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terça-feira, 15 de novembro de 2022

Guiné 61/74 - P23785: Prova de vida (6): Nem todos os balantas eram... "turras" (Manuel Joaquim, ex-fur mil arm pes inf, CCAÇ 1419, Bissau, Bissorã e Mansabá, 1965/67)






Manuel Joaquim, ex-fur mil arm pes inf, CCAÇ 1419, 
Bissau, Bissorã e Mansabá (1965/67). Tem uma coleção de cerca de 175 cartas, 
das que escreveu a (e recebeu de) sua companheira, hoje mãe dos seus filhos 
e avó dos seus netos. 



Manuel Joaquim (c. 2019).
Foto:  Cortesia de Manuel Resende
1. O nosso camarada  e amigo Manuel Joaquim, ex-fur mil armas pesadas inf da CCAÇ 1419 (Bissau, Bissorã e Mansabá, 1965/67), hoje professor do ensino básico reformado,  além de sócio da ONGD Ajuda Amiga, tem 105 referências no nosso blogue,  Está connosco, como membro,  de pleno direito,  da Tabanca Grande, desde 3 de agosto de 2009. 

 É autor da notável série "Cartas de amor e guerra", de que se publicaram duas dezenas de postes, entre janeiro de 2013 e maio de 2015. O último poste da série foi o P14577 (*). 

Também é autor da série "Memórias de Manuel Joaquim" (de que se  publicaram dez postes, o último foi o P11263) (**).

Razões de saúde (sofre de problemas do foro oftalmológico) levaram-no a condicionar e a limitar a sua colaboração no blogue.  Conheci-o pessoalmente há 11 anos atrás, em 4 de junho de 2011, no VI Encontro Nacional da Tabanca Grande, em Monte Real,  Temo-nos enocntrado por aí, desde então. Tive o  grato prazer de o rever, mais recentemente,  no último  encontro da Tabanca da Linha, no passado dia 22 de setembro. Abracei-o com emoção.

Não posso esquecer que ele aceitou partilhar, no nosso blogue, parte da sua correspondência do tempo da sua "comissão de serviço militar" na Guiné (1965/67). Escrevi eu, em 8 de janeiro de 2013, no poste P10910, o seguinte: 

(...) O teu gesto - partilhar a tua correspondência íntima - é de uma grande nobreza, e eu espero que seja recebido com apreço e gratidão por todos os leitores do blogue (só este ano, vamos ultrapassar o milhão e 200 mil visitas!). É um serviço que prestas à Pátria, a tua terra, aos teus filhos e netos, aos teus camaradas, ao tempo e ao lugar em que nos coube nascer. Poucos de nós terão um acervo tão rico como o teu, em matéria de correspondência íntima, ao fim deste século!... Além disso, eras professor, já trabalhavas, tinhas namorada, tinhas outra maturidade que muitos não tinham quando foram para a tropa (, nomeadamente os milicianos).(...)

2. O Manuel Joaquim não precisa de fazer "prova de vida" (***)...  Felizmente está vivo e continua con ganas de viver, apesar das suas limitações de saúde, o que é cada vez mais frequente, infelizmente, no caso de todos nós, antigos combatentes... (Quem é que não se queixa ?!... "Até aos quarenta, bem eu passo, depois dos quarento, ai a minha perna, ai o meu braço")...

Mas eu (e muitos leitores) tenho saudades da sua escrita. Lembrei-me de ir respescar a primeira história que ela aqui publicou, o "Balanta Furtador" (***)... Uma belíssima história, que nos faz pensar e traz-nos outras lembranças parecidas... 

E até vem a propósito, porque de tempos a tempos fomos confrontados com um arreigado estereótipo social do nosso tempo, a falsa dicotomia Fula  (aliado dos "tugas" - bravo - leal) "versus" Balanta ("turra" . homem do mato - "cabra macho" - "carne para canhão" das tropas do Amílcar Cabral)... 

Ora nem todos os balantas estiveram do mesmo lado da "barricada"... Nem todos os balantas foram "turras"...

