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quarta-feira, 30 de julho de 2014

Guiné 63/74 - P13448: Diário da CART 1742 (Mário Alves, 1.º Cabo Corneteiro) (4): Conclusão: Período entre Fevereiro e Junho de 1969 (Abel Santos)

1. Conclusão do "Diário da CART 1742" de autoria de Mário dos Anjos Teixeira Alves, 1.º Cabo Corneteiro, enviado ao Blogue pelo nosso camarada Abel Santos (ex-Soldado Atirador da CART 1742 - "Os Panteras" - Nova Lamego e Buruntuma, 1967/69).



Diário da CART 1742

Autoria de Mário dos Anjos Teixeira Alves
1.º Cabo Corneteiro
Guiné, 1967/1969

Este diário foi oferecido aos camaradas presentes no 9.º convívio da Companhia de Artilharia 1742, em Campeã - Vila Real de Trás-os-Montes em 25 de Maio de 2013.

Eis a razão
Dos momentos
Da nossa indisposição,
Mandaram-nos para a guerra
Sem a nossa opinião.
Por isso o Salazar
Não terá o nosso perdão.


Fevereiro 69 
Dia 7 - sexta-feira: 
Fui mais uma vez ver o Adão ao hospital, e ele disse-me que ia ser transferido para Portugal.
E tudo continuou normalmente até ao dia 14, sexta-feira, em que fui chamado à secretaria, e me disseram que a minha companhia tinha mandado uma mensagem para me apresentar, pois pensavam que eu já tinha sido operado, e que continuava cá desenfiado. Então, levei as guias que me deram na secretaria para ir ao hospital para as assinarem, mas como já era tarde, mandaram-me voltar na segunda-feira dia 17.
Nesse dia lá compareci, e o médico consultou-me, e disse que me queria voltar a ver na sexta-feira dia 21, e que depois decidia.

Dia 18 - terça-feira: 
É dia de carnaval em Portugal, mas aqui o carnaval é outro.
De manhã encontrei cá nos Adidos o 1.º Sargento da minha companhia, que me entregou o ordenado do mês anterior, e eu contei-lhe como estava a minha situação, sobre a qual ele se mostrou compreensivo. 

Dia 22 - sábado:
Faz 19 meses que deixámos Portugal a caminho desta terra.
Ainda continua cá o sargento Bonito, e pagou-me o corrente mês, e assim continuou tudo normal até ao dia 27.

Dia 28 - sexta-feira: 
Mais um fim do mês.
De manhã fui ao hospital, mas ainda não fiquei internado, e marcaram-me nova consulta para segunda-feira do próximo mês.

Março 69
Dia 3 - segunda-feira:
De manhã fui á consulta no hospital, e o médico que me consultava já não tinha forma de resolver o meu caso, e foi chamar o chefe da cirurgia. Estiveram a ver se havia vaga para os próximos dias, mas não conseguiram, e deram-me alta por 30 dias, com a possibilidade de poder ir à companhia.
De tarde fui à secção de transportes, e deram-me uma requisição para o avião Dakota. Assim, fui de seguida assinar a mesma ao quartel-general onde me marcaram passagem para o dia 5, quarta-feira.

Dia 4 - terça-feira: 
Andei a tratar das guias de marcha.

Dia 5 - quarta-feira:
Às 7h fui ter com o delegado do batalhão de Nova Lamego, e disse-me que o avião tinha ido fazer um voo a Cabo Verde e, que a viagem ficava cancelada. Fui então ao Q.G. marcar nova passagem para o dia 7.

Dia 6 - quinta-feira:
Entre outras coisas, levantei as guias de marcha para amanhã fazer a viagem.

Dia 7 - sexta-feira:
Fui novamente ter com o delegado do respectivo batalhão para me levar ao aeroporto, mas disse-me que tinham cancelado novamente a viagem para Nova Lamego. Então fui novamente fazer a apresentação à secretaria, por não ter ido de viagem.
Até ao dia 20 não consegui viagem alguma.

Dia 21 - sexta-feira:
Às 8h fui avisado para levantar as guias, visto que amanhã a lancha da marinha vai a Bambadinca, e todos os que estão aguardar viagem para aquela região vão poder fazê-la. Assim o esperamos.

Dia 22 - sábado: 
Fazemos 20 meses de missão.
Às 7h30 entrei na porta de armas, na viatura que nos levou ao cais, e depois foi um dia de juízo para embarcarmos, só partimos às 9h na dita L D M, e chegámos a Bambadinca às 16h, e aí pernoitámos.

Dia 23 - domingo:
Eu e um colega do batalhão de Nova Lamego, às 8h conseguimos transporte para Bafatá numa viatura que veio buscar gelo, onde chegamos às 9h30. Como não havia transporte para Nova Lamego, tivemos que nos apresentar à secretaria do esquadrão e assim pernoitamos cá

Dia 24 - segunda-feira:
De manhã saímos para ver se conseguíamos transporte, e encontrámos uma coluna de viaturas civis que iam a Bambadinca buscar material para a engenharia de Nova Lamego. Então os tropas que iam a fazer a escolta mandaram-nos esperar por eles. Por volta das onze horas fomos ao esquadrão levantar as guias, e às 12h30 eles chegaram, e assim partimos para Nova Lamego onde chegamos às 16h, de seguida fiz a apresentação no batalhão e cá pernoitei.

Dia 25 - terça-feira: 
Ao meio-dia estava a almoçar no refeitório, quando o sargento de dia me entregou as guias de marcha, e disse-me para estar às 14h no aeroporto para seguir de avioneta para Buruntuma.
Às 14h lá iniciei a viagem com o piloto Honório. Passados 30 minutos aterrámos em Piche, retomando a viagem em poucos minutos, viagem essa que terminou em Buruntuma às 15h.
Após cumprimentar os colegas fui à secretaria fazer a apresentação, e, como o meu camarada Oliveira estava a comer juntamente com os mecânicos, também acabei por comer com eles.
A partir de agora vou passar a dormir no abrigo 8.

Dia 26 - quarta-feira:
De manhã fui à enfermaria fazer o curativo e, expor o meu caso da consulta externa.
Até ao dia 31 segunda-feira, tudo normal.

ABRIL 69 
Dia 6 - domingo, Páscoa em Portugal: 
Mesmo assim, eu, o Oliveira, e os mecânicos arranjámos 6 frangos, e foram assados no forno com batatas, e apesar de já não haver cerveja há alguns dias, o alferes Cruz arranjou algumas na messe deles, e claro também almoçou connosco, tal como o furriel mecânico Neves.
A restante semana tudo normal, excepto a alimentação, já que vai faltando quase tudo, inclusivamente o pão.

Dia 13 - domingo:
Fui avisado que amanhã vai uma coluna a Piche, e eu vou com eles, para regressar a Bissau e tratar do meu problema de saúde.

Dia 14 - segunda-feira: 
Às 7h30 deixei Buruntuma definitivamente, e partimos em direcção a Piche onde chegámos às 10h30. Uma vez aí, encontrei alguns amigos da minha terra, e para bebermos algumas cervejas fomos ao comércio civil, pois na cantina também estavam esgotadas, tal como em Buruntuma. Também vai comigo para Bissau à consulta externa o cabo cozinheiro Saraiva e o Ribeiro, o furriel Pinto vai tratar de outros assuntos. Foi o Pinto que tratou da entrega das guias na secretaria.
À noite pernoitámos cá em Piche.

Dia 16 - quarta-feira:
Às 8h30 partimos numa coluna para Nova Lamego tendo cá chegado às 9h45. A seguir fui com o furriel fazer compras para mandar à companhia, e depois fomos entregar as guias na secretaria, e à noite cá pernoitámos.

Dia 17 - quinta-feira: 
Ainda continuámos cá em Nova Lamego, com a passagem do dia sossegado.

Dia 18 - sexta-feira: 
Às 9h45 fomos ao aeroporto aguardar que chegasse o avião Dakota, e ver se havia vaga para nos levar. Foi nos ditos que sim, e então fomos levantar as guias e às 10h45 partimos em direcção a Farim, onde aterrou por 10 minutos, e depois, seguimos para Bissau onde chegámos às 12h10. A seguir apanhamos boleia para os Adidos, onde entregámos as guias na secretaria, e assim passou mais um dia.

Dia 19 - sábado: 
Como é fim de semana não dá para tratar de nada, mas deu para dar um passeio por Bissau, tal como no domingo.

Dia 21 - segunda-feira:
De manhã fui ao hospital a uma consulta, e mandaram-me voltar na sexta-feira a fim de ser operado.

Dia 22 - terça-feira:
Completo 21 meses de missão. De resto tudo normal, tal como os dias 23 e 24.

Dia 25 - sexta-feira:
De manhã fui ao hospital e disseram-me para baixar já amanhã até ao meio-dia. De tarde entreguei nos Adidos o boletim da consulta, e da baixa para assinar, mas como o capitão da companhia estava ausente, não foi possível.

Dia 26 - sábado:
Às 10h o capitão assinou os documentos necessários e às 11h30 dei entrada no hospital, fiquei no pavilhão A, cama 31.

Dia 28 - segunda-feira: 
Pedi ao médico para não demorarem a operar, em virtude de estar a aproximar-se o dia de regressar a Portugal.

Dia 29 - terça-feira:
À noite avisaram-me para amanhã não tomar o pequeno-almoço, com a finalidade de ser operado.

Dia 30 - quarta-feira:
Às 9h45 levaram-me para a sala de operações e fui anestesiado, e acordei cheio de dores.
Foi uma tarde e noite difíceis.

Maio 69 
Dia 1 - quinta-feira: 
Um dia difícil com dores, tal como na sexta-feira, pois no sábado já comecei a resistir com mais facilidade.

Dia 4 - domingo:
Além das dores, fiquei triste com a notícia da morte por acidente de viatura de João Fernandes Caridade, um camarada da companhia.

Dia 5, 6 e 7: 
Tenho vindo a melhorar aos poucos.

Dia 8 - quinta-feira: 
De manhã tiraram-me os pontos na sala de tratamentos, e logo senti um grande alívio.

Dia 9 - sexta-feira: 
Ao fazer o curativo o enfermeiro disse-me que o golpe tinha aberto, e chamou o médico, este disse-me que foi por eu me ter posto de pé, mas já nada havia a fazer.

Dia 12 - segunda-feira: 
O médico disse que me ia propor alta, e que ficava em consulta externa a fazer o penso diário até que ficasse bom.

Dia 13 - terça-feira:
Foi-me dada alta da parte de tarde, então entregaram-me a roupa e as guias e passei para a enfermaria dos Adidos que também pertence ao hospital, se bem que continuo a ir ao hospital fazer o penso diariamente.
Foi o que aconteceu até ao dia 29, quinta-feira.

Dia 30 - sexta feira:
De manhã vi um desfile de militares chegados de Portugal, e fui fazer o penso ao hospital, à tarde fui até ao cais ver o NIASSA que os trouxe, e nos vai levar de regresso à nossa terra.

JUNHO 69 Dia 3 - terça-feira:
Chegou o 1.º sargento Bonito para tratar do assunto do embarque, e disse-me que a companhia chega depois de amanhã, ele fica instalado no quartel dos 600 em Sta. Luzia.

Dia 4 - quarta-feira:
De manhã fui ao hospital, e disse ao médico que ia embarcar no dia 6, e ele divertiu-se comigo, dizendo que não me dava alta e por isso eu ficava, mas lá ma passou, e deu-me uma carta para eu apresentar na enfermaria do barco para me fazerem o curativo.

