e a presença portuguesa em África, 
em particular a vida dos antigos colonos portugueses 
através dos seus testemunhos reais. 

O texto deste espectáculo foi criado através de um processo de verbatim, 
que significa copiado palavra por palavra, 
o que se traduziu na escrita de um texto de teatro
 que utiliza fielmente as palavras das pessoas entrevistadas 
sobre a sua vida em África no Período Colonial Português. 

A metodologia seguida combinou a recolha de testemunhos dessas pessoas 
e uma detalhada pesquisa de historiográfica, 
criando um texto que retrata a complexidade da história recente em Portugal, 
no caso do fim do colonialismo português. 

 Com este trabalho quero investigar histórias reais 
que se tornaram memórias 
e que com o tempo foram herdadas; 
estou interessado em situações onde as pessoas reais 
contribuem para contestar e reconstruir identidades culturais; 
estou interessado na forma como o teatro pode contribuir para a reescrita da história, 
dando voz a um grupo silenciado, 
trabalhando assim na transmissão da memória entre gerações.

André Amálio

quarta-feira, 9 de março de 2011

Guiné 63/74 - P7917: Caderno de notas de um Mais Velho (Antº Rosinha) (13): Emigração para as Colónias, só com Carta de Chamada







Fotos de: Luis Graça, 2010. (Com a devida vénia ao autor, Manuel Botelho,  o artista plástico português, nascido em 1950,  que mais se tem interessado pela guerra colonial e que já tem utilizado materiais do nosso blogue)...

Título da obra: "Matchbox: Portugal is not a small country" [ O autor ter-se-á inspirado em material cartográfico, publicado sob o título Portugal não é um país pequeno em Lisboa, s/d,  pelo Secretariado da Propaganda Nacional,  sob a direcção literária de Henrique  Galvão (1895-1970). Mapa a cor, com 55 x 38 cm, escala circa  1:13000000. No canto inferior direito contém a seguinte legenda: "Superfícies do Império Colonial Português comparadas com as dos principais países da Europa"].


 
Esta obra do pintor, arquitecto e professor de belas artes Manuel Botelho,  neto do grande pintor Carlos Botelho (1899-1982), esteve exposta em Res Publica 1910 e 2010 face a face. Exposição organizada pelo CAM/FCG [, Centro de Arte Moderna / Fundação Calouste Gulbenkian] em parceria com a Comissão Nacional para as Comemorações do Centenário da República. Piso 0 e 01 do edifício central da sede da Fundação e jardim. Lisboa, 8 de Outubro de 2010 a 16 de Janeiro de 2011. Curadoria: Helena de Freitas e Leonor Nazaré.  (LG).




1. Mais um pensamento do nosso Mais Velho António Rosinha, enviado em mensagem do dia 7 de Março de 2011:


Caderno de notas de um Mais Velho (13) > Emigração para as colónias e a "Carta de Chamada" . Por que Salazar não deixou "europeizar" em força as colónias?


A Carta de Chamada  consistia em um termo de responsabilidade assinado por um comerciante ou um funcionário público residente na colónia, a responsabilizar-se por um candidato à emigração, o que fazia que muita gente que,  não tendo familiares ou amigos para assinar essa carta, desistia e ia para a América ou Brasil onde tinha parentes que o mandavam ir.


Escreve-se tanto sobre Salazar, muitas coisas não passam mesmo de deduções de quem escreve, pois o homem nunca se abriu muito, que podemos perguntar a nós mesmos, e falava-se efectivamente, porque Salazar viu tanta gente ir para o Brasil e EUA, nos anos 50, e não encaminhou essa gente para Angola, Guiné e Moçambique.


Exceptuando os militares ou funcionários em comissão de serviço, ou deportados para o Tarrafal, Salazar só deixava ir par as colónias, colonos, selecionados, ou emigrantes com carta de chamada como se fossem para o estrangeiro.


Isto nos anos 50 do outro século, no imediatamente antes da guerra do ultramar, ou seja, já estavam em marcha as independências francófonas e anglófonas, e Agostinho Neto, Amílcar, Luandino Vieira, etc. já tinham ideias formadas.