Além disso, o Manuel Joaquim é  o "padrinho" do nosso "minino Adilan" (nome balanta), o José Manuel Sarrico Cunté, igualmente membro da nossa Tabanca Grande.  A história  destes dois grandes seres humanos (que a guerra juntou) merece ser lida ou relida pelos amigos e camaradas da Guiné.



Leiria > Monte Real > Palace Hotel > 4 de Junho de 2011 > VI Encontro Nacional da Tabanca Grande > O "nosso minino Adilan", o Zé Manel,  o José Manuel Sarrico Cunté, na altura com 50 anos, com o seu padrinho, o Manuel Joaquim... 

Foram duas das muitas estrelas que fizeram do nosso grande encontro mais um grande ronco, o da camaradagem, da amizade e da solidariedade... Adorei conhecê-lo,  ao Zé Manel: desenvolto, portuga dos sete costados, casado com uma angolana, crítica em relação ao rumo que tomou o seu país de origem (infelizmente, os seus pais biológicos já morreram; a sua verdadeira família hoje está aqui em Portugal)...O Manuel Joaquim, que também conheci pela primeira vez, em carne e osso, era um homem feliz, orgulhoso do seu "minino"...


Foto (e legenda): © Luis Graça (2011). Todos os direitos reservados. [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


BALANTA FURTADOR

por Manuel Joaquim


Bissorã, 1966. Os balantas dedicavam-se quase só à agricultura e actividades afins, labutando na área que rodeava o quartel. Um dos poucos balantas da tabanca que fugiam à regra era Fafé. Trabalho agrícola não era com ele. Na bolanha ninguém o apanhava. Não precisava de trabalhar a terra para ter arroz. Este nascia, descascado e tudo, no quartel.

Frequente era vê-lo a acamaradar com tropa, bebendo e gesticulando para melhor se fazer entender. Era o caminho ideal para soldado chegar a algumas balantas mais dispostas a amenizar a sua difícil situação. Qual marginal da tabanca, prometia-as por dá cá aquela palha ou, às vezes, exigindo coisas substanciais... alguns cobertores da caserna ganharam asas!

Fafé alardeava coragem. Era vaidoso.Vaidade bem alimentada por outros para aproveitarem o espírito de aventura que revelava. A roubar vacas era excepcional. E com que orgulho contava os seus feitos! A tropa escutava-o e servia-se. Impedia-lhe o furto na área próxima da vila mas dava-lhe pé leve para se embrenhar no mato, à procura das vacas dos «turras».

Cada vaca que trazia não era só redução alimentar no PAIGC e mais carne na tabanca. Vinha também informação para o quartel. E bem valiosa. E assim se tornou numa peça importante. Importância que não sentia. Apresentar vaca na tabanca, dar barriga cheia à sua gente, reconhecerem a sua coragem e esperteza, verem nele um balanta exemplar, eis o que lhe interessava.

Nem todos os do quartel lhe davam palmadinhas nas costas e gostavam dos seus actos. Não dava por isso, era campeão da esperteza, da coragem, do furto perfeito. E era louvado pelos "homens grandes" da tropa. Mas as suas façanhas faziam perder o apetite a muitos.

Eram informações que levavam aos donos das vacas, à caminhada dolorosa pela mata, ao medo que pesava quilos no estômago, aos vómitos secos, ao combate, à dor, à morte. E, alguns, viam nele um símbolo da utilização abusiva que a guerra faz do indivíduo.

Naquela madrugada Fafé não chegou, mesmo sem vaca. As balas da PPSH fizeram das suas, não matavam só tropa mas também pessoal "amigo" de tropa. Ele sabia-o, mas balanta é artista no roubo de vacas. Quantas histórias, sobre este tema, devem ter ouvido aos velhos balantas! Fafé não teve sorte e, daquela vez, voltou arrastado por camarada de furto com a morte e não a vaca por companheira.

E na manhã quente de Dezembro foi «choro» na tabanca. No terreiro, família de balanta grita e rebola no chão. Família de balanta mata vaca para todo o pessoal: choros, lamentos, gritos, gemidos, rufar de tambores, danças, suor, poeira. É o «choro» em honra de Fafé. São horas a passar, em estonteante mistura de dor e prazer, de arroz e lágrimas, de carne e dança, de álcool e pó. Cumpre-se a tradição.