Dia 5 - quinta-feira:
Fui à secretaria levantar as guias para passar para a minha companhia, visto que ela chega às 20h.
Ao meio da tarde fui para o cais à espera do meu pessoal, mas quando chegaram já eram 22h30, e com a demora do desembarque chegámos aos Adidos à meia-noite e meia.

Dia 6 - sexta-feira: 
Desde que chegámos, das 0h30 até às 6h30 estive com o meu colega Oliveira e o sargento Ribeiro a receber o fardamento, as armas e o restante material para entregar.
Depois fui feliz da vida dizer adeus a Bissau.
Às 16h regressei aos Adidos, e às 17h partimos para o local onde embarcámos, neste grande barco NIASSA, que à meia-noite deu a partida para a viagem tão desejada.

Niassa

Dia 7 - sábado:
Às 14h30 o barco fez uma curva e começaram os rumores que o barco voltava para Bissau, a fim de levar um furriel que estava em perigo de vida.

Dia 8 - domingo:
Às 6h acordei e ouvi o barulho de um helicóptero, então levantei-me e fui para o convés, ver o que se estava a passar. Então vi que o barco estava parado e o helicóptero fazia todas as tentativas para pegar no doente, mas não conseguia. Então, desceram uma baleeira e foram levar o doente a uma pequena ilha que se via à distância, e só lá o helicóptero consegui resgatar o doente, tudo isto se passou na região de Cabo Verde.
Às 7h30 o barco reiniciou a viagem.

Dia 9 - segunda-feira:
Continua tudo razoavelmente bem, embora com um pouco de enjoo, mas a ansiedade de chegar a Lisboa nada nos incomoda.

Dia 10 - terça-feira:
Tudo bem, embora tenha tocado o alarme de perigo para formarmos com o devido equipamento de salva-vidas mas nada passou de um simulacro.

Dia 11 - quarta-feira:
Quando tomávamos o pequeno-almoço deu para ver terra à distância, quando nos foi dito que eram as Canárias.
Às 13h voltou a tocar o alarme, e lá formámos de novo com os respectivos coletes salva-vidas, mas nada aconteceu de mal.

Dia 12 - quinta-feira:
Tudo continua bem.
À noite houve mais uma sessão de cinema como é habitual todas as noites, só que esta tem um significado especial, pois acreditámos que seja a última passada aqui no barco.

Dia 13 - sexta-feira: 
O dia mais alegre da vida até hoje.
Logo de manhã tirámos as malas do porão para o convés, às dez horas já começámos a ver terras e não deu para ver mais cedo por estar nevoeiro.
Às 11h chegámos ao cais de Alcântara, e às 12h30 desembarcámos dando assim largas aos abraços dos familiares que nos esperavam, e que assim faziam esquecer todo o sofrimento passado ao longo de quase dois anos.
Às 16h despedimo-nos desses familiares, e partimos de combóio para Penafiel, onde chegámos sábado dia 14 pela madrugada. Logo a seguir fizemos espólio da roupa que trazíamos vestida e a mochila com o restante, vestimos a roupa civil, dando um abraço de amizade aos camaradas, com o desejo de nos voltarmos a encontrar um dia.
Assim dei por terminada a minha missão obrigatória chamada de soberania, na dita Guiné, dando graças a Deus por me trazer de volta aos braços da minha família, e a esta terra querida do lugar do Cotorinho, Campeã, Vila Real.

Mário dos Anjos Teixeira Alves.
____________

Nota do editor

Vd. postes da série de:

24 de Julho de 2014 > Guiné 63/74 - P13434: Diário da CART 1742 (Mário Alves, 1.º Cabo Corneteiro) (1): Período entre Agosto de 1967 e Janeiro de 1968 (Abel Santos)

26 de Julho de 2014 > Guiné 63/74 - P13437: Diário da CART 1742 (Mário Alves, 1.º Cabo Corneteiro) (2): Período entre Fevereiro e Julho de 1968 (Abel Santos)
e
28 de Julho de 2014 > Guiné 63/74 - P13441: Diário da CART 1742 (Mário Alves, 1.º Cabo Corneteiro) (3): Período entre Agosto de 1968 e Janeiro de 1969 (Abel Santos)

segunda-feira, 28 de julho de 2014

Guiné 63/74 - P13441: Diário da CART 1742 (Mário Alves, 1.º Cabo Corneteiro) (3): Período entre Agosto de 1968 e Janeiro de 1969 (Abel Santos)

1. Continuação do "Diário da CART 1742" de autoria de Mário dos Anjos Teixeira Alves, 1.º Cabo Corneteiro, enviado ao Blogue pelo nosso camarada Abel Santos (ex-Soldado Atirador da CART 1742 - "Os Panteras" - Nova Lamego e Buruntuma, 1967/69).




Diário da CART 1742

Autoria de Mário dos Anjos Teixeira Alves
1.º Cabo Corneteiro
Guiné, 1967/1969

Este diário foi oferecido aos camaradas presentes no 9.º convívio da Companhia de Artilharia 1742, em Campeã - Vila Real de Trás-os-Montes em 25 de Maio de 2013.

Eis a razão
Dos momentos
Da nossa indisposição,
Mandaram-nos para a guerra
Sem a nossa opinião.
Por isso o Salazar
Não terá o nosso perdão.


AGOSTO 68
Dia 1 - quinta-feira:
De manhã, por opinião do nosso alferes Cruz, eu e o Oliveira resolvemos deixar de dormir na arrecadação, eu passei a minha cama para o abrigo 7 devido a fazer lá reforço, e o Oliveira continua a dormir no abrigo dos mecânicos.

Dia 2 - sexta-feira:
A manhã passou-se dentro da normalidade, e à tarde veio cá a avioneta com o correio.

Dia 3 - sábado:
De manhã andei ajudar a abrir uma vala no abrigo 7 e a recompor outra que não estava em condições.

Dia 4 - domingo:
Às 9h30 fui à enfermaria dar uma massagem na perna que já está quase boa. Como já há medicamentos para me tratar a fístula na agulha vertebral, deram-me duas injecções para esse efeito.

Dia 5 - segunda-feira:
De manhã foi o pessoal a Camajabá e trouxeram correio.
De tarde às 16h30 estivemos a receber lençóis e outras coisas do pelotão que amanhã vai render o outro que está em Camajabá e em Ponte Caium.

Dia 6 - terça-feira:
Às 13h chegou o pelotão que foi rendido e, estivemos distribuír-lhes entre outras coisas os respectivos lençóis, esses já não tem o mínimo de qualidade.

Dia 12 - segunda-feira:
Foi uma coluna a Bambadinca para reabastecimento da despensa.

Dia 14 - quarta-feira:
Às 11h chegou a coluna com os géneros de Bambadinca, e com o correio.

Dia 15 - quinta-feira:
Tivemos um almoço melhorado, em relação ao costume: batatas com bacalhau, por terem chegado ontem os géneros, ofereceram também uma cerveja pequena a cada um, por causa da vaca que ontem mataram, e não tinham a quem pagar, por outra forma, porque, de outra forma o nosso furriel vagomestre, Romão, só está bem a arranhar para dentro, tal como os macacos.

Dia 16 - sexta-feira:
Tivemos um jantar com alguns amigos, cabrito com batatas no forno e foi comido na arrecadação, acompanhado com uma respectiva cerveja.

Dia 18 - domingo:
Foi um dia bastante atribulado, mas compensado com um jantar de cabrito com batatas assadas no forno. Foi organizado pelo pessoal do nosso abrigo (7), para inaugurar as novas reparações. Participou também no jantar o sargento Bonito, o alferes Cruz, o furriel Nogueira e o furriel Amaro. Comeu-se bem e, bebeu-se ainda melhor sempre acompanhado de boa disposição.

Dia 21 - quarta-feira:
A avioneta veio trazer os frescos, frango e outros artigos.

Dia 22 - quinta-feira:
De manhã saiu uma coluna para Camajabá buscar correio, chegaram às 10h.
Ao meio-dia almoçámos frango e, também houve fruta-maçã, o que é difícil chegar à nossa cozinha.

Dia 27 - terça-feira:
Um dia aborrecido. Estivemos a receber material dos que vão ser transferidos para outra companhia, devido ao castigo que lhes foi aplicado, castigo esse que foi por se terem ausentado durante um ataque do IN, quando a companhia se encontrava no mato debaixo de fogo. Pelo que dizem, a maior culpa foi do alferes Magalhães do mesmo pelotão, que se dirigira aos outros comandos, e deixou as secções sozinhas, isto relatam os camaradas.

Dia 28 - quarta-feira:
De manhã saiu uma coluna para Nova Lamego, chegaram à noite e trouxeram correio.
O resto do dia correu tudo normal, e assim até ao dia 31.

Setembro 68
Dia 4 - quarta-feira:
Da parte de tarde a avioneta veio trazer correio mais o nosso capitão, que chegara de gozar férias em Portugal.

Dia 8 - domingo:
Ao meio-dia veio cá a avioneta para levar um doente para o hospital.

Dia 9 - segunda-feira: 
Ao meio-dia voltou a avioneta e trouxe correio. O resto do dia tudo normal.

Dia 12 - quinta-feira:
Eu, o Lemos e o nosso faxina da arrecadação, fomos ver se comprávamos um frango ou uma galinha mas não conseguimos, já nem com dinheiro se consegue o que é preciso, isto porque no rancho geral só há esparguete e vianda.

Dia 13 - sexta-feira:
Saiu uma coluna para Piche, e regressou às 13h30 com os dois obuses, e com o pelotão que trabalhava com eles. A seguir estivemos a armazenar os cunhetes das granadas dos ditos obuses. Depois distribuímos-lhes mantas, porque as que há são só fitas.

Dia 14 - sábado:
De manhã andámos nós e os mecânicos, a arranjar o chuveiro que serve a eles e, a nós. O conserto foi demorado, porque o dito chuveiro é montado em quatro paus ao alto e, depois umas travessas para aguentar com um bidão de 200 litros com uma torneira e uma lata de coca-cola na ponta para fazer de chuveiro. A água é abastecida com um carro próprio, sempre que possível, e assim é a forma de tomar banho em todos os destacamentos.

Dia 15 - domingo:
Veio cá a avioneta com correio, o resto do dia normal.

Dia 16 - segunda-feira:
Às 11h chegou a avioneta com o capitão de operadores dos obuses, que a seguir estiveram a fazer fogo com eles para um acampamento IN, que segundo eles fica a 10 quilómetros daqui, junto à fronteira.

Dia 21 - sábado:
Foi melhor que os dias anteriores, veio a avioneta trazer-nos correio, tirando isso tudo normal.

Dia 22 - domingo:
Dia especial, porque completámos 14 meses de comissão, e de tarde estivemos a ouvir o relato da bola, que hoje deu para ouvirmos através da emissora de Bissau, talvez daqui em diante utilizem o mesmo sistema, assim o esperamos.

Dia 23 - segunda-feira:
De manhã saiu a companhia para uma operação e, ao passar em Camajabá o capitão verificou que havia falta de luz e, mandou-nos preparar petromaxes para os enviar ao destacamento.
Junto à noite formou-se uma tempestade que tirou os oleados que servem de cobertura da arrecadação e, continuava a arrancar as chapas de zinco, mas ao fim de 15 minutos começou a reduzir a força do vento, e não causou mais estragos.

Dia 24 - terça-feira:
De manhã andámos a estender os oleados na cobertura da arrecadação e a tentar segurá-los o melhor possível. De tarde, em virtude de haver informações de que o IN está a 4 quilómetros, ou seja, na fronteira, preparados com artilharia pesada. A nossa aviação, os Fiat e os T-6, andaram a patrulhar a zona para verem se encontravam algo. Nós redobrámos as precauções, apesar de estarmos sempre à espera de novas visitas.

