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sábado, 21 de outubro de 2023

Guiné 61/74 - P24777: Manuscrito(s) (Luís Graça) (239): Zé do Telhado (Penafiel, 1816 - Angola, Malanje, 1875): um caso de "banditismo social"? Entre o mito e a realidade - Parte VI: no desterro em Angola, Zé do Telhado "continua a realizar proezas: subjuga os pretos, funda prósperas roças, dirige negócios" (Padre Manuel Vieira Aguiar, 1947)


Contracapa do livro de Padre Manuel Vieira de Aguiar - Descrição Histórica, Corográfica e Folclórica de Marco de Canaveses. Porto: Esc Tip Oficina de S. José. 1947, 439 pp.




Uma das raras imagens do Zé do Telhado, de seu nome de batismo José Teixeira da Silva (c. 1816-1875), aqui com o seu irmão Joaquim Telhado, também ele bandoleiro, à sua direita. Fonte: Aguiar, 1947, op. cit., pág. 273. (Foto extraída do livro de Sousa Costa, " Grandes dramas judiciários: tribunais portuguees", Porto, O Primeiro de Janeiro, 1944)


1. O Zé do Telhado (ou melhor,  a sua memória popular) calhou-me... "em herança". Tendo casado em Candoz, a escassos quilómetros de Fandinhães (terra da minha sogra, Maria Ferreira), na serra de Montedeiras, e a 5 minutos de carro da Casa do Carrapatelo na margem direito do rio Douro (o mais célebre dos assaltos cometidos por aquele "capitão de bandoleiros", no dia 8 de janeiro de 1852), tinha que me interessar pelas "lendas e narrativas" que sobre esta personagem oitocentista se contavam, ainda nos anos 70 do séc. XX.


Andava há anos para ler as "Memórias do Cárcere", do Camilo Castelo Branco (Lisboa, 1825-Vila Nova de Famalicão, 1890). Só agora tive tempo e pachorra para o fazer. (E também só há uns anos conheci a casa-museu do Camilo, em São Miguel de Seide, V. N. Famalicão)

E, atrás do Camilo, vieram outros autores, não muitos, dos que tèm escrito sobre o banditismo no séc. XIX, em geral, e o Zé do Telhado, em particular.

Também, por "herança", veio-me parar às mãos o livro cuja contracapa se reproduz acima, da autoria do padre Manuel Vieira de Aguiar, "Descrição Histórica, Corográfica e Folclórica de Marco de Canaveses" (Porto: Esc Tip Oficina de S. José. 1947, 439 pp). Está completo (falta-lhe a capa), mas em muito mau estado, muito manuseado, a precisar de ser restaurado e reencadernado.

O autor, Manuel Vieira de Aguiar, na altura era professor do ensino liceal, sendo irmão do padre Agostinho de Aguiar. ( Este foi pároco da freguesia de Paredes de Viadores, a que pertence Candoz, e também ele conterrâneo e condiscípulo do meu sogro, ao tempo da escola primária, e amigo da família Ferreira Carneiro, para cujos convívios costumava ser convidado: Já faleceu há já  uns largos anos; era natural de Mondim, uma lugar perto de Candoz, e a sua família foi um alforge de padres e freiras.)

O livro tem interesse documental, como monografia do concelho do Marco de Canaveses e as suas trinta e duas freguesias (na altura), incluindo Paredes de Viadores. Destaque também para as 75 gravuras (reproduçóes fotográficas), que ilustram o livro, e que são valiosas para o estudo etnográfico das gentes daquela terra do Vale de Tàmega, uma das tábuas do berço onde nasceu Portugal.

A I parte do livro  é dedicada à história dos concelhos, entretanto extintos em meados do séc. XIX, que deram origem ao atual concelho de Marco de Canaveses (Bem-Viver, Canaveses, Soalhães, Alpendurada, Santa Cruz de Riba Tàmega e Porto Carreiro) e ainda aos diversos coutos que existiam dentro do território do concelho, cinco privados (Alpendurada, Tabuado,Burgo de Entre-Ambos-os-Rios, Tuías, Vila Boa do Bispo) ou e 1 real (Vila Boa de Quires), Fala-se ainda de duas beetrias do Reino, Canaveses e Paços de Gaiolo (pp. 55-154).

Já agora, defina-se, muito sumariamente, esta terminologia, menos familiar ao leitor:

(i) beetria , segundo o dicionario, é uma  localidade medieval que gozava o direito  de eleger os seus senhores, um privilégio raro:
(ii) couto era "uma determinada zona de terra, limitada por autoridade real, com certos privilégios, isenções, justiça própria, pagando determninadas pensões aos senhorios diretos" (op, cit., pág. 117).

Havia os coutos privados (dos conventos e da nobreza) e os reais (estes também chamados "coutos de homiziados", ou sejam, de fugitivos à justiça: na prática, era um instrumento de "colonização interna", ficando situados  de preferência nas regiões fronteiriças; os criminosos encontravam ali protecçáo e guarida, com exceçáo para traidores, regecidas e hereges...); foram extintos em 1790.