Mais tarde: Cortejo em marcha acelerada, gritos e cânticos, tantãs rufando, pancadas surdas e ritmadas no chão poeirento, à frente corpo de balanta em esquife de esteira baloiçando sobre altivas cabeças de amigos, Fafé foi a sepultar. Enrodilhado nesta onda lá vai o soldado branco, confuso e inseguro, seguindo não sabe quê.

Pó e mais pó solta-se do chão e sobe, sobe por sobre a tabanca. Entorpece o Sol. Soldado branco pára. A multidão acotovela-o. Redemoinha no pó. Tenta limpar os lábios e os olhos. Incapaz de continuar, vê afastar-se a esteira de palma que envolve corpo de Fafé. Soldado branco é turista em funeral de balanta.

Baixa a cabeça, dá meia volta, tenta regressar por onde vê menos pó... repara que mulher balanta, idosa, ainda chora e dá cambalhotas. Mulher balanta não defende lábios nem olhos do pó e da terra que irá cobrir corpo de seu balanta furtador.

____________



(****) Vd. poste de 27 de novembro de  2009 > Guiné 63/74 - P5358: Memórias de Manuel Joaquim (1): O Balanta furtador

quarta-feira, 6 de abril de 2022

Guiné 61/74 - P23148: (In)citações (203): "Naturalia non turpia": o que é natural não é vergonhoso, meus meninos (diz-nos, puxando-nos as orelhas, a Rosa Serra, ex-alf mil enfermeira paraquedista, BA 12, Bissalanca, 1969)

Rosa Serra, em Ponte de Lima,
 24 de agosto de 2020.
Foto: António Leitão (2020)
1. Ainda estava na cama, hoje, às 10h06 quando a Rosa Serra me telefonou... Já não estava a dormir, não, senhora, estava apenas a fazer horas para dar os parabéns, às 10h30, à minha filha, Joana, que hoje faz 44 anos, e à sua mãezinha, na cama, a meu lado...

− Não incomdas, não, senhora, minha querida camarada da Guiné, das poucas que tive, porque as únicas que havia eram vocês, enfermeiras paraquedistas... Então ainda estás em Mafra, ao pé da tua filha, onde foste passar o dia os teus anos ?... 

Não, já voltei a casa, em Paço d'Arcos, até porque tinha, ontem, uma consulta médica... 

− Então, diz lá a que se deve a honra desta chamada telefónica, tão  matinal e primaveril ?

Sabe, estou fula...

− Faz o favor me tratar por tu, afinal somos camaradas ou ex-camaradas...

− Está bem... Estava eu a dizer que estou fula com vocês, seus machõeszinhos... Tu, o Miguel e o autor da história deviam conhecer o aforismo de Hipócrates, "Naturalia non turpia"... Para os profissionais de saúde, médicos, enfermeiros, etc., o que é natural não é vergonhoso.

Essa história está mal contada (*). Não é um questão de pudor da senhora enfermeira, mas sim de profissionalismo. Eu não era a enfemeira em questão, estava em Tancos, no Regimemto de Caçadores Parquedistas,  nessa altura, em 1971, depois de ter passado pela Guiné (1969) e por em Angola (1970): em Luanda,  nem sequer ia ao mato fazer helievacuações. 

Mas tenho que defender a honra do convento. Fiz o meu curso de 3 anos, na escola de enfermagem do Hospital de Santo António, acabei em 1966. E aprendi logo a algaliar os doentes, homens e mulheres. Passei pela urgência, ainda havia naquele tempo alguns médicos que mandavam chamar os enfermeiros (havia poucos, a profissão era e ainda é muito feminina). Por mero preconceito, chamavam os enfermeiros, não chamavam as enfermeiras.

O Miguel sabe  que a Zulmira pôs o seu próprio casaco por cima do corpo do cubano, o capitão Peralta,  não para lhe encobrir as "vergonhas", mas por causa da hipotermia. Eu na Guiné, também fazia isso. Os doentes que eram helievacuados vinham em choque, sofrendo de hipotermia. O cuidado da enfermeira era, logo, cobri-los com uma manta ou com algo, uma peça de vestuário,  que lhes pudesse manter a temperatura do corpo até à chegada ao hospital...