Dia 25 - quarta-feira:
Veio a avioneta civil trazer alimentos, os chamados frescos: frango, peixe, etc. Mas não trouxe correio.

Dia 26 - quinta feira:
Às 7h estivemos a dar material ao pessoal que vai fazer uma coluna a Bambadinca, e levaram os petromaxes para Camajabá. Até ao final do dia tudo continuou normal.

Dia 27 - sexta-feira:
De manhã o nosso capitão avisou o pessoal do abrigo 7, ao qual eu pertenço, pelo facto de estarmos perto da arrecadação, para montarmos segurança à avioneta que vem cá fazer uma evacuação.

Dia 29 - domingo:
Como não há missa, fui ao abrigo 7 arrancar alguns tomateiros que temos lá em alfobre e, plantei-os aqui junto à arrecadação.

Dia 30 - segunda-feira:
Após o almoço chegou a avioneta com o comandante do sector, vindo de Bafatá e com ele o major de operações. A avioneta regressou e eles ficaram.
À noite, já estávamos no abrigo, quando chegou a informação de que o inimigo estava a caminho daqui para nos atacar. Os obuses fizeram fogo a bater a zona indicada e, o certo é que IN não deu sinal, se vinham retiraram-se.

Outubro 68
Dia 1 - terça-feira
Às 8h chegou a avioneta para levar o comandante e o major. Também nos trouxe correio.

Dia 3 - quinta-feira:
Após o meio-dia veio a avioneta trazer o 1.º sargento Bonito, que estava em Nova Lamego, e veio também o capitão do Batalhão que ficará cá alguns dias.

Dia 4 - sexta-feira:
O capelão rezou uma missa pelo falecido Bagaço, morto durante um ataque que sofremos a 28 de Julho. Como não há capela, a missa foi ao ar livre, e só foram à missa os que não estavam em serviço, como é óbvio.

Dia 5 - sábado:
Em virtude de ser feriado, às 7h foi um milícia chamar-me ao abrigo para ir à arrecadação dar-lhe a bandeira, nós, no abrigo ignorávamos que àquela hora havia missa. Assim eu ainda participei. Restante dia tudo normal.

Dia 6 - domingo:
E hoje sim, um domingo com possibilidade de assistir à missa, o que já não acontecia desde que saímos de Nova Lamego. A missa foi às 16h.

Dia 7 - segunda-feira:
Às 8h fui à missa, e de tarde o nosso capitão chamou-me para eu marcar o mês de férias o qual já lhe tinha pedido, e então marquei entre o dia 1 e o dia 5.

Dia 8 - terça-feira:
Como o capelão vai embora, às 8h rezou uma missa tendo antes confessado o pessoal todo ao mesmo tempo. Este foi um bom dia, porque além de nos termos confessado ainda tomámos o Senhor.

Dia 9 - quarta-feira:
Ao meio-dia chegou a coluna de Bambadinca com os géneros e algum cimento.

Dia 12 - sábado:
Nós, os do abrigo 7, passámos a manhã a esticar o arame farpado que pertence à zona do abrigo.
Após o meio-dia, veio a avioneta e trouxe correio.
Restante dia tudo normal.

Dia 16 - quarta-feira:
Das 7h às 9h eu e o Oliveira andámos a cavar terra no pequeno quintal para plantarmos mais crugidades (cultivos de horta).
De tarde veio a avioneta trazer frescos e o correio, que é o que nós aguardamos com mais ansiedade.

Dia 18 - sexta-feira:O meu turno de reforço foi das 3h às 5h, e a seguir estive a dar material – picas – ao pessoal que vai a Piche buscar um pelotão, que vem reforçar-nos enquanto a nossa companhia vai fazer uma operação às 10h.
Chegaram e estivemos a dar-lhes colchões e mantas para eles dormirem distribuídos pelos abrigos.
Também chegou o sargento Ribeiro com uma encomenda para o Oliveira, que os pais lhe mandaram.
De tarde distribuímos material ao nosso pessoal que vai fazer uma operação.
À noite o Oliveira ofereceu presunto, o Ribeiro também comeu, e até pagou umas cervejas.

Dia 19 - sábado:
De manhã, nós e o sargento Ribeiro, estivemos a receber os lençóis velhos e fronhas, e a entregar novos ao pessoal que não foi para a operação.
Às 10h30 chegou a avioneta com armas G3 novas e os respectivos carregadores, mas não trouxe correio.
De seguida conferimos todo o material, e de tarde metemos-lhes as bandoleiras para entregarmos o mais rápido possível aos homens a quem foram destinadas.
Às 17h30 chegou o pessoal da operação que correu bem.

Dia 20 - domingo:
De manhã continuámos a trocar os lençóis e fronhas aos que ontem chegaram da operação. A seguir, estivemos a encartar os lençóis velhos para os mandar para Bissau, quando os pedissem.
À noite houve informações de que tinha passado a fronteira, um grupo de 200 homens para atacarem um destacamento desta zona, e daqui transmitiram a mesma informação para Nova Lamego, Piche Camajabá e Ponte Caium. Nós preparámo-nos para receber esses amigos.
Às 21h os obuses bateram toda a fronteira que lhe estava ao alcance e à meia-noite voltaram a fazer o mesmo, mas retaliação não houve.

Dia 21 - segunda-feira:
Às 4h, os obuses voltaram a fazer fogo batendo novamente a zona, e só pararam às 7h, mas não houve notícias os amigos tivessem aparecido em qualquer destacamento.

Dia 22 - terça-feira:
Fazemos 15 meses de comissão e, cá vamos andando dentro do possível.

Dia 23 - quarta-feira:
A avioneta civil veio trazer frescos, mas não trouxe correio.

Dia 24 - quinta-feira:
Nós e o sargento Ribeiro andámos a conferir armas entre outras coisas, que já não funcionam bem, para serem enviadas para Bissau. Eu entretanto fui à cozinha buscar as sardinhas a que tínhamos direito e assámo-las, tendo também almoçado connosco o sargento Ribeiro.
Restante dia normal.

Dia 26 - sábado:
Esteve cá o Lima, carpinteiro, a preparar uns caixotes para mandar com armamento velho para Bissau.

Dia 28 - segunda-feira:
Ao meio-dia veio a avioneta trazer algumas armas G3 novas, veio também o furriel mecânico de armas e também o correio.

Dia 29 - terça-feira:
De manhã o furriel mecânico de armamento experimentou as bazucas que tinha reparado, e dos lados de Kandicá responderam também com armas pesadas, das quais duas granadas rebentaram muito perto do nosso destacamento, o que nos levou a reforçar de cautelas para esperarmos pelas visitas pela noite, mas tal não aconteceu.

Dia 30 - quarta-feira:
De manhã o mecânico esteve cá na arrecadação a reparar as avarias de algumas G3 de colegas nossos e continuou de tarde.
Às 23h estava eu a sair de reforço e os obuses fizeram fogo a bater a zona, para o IN não tentar qualquer aproximação.

Dia 31 - quinta-feira:
Às 6h os obuses voltaram a fazer fogo com o mesmo sentido, e repetiram a dose às 11h, enquanto nós, e o furriel mecânico de armamento continuámos a reparar algumas armas, e assim findou mais um mês.

Novembro 68
Dia 2 - sábado:
Às 6h foram-me chamar ao abrigo para dar picas, pois a companhia vai a Piche buscar dois pelotões para se concluir uma operação.
Também veio um pelotão de Nova Lamego para reforço, chegaram às 11h e trouxeram correio.
Resto do dia tudo normal.

Dia 3 - domingo:
Às 14h30 vim eu e o Oliveira à arrecadação dar material à malta que ia fazer a operação. Foi o pessoal da nossa companhia e dois pelotões que vieram para esse efeito.
Às 16h30 chegaram os bombardeiros e o helicóptero para apoio do pessoal.

Dia 4 - segunda-feira:
De manhã chegou o pessoal da operação que correu bem.
De tarde estivemos a receber o material (mantas, etc.) que tínhamos distribuído aos três pelotões que vieram reforçar-nos, e que amanhã vão para as suas companhias, em Piche e Nova Lamego.

Dia 5 - terça-feira:
Ao meio-dia veio a avioneta com o comandante de Nova Lamego que veio despedir-se da companhia, pois vamos passar a pertencer a um Batalhão que vem para Piche, aquartelamento em que só existia uma companhia. Também nos trouxeram correio.

Dia 7 - quinta-feira:
Após o meio-dia, chegou a avioneta com um capitão que já cá tinha estado em 64, a população fez-lhe uma festa formidável, em agradecimento ao tempo em que ele cá esteve, e que pelos vistos deixou saudades.

Dia 8 - sexta-feira:
Dia do meu aniversário.
De manhã começaram a preparar a coluna para ir a Bambadinca aos géneros e eu, ao saber disso, fui à secretaria para ver se podia ir com eles, gozando assim a minha licença. Então disseram-me que só podia ir no regresso da coluna, com as viaturas militares e civis de Nova Lamego, e como era para gozar a licença, ainda não sabiam a certeza dos que iam.
De tarde o nosso capitão chamou-nos e disse que eu podia preparar a mala juntamente com mais 7 colegas.

Dia 9 - sábado:
Preparei a mala para estar pronto para partir no dia seguinte rumo a Bissau.

Dia 10 - domingo:
Às 11h chegou a coluna e, como estava previsto parti para Nova Lamego, onde chegamos às 16h30 e lá pernoitei.

Dia 11 - segunda-feira:
Logo de manhã entreguei a arma na arrecadação do Batalhão, e de seguida fomos tentar arranjar viagem no avião Dacota para Bissau, mas já estava completo, mas havia uma coluna para Bambadinca, nós aproveitamos a boleia, onde chegamos às 14h.
Às 15h abriu a secretaria, fomos fazer a apresentação, e disseram-nos para ir ver se os barcos que estavam na doca nos podiam levar, encontrámos um que saía às 2h30 e lá fomos. Até lá demos um passeio por Bambadinca, e às 21h assistimos a um magusto que o batalhão ofereceu por ser dia de S. Martinho.
Também estava lá algum pessoal de uma escolta, a qual tinha sido atacada nas proximidades do Xitole, entretanto chegaram alguns feridos, e um soldado nativo morto.

Dia 12 - terça-feira:
Às 2h30 partimos no barco chamado Girassol rumo a Bissau.
Às 8h30 o barco ficou preso na areia, devido a maré ter baixado e não ter tido tomado a rota mais aconselhável.
Assim, só às 13h a maré começou a encher, e então recomeçámos a viagem, tendo chegado a Bissau às 19h30. Logo fomos a uma pensão comer, e a seguir tratámos de arranjar transporte para os Adidos, como a secretaria estava fechada ficámos lá a pernoitar.

Dia 13 - quarta-feira:
Às 8h fomos entregar as guias à secretaria, de seguida fomos arranjar pensão para passar o mês, que ficou por 1700 pesos, comer e dormir, fora as bebidas.
Às 14h fui à escola de condução para tirar a carta de condução de ligeiros e pesados.

Dia 14 - quinta-feira:
Comecei as aulas e assim continuei todos os dias, excepto aos domingos.
Só o dia 27, quarta-feira, é que foi diferente, porque recebi cá em Bissau o 1.º correio e dinheiro dos meus pais.
Até ao fim do mês tudo normal.

DEZEMBRO 68
Dia 1 - domingo:
Um dia mais próprio para dar um passeio pela cidade, de resto tudo normal até sexta-feira, dia em que meti o pedido na escola para ir a exame, dia 10 ou 11.