A II parte do livro é dedicada à "história, demografia e corografia de cada uma das freguesias do a
tual concelho" (pp. 155-360),

E a III (e última) parte é sobre "o folclore em Marco de Canaveses" (pp.361-435): vida rural, com destaque para os trabalhos agrícolas (arranca do linho, espadeladas, malhas, vindimas, esfolhadas), folclore, romarias, serões, festas, bailados populares, superstições, janeiras e reis, carnaval, clamores e pregões, alminhas e cruzeiros, etc.

Na entrada sobre a freguesia de Penha Longa, o autor dedica 13 páginas (pp. 252-265) ao Zé do Telhado e o assalto ao Carrapatelo (passados 70 anos sobre a morte do assaltante e 85 sobre o assalto).

Socorre-se, no essencial, sobre fontes já nossas conhecidas, com destaque para o Camilo "Memórias do Cárcere), Eduardo Noronha ("Zé do Telhado"), Sousa Costa (" Grandes dramas judiciários"), Pinho Leal (" Portugal Antigo e Moderno"), e António Cabral ("Perfil de Camilo").

Antes de apresentar um resumo da vida do Zé Telhado, como militar e depois como bandoleiro, o autor descreve-o nestes termos:

"Alto, gordo, de agradãvel apresentação, génio indomável e fartas barbas, eis o temível capitão de bandidos, que, durante cerca de 10 anos, espalhou o terror do saque e do sangue em terras de Entre-Douro e Minho" (pãg. 252).

O tom é "hagiográfico": afinal trata-se de saber por que é que "os nobres e os ricos lhe davam guarida e proteção"... Já o povo tinha por ele "uma certa estima que, avolumada pela tradição, se transfornou, mais tarde, em admiração profunda" (sic) (pág, 252).

O autor resume o porquê em duas linhas: Porque se dizia que José do Telhado: 

(i) "cumpria sempre a sua palavra; 

(ii) "dívida contraída, na hora marcada se saldava"; 

e (iii) "distribuía pelos pobres o fruto das suas rapinas aos ricos"...

A sua vida "épica e aventurosa", resumida pelo autor (e que inclui o episódio da  da Guerra da Patuleia em que o José Teixeira da Silva conquista a medalha da "Torre e Espada") vai acabar em 1859, quando é preso... 

Vai acabar ou é apenas interrompida... Porque, na verdade, qual Fénix Renascida, há um Zé do Telhado II, em África, onde acaba por morrer, prematuramente,  em 1875, e do qual sabemos pouco, embora saibamos que a sua memória ainda hoje é lá recordada e respeitada... De facto, ao ser desterrado para a Angola, numa época em que ainda era escassa a presença portuguesa (uns poucos de milhares, na sua grande maioria desterrados), o Zé do Telhado torna-se um  dos seus seus primeiros povoadores e colonizadores.


2. Citemos então o autor, o padre Manuel Vieira de Aguiar, conterrâneo do meu sogro, José Carneiro (1911-1996), nascido portanto em Paredes de Viadores, Marco de Canaveses: 

(...) Por fim, cansado de desgostos, resolveu embarcar para o Brasil. A bordo já da barca Oliveira foi preso por iniciativa de Adriano José de Carvalho e Melo, ex-comissário da polícia do Porto [. Foi também Deputado da Nação e Governador Civil de Bragaça, nota de rodapé, pág. 260], e naquela data administrador do jovem, concelho do Marco de Canaveses, o qual soube soube do paradeiro do famoso facínora, por indicações de José Morgado, agora a ferros.

Conduzido à cadeia da Relação do Porto, ali respondeu por tentar fugir para o estrangeiro, sem a documentação precisa. É entregue depois ao Tribunal do Marco, onde corre o processo do crime de Carrapatelo, é é transferido da cadeia do Porto para a do Pisão, em Canaveses.

O seu companheiro de clausura, que também aguarda julgamento pelo crime de adultério com Ana Plácido, o insigne escritor Camilo Castelo Branco, atendendo à sua pobreza e amizade, conseguiu-lhe para defensor o seu próprio advogado, Dr. Marcelino de Matos, que gratuitamente lhe presta os seus serviços.

E em 25 de abril de 1861, realiza-se na casa da Quinta, freguesia de Tuias, um notável julgamento em que José do Telhado é condenado a degredo perpétuo e trabalhos públicos em África. Mais tarde, mediante recurso, foi a sentença reduzida pela Relação do Porto a simples degredo.

Na selva africana continua porém a realizar proezas: subjuga os pretos, funda prósperas roças, dirige negócios. No exílio, longe da terra natal e da família, a estrela cintilante, tão nimbada de luz que por vezes nuvens negras envolveram, de novo surgia na sua velhice alquebrada. E assim, lá longe. no olvídio de tantos que o temeram e respeitaram, se findou esse bravo, de sentimentos generosos, que foi grande mesmo no crime.

É assim o destino de alguns homens tatuados com o sinete do génio!....

José Teixeira da Silva tinha qualidades como várias vezes demonstrou, de aguerrido, fidelíssimo soldado. Se, do regresso das lutas partidárias, mãos amigas o tivessem auxiliado, teria sido um homem de bem, honestíssimo. Se nas sendas tortuosas, nubladas da existência, alguém orientasse a sua juventude, tão inclinada à epopeia, ao maravilhoso, teria sido um chefe invencível, talvez mais dominador que Napoleão Bonaparte, mais temido que Júlio César, mais intrépido que Alexandre Magno.