Havia várias dificuldades para se emigrar para as colónias portuguesas, até que apareceu a guerra do ultramar em 1961, acabando a maioria das complicações. A partir dessa data já não era preciso ter um familiar em Angola para o mandar ir.


Não recorrendo a documentos, falando apenas de casos popularmente conhecidos ou propalados, houve casos como o Zé do Telhado [, 1818-1875,] que foi para Angola como degredado [em 1861] e, recorro a este exemplo, porque foi um processo usado pela Justiça durante séculos para punir criminosos e simultaneamente ajudar à colonização por portugueses.


Ainda durante a chamada 1.ª República, foram pensados uns colonatos em Angola para serem enviados colonos brancos para esses lugares, portanto era uma maneira de se emigrar com a família para as colónias por convite, ou aliciamento, ou como quisermos interpretar esse processo.


Salazar também usou esse processo do colonato, mas no caso de Angola não foi muito numerosa essa emigração, como às vezes se ouve em certos escritos, e no caso da Guiné, penso que nem existiu essa prática. Em Angola havia o colonato da Cela no planalto central e Capelongo junto do Cunene, os que verdadeiramente chegavam a formar uma pequena vila rural portuguesa.


Quem foi muito apologista da emigração branca para Angola, de uma maneira maciça, foi o célebre anti-salazarista General Norton de Matos [, 1867-1955], muito conhecedor de Angola devido aos anos passados lá como governador e outras atividades políticas dedicadas ao ultramar.


Sobre Norton de Matos, fundador da cidade de Nova Lisboa (Huambo),  em Angola, diziam muitos africanistas angolanos que tinha ele uma visão de desenvolvimento para as colónias, que,  a ser seguida a política dele, transformava Portugal e as suas colónias numa grande potência económica.


Alguns mais entusiastas por Angola, até imaginavam uma capital portuguesa em Nova Lisboa.


Mas, diziam os africanistas e antisalazaristas, que o Salazar atrofiava as ideias dos portugueses empreendedores, usando processos e burocracias atrasadas.


E aí, aparece a burocracia da CARTA DE CHAMADA, da qual Salazar não abria mão. Acompanhada de outras burocracias como vacinas, registo criminal e três contos e quinhentos por cabeça, para viajar de porão. Não sei se crianças, normalmente muitas, pagavam por igual.


Para evitar a burocracia da Carta de Chamada havia uma solução, era pagar as viagens de ida e volta, com direito a receber a devolução das viagens de regresso, quando passassem seis meses ou um ano, conforme as informações sobre a adaptação à nova terra.


Também era dispensada a Carta de Chamada, a quem casasse por procuração com um residente nas colónias. Foi um meio usado com muita frequência.


Quem era a favor de uma forte ocupação branca das colónias, principalmente Angola, condenava a política de Salazar em que este se contradizia, em que ao mesmo tempo que dizia que era tudo Portugal, e ao mesmo tempo tinha que haver a tal carta de chamada.


Também se dizia que Salazar não deixava colonizar e desenvolver fortemente Angola, por medo de os brancos fazerem como os da Africa do Sul, isto é, abandonar o "pobre rectângulo".


Já se ouvia antes da guerra bocas como aquela em que Angola valia a pena, mas a Guiné e Cabo Verde era só prejuízo, e outras coisas deste género. Mas não era o Salazar que dizia isso, antes pelo contrário, o que transparecia era que nem um centímetro quadrado era para ceder.


Isto eram conversas à mesa do café, sem medo da PIDE, à vontade, em toda a Angola, menos nuns certos cafés da baixa de Luanda onde circulavam uns tantos popularíssimos inspectores da dita policia, conhecidos de todos os frequentadores habituais. Em Luanda, toda a gente se conhecia, não sei explicar como, mas era assim mesmo.


Penso que PIDE tinha instalações apenas em Luanda, no resto de Angola nunca ouvi falar, a não ser depois de 1961.