Dia 7 - sábado:
O Sr. Ramos, dirigente da escola de condução, chamou-me para me dizer que o meu registo criminal estava caducado, e por tal não podia pedir o exame, mas consegui que ele mo pedisse com urgência para Portugal, a ver se ainda era possível ir a exame, mesmo atrasando a minha ida para a companhia.

Dia 9 - segunda-feira:
Fui ao médico dos Adidos devido à fístula da agulha vertebral, e então ele marcou-me uma consulta para o hospital, e logo me alertou que tinha que ser operado.

Dia 10 - terça-feira:
Além da escola, fui à secretaria dos Adidos entregar a guia da consulta para o comandante assinar.

Dia 11 - quarta-feira:
Em virtude de me terminar a licença fui aos Adidos fazer a apresentação, e levantei a guia para ir à consulta externa, e agora fico a pertencer aos Adidos até que tudo esteja resolvido.

Dia 13 - sexta-feira:
Fui à consulta e fizeram-me algumas análises.

Dia 14 - sábado:
Voltei ao hospital para fazer mais análises, e fui avisado para marcar a passagem na segunda-feira para regressar à companhia.

Dia 16 - segunda-feira:
Às 7h30 fui à secção de transportes expor o meu caso, tinha consulta marcada para hoje no hospital, e então cancelaram a minha viagem, mas no hospital mudaram a consulta para amanhã.

Dia 17 - terça-feira:
Às 15h fui ao hospital e foram-me entregue os resultados das análises para entregar ao médico, mas hoje não o encontrei.

Dia 18 - quarta-feira:
Também não foi possível encontrá-lo, e só fui possível ter consulta dia 20, sexta-feira às 9h, e aí o médico mandou-me fazer mais análises, e nova consulta para o dia 27.

Dia 22 - domingo:
Faz 17 meses que saímos de Lisboa a caminho desta pobre Guiné.
Restante dia tudo como dantes e assim até ao dia 23, segunda-feira.

Dia 24 - terça-feira:
Dia de consoada. Fui passar o Natal com o amigo Libânio ao quartel da Amura. Foi uma ceia muito bem festejada.

Dia 25 - quarta-feira, dia de Natal:
Almocei cá nos adidos, e também foi um almoço natalício muito bom para o lugar que é.
À noite fui jantar à Amura com o amigo Libânio.

Dia 26 - quinta-feira:
Fui ao hospital tirar sangue para análise.

Dia 27 - sexta-feira:
Fui à consulta, mas esta foi mudada para dia 3 do próximo mês, e próximo ano.
E assim até ao dia 31 terça-feira e fim do ano.
Na passagem de ano também ofereceram um jantar melhorado, e assim terminou o ano 68.

ANO 1969
JANEIRO
Dia 2 - quinta-feira:
Chegou o registo criminal e fui à escola para marcarem o exame, o qual ficou marcado para o dia 7.

Dia 3 - sexta-feira:
De manhã fui ao hospital à consulta, e deram-me alta até ao dia 17, dia em que vou ser internado para me operarem.

Dia 5 - domingo:
Fui à secretaria falar com o primeiro-sargento, e ele chamou o delegado do batalhão a que pertence a minha companhia, para lhe entregar a guia de consulta externa para a mandar ao nosso capitão para a assinar. Só assim podia ser operado.

Dia 7 - terça-feira:
Dia do meu exame de condução de ligeiros e pesados profissional.
Às 16h começou o de código, e a seguir a mecânica, e finalmente a condução. Correu tudo bem, felizmente.
A partir daí foi festejar.
Tudo se passou normalmente até ao dia 12, domingo.

Dia 13 - segunda-feira:
Chegaram quatro colegas da minha companhia, que vêm gozar licença, e trouxeram-me boas notícias da companhia, o correio, e o dinheiro do mês de Novembro e Dezembro.

Dia 14 - terça-feira:
Tudo normal e assim até ao dia 24 em que faz três anos que assentei praça em Vila Real, e assim continuou até ao dia 28, terça-feira.

Dia 29 - quarta-feira:
À noite encontrei-me com um cabo da companhia que tinha chegado ferido com mais dois, um dos quais chamado Adão que é da Amarante, este ficou sem a perna direita numa armadilha, que rebentou a uma pequena distância de Buruntuma, durante a patrulha que hoje de manhã andaram a fazer.

(Continua)
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Nota do editor

Último poste da série de 26 de Julho de 2014 > Guiné 63/74 - P13437: Diário da CART 1742 (Mário Alves, 1.º Cabo Corneteiro) (2): Período entre Fevereiro e Julho de 1968 (Abel Santos)

sábado, 26 de julho de 2014

Guiné 63/74 - P13437: Diário da CART 1742 (Mário Alves, 1.º Cabo Corneteiro) (2): Período entre Fevereiro e Julho de 1968 (Abel Santos)

1. Continuação do "Diário da CART 1742" de autoria de Mário dos Anjos Teixeira Alves, 1.º Cabo Corneteiro, enviado ao Blogue pelo nosso camarada Abel Santos (ex-Soldado Atirador da CART 1742 - "Os Panteras" - Nova Lamego e Buruntuma, 1967/69).




Diário da CART 1742

Autoria de Mário dos Anjos Teixeira Alves
1.º Cabo Corneteiro
Guiné, 1967/1969

Este diário foi oferecido aos camaradas presentes no 9.º convívio da Companhia de Artilharia 1742, em Campeã - Vila Real de Trás-os-Montes em 25 de Maio de 2013.

Eis a razão
Dos momentos
Da nossa indisposição,
Mandaram-nos para a guerra
Sem a nossa opinião.
Por isso o Salazar
Não terá o nosso perdão.


FEVEREIRO 68
Dia 1 - quinta-feira, às 16h:
Ouvi um alarido e saí para ver o que se passava. Era a arrecadação de géneros e a enfermaria a arder. Vieram os carros de água do Batalhão, mas não conseguiram apagá-lo, pois a cobertura era de capim.

Dia 2 - sexta-feira:
O pessoal na limpeza ao espaço que ardeu.

Dia 3 - sábado:
De manhã estivemos a preparar o material, e à tarde foi entregue aos pelotões que vão montar segurança em redor de Nova Lamego ao presidente Américo Tomás, mas houve camaradas que passaram a noite todos encharcados, já que na travessia de um riacho desequilibraram-se do tronco de uma árvore que fazia de ponte, e um deles foi o Abel Santos. Até as ruas estão todas enfeitadas para ele pensar que isto é um paraíso.

Dia 4 - domingo, às 8h
Chegou o tal presidente da República Américo Tomás, mas nós não podíamos sair, para estarmos preparados para algo de estranho, mas correu tudo bem.
Às 13h3o chegaram os pelotões que tinham ido montar segurança.

Dia 6 - terça-feira:
Chegaram os furriéis com o armamento do Batalhão para o prepararmos, a companhia ia sair no dia seguinte, e nós tivemos de fazer serão a introduzir munições nos carregadores e a pôr o material todo em ordem.

Dia 7 - quarta-feira de manhã:
Estivemos a entregar o material aos pelotões que vão fazer escolta a Béli

Dia 12 - segunda-feira, às 16h:
Chegou a companhia da escolta a Béli que fica na zona de Madina.
No regresso hoje de manhã, entre o Che-Che e Canjadude, uma mina rebentou debaixo de uma das Daimler. Morreu o condutor, e o apontador ficou gravemente ferido, eram do pelotão Daimler, que estavam prestes a ir embora.
O IN não ataca a escolta, porque a aviação faz segurança voando sobre o trajecto que era percorrido pela companhia, por isso só com minas os cobardes faziam asneiras.

Foto da Daimler

Dia 21 - quarta-feira:
Chegou o furriel Nogueira para darmos material ao pelotão dele porque ia sair, mas depois houve novas ordens: já não era preciso e voltaram a entregar o material.

Dia 22 - quinta-feira, das 20h às 23h:
Estivemos a ver cinema cá no destacamento, veio cá o furriel Foto-Cine a pedido dos nossos furriéis e oficiais.

Dia 23 - sexta-feira:
Houve correio e voltámos a ver cinema à mesma hora de ontem.

Dia 25 - domingo:
Carnaval em Portugal, mas aqui contínua tudo mais ou menos o mesmo continuando assim segunda e terça-feira de carnaval.

Dia 28 - quarta-feira:
Parte do dia estive a preparar material, porque a companhia vai sair.

Dia 29 - quinta-feira de manhã:
Entregámos o material à companhia que saiu às 7h30 para fazer mais uma escolta a Madina do Boé.

MARÇO 68
Dia 1- sexta-feira:
Dia de correio e, como sempre quando a companhia sai nós temos que fazer de cabos de dia, da guarda e reforços etc.

Dia 2 - sábado:
Recebi uma encomenda que os meus pais me mandaram. O restante tudo normal.

Dia 4 - segunda-feira, às 15h:
Chegou o pessoal da escolta a Madina, em que houve grande azar, além de terem levantado quatro minas, uma rebentou numa viatura que ficou danificada, mas só o alferes Cruz é que ficou com uns ligeiros ferimentos com as areias felizmente.
Tudo normal.

Dia 6 - quarta-feira:
Na formatura do almoço esteve cá o comandante do Batalhão a dar um elogio ao bom comportamento da nossa companhia.

Dia 7 - quinta-feira de manhã:
Entregámos material a um pelotão que saiu de tarde, esteve cá o sargento Ribeiro e estivemos a conferir material.

Dia 8 - sexta de manhã:
Demos material a dois pelotões que saíram, e a seguir continuámos a conferir material com o sargento Ribeiro.

Dia 10 - domingo de tarde:
Os fulas fizeram uma festa com o batuque deles em frente ao destacamento, tirando isso tudo normal, e assim continuou até ao dia 15, dia em que chegou o correio.
À tarde pelas 18h fui á missa em honra do furriel que morreu em Buruntuma.

Dia 19 - terça-feira de manhã: 
Estivemos eu e o Oliveira como sempre, a preparar o armamento a municiar os carregadores da Drayse e fitas da MG42 etc.
De tarde fizemos a entrega do material à companhia que amanhã vai fazer mais uma escolta a Béli, e depois do jantar distribuímos mantas ao pelotão de Canquelifá, que vem para nos ajudar a fazer a segurança cá no destacamento, como sempre.

Dia 20 - quarta-feira, às 5h da manhã:
Chegou o nosso capitão e um condutor para carregar as munições, e continuámos a dar o restante material, o que ainda era necessário, e lá partiram às 6h.
À tarde estivemos a arrecadar o material da companhia de Fá, que ficam cá hoje, para irem amanhã fazer uma operação.

Dia 21- quinta-feira, às 3h da manhã:
Veio a companhia de Fá levantar o material que nós guardámos ontem.
Às 7h30 chegou uma GMC com material da mesma companhia, pois quando caminharam a pé, não o puderam levar todo e deixaram-no aqui guardado.
Também foi dia de correio.

Dia 22 - sexta-feira: 
Faz oito meses que embarcámos em Lisboa.
De dia tudo normal, mas à noite não havia pessoal para fazer reforço. Depois resolveram que seria o pelotão de Canquelifá a fazê-lo, os quais normalmente só estão de prevenção.

Dia 23 - sábado, às 21h45:
Chegou a companhia de Fá e estivemos a arrecadar o material deles. Eles disseram-nos que tinha corrido tudo bem.

Dia 24 - domingo, às 17h30:
Chegou a nossa companhia da escolta a Béli. Correu tudo bem felizmente, e assim estivemos a receber o material, e depois distribuir mantas ao pelotão de Fá que esteve de serviço.