Assim, abandonado às suas próprias forças, sem o amparo carinhoso da avara família humana, foi o que foi − um misto formidável de glória e infâmia, de grandeza e baixeza, de epopeias e tragédias. (pp. 260-262).


Não deixa de ser surpreendente este retrato, feito por um homem, sacerdote católico, que escreve em meados dos anos 40, no auge do Estado Novo. Já agora, não é de ignorar esta dedicatória do livro:  "ao Instituto para a Alta Cultura, Secretariado Nacional de Informação, Câmara Municiapl de Marco de Canavese e Junta da Província do Douro Litoral, que se dignaram patrocinar esta obra, a gratidáo reconhecida do autor"... 

Em 1945, recorde-se, tinha chegado aos écrãs das salas de cinema em Portugal, o filme de longa metragem, "Zé do Telhado", realizado por Armando de Miranda, com exteriores filmados perto de Candoz, na Serra de Montedeiras, e protagonizado pelo romàntico e popular ator Virgílio Teixeira, no papel principal. Um verdadeiro "western à portuguesa", disponível no You Tube, em versão integral, aqui (com a duração de cerca 86 minutos).

Um Zé do Telhado, vítima das "circunstâncias histórias" (as lutas fratricidas dos portugueses, na época do liberalismo), e de algum modo "reabilitado" pela História, também convinha à propaganda de um Estado Novo, "antidemoliberal": no desterro em Angola, Zé do Telhado "continua (...) a realizar proezas", isto é, "subjuga os pretos (sic), funda prósperas roças, dirige negócios" (a expressão é de Manuel de Aguiar).

(Continua)

(Seleção / revisão e fixação de texto / negritos: LG)

quinta-feira, 12 de outubro de 2023

Guiné 61/74 - P24748: Manuscrito(s) (Luís Graça ) (238): Zé do Telhado (Penafiel, 1816 - Angola, Malanje, 1875): um caso de "banditismo social"? Entre o mito e a realidade - Parte V: um país de brandos costumes: quatro mil degredados em Angola, nos finais do séc. XIX, três em cada quatro dos colonos brancos


Porto : Museu Nacional Soares dos Reis > "O desterrado"0¥(¥, escultura, em mármore de Carrrara, datada de 1877.  Uma obra-prima da escultura portuguesa naturalista do séc. XIX. Autoria; Soares dos Reis (1847-1889). Inspirado no extenso e pungente poema de Alexandre Herculano, que conheceu bem o exílio:  "Tristezas do Desterrado" (1852):  Fonte: Imagem do domínio público,  adaptada. Cortesia da Wikimedia Commons. 



Camilo Castelo Branco, “Memórias do Cárcere”, I e II Vol, 8ª ed. Lisboa, Parceria A. M. Pereira, Lda, 1966, (1ª ed., Porto, 1862) (Coleçáo "Obras de Camilo Castelo Branco, Edição Popular, 53 e 54")



Camilo Castelo Branco.
Cortesia de Wikipedia


1. Às voltas com a figura, intrigante e contraditória, de Zé do Telhado (1816-1875) (*), tinha que ler as "Memórias do Cárcere", do Camilo Castelo Branco (Lisboa, 1825-Vila Nova de Famalicão, 1890), obra que eu, confesso, não conhecia.

Trata-se, de resto, de um autor prolífero, compulsivo, que, para além de uma história de vida, pessoal, amorosa, familiar,  turbulenta, truculenta, infeliz, que acabou em tragédia (o suicídio, aos 65 anos), nos deixou mais de duas  centenas e meia de títulos, de quase todos os géneros, embora de qualidade literária desigual. (Declaração de interesse: não é um dos meus escritores favoritos, mas têm sido as "Memórias do Cârcere", nos últimos tempos,  uma leitura de cabeceira; a par disso, conheço meia dúzia de títulos do autor.)

É um prosador portentoso, genial, um mestre da língua, com uma enorme capacidade de efabulação, e com grandes recursos estilísticos, mesmo se algumas das suas criações são dramalhões de ""faca e alguidar, ao gosto do público burguês oitocentista, que devorava os "folhetins" camilianos  (publicados semanalmente na imprensa), com a mesma avidez com que os portugueses no pós-25 de Abril consumiam as telenovelas brasileiras.

Deixou-nos, muitas vezes a traço grosso, um retrato de uma época conturbada socialmente em que Portugal estava longe de ser o tal país de brandos costumes que, no nosso tempo de meninos e moços, nos tentaram impingir na escola e na catequese.

O livro, "Memórias do Cárecere", foi escrito em 40 dias (cerca de 500 pp.
), depois dele sair da prisão, como explica no prefácio da 2ª ediçáo (1862). É constituído por mais de uma trintena de "historietas" (o termo é dele), incluindo um esboço biográfico relativo à figura do Zé do Telhado (op. cit, vol, II, cap XXVI, pp. 83-107).