Antes de a guerra começar, já era conhecido o petróleo de Angola, os diamantes, o algodão, o café, o cobre etc, e aquilo que hoje ouvimos sobre o que as riquezas angolanas estão a fazer, desde ter mantido uma guerra de quase 30 anos, e hoje dá trabalho a milhares de chineses, brasileiros e portugueses, pergunta-se muita gente, porque Salazar não criou riqueza, desenvolveu, ocupou... com aquela riqueza toda à mão de semear.


Mas ninguém que escreve sobre Salazar tenta outra explicação para o impedimento de um grande povoamento europeu, que não fosse o medo de perder o controle e haver uma independência.


E, porque depois de tantos anos que passaram, sabendo que Salazar não fazia nada sem ser tudo bem pensado, não será de imaginar que haveria naquela cabeça certezas bem desastrosas, com as piores consequências de uma qualquer independência, havendo uma enorme ocupação europeia?


Para já, tenho a dizer que conhecendo a Guiné como conhecemos, em que a capital era numa ilha, Bolama, e cidades com direito a esse nome era Bissau e Bafatá, bem diminutas, todos consideramos que Portugal nunca fez grande colonização, nem asfalto, nem escolas, mas apenas uns postos administrativos espalhados em grandes áreas.


Se alguém pusesse em dúvida o nosso direito a considerar a Guiné, colónia portuguesa, não sabemos num caso de conflito, se não aconteceria o mesmo como Goa e depois com Timor.


Mas se a Guiné estava naquele atraso em 1963 que todos conhecem, talvez leiam pela primeira vez, mas Angola, proporcionalmente estava várias vezes mais "isenta" de qualquer colonização. Isto vi eu, porque conheço exaustivamente as duas ex-colónias. Para isso, não tive tempo de viajar para lá de Olivença, pelo que não me considero europeísta.


Para dar um exemplo dessa falta de colonização, refiro a quantidade de asfalto em Angola em 1961: havia asfalto nas principais ruas das principais cidades; mas nas estradas, viajava-se em asfalto de Luanda a Catete, aproximadamente 70Km, entre Benguela e Lobito, 20Km, um troço experimental de asfalto de 30Km, entre Lucala e Camabatela, e acabou.


O resto eram picadas e jangadas, ou seja, como exemplo ir de Lisboa a Paris, (de Luanda ao Cazombo) íamos de asfalto até Pegões, daí em frente preparávamo-nos com alimentação, roupa, combustível para semanas em tempo seco, e para meses em tempo de chuva até chegar a Paris.


Qualquer colonização europeia que se encontrasse no caminho não passava de comerciantes isolados ou chefes de posto, sem comunicação rádio, e se tivessem um jeep Willys, era um luxo.


Quando se chegava a uma capital de distrito ou a uma missão católica ou protestante, aproveitava-se para reabastecer combustíveis gerais e actualizar novidades.


Como Salazar sabia melhor que ninguém que de 1933, quando fica com as rédeas do poder na mão, até 1961 não tinha ocupado nem desenvolvido as colónias (Uns anos antes de Salazar, Lisboa não acendia as luzes em Lisboa por falta de dinheiro para o carvão que vinha da Inglatera). Salazar sabia também que dando muita visibilidade às riquezas angolanas ficava sem "passada" para acompanhar os ventos da história, que era mais tufões do que vento.


Ninguém tinha o mais pequeno respeito pela "nossa missão colonizadora", e desde os tripulantes de barcos nórdicos até aos americanos que aportavam em Luanda a carregar café, algodão, etc, dia e noite os guindastes em movimento, achavam escandaloso, ridículo, e com uns brandys no bucho perguntavam-nos na cara se não tínhamos vergonha de ser tão pequenos e pobres, e explorar aquela terra tão grande e rica.


Hoje vemos os americanos a gozar com a compra dos submarinos pelo tal de Portas e vemos o que se passa hoje com os nossos europeístas a serem gozados em Berlim e Bruxelas por causa dos orçamentos, porque tal como antes, hoje também queremos dar passadas maiores que as nossas pernas, e todos acham que é um descaramento querermos ser do clube dos grandes.