− Tens toda a razão, Rosa, não está em causa o vosso alto profissionalismo... Eram maneiras nossas de ver ou de perceber as coisas... E, concordo, havia alguns preconceitos em relação a vocês, ou melhor, alguns mal-entendidos, fruto do desconhecimento da vossa origem e formação e até da vossa missão...

−  Havia até quem pensasse que nós (ou algunas de nós) éramos freiras!...

−  Santa igniorância... Olha, posso fazer um poste com o teu esclarecimento (que é também um protesto) ?

Estás à vontade, agradeço-te...

− Então, ciao, as tuas melhoras... Agora é tua vez de cuidares de ti.

E aqui fica o esclarecimento (que é também implicitamente um protesto) da nossa querida Rosa Serra, uma valente mimhota de Vila Nova de Famalicão, que tem mais de meia centena de referências no nosso blogue. (**)

2. E a propósito desta história lembrei-me de uma outra, a de um amigo meu, alentejano,  que tem uma filha, médica, com a especialidade de urologia (o que era rara no passado). 

Um dia acompanhou o pai numa caçada. E também levava a sua arma. Os caçadores, todos homens, sentiram-se algo incomodados, porque já não podiam mandara  a sua c...., frente a uma senhora, para mais médica. 

O meu amigo  pô-los logo à vontade, desde a primeira hora:
− Não se acanhem, meus senhores. Por dever de ofício, a minha filha está farta de ver piças e cus!

_________

Notas do editor:

(...) Histórias pícaras > Uma heli-evacuação e a enfermeira paraquedista que não queria levar o "passageiro" em pelota

(...) Quando a 28 de Novembro de 1971, um elemento da Companhia acciona uma mina, ficando sem uma perna e outro elemento também ferido, ambos do 3.º Grupo de Combate, é solicitada a evacuação por via aérea para o Hospital de Bissau.

Ao chegar o helicóptero, sai dele uma enfermeira que, ao ver o soldado Santos sem roupa, diz que assim não leva o ferido. Para ser socorrido, utilizaram-se os restos das calças para fazer garrotes à perna e ao braço. E com tiras da roupa seguram-se alguns pensos que tapam feridas menores. O homem estava nu.

Para satisfazer o pedido da enfermeira, foi pedido ao enfermeiro que tinha uma camisola interior vestida para que a tirasse e com ela tapasse o soldado ferido.

José Afonso (...)

Comentários:

(i) Tabanca Grande Luís Graça:

Miguel e Giselda: Vão gostar de ler esta história... Quem seria a enfermeira... "púdica" ? A história é verosímil ?.. Era uma questão de "pudor" ou de "segurança do doente" ?

(...) Falsa questão: para a enfermeira, é um problema de "dignidade do doente", em primeiro lugar, e talvez também de segurança...

(ii) Miguel Pessoa:

(...) Luís, acho que já respondeste à questão - é uma questão de proteger a dignidade do evacuado, ninguém gostaria de andar a ser passeado nu, aos olhos de toda a gente...

Lembro-me que a Zulmira também cobriu o cubano Peralta com o seu próprio blusão, dado que ele estava a tremer e era preciso manter o corpo a uma temperatura decente, portanto é uma questão de segurança do próprio evacuado.

E convenhamos que pruridos no meio da guerra deveria ser assunto que não devia preocupar as enfermeiras paraquedistas. (...)

(iii) Fernando Ribeiro:

Este é um daqueles erros que cometemos sem pensar: nu em pelota. A expressão em pelota, por si só, já quer dizer nu. (...)

quarta-feira, 23 de fevereiro de 2022

Guiné 61/74 - P23018: Memórias do Chico no Império dos Sovietes (Cherno Baldé) - Parte II: Casar com uma tubab!?... Hééé Tchernô!!!...Tubab é uma senhora e senhora não é mulher



URSS > Moldávia > Kichinev > Dezembro de 1985 > O Cherno Balde (à esquerda) e um outro estudante bolseiro. peruano, de nome Aníbal... Em segundo plano, uma mulher local.