E é seguramente ele, Camilo,  quem, através do seu advogado do Porto,  Marcelino de Matos, o salva da condenação à morte (pena que ainda não tinha sido abolida...), a ele,  Zé do Telhado, e  depois, com o livro, o transforma  numa herói romântico, com um destino trágico ( tal como  a  Brasileira de Prazins e tantas outras figuras da tragicomédia camiliana, sem esquecer o Simão Botelho e a Teresa Albuquerque, protagonistas da novela, com muitos traços autobiográficos, "Amor de Perdição", escrito na prisão, em 15 dias, em 1861).

Na realidade, o Zé do Telhado (das "Memórias do Cárcere")  é também uma criatura camiliana, romântica e trágica como o  seu criador...

No ano e picos em que esteve na cadeia do Tribunal da Relação do Porto, entre outubro de 1860 e novembro de 1861 (se não erro), pelo crime de adultério, o escritor conheceu dezenas e dezenas de homens (e também mulheres), a maior parte condenados, à espera de partir para Lisboa para depois aí embarcarem para o desterro em África; homicidas, parricidas, 
infanticídas, violadores, adúlteras, ladrões, bandidos, sicários, loucos, cleptómanos, moedeiros falsos, etc.

Um pouco ao acaso, ao sabor da leitura, selecionei uns tantos excertos do livro (I volume),  com algumas destas figuras, representantes da subumanidade que apodrecia nas enxovias da cadeia do Porto. Escolhi excertos menos "sombrios", de preferência com descrições  e cenas galhofeiras,   grotescos ou picarescas, fazendo  jus sobretudo ao sarcasmo com que o autor tratava os "maus fitas" de então ( a "corja", como ele lhes chamava).

Na época já se discutia vivamente a urgência da reforma do sistema prisional e o livro do Camilo, ao denunciar as miseráveis condições de carceragem em que viviam então os reclusos (que tinham de pagar "cama, mesa e roupa lavada"!), também dá um importante contributo nesse sentido. Aires Gouveia era então o grande paladino dessa reforma, cuja efectivação há de chegar ao séc. XX, com a criação de um moderno sistema penitenciário. (**)

2. Excertos de "Memórias do Cárcere" (I Volume, 1862):

(i) José Bernardino Tavares, lavrador de Santa Maria da Feira, que roubou a Felícia ao abade, acabando por ser preso por ajustes de contas com o rival (pp. 170/178):

(…) Tinha o padre no presbitério uma espadaúda a moça, que era o feitiço de seu amo, e dos rapazes. Rentavam-lhe todos, e ela a todos voltava as costas de esquiva, e de soberba pelas peias em que trazia o coração do abade (pág. 170).

(…) José Bernardino tirou-se de seus cuidados e fez dois dedos de namoro à sécia. (pág. 170).

(…) As carícias do abade como que lhe cheiravam a simoneta, os colóquios ao lar com ele, nas noites grandes, faziam-na tosquenejar, bocejar e dormir sobre a roca (pág. 171).

(…) Aquela casta de mulheres, quando adregam de amar, criam sangue novo, espanejam-se, enramalham-se, são como leoas na selva, quando ruído do leão lhes sacode os músculos (pág. 171).

(…) – Traz o leite, Felícia!, berra o pastor daquele tinhosa ovelha, que àquela hora estava já tresmalhada e sisada no aprisco do senhor José Bernardino (pág. 171).

(…) O abade amava Felícia quando todos as potências da sua imoralidade, da sua compleição, da sua estupidez (pág. 172).

(…) Uma noite pegaram lhe fogo à casa, e por um triz que a labareda não chorrisca os torresmos do padre (pág. 174).

(…) Nenhum outro preso [como o José Bernardino] encontrei ali tão ansioso da liberdade, e ao mesmo tempo tão regalado de amiudadas visitas de valentes e atoicinhadas mocetonas de sua terra (pág. 175).

(…) Com a morte do soberano [o rei Dom Pedro V (1837-1851), que visitou duas vezes o cárcere do Tribunal da Relação do Porto, quando o Camilo lá estava, em 1860/61 ] morreram as esperanças do preso [de obter perdão ou comutação da pena]. Desvanecidas estavam elas já para mim. A palavra dos reis era sagrada quando os reis governavam; agora apenas reinavam. Um amanuense de secretaria basta a entupir os canais por onde aflui a misericórdia do rei ao povo (pág, 177).

(ii) Outra história de um abade, minhoto, mas este homicida (matou a tiro o irmão da amante), e que conseguira fugir da cadeia de Braga, antes de voltar a ser apanhado e metido no cárcere do Tribunal da Relação do Porto (pp. 221/227)

(…) O padre Manuel [dos Arcos] teria cerca de trinta e oito anos, os olhos espelhavam melhor a alma, que eu sinceramente imaginava má (pág, 221).

(...) Estava ao padre condenado a calceta perpétua. Não sei de pena mais dura nem mais aviltante (pág. 221).

(…) Padre Manuel tinha uns amores com uma mocetona do concelho dos Arcos; e a mocetona tinha um irmão honrado, contrário a tais amores. Prevaleceu o coração do padre sobre as razões do irmão, e o escândalo sobre os rumores da opinião pública.

O padre era valente e temido; e a moça, afoitada por ele, afrontava o desprezo, e ostentava despejadamente a sua concubinagem (pág. 222).

(…) Estava o padre Manuel nas cadeias de Braga e entendeu que estava mal (pág. 222).