Dia 26 - terça-feira, de manhã:
Demos material a diversos da companhia para irem fazer algumas demonstrações para filmar, e às 18h30 vieram entregar esse material.

Dia 27 - quarta-feira:
De manhã estivemos a fazer limpeza a algum material, de tarde tudo normal.

Dia 28 - quinta feira, às 13h:
Houve ordens para a companhia sair imediatamente e estivemos a entregar-lhe o material, às 17h30 chegaram novamente.
A operação que foram fazer foi em perseguição a um grupo IN, mas como não os encontraram, não demoraram muito.

Dia 29 - sexta-feira:
Dia de correio, e depois tudo normal tal como no dia 30 e 31, em que termina mais um mesito.

ABRIL 68
Dia 1 - segunda-feira de manhã:
Estivemos a descarregar os carregadores das Drayses, que são armas para entregar ao Batalhão.
Às 10h recebemos o pré que habitualmente se recebe no dia 1 de cada mês.
Às 16h estivemos a distribuir material a todos os pelotões da companhia, que amanhã vão fazer uma operação.

Dia 2 - terça-feira:
Sai a companhia para a dita operação.

Dia 3 - quarta-feira, às 17h30:
Chegou a companhia da operação que haviam feito e tudo correu bem felizmente.
E assim tudo continuou normal até ao dia 7 domingo, dia em que o Oliveira partiu no Dacota para Bissau, para ir passar férias em Portugal.

Dia 10 - quarta-feira, de manhã:
Estive a encaixotar material para levarmos a um novo destacamento que segundo dizem, será Buruntuma. E assim tudo normal até ao dia 12, em que às 16h formou a companhia, e dois pelotões receberam ordens para preparar tudo, para amanhã irem para o nosso novo destacamento: Buruntuma.

Dia 13 - sábado, às 5h da manhã:
Vieram os dois pelotões levantar as armas pesadas para levar, e entregar o resto do material que fica nesta arrecadação, também foi outro pelotão escoltá-los, o qual chegou às 13h30.
À noite chegou a companhia PIRIQUITA que nos vem substituir.

Dia 14 - domingo, dia de Páscoa na Metrópole:
Continuei a receber material que era para ficar e, distribui mantas ao nosso pessoal para dormir, porque a caserna foi entregue à nova companhia.

Dia 15 - segunda-feira:
Após o café estive a receber as mantas do nosso pessoal, as quais voltei a entregar à noite, visto que ainda cá continuámos, entreguei também material à companhia nova para amanhã irem fazer uma escolta a Madina.

Dia 17 - quarta-feira, das 5h30 às 7h30:
Estivemos a carregar material para o primeiro pelotão levar para Buruntuma. O sargento Ribeiro foi levantar à arrecadação de lá, e eu fiquei a entregar nesta.
Junto com o furriel Carrola, às 10h, começámos a conferir o material com o 1.º sargento da nova companhia mas de tarde interrompemos por termos recebido a notícia que na escolta a Madina rebentou uma mina, tendo morrido um alferes, e um cabo ficou sem uma perna, e o 1.º sargento deles teve de tratar desses assuntos, mau começo para esses rapazes.

Dia 18 - quinta-feira:
Eu e o quarteleiro da nova companhia continuámos a conferir o material e, no dia 19 prosseguimos com a ajuda do 1.º sargento e do furriel Carrola e assim continuámos no dia 20.

Dia 21 - domingo:
Continuámos no mesmo trabalho e, às17h chegou a companhia PIRA da escolta a Madina, que no regresso foram atacados ao atravessar na jangada o rio Corubal no Che-Che. Houve um soldado e um 1.º cabo, que eram da CCS, que ficaram afogados no rio e não mais apareceram.

Dia 22 - segunda-feira:
Continuámos a conferir o material, quando acabámos o 1º sargento abriu a cantina e pagou umas cervejas ao quarteleiro dele, a mim e ao furriel Carrola.

Dia 23-terça feira:
Depois das 6h andei a carregar o que me competia trazer, a própria bagagem, etc.
Às 7h30 iniciámos a viagem para Buruntuma onde chegámos às 11h30 e, assim tomei conta da nova arrecadação.

Dia 24 - quarta-feira:
Andei a arrumar o material que veio de Nova Lamego e à noite fiz uma hora de reforço, o que irá acontecer todos os dias, visto que as secções dos pelotões estão distribuídas cada uma em seu abrigo, e dá para todos fazerem uma hora por noite.

Dia 26 - sexta-feira, de manhã:
A companhia que vai embora, esteve a carregar o material para estarem prontos para irem manhã cedo.

Dia 27 - sábado:
Às 5h a companhia velha partiu para a Peluda e, foi um pelotão nosso montar segurança e, levou algum material para o destacamento de Camajabá e ponte do rio Caium, onde temos pessoal, instalado.

Dia 30 - terça-feira:
De tarde houve correio e pré, o nosso capitão mesmo aqui no cúmulo do mato e, na fronteira com a Guiné Conacri, exigiu que fossemos receber devidamente fardados.

MAIO 68
Dia 5 - domingo:
Após o meio-dia chegou a coluna com os géneros e o correio e, voltou novamente outro pelotão em outra coluna, para trazer mais géneros, para evitar que aconteça termos só bianda (arroz) para o pessoal comer, como andámos já há bastantes dias.
E assim continua tudo normal até ao dia 10.

Dia 10 - sexta-feira:
Dia em que houve correio, que é sempre um dia especial.
E assim tudo continuou bem até dia 14, em que o capitão me mandou chamar cedo para lhe entregar material, para a companhia sair para uma pequena operação.
Chegaram às 11h30, tendo corrido tudo bem.
Até ao dia 16 tudo normal.

Dia 17 - sexta-feira:
Às 5h estive a entregar material à companhia, pois iam fazer uma coluna para reabastecimento de géneros e não só.

Dia 18 -s ábado:
Chegou a coluna com toda a normalidade e, assim tudo normal até ao dia 21.

Dia 22 - quarta-feira:
Faz 10 meses que correspondem a 10 anos, que embarcámos em Lisboa.

Dia 23 - quinta-feira:
Começamos com o arranjo do nosso abrigo (7), que estava a abater. Os abrigos são cobertos por troncos de árvores grossas, colocadas lado a lado, e a seguir levam chapas de bidões abertos e, por cima algum cimento com areia. Por fim uma boa altura de terra para estarmos mais abrigados das granadas e morteiradas do IN.

Dia 24 - sexta-feira:
Fomos arrastar troncos até dia 26.

Dia 27 - segunda-feira:
Chegou o Oliveira (colega da arrecadação) de gozar a licença em Portugal, mas os trabalhos no abrigo continuam e assim até ao dia 30.

Dia 31- sexta-feira:
Término dos trabalhos no abrigo.

JUNHO 68
Dia 5 - quarta-feira:
Ao meio-dia chegaram os camaradas que foram ajudar a fazer a escolta a Madina e, trouxeram o correio.

Dia 8 - sábado de manhã:
Estivemos a dar material à companhia que foi a Bambadinca aos géneros, os quais chegaram dia 9 às 13h. Também trouxeram correio, tendo sido assim um bom domingo para todos.

Dia 10 - segunda-feira, de manhã: 
Recebemos o material de aquartelamento, da secção que vai para Béli juntar-se ao pelotão que já se encontra em Madina do Boé há alguns dias, mantendo-se a normalidade até ao dia 14.

Dia 15 - sábado de manhã:
Estivemos a dar material aos que vão fazer a coluna a Bambadinca.

Dia 16 - domingo de tarde:
Vieram cá os de Canquelifá e, trouxeram o correio, até ao dia 21 tudo normal.

Dia 22 - sábado:
Faz onze meses que deixámos Portugal.
Depois ao meio dia veio cá o nosso Governador e Comandante-Chefe, o que para nós foi muito agradável.

Dia 26 - quarta-feira:
Hoje saiu a companhia para fazer a operação mensal, tendo corrido tudo normalmente. Prolongando-se assim até ao dia 29.
Fim do mês.

JULHO 68
Dia 1-segunda feira:
É dia de pré e restante tudo normal até ao dia 6.

Dia 7 - domingo:
De manhã os oficiais e sargentos tiveram uma festa de anos, e o nosso capitão queria que eu fosse tocar o clarim para hastear a bandeira, mas os mesmos não estavam em condições, não podendo assim satisfazer-lhe a vontade.
Ao meio-dia chegou o pelotão que tinha ido para Madina, tendo estado ultimamente, no Che-Che.
O pelotão que estava cá que era de Piche regressou à companhia.
E por cá correu tudo dentro da normalidade até ao dia 10.

Dia 11 - quinta-feira:
Às 11h saiu uma coluna para a Bambadinca buscar géneros, e fui também com eles, para ir a Nova Lamego ao médico, derivado a uma fístula.
Ao chegar a Nova lamego, o Moura atropelou uma criança que acabou por morrer.
Quando chegámos o médico já não me consultou por ser tarde, e então ficamos lá.
No dia seguinte às 6h, fui com o meu pessoal a Bambadinca carregar as viaturas. No regresso avariaram algumas e só chegamos a Nova Lamego de noite, onde pernoitamos.

Dia 13 - sábado:
De manhã, a coluna não podia esperar que eu fosse ao médico, então eu regressei com eles mesmo sem ter sido consultado.
As coisas foram correndo bem até ao dia 16.

Dia 17 - quarta-feira:
De tarde veio cá a avioneta e trouxe correio.

Dia 20 - sábado:
Às 10h o furriel enfermeiro veio avisar-me que vai uma escolta a Bambadinca perguntando-me se eu queria ir ao médico, e eu respondi-lhe que desta vez não vinha embora sem ser consultado, aproveitei e partimos ao meio-dia e trinta, chegando a Nova Lamego às 16h, onde fomos logo à consulta, passando cá a noite.

Dia 21 - domingo:
Às 6h30 continuámos a viagem para Bambadinca onde chegámos às 10h30, e ainda assistimos à missa que estava a ser celebrada na capela.
Às 14h30 já os carros estavam carregados e começámos a viagem de regresso.
Depois de Bafatá, o Matos que era o condutor da viatura em que eu seguia, deixou-a encostar demasiado à berma e eu, que trazia o joelho da perna esquerda um pouco saliente, ao chocar com o taipal com uma árvore pensei ter fracturado o mesmo, mas felizmente só ficou pisado.
Ao chegar a Nova Lamego fui à enfermaria, e fizeram-me o curativo.

Dia 22 - segunda:
Às 7h30 iniciamos a viagem a caminho de Buruntuma onde chegámos às 11h30.
De tarde fui à enfermaria fazer o curativo à perna.
A seguir os furriéis e o alferes Cruz - que é provisoriamente o comandante da companhia enquanto o capitão está um mês de férias em Portugal - junto com alguns soldados e levaram o bombo e alguns clarins mesmo danificados. Só não levaram as caixas porque não têm conserto. Então com o Pereiro, com o acordeão que mandou o Movimento Nacional Feminino, foram fazer ronco (festa) em volta dos abrigos, a festejar um ano de Guiné, ou que partimos de Lisboa.
Nos dois dias seguintes tudo normal.

Dia 25 - quinta-feira:
Já de noite, quando o Penafiel me chamou, comecei a ouvir rebentamentos que vinham de Camajabá, era o IN que fez uma visita à malta.

Dia 26 - sexta-feira:
Logo pela manhã foi-nos dado conhecimento que as nossas tropas de Camajabá não sofreram baixas nem feridos graves.