Podemos hoje conjecturar que as dificuldades portuguesas de há 50 anos eram historicamente das mais complicadas dos nossos 800 anos, (os 800 anos foram lembrados em Berlim, recentemente à Frau Merkel) e que Salazar usou de muitas manhas para atingir os fins.


E podemos conjecturar que,  graças à Carta de Chamada, provavelmente no 25 de Abril houve um número inferior a um milhão de portugueses retornados. O que seria se não fosse essa Carta que Salazar cuidadosamente exigia?


Será que Salazar não previa um fim de império? É que os estudiosos portugueses falam sempre do que Salazar nos obrigava a enfrentar: emigração, manter as colónias, manter uma agricultura arcaica e uma pesca controlada pelo Tenreiro, uma indústria insignificante, etc. e uns direitos sociais miseráveis, mas esses estudiosos já estão a tempo de escrever que há muitas dúvidas hoje, qual o perigo de darmos passadas maiores que as nossas pernas.


E esses estudiosos de Salazar já estão a tempo de escrever que a ditadura ganhava vida com as dificuldades que lhe eram criadas com casos como as revoltas nas colónias, o assalto ao Santa Maria por Henrique Galvão e, até quando Humberto Delgado foi assassinado, a ditadura aproveitou para espalhar que a oposição (os do contra, como se dizia), é que o atraiçoou e o conduziu a uma cilada.


Escreve-se sempre que estes casos "abanavam os alicerces da ditadura" mas não era essa a sensação, e hoje vemos que Salazar cai da cadeira em 1968 e apenas em 1974 se dá o "o fim do império e da ditadura".


Não estou com isto a armar-me em salazarista, mas considero que o papel de Salazar no que toca ao assunto colonial, que ele também herda de uma maneira muito complicada, não é analisada de uma maneira isenta de preconceitos, nem os que apoiam nem os que condenam o Botas.


E, aquilo que hoje é dado como ponto assente sobre o pensamento de Salazar, que estava ultrapassado e isolado internacionalmente, é fácil de mostrar o contrário.


Termino para dizer que o homem que assinou a minha CARTA de CHAMADA para eu emigrar para Angola, foi assassinado no Norte de Angola nos massacres da UPA.


O Norte de Angola, zona cafeeira, podia considerar-se provavelmente que era a única área verdadeiramente colonizada com missões, escolas e uma economia cafeeira importante.


Um abraço e desejo boa disposição aos editores para continuarem com ânimo


Anº Rosinha
____________


Nota de CV:


Vd. último poste da série de 8 de Fevereiro de 2011 > Guiné 63/74 - P7744: Caderno de notas de um Mais Velho (Antº Rosinha) (12): Os guineenses apenas assumem o idioma português como língua oficial

terça-feira, 27 de julho de 2010

Guiné 63/74 - P6794: O Nosso Livro de Visitas (95): Quem se lembra do Dr. Noronha (de Bafatá), do Toscano de Almeida, madeireiro, do Dias Saboeiro, figuras que povoam a minha infância ? (Maria Augusta Antunes, que cresceu no Xitole, na década de 1950)


Guiné-Bissau > Região de Bafatá > Saltinho > Rio Corubal > Novembro de 2000> Uma das mais belas tiradas pelo Albano Costa (ou seu filho, Hugo Costa), aquando da sua visita à Guiné-Bissau... Mulheres e crianças tomando banho nos rápidos do Saltinho... Poucos de nós tiveram o privilégio de, em tempo de guerra, contemplar uma cena idílica, quase bíblica,  como esta... Na época o Rio Corubal era um dos sítios onde o tuga não se atrevia a tomar banho, com excepção do Saltinho... É dos rios míticos que, quais fantasmas, nos povoam a memória... E que deve ser familiar à nossa leitiora Maria Augusta Antunes, que viveu lá perto até ao início da década de 1960...