(…) Tomou por caminhos travessos que o levavam aos Arcos, e, porventura, surpreendeu a moça fiando e humedecendo a estriga com lágrimas, senão é que a encontrou contemplativa e sentada no rebordo da pia dos cevados (pp. 223/224).

(…) A moça foi à salgadeira, escolheu os melhores salpicões, respigou da horta os mais tenros renovos, e fez a ceia como as mulheres laboriosas de Homero, e ele comeu à tripa forra, como os heróis do mesmo poeta, que conhecia melhor o seu mundo e o nosso, que nós outros romancistas, falsificadores do coração humano (pág. 224).

(iii) Sobre o parricida, que foi desterrado para África (pp. 180/187):

(…) O hospital da misericórdia [do Porto] não queria receber doidos, porque não tinha enfermaria especial. Ninguém o dirá do estabelecimento de caridade mais dotado e rico do país. (pág, 180).

(…) Eu tenho de coração humano ideias sempre em divórcio com as ideias comuns. Quero acreditar que há remorsos e saudades naquele homem, que foi filho, que teve mãe, que orou com ela, que a viu morta, que a chorou talvez nos braços do pai, que foi tudo o que são os bons filhos, antes de serem parricidas. (pág. 187).

(iv) Os fabricantes e passadores de moeda falsa também passavam pela cadeia da relação do Porto, era um delito frequente na época. Um deles foi desterrado para Cabo Verde, deixando no Porto mulher e três filhos (pp. 117/129)

(…) Três deles esta hora estão a caminho da África, e não mais para eles aquele ardente céu lhes dará monção de voltarem à pátria. (pág. 117)

(…) [Um deles] o senhor Máximo que, ao tempo da sua prisão, tinha um lá, tinha no largo do Carmo um botequim. (pãg. 117)

(…) Na prisão trabalhava ele incansavelmente, desde o arraiar da manhã até alta noite na manufatura de caixinhas para as boticas, e fazia trezentas por dia. O lucro de cada tarefa diária orçava por quatrocentos e oitenta réis.

(...) Quando foi preso, tinha ele em começos de formatura na escola médico-cirúrgica um filho; outro em latinidade, e projetava educar o terceiro também na carreira das letras. Sua mulher tinha nascido, senhora, e recatada se mantivera sempre como exemplar mãe e esposa (pág. 118).

(...) Vou, como iria para a sepultura, deixando protegida mulher e filhos (...). De ora avante, já se me dá de morrer aqui ou no degredo (pág. 119).


(v) Zé do Telhado, salvo da pena capital, condenado a degredo perpétuo com trabalhos públicos  (pp.  83/107)

(…) Marcelino de Matos defendeu gratuitamente o seu cliente. Querer dar-lhe a liberdade era um paradoxo,  querer salvá-lo da pena capital era um arrojo. E salvou-o! 

Não foi o sofisma que embaíu os jurados;  foi a sincera e comovida eloquência que os pungiu a lágrimas. Muitas deviam ser necessárias para lavar tanta nódoa de sangue acusador! (pág. 105).

(…) Marcelino de Matos venceu muito; fez que José do Telhado fosse julgado como réu de uma única morte, sem premeditação, e como caluniado na maioria dos roubos arguidos. Fez muito ali, onde estavam os testemunhos, os roubados, os feridos, a multidão que o vira,  ou só vira pelos olhos do seu terror!

José Teixeira foi condenado a degredo perpétuo com trabalhos públicos.

A meio caminho, quando voltava ao antecipado inferno da reclusão incomunicável, encontrou sua mulher que lhe saiu a despedir-se… para sempre (pág. 106).

(…) Um dia, quando eu já era livre,  foi-lhe intimada imprevista ordem de embarcar para Lisboa. José Teixeira entroixou a sua pequenina bagagem, desceu a entrar na escolta, estendeu os pulsos às cordas, e pediu a um preso circunstante um vintém de esmola para cigarros. E recebeu a esmola mais alegre do que tinha recebido, em Valpaços, uma condecoração  [a "Torre e Espada"] por ter salvo a vida ao Bayard português [o  general Sá da Bandeira]   (pág. 107).

(...) Os jornais têm contado façanhas do José Teixeira do Telhado  contra a negraria [em Angola] . O comércio de África deve lhe muito, e espera muito mais daquele braço de ferro, e sede de sangue. Os pretos é que pagam os agravos que os brancos lhe fizeram cá. Se José Teixeira for esperto, pode morrer, pelo menos, rei daqueles sítios. (Nota da segunda edição). (Nota de rodapé, pag. 107). (#)

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Fonte: Camilo Castelo Branco, “Memórias do Cárcere”, I Vol, 8ª ed. Lisboa, Parceria A. M. Pereira, Lda, 1966, (1ª ed., Porto, 1862) (Coleçáo "Obras de Camilo Castelo Branco, Edição Popular, 53).

(#) Camilo Castelo Branco, “Memórias do Cárcere”, II Vol, 8ª ed. Lisboa, Parceria A. M. Pereira, Lda, 1966 (1ª ed., Porto, 1862) (Coleçáo "Obras de Camilo Castelo Branco, Edição Popular, 54).