Dia 27 - sábado:
Saiu uma escolta para Nova Lamego. Restante dia tudo normal.

Dia 28 - domingo:
Às 19h15 fomos surpreendidos por uma grande descarga de fogo do IN, e eu, o Oliveira e o Lemos que estava connosco, corremos para o abrigo do primeiro socorro, onde já estava o 1.º sargento Bonito.
Era um estrondo ensurdecedor, pela quantidade de granadas e rajadas de armas ligeiras que caíam cá no destacamento. Só quando o nosso pessoal reagiu abrindo fogo, e umas morteiradas foram lançadas é que eles abrandaram, e foram corridos dali graças à nossa pronta intervenção.
Às 20h20 demos por terminado o ataque ao aquartelamento.
Foi então averiguado o que tinha acontecido ao nosso pessoal, e foi-nos dito que o apontador do morteiro 81, o Bagaço, nome pelo qual era conhecido, ficou gravemente ferido.
Eu e o Oliveira fomos dormir à tabanca dos mecânicos, por ser o abrigo mais próximo.

Dia 29 - segunda-feira:
Bem cedo, foi-nos dado a fraca notícia que o Bagaço acabou por morrer à meia-noite, a seguir andámos a ver os estragos que os morteiros e os roquetes fizeram.
Eu e o Oliveira tínhamos um cão que apesar de pequeno, ficou quase desfeito à porta da arrecadação.
Às 7h30 chegaram duas avionetas para levarem os feridos e o falecido mas, mas como não cabiam todos, e foram os de maior gravidade, e às 18h30 voltaram novamente para levar os restantes todos negros, e só aí foi o falecido.
Também faleceu um negro, mas esse foi enterrado pelos familiares.

Dia 30 - terça-feira: 
De manhã começamos a renovar o abrigo que fica entre a secretaria e a arrecadação, e foi-nos dito que na noite passada no abrigo 9 ia um indivíduo a rastejar em direcção à sentinela, o qual ao dar conta lhe deu um tiro mas não o atingiu e o tipo fugiu por entre as tabancas sem deixar rasto.
De agora em diante para prevenir, o reforço será dois a dois, evidentemente que faremos o dobro do tempo.

Dia 31 - quarta-feira:
Mais um final de mês, que só deixa más recordações.

(Continua)
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Nota do editor

Vd. primeiro poste da série de 24 de Julho de 2014 > Guiné 63/74 - P13434: Diário da CART 1742 (Mário Alves, 1.º Cabo Corneteiro) (1): Período entre Agosto de 1967 e Janeiro de 1968 (Abel Santos)

quinta-feira, 24 de julho de 2014

Guiné 63/74 - P13434: Diário da CART 1742 (Mário Alves, 1.º Cabo Corneteiro) (1): Período entre Agosto de 1967 e Janeiro de 1968 (Abel Santos)

1. Enviado pelo nosso camarada Abel Santos (ex-Soldado Atirador da CART 1742 - "Os Panteras" - Nova Lamego e Buruntuma, 1967/69), começamos hoje a publicar o "Diário da CART 1742" de autoria de Mário dos Anjos Teixeira Alves, 1.º Cabo Corneteiro da mesma Unidade.



Diário da CART 1742

Autoria de Mário dos Anjos Teixeira Alves
1.º Cabo Corneteiro
Guiné, 1967/1969

Este diário foi oferecido aos camaradas presentes no 9.º convívio da Companhia de Artilharia 1742, em Campeã - Vila Real de Trás-os-Montes em 25 de Maio de 2013.

Eis a razão
Dos momentos
Da nossa indisposição,
Mandaram-nos para a guerra
Sem a nossa opinião.
Por isso o Salazar
Não terá o nosso perdão.

Eu, Mário dos Anjos Teixeira Alves, nasci a 13 de Novembro de 1945, e fui incorporado no serviço militar em 24 de Janeiro de 1966, no RI 13, em Vila Real, onde fiz a recruta.
Em 13 de Abril do mesmo ano fui para o BC 10 em Chaves, tirar a especialidade de corneteiro e, conjuntamente, a escola de cabos, que concluí como 1.º cabo em 7 de Agosto de 1966.
No dia 21 do mesmo mês fui transferido para o CIOE - Centro de Operações Especiais - em Lamego.
Aí estive até Maio de 1967, pois quando já pensava em ir para casa, fui mobilizado para a Guiné.

E assim, em 28 de Maio de 1967 juntei-me à CART 1742 no RAL 5 em Penafiel.
Em 22 de Julho, um sábado, partiu o barco Timor em direcção à Guiné e, foi aí que eu me lembrei de fazer um diário, o qual vou aqui relembrar apenas partes mais significativas.

Começo por lembrar que o navio deixava muito a desejar: fracos camarotes, maus cheiros e pouca comida e de má qualidade, enfim, lá foi dando para passados cinco dias, no dia 27, às 7h30, chegarmos à ilha do Sal em Cabo Verde.
Aqui o navio encostou para deixar um pelotão independente e levar outro de regresso a Portugal, já com a missão cumprida. Ainda descarregaram muito cimento entre outras coisas.

Navio Timor

Dia 28 de Julho:
À 1 hora da manhã, continuámos a viagem e às oito voltamos a parar na ilha de Santiago para trocar outro pelotão. E tudo continuava igual, incluindo a alimentação.
Às 17h30 continuámos a viagem, mas era cada vez mais difícil, pois o barco baloiçava mais, por ir mais leve e, também devido a uma tempestade de chuva e vento forte. Eu em particular, e muitos outros íamos muito mal dispostos.
Passados oito dias, às 14h00 do dia 30, chegámos à Guiné e assim terminava uma viagem bastante aborrecida.
Após o desembarque entrou-se nas viaturas e fomos para o quartel 600 em Bissau onde nos esperavam uns colchões de praia poucos cómodos, e o jantar que também ajudou a passarem a primeira noite. Deu para conhecer algo lá por perto, e no dia 1 de Agosto cada um foi levantar uma arma para a Companhia continuar a instrução e preparação física.

Passados oito dias - dia 9:
Foi o primeiro dia que recebemos correio de Portugal. Todos ficámos muito animados até ao dia 14, porque aí na refeição da noite fizemos um pequeno protesto por estarmos a ser mal alimentados, mas não houve problemas.

Dia 19:
Foi a primeira noite que dormimos despidos, pois até aqui não o podíamos fazer derivado aos mosquitos.
Hoje entregaram-nos os mosquiteiros, mas foram pagos por nós.

Dia 22:
Fazia um mês que embarcámos em Lisboa e o furriel Alves e o alferes Pinheiro convidaram-me para os ajudar a dar aulas aos que não tinham nem a terceira, nem a quarta classe.

Dia 23:
Demos início às aulas, estas eram das 14 às 17h30.

Dia 29:
Fomos para aplicação militar das 9 às 11h e no dia 30 fomos fazer uma patrulha das 6 às 11h. Foi bastante chato com a chuva, apesar de quente, pois atravessámos bolanhas em que a água nos dava pelo pescoço. Depois fomos compensados com o correio que veio de Portugal.

Setembro 67
Dia 1 - de manhã:
A mesma aplicação militar e de tarde continuámos a dar aulas.

Dia 12 - terça-feira:
Foi-nos dito que íamos para Nova Lamego no dia 15. Foi-nos entregue mais material: cartucheiras, munições, bornal etc. E assim estávamos preparados para uma nova etapa.

Dia 15:
À 1h da manhã deixou-se o Quartel 600, Santa Luzia, e fomos para o cais.
Às 2h30 entrávamos na lancha e às 3h partimos em direcção a Bambadinca onde chegámos às 11h30.
A comida era a ração de combate e umas cervejas no bar do quartel.
Às 23h30 chegaram as viaturas e partimos para Nova Lamego, onde chegámos às 4h do dia 16, mas não havia onde dormir.
Às 14h a secção do furriel Alves à qual eu pertencia, foi mandada para o destacamento de Canja que fica a 25 quilómetros de Nova Lamego. Eu, como pertencia à secção do furriel Alves, fui também com eles fazer segurança ao destacamento, enquanto a secção que lá estava foi fazer uma operação à área envolvente. A refeição da noite foi ração de combate, e dormir debaixo de um coberto que serve de refeitório. Para beber, água da chuva aparada nuns bidões, que também servia para nos lavarmos, tal como os negros.

Hoje, dia 17 - domingo:
De manhã tomámos o café feito da mesma água e pão feito pelos negros num fraco forno de barro.
Às 8h fui com outro colega render os que estavam a fazer segurança na ponte e lá estivemos até às 12h30. Aí fomos rendidos por outros colegas e viemos almoçar. Só depois da refeição da noite entrei de reforço, das 20 às 22h e foi quando chegaram os que tinham ido fazer a operação ou reconhecimento.
Tivemos de dormir novamente em cima dos bancos do refeitório, e eu dormi em cima das caixas da batata.

Dia 18:
Às 14h partimos para Nova Lamego com bastante apetite, porque só tínhamos tomado o pequeno-almoço com ração de combate.
Às 18h chegámos a Nova Lamego, jantámos e já descansámos razoavelmente.

Dia 19:
O alferes Cruz disse-me que às 14h íamos conferir o material da arrecadação de materiais de guerra, para eu tomar conta até chegar o quarteleiro que ficou em Bissau a entregar outra arrecadação. E assim estivemos até às duas da manhã.

Dia 20:
Continuámos a conferir o material e quando terminámos tomei conta das chaves e assumi a responsabilidade. Passados três dias: Era domingo, dia 24, fui com alguns colegas à missa a uma capela que há aqui em Nova Lamego.

Dia 26-terça feira:
Recebi ordens para entregar os lençóis ao pessoal da companhia.

Dia 27:
Foi a primeira vez que recebemos correio em Nova Lamego.
À noite estive a entregar material para a companhia ir fazer uma operação.

Dia 30:
Faz dois meses que chegámos à Guiné e para nós já parece dois anos.

Outubro 67
Dia 1 - domingo:
Tudo normal, e assim foi até ao dia 5.
Aí, às 8h, vieram-me chamar para ir tocar o clarim para hastear a bandeira nacional no batalhão.
Às 18h, fui arriá-la e às 21h fui fazer o recolher.
Agora continuo a ir fazer apenas os toques mais importantes até que a companhia Periquita se instale e que os clarins percam o medo de tocar.

Dia 6:
Foi dia de correio, que é das coisas mais importantes para todos nós.

Dia 7, às 3h30 da manhã:
Veio cá o furriel Pinto e o Bica chamar-me para preparar o material para os dois pelotões deles irem fazer uma operação.
Eram 6h quando saíram.

Dia 8 - domingo:
Chegou o cabo quarteleiro Oliveira, mas por enquanto ficámos os dois na arrecadação.

Dia 9, às 20h30:
Já estávamos na cama e veio cá o furriel Amaro e o Romão vagomestre com uma mentira: disseram-nos que preparássemos o material, que a companhia ia sair para uma operação e que eu ia também. Fizeram isso porque no dia antes tínhamos estado juntos a comer um cabrito assado e connosco esteve também o sargento Bonito, e daí a boa confiança de amigos.
Daqui até ao dia 20 tudo normal, mas fui atacado pelo paludismo, com uma grande febre e o Oliveira foi chamar o enfermeiro que me deu comprimidos, mas não adiantou, Então deu-me duas injecções e a febre sempre baixou.

Dia 21:
Já me sentia melhor e até consegui comer alguma coisa.

Dia 22 - domingo:
Faz três meses que embarcámos em Lisboa, tanto tempo para nós!