Foto: © Albano Costa (2006). Direitos reservados


1. Comentário da nossa leitora Maria Augusta Antunes (*), com data de hoje, ao poste P6434 (**)

Por favor, algum dos soldados que chegaram à Guiné em 63, se lembra do Dr. Noronha, de Bafatá? Do Sr. Toscano de Almeida, madeireiro, que ajudou a levar tantos colonos para a Guiné? Do Dias Saboeiro?

Porque não li nada sobre eles e julgo que deviam dar a conhecer estas pessoas a quem brancos e negros desse tempo tanto devem... Eu era pequena e pouco sei deles... mas gostaria de aprofundar as suas origens e até conhecer os seus descendentes para lhes contar o que me lembro deles. Eles povoam as memórias da minha infância.


2. Comentário de L.G.:

Cara leitora, e já nossa amiga do Xitole: 

Obrigado pela sua "visita" (***). Aqui fica, com visibilidade, o seu comentário ao poste do nosso camarada Beja Santos, em que se faz a recensão do livro do António Estácio, guineense, pessoa do seu tempo, nascida em Bissau. 

Se quiser adquirir o livrinho dele (Nha Carlota), sugiro que lhe telefone (219229058 ou 962 696  155). Trata-se de uma edição de autor. (Infelizmente, o nosso camarada e amigo António Estácio, faleceu em 2022. LG).

O Toscano de Almeida é citado várias vezes nesse livro de memórias. O António Estácio faz parte da nossa Tabanca Grande. Clique aqui para saber mais... 

Apareça sempre que quiser e puder. Inclusive fica convidada para ingressar no nosso blogue, como membro de pleno direito. Seria uma honra para nós podermos partilhar mais memórias da sua infância na Guiné. Mantenhas. Luís Graça

PS - Convido-a a ver um vídeo de 6 minutos sobre o Xitole, posto no You Tube pelo nosso camarada Álvaro Basto... Foi feito por Hugo Costa, filho do nosso camarada Albano Costa (de Guifões / Matosinhos) aquando de uma visita em grupo à Guiné-Bissau, em Novembro de 2009. O vídeo também pode ser visto no blogue Xitole, poste de 12 de Dezembro de 2007.

___________

Notas de L.G.:

(*) Nascida em 1948, no concelho de Tomar. Imigrou ainda bebé com os pais para a Guiné, donde regressou aos 12 anos [c. 1960]. Fonte: Comentário ao blogue Fundo da Rua > Domingo, 14 de Dezembro de 2008 > Um Ministro em Paio Mendes

Vd. também 7 de Junho de 2010 > Guiné 63/74 - P6549: O Nosso Livro de Visitas (92): O Xitole que eu e os meus pais conhecemos até 1962 (Maria Augusta Antunes, filha de Henrique Martinho, antigo madeireiro)

 (**) Vd. poste de 20 de Maio de 2010 > Guiné 63/74 - P6434: Notas de leitura (109): Carlota Lima Leite Pires, 'Nha Carlota' (1889-1970), de António Estácio (Mário Beja Santos)

(...) Uma das singularidades da Nha Carlota foi o seu salazarismo indefectível, proibia que se falasse mal de Salazar. Fez sociedade com um dos filhos do antigo Presidente da República António José de Almeida, Manuel Alexandre Toscano de Almeida (confesso que de algum modo me baseei nesta personagem para criar o primeiro marido da Benedita, Albano Toscano, do meu livro “Mindjer Garandi”).


Este Manuel Toscano era opositor ao regime de Salazar, participou na sublevação da Guiné de 17 de Abril de 1931, foi demitido da função pública e depois enveredou pelos negócios. Viajou várias vezes a Portugal, numa delas, já perto do final da sua vida, foi recebida por Salazar. Nessa audiência ofereceu ao ditador um retrato dele próprio feito a carvão com a seguinte dedicatória: “Um homem tão grande para um país tão pequeno”. (...)

(***) Último poste desta série > 18 de Julho de 2010 > Guiné 63/74 – P6757: O Nosso Livro de Visitas (95): Cassiano Reginatto, um nosso leitor no Brasil que gosta de África