(Seleção, revisão, fixação de texto e notas, LG)
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Notas do editor:

(*) Último poste da série > 11 de outubro de 2023 > Guiné 61/74 - P24745: Manuscrito(s) (Luís Graça) (237): Zé do Telhado (Penafiel, 1816 - Angola, Malanje, 1875): um caso de "banditismo social"? Entre o mito e a realidade - Parte IV: 10 anos de impunidade

(**) Vd. Diário de Notícias, 1 de julho de 2017 : "A pena de morte estava abolida na consciência social desde 1840". Entrevista do director do Museu do Aljube, por Ana Sousa Dias.

 [O entrevistado é Luís Farinha. Estranhamente não é mencionado o seu nome, nesta peça do DN. Recorde.se que ele, com o nosso Renato Monteiro, é autor do livro "Fotobiografia da Guerra Colonial" (Publicações Dom Quixote, 1990; Círculo de Leitores, 1998)]

(...) Qual foi o percurso até à abolição?

Os abolicionistas começaram por tentar que nos códigos e nas leis houvesse menos motivos para a pena de morte, é uma estratégia clara desde a Viradeira, desde Pascoal de Melo e Freire, a quem D. Maria I manda fazer um Código Penal novo. As razões previstas na lei vinham desde as Ordenações Filipinas do século XVII, era uma longa listagem. A outra estratégia era tentar que o rei comutasse a pena, o que aconteceu constantemente com a D. Maria I, D. João VI , D. Maria II e D. Pedro V - com os reis da Guerra Civil, D. Pedro IV e D. Miguel, não, evidentemente.

Comutação em prisão perpétua?

Pode ser perpétua, trabalhos forçados ou degredo. Normalmente é degredo... as colónias nesse sentido deram sempre muito jeito. Um dos argumentos dos finais do século XIX contra a abolição era o facto de se mandar pessoas para as colónias aos milhares. Entre 1870 e 1896 há quatro mil degredados, são três quartos da população branca de Angola. (...)

(...) Os bem-intencionados queriam construir penitenciárias em todos os distritos, mas não havia dinheiro. E os que eram contra a abolição da pena de morte diziam: "Se não conseguem construir é melhor matar. Para que estão a criar ilusões? As pessoas vão para o degredo durante anos e anos - há lá alguma penitenciária, algum trabalho que regenere?" Claro que não havia. Os desgraçados viviam miseravelmente de trabalhos forçados, não só para o Estado mas também para particulares que faziam deles escravos. É isso que diz Ramalho Ortigão: estão a criar uma situação falsa, não há meios para regenerar as pessoas, não há cadeias preparadas. (...)

quinta-feira, 7 de dezembro de 2017

Guiné 61/4 - P18057: Agenda cultural (617): o criminalista e antigo inspector-chefe da PJ, Barra da Costa, acaba de lançar o livro "Os crimes de João Brandão: das Beiras ao degredo" (Edições Macaronésia, Ponta Delgada, 2017)


Edições Macaronésia: Rua da Saúde N.º 107 - Arrifes, 9500-363, Ponta Delgada.


Ficha Técnica:

Autor - Barra da Costa

Título - Os crimes de João Brandão (das Beiras ao degredo) 

Edição - Edições Macaronésia

Local - Ponta Delgada

Ano - 2017

Sinopse:

“Quando abracei esta vida reprovada por todo o ser cristão e que nos coloca na posição mais ínfima, mais vil, mais repugnante da sociedade, foi porque a miséria me impeliu juntamente com a falta de caridade que encontrei no meu semelhante; o meu coração, contudo, não é desses ferozes que se vangloriam ao verem tudo nadando em sangue. Tenho aversão a isso e só na última necessidade, quando não nos possamos salvar sem lançar mão desse terrível recurso, é que aconselho a que se derrame. Além disso desejo que socorramos aqueles que ainda necessitam mais que nós. Tiraremos aos ricos, mas repartiremos também com os pobres. Com uma mão praticamos o crime, pois bem, com a outra pratiquemos a caridade: verdadeira religião cristã. Usarei de uns bilhetes com o meu nome e toda a pessoa que o apresentar a vocês deverá ser respeitada como se fora eu. Serei justo e imparcial para com os meus colegas. Eis aqui as minhas ideias e sentimentos, que desejo que sigam à risca.” [José do Telhado, in Souza, Rafhael (1874). A vida de José do Telhado, p. 26), apresentando as suas condições para aceitar o cargo de mestre, proposto pelos seus companheiros, aos quais pediu que jurassem em como se comprometiam a dar a vida uns pelos outros.]

Fonte: Edições Macaronésia, Ponta Delgada, RA Açores

Comprar  > P.V.P.: 11,00 € 


1. Mensagem, de 7 do corrente, enviada pelo autor, [José Martins] Barra da Costa [, professor, escritor, criminalista e antigo inspetor-chefe da PJ] com pedido de apresentação e divulgação da obra sobre João Vítor da Silva Brandão (Tábua, Midões, 1825 - Bié, Angola, 1880), que ficou conhecido como o "terror das Beiras":


O livro que ora se apresenta – Os Crimes de João Brandão (Das Beiras ao Degredo) - é um trabalho histórico publicado pelas Edições Macaronésia, que tem como pano de fundo um período fervilhante da História de Portugal.