Dia 25:
Mais um dia de correio para nos ajudar a espalhar as saudades, neste caso até ao dia 1 de Novembro, em que recebemos mais correio.

Novembro 67
Dia 2:
Esteve cá o major do serviço de material de guerra e deu-nos para modificar algumas coisas e assim passámos a fazer esse trabalho.

Dia 3:
Está o Oliveira com o paludismo, fui chamar o enfermeiro para o tratar.

Dia 4 - sábado de manhã:
O comandante do Batalhão reuniu aqui duzentos negros civis e deu-lhes armas para irem com um pelotão da minha companhia fazerem uma batida a um determinado sector. Fiquei surpreso com tal ordem.

Dia 7, à noite:
O pessoal da companhia veio levantar material para irem de manhã cedo fazer uma operação.

Dia 8, dia em que faço 22 anos:
Às 23h chamou por nós um colega e disse-me que tinha morrido um soldado nosso e havia dois feridos que tinham acabado de chegar ao posto de socorros do Batalhão, sendo o Neto carpinteiro, o que morreu, e o cabo Correia e outro soldado os feridos, por causa de uma armadilha.

Dia 9, depois do almoço:
Fui à missa de corpo presente pelo falecido Neto, e a seguir fui ao Batalhão ver se conseguia ensinar e treinar a marcha fúnebre com os corneteiros do batalhão, mas eles não conseguiram.

Dia 10 - sexta-feira de manhã:
Fui desempenhar as minhas funções de clarim ao funeral e a seguir tentar viver enquanto fosse possível. E assim, tudo normal até ao dia 18, em que, de manhã esteve cá novamente o major do serviço de material a fazer alguns reparos na arrecadação, mas concordou com as nossas desculpas.

Dia 19 - domingo:
De tarde estive eu e o sargento Bonito a cintar a mala do falecido Neto para ser enviada para a família.

Dia 22:
Faz quatro meses que embarcámos em Lisboa, e tudo continua normalmente.

Dia 24 - sexta-feira:
Mais um dia de correio, e assim esperamos até à próxima sexta-feira.

Dezembro 67 
Dia 1:
Com mais correio e o patacão, que é o dinheiro.

Dia 2, de manhã:
Estivemos a entregar material a dois pelotões que vão fazer uma operação, e só chegaram no dia 4, ás 21h, mas felizmente correu tudo bem.

Dia 8:
Mais um dia de correio.

Dia 10:
Tivemos prendas simbólicas de Natal, oferecidas pelo Movimento Nacional Feminino.

Dia 11, de manhã:
Estivemos a dar material a dois pelotões que saíram e chegaram no dia 12 de tarde, também não houve problemas.

Dia 14, de manhã:
Estivemos a dar material aos pelotões para irem ao encontro de uma coluna que foi atacada no caminho de Canjadude, onde morreu um alferes e um cabo, e ficou um soldado ferido, este pessoal já vinha de regresso a Portugal.
Às 18h chegou a companhia, e estivemos a receber o material, o qual estivemos a limpar no dia 15 de manhã.
Às 21h fui ao Batalhão tocar ao funeral dos dois militares que ontem faleceram.

Dia 16:
Estivemos a preparar material para três pelotões levarem no dia seguinte para uma operação, o qual distribuímos dia 17, domingo de manhã.

Dia 18 à noite:
Veio cá o alferes Figueiredo com o pelotão que é o que cá se encontra, levantar material para irem ao encontro do IN que anda a roubar numas tabancas aqui próximo. E assim distribuímos o material, também aos poucos que cá ficaram para estarem preparados se o IN nos viesse chatear.
Chegou o pelotão que saiu à noite para onde o IN tinha levado dez vacas e algumas coisas mais mas já não os encontraram.
Às 8h voltaram a sair para Caboca e rebentou uma mina debaixo da Fox que ficou um pouco destruída, mas a malta não correu perigo.

Dia 20:
Estávamos a receber correio quando chegou o furriel das transmissões com uma mensagem do Batalhão, a dizer que na operação que andavam a fazer desde domingo, o cabo Sousa morreu.

Dia 21, às 18h:
Estávamos a jantar, e chegou o pessoal da operação na mata do Geba (SINCHÁ JOBEL). Tinham ido também dois pelotões de outra companhia, da qual morreram um alferes e um soldado, e outro tinha desaparecido, ou seja, não sabem se ficou morto ou preso pelo IN. Dos nossos ainda chegaram a andar 15 perdidos ao fazerem a retirada, mas depois apareceram.

Dia 22, de manhã:
Estivemos a limpar o material que ontem chegou e também a conferir o que faltou, para assim dar baixa dele.

Dia 23:
Organizámos um pelotão entre os especializados, e todos os que estão permanentes, para fazermos serviço durante uns dias, porque os quatros pelotões operacionais vão dois por noite dormir ao mato e são rendidos de 24 em 24 horas e por isso, também precisam de descansar.

Dia 24:
A consoada não podia ser lembrada, e por isso fez-se esquecer com uns copos.

Natal de 1967 - O Mário Alves é o 2.º a partir da direita, com os olhos postos no menu

Dia 25, dia de Natal - segunda-feira:
Ao meio-dia improvisaram-se umas mesas no refeitório que se anda a construir, e foi lá o almoço: batatas com bacalhau. O vagomestre por muito o chatearmos, deu mais um copo de vinho, e houve uma mini garrafa de vinho do Porto para cada dois, que foram oferecidas pela manutenção militar, o nosso capitão ofereceu uns doces. O que devia ser ontem, foi hoje, devido à companhia só estar junta na refeição do meio-dia. E assim passado o Natal, continuou tudo normal.

Dia 29:
O sargento Bonito chamou-me à secretaria para cintar a mala do falecido cabo Sousa para mandar para a família. E assim chega o dia 31.

Dia 31- domingo:
Fim do ano de 1967.

ANO 1968
Janeiro - Segunda-feira - dia de Ano Novo:
Só conhecido por ir à missa. Depois tudo normal.
E assim até ao dia 6, em que tivemos correio.

E seguiu-se até ao dia 11 - quinta-feira:
Chegou o nosso capitão a dizer-nos para prepararmos o material, porque iam sair três pelotões às 3h da tarde

Dia 12:
Houve correio para os que estão no destacamento, já os que foram para o mato só o receberão quando chegarem.

Dia 13, ao meio-dia:
Saiu daqui o helicóptero, a avioneta e dois bombardeiros para irem ter com o nosso pessoal que anda a fazer a operação no Siai,
Às 13 horas chegou o helicóptero com quatro feridos, dois brancos e dois africanos. Diziam que ainda havia mais feridos, por isso, às 14h chegou novamente o helicóptero com mais três feridos, e às 16h voltou novamente com mais três feridos, estes por uma mina que rebentou na coluna que ia buscar ao Che-Che o nosso pessoal.
Um dos feridos foi o major do serviço de material que foi levado directamente para Bissau, e os outros foram de avioneta. Também ficou lá um furriel morto e um soldado todos da mesma companhia, e ainda alguns feridos menos graves, que por ser já noite não puderam ir buscá-los.

Dia 14 - domingo, às 7h:
Já o helicóptero tinha chegado com mais feridos, e às 8h chegou ainda com os restantes. Após o almoço chegou um carro da administração com um elemento IN morto, que apanharam em Piche, e a população fez um festival, quanto mais não fosse, para agradar às tropas.
Às 17h chegou a companhia e disseram que, quem tinha sido ferido foi o Aníbal enfermeiro e o Martins das transmissões, que foram para Bissau, e talvez tenham que ir para a metrópole.
Houve mais oito feridos com menor gravidade, um era o alferes Magalhães e o furriel Amaro, sendo os restantes cabos e soldados, um deles era o Damásio Fonseca.
Também chegou a má notícia que o major faleceu ao chegar a Bissau, o furriel que morreu era da engenharia e o soldado era africano.

Dia 15 - segunda-feira:
De manhã estivemos a conferir o material que tinha chegado na noite anterior, e também pensávamos no soldado que estava em Bissau ferido, mas afinal estava desaparecido, foi o Aguiar de Arrifana.

Dia 16 - terça-feira:
De manhã estivemos a limpar o material, e às 16h chegou um pelotão de morteiros que estava em Piche e vai para Madina do Boé e arrumaram aqui o material.
Após o jantar o nosso capitão mandou-nos preparar o material e distribuí-lo ao pelotão que vai fazer a escolta à nova companhia que vai para Madina render os que lá estão, pois vão para a peluda. Também entregámos o material ao pelotão de morteiros que vão juntos para Madina.
Às 22h fui à secretaria ajudar a cintar a mala do Aníbal enfermeiro para mandar para Bissau, pois ele ia ser evacuado para a Metrópole.

Dia 19 - sexta-feira:
Dia de correio.

Dia 21 - domingo:
Às 16h chegou o pelotão que foi fazer a escolta a Madina que felizmente correu bem, contando também com a escolta dos Fiat e de bombardeiros T-6 em toda a viagem.

Dia 22 - segunda-feira:
De manhã estive com o furriel Pontes a conferir todas as munições.
Também faz hoje seis meses que embarcámos em Lisboa.

Dia 2 4 - quarta-feira:
Faz dois anos que assentei praça em Vila Real, e aqui ainda sou periquito.
Às 16h chegaram os furriéis com muito armamento do Batalhão para o preparar que amanhã vão sair.
Após o jantar continuámos a preparar material: munições, etc. O Oliveira ajudou pouco, por estar de reforço.

Dia 25 - quinta-feira, às 4h30:
Veio o pessoal levantar o material e partiram para o serviço que lhes foi destinado.

Dia 26 - sexta-feira, 16h:
Chegou a companhia que afinal foi ao Che-Che buscar as viaturas e os mortos de uma companhia que, na passada quarta-feira ia para lá, e, foi atacada pelo IN. Tiveram seis mortos e muitos feridos, dos quais alguns foram ontem para Bissau. Os mortos vieram hoje com a minha companhia e, estiveram aqui na capela para serem colocados nas urnas. Eram quatro africanos e dois brancos. Era uma calamidade vê-los, por estarem queimados pelas viaturas que arderam, foi difícil distinguir os brancos dos negros.

Dia 27 - sábado:
Estivemos a fazer limpeza ao material que chegou ontem.
Até ao dia 31 tudo correu dentro da normalidade.

(Continua)

segunda-feira, 30 de janeiro de 2012

Guiné 63/74 - P9420: Turismo de saudade (2): Mini-diário e fotos da minha visita à Guiné-Bissau (TCor José Francisco Robalo Borrego)

1. Dizia-nos o nosso camarada José Francisco Robalo Borrego*, Ten Cor (R), que pertenceu ao Grupo de Artilharia n.º 7 de Bissau e ao 9.º Pel Art, Bajocunda (Guiné, 1970/72), na sua mensagem de 19 de Janeiro de 2012:

Há uns anos a esta parte, despertou em mim o desejo de voltar à Guiné, volvidos 40 anos, para matar saudades dos locais por onde andei e conversar com os guineenses de quem guardo boas recordações.

Era uma questão de tempo e de oportunidade para concretizar a minha vontade. Esse dia chegou e lá fui eu até Bissau de 4 a 12 de Janeiro do corrente ano.

Aqui está o seu mini-diário, pretexto para vermos algumas das fotos que testemunham a sua visita de saudade à Guiné-Bissau.


05-01-2012
Chegada à Guiné pelas 14 horas. Deslocação para os aposentos e descanso, após o almoço.