[Contactar o editor - tm. 918189075 ou email acrpeixoto@sapo.pt - que após confirmar o depósito do 11 euros no NIB que ele próprio  vos fornecerá, enviará o livro, sem acréscimo de preço]

O meu objectivo específico enquanto autor passa por convocar os leitores, por um lado, a uma comparação com as «novas filosofias de vida» que parecem querer despontar e, por outro lado, a uma reflexão sobre o que vem sendo feito pelo sistema político-judiciário, tantas vezes regredindo e transigindo em princípios e valores de Liberdade e de Democracia que se julgavam consolidados.

A forma como então decorreu a divisão do país entre miguelistas e liberais, potenciou a formação de grupos de guerrilhas. João Brandão acabou a lutar pelos seus interesses, sob a capa de uma ou outra ideologia, muitas vezes legitimado pelo próprio Estado a braços com um novo sistema político, de forma a garantir a perseguição dos inimigos políticos e o controlo da ordem pública. Quando as elites políticas entenderam que o poder estava estabilizado e os bandos já não eram úteis para os seus fins, varreram-nos para debaixo do tapete.

O meu objectivo geral tem como de fundo avançar uma reflexão sobre o futuro que hoje se desenha sobre nós, designadamente quando, sobre os braços da Justiça, parece querer voltar a elevar-se a antiga pena de degredo à condição de peça histórico-jurídica actual. Apetecia dizer que se trata de uma reflexão sobre tudo o que já foi e que não queremos que regresse, até porque a questão do degredo, neste caso das Beiras para Angola, não é estranha a muitos dos que povoaram outras paragens. 

Veja-se a «prática» de enviar para os Açores e Madeira os candidatos pior classificados em diferentes carreiras da administração central ou como ainda subsiste o hábito de colocar nas ilhas funcionários da administração central que tenham sido alvo de processos disciplinares ou, a outro nível, o que se passa com os repatriados vindos do Canadá e dos Estados Unidos da América.

Na parte final abordo a natureza das penas e dos seus efeitos, em especial as que foram aplicadas ao nosso herói que, apesar de «negativo», não devia ter recebido um sofrimento que é uma inqualificável barbaridade, uma aberração vergonhosa e uma forma irregular, inconsciente e arbitrária de aplicar um qualquer princípio de justiça.

João Brandão é uma personalidade da História recente, um exemplo do continuado poder político próprio dos caciques locais; e é muito em razão dessa «estrutura provinciana» que consegue integrar ainda hoje a cultura popular portuguesa. Como pretendi demonstrar.

Espero que gostem e possa ser útil na vossa vida pessoal e profissional, pelo menos.

Barra da Costa.

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Nota do editor:

quarta-feira, 20 de janeiro de 2016

Guiné 63/74 - P15641: Por Graça de Deus, Rei de Portugal e dos Algarves, d'Aquém e d'Além-mar em África, etc.: legislação régia (1603-1910) (5): crime & castigo, degredo para as praças de Cacheu e Bissau (1801), e para a Índia e Moçambique (1803)... E amnistia real a "todos os portugueses que se acharem presos, processados, desterrados, ou perseguidos por opiniões políticas", além de "todos os crimes de deserção simples, e agravadas, bem como todos os réus sentenciados por três anos a galés, degredo ou prisão dentro do reino ou fora dele" (Rio de Janeiro, 1826)



Portugal > Assembleia da República > Legislação Régia > DECRETO, 09 DE JANEIRO DE 1801
Decreto mandando destinar para Cacheu, e Bissáo todos os Reos que se acharem incursos em degredo para Africa
› D. JOÃO, REGENTE DO REINO (1792-1816), Livro 1791-1801




Portugal > Assembleia da República > Legislação Régia > DECRETO, 17 DE OUTUBRO DE 1803
Decreto para se commutar a pena de certos Réos em degredo para a India , e Moçambique
› D. JOÃO, REGENTE DO REINO (1792-1816), Livro 1802-1810





Portugal > Assembleia da República > Legislação Régia > DECRETO, 27 DE ABRIL DE 1826
Decreto concedendo Amnistia a todos os que se acharem prezos, processados, desterrados, ou perseguidos por opiniões politicas até á data deste Decreto, perdoando todos os crimes de deserção simples, e aggravada assim como a todos os Réos sentenceados por tres annos a galés, degredo, ou prizão dentro, ou fora do Reino, e aquelles, que estiverem nestas circumstancias , e que para cumprirem suas Sentenças lhes faltarem tres annos, quaesquer que forem os seus crimes.
› D. PEDRO IV (1826), Livro 1826 - 2º Sem




O último retrato Dom Pedro I do Brasil (e  depois IV de Portugal) (Queluz, 1798 . Queluz, 1834), c. 1830, da autoria do  pintor Simplício  Rodrigues de Sá (São Nicolau, Cabo Verde, 1785-Rio de Janeiro, 1839). O original está no Museu Imperial de Petrópolis, no Rio de Janeiro. Imagem do domínio público. Cortesia de Wikimedia Commons.

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Nota do editor:

Último poste da série > 16 de novembro de 2015 > Guiné 63/74 - P15374: Por Graça de Deus, Rei de Portugal e dos Algarves, d'Aquém e d'Além-mar em África, etc.: legislação régia (1603-1910) (4): aberto um crédito especial de 250 contos, em 27/2/1908 (escassas semanas depois do regicídio), para fazer face às despesaas com operações militares na "província da Guiné", ao tempo do governador Oliveira Muzanty, 1º tenente da armada

quinta-feira, 15 de outubro de 2015

Guiné 63/74 - P15255: Por Graça de Deus, Rei de Portugal e dos Algarves, d'Aquém e d'Além-mar em África, etc.: legislação régia (1603-1910) (1): a lei quando nasce é para todos...Um notável projeto da Assembleia da República, útil a todos aqueles que se interessam pela historiografia da presença portuguesa em África





Carta de Lei — prohibe fogos de artificio nas festas dos Santos
Sem Entidade, Livro 1603-1612

Portugal > Assembleia da República > Legislação Régia > 9 de janeiro de 1610 (Com a devida vénia)


Ficamos a saber, por carta de lei de 9/1/1610, ao tempo do rei Dom Filipe II (III de Espanha, Madrid, 1578-Madrid, 1621), que "brincar com o fogo", por ocasião das festas populares, podia ficar caro... Uma pena de degredo (para Angola e outros lugares de África, conforme a condição social do infrator), além de penas pecuniárias,  estava prevista para quem, em contravenção da lei, produzisse, vendesse ou lançasse fogo de artifício...

[Imagem à esquerda: Felipe III a caballo, óleo sobre lienzo, 300 x 212 cm, Madrid, Museo del Prado (tras la restauración hecha en 2011); autoria de Diego Velázquez y otros, 1634-35; documento do domínio público. Cortesia de Wikipedia]

Foi um rei da "monarquia dual", de triste memória, este tal Filipe II... Passou em Portugal uns meses, em 1619, de maio a outubro, mas devem ter-lhe rogado  tais pragas que adoeceu e nunca mais se restabeleceu, quando ia a caminho de casa, em Madrid,  vindo a morrer depois, em 31/3/1621, "de consciência pesada", no dizer da historiadora Fernanda Olival,  autora de uma sua recente biografia ("D. Filipe II, de cognome o Pio. Lisboa: Círculo de Leitores, 2005, coleção "Reis de Portugal", 320 pp,)... (LG)


1. Sobre a Legislação Régia: digitalização da coleção de legislação portuguesa desde 1603 a 1910


A Assembleia da República possui na sua Biblioteca uma coleção de legislação nacional que se estende desde o início do século XVII até à implantação da República em 1910, a qual representa um legado histórico de grande importância nacional, mas que permanece desconhecido da maioria da população e mesmo da comunidade científica e académica.

Inserido nas comemorações do centenário da implantação da República e tendo como objetivo principal a divulgação desta informação a toda a comunidade, a Assembleia da República entendeu realizar um projecto de digitalização de toda esta documentação permitindo, através da constituição de uma plataforma Web, a difusão generalizada da informação destes três séculos de legislação régia.

Para a realização deste projecto foi constituída uma biblioteca digital da legislação régia, para o qual foram digitalizadas 76.575 páginas dos 94 volumes da "Coleção da legislação portuguesa" desde 1603 a 1910 e dos 5 volumes de uma edição fac-simile das "Ordenações Manuelinas" que D. Manuel I promulgou em 1521.

Foram ainda digitalizadas e processadas 2.309 páginas de índices, recorrendo à utilização de OCR (reconhecimento ótico de carateres) e à subsequente correção ortográfica, de forma a possibilitar tanto a pesquisa em texto livre na ortografia original, como a pesquisa, na ortografia moderna, nos campos da base de dados identificados como "Ato legislativo" e "Entidade".

A plataforma Web que integra e disponibiliza toda esta informação foi desenvolvida de forma a permitir um acesso rápido e fácil à documentação digitalizada, através de mecanismos de pesquisa simples e avançada, com base nos metadados de classificação das obras, nos metadados recolhidos das páginas de índices e no texto das páginas dos documentos. Ela permite ainda uma navegação intuitiva, quer nas páginas do documento original, quer nos índices, bem como a utilização de zoom para uma visualização do documento num formato de alta definição.

Por outro lado, esta plataforma disponibiliza também um módulo de impressão de página, multi-página e edição completa, permitindo ainda a realização de download de PDF para leitura dos documentos em off-line.

A realização deste projecto só foi possível graças à preciosa colaboração da Biblioteca da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa e da Biblioteca da Ordem dos Advogados que nos cederam para digitalização os volumes em falta na coleção.

Biblioteca da Assembleia da República, 2010-12-21

Ficha Técnica:

Presidente da Assembleia da República: Dr. Jaime Gama
Secretária-Geral da Assembleia da República: Conselheira Adelina Sá Carvalho
Diretor de Serviços de Documentação, Informação e Comunicação: Dr. Rui José Pereira Costa
Coordenador do Projecto: Dr. José Luís Martins Tomé
Execução do Projecto: Hints – Tecnologias de Informação, Lda. em colaboração com a
Metatheke Software Lda., empresa spin-off da Universidade de Aveiro
Calendário de execução do Projecto: Maio a Dezembro de 2010