A famosa Pensão Central

06-01-2012
Viagem ao Canchungo (Ex-Teixeira Pinto) com passagem por Safim, Có e Pelundo. De assinalar que o Rio Mansoa tem uma bela ponte, construída por espanhóis, ao que consta, com portagem e tudo! A estátua de Teixeira Pinto foi retirada e guardada num museu, segundo me disseram, restando a pedra que a suportava.

Canchungo (Ex-Teixeira Pinto)

Ponte sobre o Rio Mansoa

07-01-2012
Passeio a pé, ida e volta, recordando outros tempos, desde o Quartel-general, Santa Luzia, até ao cais do Pidjiguiti, aproveitando para tirar algumas fotos na cidade.

Quando regressava para Santa Luzia, pedi uma informação a um guineense, na casa dos 60, sobre uma rua o qual se prontificou a informar-me e depois de eu lhe dizer que tinha lá estado, há quarenta anos, na guerra colonial, ele disse-me que também tinha sido combatente da liberdade da pátria, ou seja, do PAIGC, mas que agora éramos amigos, o que eu concordei plenamente com ele. Fomos andando no mesmo sentido e ele amavelmente ia-me transmitindo as alterações geográficas, entretanto, ocorridas. No fim, abraçámo-nos desejando boa sorte mútua.

(Nota do editor: As fotos deste dia, referentes a Bissau, serão publicadas em próximo poste)

08-01-2012
Passeio a Quinhamel onde almocei e pude saborear a bela ostra com uns amigos.

09-01-2012
Visita à minha antiga unidade (GA7), transformada em escola secundária – a Unificada Escola 23 de Janeiro. Conversei alguns instantes com o director a quem pedi autorização para visitar o estabelecimento;

Antiga Casa da Guarda do ex-Grupo de Artilharia N.º 7

10-01-2012
Visita ao hospital de Comura, antiga leprosaria, assim denominado, quando foi fundado e que sempre foi campo de acção pastoral dos Frades Franciscanos. Aliás, presentemente o Director Clínico é um frade médico português – Frei Vítor Farinha Henriques. Como ficava em caminho, aproveitei e dei uma saltada a Prabis.

Hospital de Comura

11-01-12
Visita relâmpago, com uns amigos, da parte da manhã, ao quartel do Cumeré com passagem por Nhacra, onde fomos muito bem recebidos pelo senhor comandante que nos mostrou a unidade e que me autorizou a tirar algumas fotografias. O Cumeré é um local conhecido de muitos camaradas nossos, porque era ali que geralmente o senhor general Spínola dava as boas vindas às tropas que chegavam à Guiné e fazia as suas habituais exortações patrióticas! Da parte da tarde foram feitas as despedidas, arrumar a mala, descansar um pouco, porque o voo de regresso saiu de Bissau pelas 02h30 da madrugada, aterrando em Lisboa cerca das 06h30 do dia 12 de Janeiro.

Edifício Rec. Cumeré

Ruínas da Igreja do Quartel de Cumeré

Parada do Quartel de Cumeré

Porta D'Armas do Quartel de Cumeré

(Continua)
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Nota de CV:

(*) Vd. poste de 23 de Janeiro de 2012 > Guiné 63/74 - P9391: Turismo de saudade (1): Gostei de voltar à Guiné e ver pessoalmente algumas melhorias, mas a Guiné precisa de muita estabilidade para atingir o tão benéfico desenvolvimento (José Francisco Borrego)

quinta-feira, 10 de setembro de 2009

Guiné 63/74 - P4932: Diário de Guerra, de Cristóvão de Aguiar (org. José Martins) (XI): Final (MAI68-JAN70)

Cristóvão de Aguiar foi Alf Mil da CCAÇ 800, Contuboel, 1965/67



Final do Diário de Guerra, de Cristovão de Aguiar (XI)

Coimbra, 18 de Maio de 1968

Não merecia tanto. Há mais de um ano que regressei da guerra e não há maneira de me sentir inteiro. Ando por aí, caindo aos bocados, vomitando pelas ruas, agarrado às grades de ferro de certos muros, cheio de pânico no futuro, que o presente, estou-o desperdiçando, por isso me agarro doentiamente ao passado, que bem sei que nunca foi um paraíso e a prova visível sou eu próprio. As dores de cabeça são por vezes terríveis e prolongam-se por mais de um dia. Dizem-me os médicos que tenho de ajudar-me, caso contrário a vida deixa de me ter sentido. Já deixou. Pelo menos em certas ocasiões, que se estão multiplicando e tornando cada vez mais frequentes. Tenho feito exames e passado com classificações muito razoáveis, até fiz mais do que eu próprio esperava, talvez por pressentir que ninguém acreditava nas minhas possibilidades. Faltam-me apenas quatro cadeiras, três das quais de envergadura, para concluir o plano de estudos do meu curso. Por este andar ainda me formo em menos de um ano. Bem entendido que pago alto preço por cada disciplina que arrecado. Sempre que faço um exame, fico uns dias acrescentados de cama, desfalecido, pele e osso, o cérebro vazio, tentando reconstruir-me para enfrentar outro [...].


Tomar, 17 de Dezembro de 1968

Vim esperar meu irmão Artur. Chegou hoje de Moçambique. Quando me abraçou, disse-me à queima-roupa que eu parecia um esqueleto ambulante. Respondi-lhe que era do estudo intenso a que me tinha submetido, já que me estava preparando para concluir o curso dentro de pouco tempo. Menti-lhe. Nunca o meu estudo teve uma intensidade por aí além. E nunca a teve, não porque não desejasse, mas porque nunca tive tempo. O que me sobra, depois das preocupações que tenho comigo, pouco ou nada representa. De oficial de dia ao Regimento de Infantaria 15 estava o capitão da minha Companhia da Guiné, o que não veio connosco por ainda lhe faltar algum tempo para terminar a comissão de serviço. Enquanto meu irmão foi tratar da sua desmobilização, fui para o gabinete do oficial de dia, onde também eu já estivera algumas vezes de serviço, conversar um pouco com o velho capitão. Parecia que estávamos os dois na tropa. Quando o cabo de transmissões lhe veio trazer uma mensagem confidencial vinda do QG, leu e depois passou-ma, para que a lesse também. Tal qual como na Guiné. Valeu meu irmão, já desmobilizado, ter vindo buscar-me, caso contrário ainda me metia de novo na pele de alferes. Magreza quase igual à que trazia quando desembarquei, tenho-a também agora. De forma que só me faltava a farda. Meu irmão vem tão ansioso por embarcar para a América que me disse que vai já começar quanto antes a tratar dos papéis.


Gerês, 21 de Julho de 1969

Vim para as termas em cata de alívio. Perguntei ao Louzã Henriques se fazia bem em vir. Disse-me que sim, que mal não me faria. Vai sempre ao meu jeito e não sei se isso me faz bem. Estou aqui há mais de uma semana. Saiu o Doutor Quintela e vim eu para o seu lugar. Ficou combinado em Coimbra. Ele costuma dizer que vem limpar a isca. Não me queixo do fígado, mas a função que exerce está alterada. Deve ser dos nervos. Estou todo alterado. Enquanto aqui esteve o Doutor Paulo Quintela, enviei-lhe todos os comunicados da crise académica produzidos durante a sua ausência. Sem remetente, que nunca se sabe. Rebentou em 17 de Abril, dia em que se inaugurou o edifício das Matemáticas. Houve greve geral aos exames, que foi um êxito, o que abalou o regime primaveril de Marcelo. Cumpro à risca a dieta prescrita. Bebo as águas com fé, como a comida sem sal, tomo banho de agulheta. Ao princípio tomava apenas um. Dois dias mais tarde, queixei-me ao médico de que não dormia. Receitou-me mais um banho de agulheta, à tarde. Um de manhã e outro ao fim da tarde. De tal maneira me desceu a tensão arterial, que ando aos tombos e nem sequer consigo ler. O resto do tempo, que é quase todo, ouço as asneiras dos africanistas em férias. Vieram tratar da figadeira e encontram-se aqui na Pensão da Ponte. E entro em ebulição, porque não posso ficar calado. Suspiram por Salazar e ainda têm esperança num milagre que o reponha no poder. Quem há meses lhe sucedeu na Presidência do Conselho é ainda demasiado liberal para tal gente habituada a lidar com pretos, como se fossem animais de estimação. Bem lhes conheço a crónica. Mas hoje houve tréguas. O homem poisou na Lua. Vi tudo pela televisão com o coração nas mãos. E à noite fui passear para a ver com outros olhos boiando no mar do céu .


Leiria, 27 de Janeiro de 1970

Fui hoje a mais um consultório médico. Já tenho percorrido vários. O costume. Sou um doente crónico. Tenho bem a quem sair, isto é, a mim mesmo ou ao outro que coabita em mim. Mas, hoje, sentia-me terrivelmente angustiado. Tinha comprado ontem um livro intitulado Viva sem Medo. Li-o de uma assentada, mas fiquei na mesma ou com mais medo ainda. E há pouco resolvi ir a um médico para ver como se comportava comigo. Escolhi-o pela tabuleta. E gostei. Fez-me perguntas e mais perguntas sobre o meu passado. Até que eu próprio cheguei à raiz e à razão da minha redobrada angústia neste dia sentida ¾ faz hoje exactamente três anos que cheguei da guerra e o relógio psíquico interior acusou a efeméride e quis condignamente celebrá-la.

Cristóvão de Aguiar, em 27 de Novembro de 2008, na Biblioteca-Museu República e Resistência – Espaço Grandella, na apresentação da nova edição do seu livro Braço Tatuado.
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Notas de CV:

Vd. postes da série:

31 de Janeiro de 2008 >
Guiné 63/74 - P3823: Diário de Guerra, de Cristóvão de Aguiar (org. José Martins) (I): Mafra, Janeiro de 1964

3 de Fevereiro de 2009 >
Guiné 63/74 - P3838: Diário de Guerra, de Cristóvão de Aguiar (org. José Martins) (II): Mafra, Fevereiro/Março de 1964

5 de Fevereiro de 2009 >
Guiné 63/74 - P3843: Diário de Guerra, de Cristóvão de Aguiar (org. José Martins) (III): Mafra, Maio/Junho de 1964

26 de Fevereiro de 2009 >
Guiné 63/74 - P3944: Diário de Guerra, de Cristóvão de Aguiar (org. José Martins) (IV): Mafra e Tomar (Julho 1964/Abril 1965)

11 de Março de 2009 >
Guiné 63/74 - P4013: Diário de Guerra, de Cristóvão de Aguiar (org. José Martins) (V): Do Tejo ao Geba (17 de Abril de 1965/25 de Maio de 1965)

19 de Agosto de 2009 >
Guiné 63/74 - P4838: Diário de Guerra, de Cristóvão de Aguiar (org. José Martins) (VI): Estadia em Contuboel e férias na Metrópole (27MAI65 a 29SET65)

25 de Agosto de 2009 >
Guiné 63/74 - P4860: Diário de Guerra, de Cristóvão de Aguiar (org. José Martins) (VII): Estadia em Contuboel e Dunane (OUT-DEZ 1965)

28 de Agosto de 2009 >
Guiné 63/74 - P4876: Diário de Guerra, de Cristóvão de Aguiar (org. José Martins) (VIII): Estadia em Contuboel e Sonaco com a Otília (JAN-AGO 1966)

3 de Setembro de 2009 >
Guiné 63/74 - P4893: Diário de Guerra, de Cristóvão de Aguiar (org. José Martins) (IX): Nascimento do primeiro filho (SET - DEZ 1966)

7 de Setembro de 2009 >
Guiné 63/74 - P4917: Diário de Guerra, de Cristóvão de Aguiar (org. José Martins) (X): O difícil regresso à vida civil (JAN - JUN 1967)