Foto (e legenda): © Cherno Baldé (2011). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]

 

Memórias do Chico no Império dos Sovietes, 1985-1990
 (Cherno Baldé)  - Parte II:   Casar com uma tubab!?... Hééé Tchernô!!!...Tubab é uma senhora e senhora não é mulher  

por Cherno Baldé (*)



Cherno Baldé, Kiev, Ucrânia, 1986


(vi) Moscovo, escala de boa esperança

Em 1985, debaixo de uma chuva torrencial do mês de Agosto, [o Chiquinho e outros bolseiros] saíram finalmente para o Aeroporto Osvaldo Silva, em Bisslanca, a fim de apanhar o avião da Aeroflot.

Na despedida a Irmã Beatriz, brasileira,  ofereceu-lhe uma pequena bíblia de cor azul para lembrança da sua amizade e disse-lhe que, dentro em breve, iria ter a oportunidade de conhecer um pais do primeiro mundo.

Chegaram a Moscovo no dia seguinte, com escalas em Nouakchot (Mauritânia), Casablanca (Marrocos) e Budapeste (Hungria). Do Aeroporto levaram-nos para uma residência de estudantes onde já se encontravam centenas de outros bolseiros, vindos dos quatro cantos do mundo.

Havia mais de 24 horas que não dormia, mas mesmo assim não conseguia pregar olho. A alegria e a curiosidade da descoberta de um novo mundo constituíam um lenitivo que suplantava tudo o resto. Sob o efeito contagiante da alegria, tinha saído para o corredor, passado ao jardim, depois à rua. Queria contemplar, queria absorver tudo, queria abraçar Moscovo e seus habitantes metidos nos seus trajes sombrios num dia enublado com brisa suave de fim de verão.

Foi assim que ele se deixou levar num passeio pela cidade, indo de autocarro até uma estação do Metro de Moscovo donde penetraram por meio de escadas rolantes compridas descendo, descendo, para dentro das entranhas da terra, gritando uns aos outros, sob o olhar atónito de alguns utentes que se içavam para cima no sentido inverso.

Não foi difícil perceber que os silenciosos moscovitas faziam o possível para evitar o contacto com o grupo dos jovens africanos, inebriados com a sua bem expressiva e barulhenta maneira de falar, gesticulando ora à direita ora à esquerda. E, provavelmente, teriam um cheiro diferente, peculiar, no meio dos brancos em seu habitat natural.

Eram recordações antigas que afluíam à mente misturando-se na indiferente algazarra a entrada e a saída do Metro que, de resto, era de fácil orientação, pois circulava em forma de anel à volta do centro da cidade e depois se expandia como uma teia de aranha cobrindo as diferentes zonas da grande megalópole: Paveletskaya, Aktyabrskaya, Krasnapresyenskaya, Kamsamolskaya... O Metro de Moscovo não tinha limites de espaço nem de tempo. Acabámos por voltar a nossa residência, já era noite.


(vii) Sílvia, a boliviana, uma paixão fulgurante... por um dia!

O grupo do Chiquinho ficou dois dias em Moscovo, o tempo suficiente para preparar a sua afetação. O único acontecimento relevante nesses dias da sua primeira passagem por Moscovo foi uma breve aproximação com uma boliviana, de nome Sílvia. Bastaram alguns segundos para tocar o seu coração. Baixinha, cabeleira farta e reluzente, sorriso aberto, parecia uma rapariga lusa da geração mais antiga, daquela que não escondia a cor dos seus cabelos de origem árabe.

Apaixonou-se pelos seus olhos grandemente abertos debaixo de umas sobrancelhas pretas a condizer. No seu rosto largo vislumbravam-se feições mestiças, amazónicas. Aproximou-se dela, falou em português, ela sorria, mas parecia não perceber. Não sabia nada da Guiné-Bissau, e provavelmente, não sabia mesmo nada de África. Alguém a chamou, ela foi e não voltou. O voo de um pirilampo na escuridão da noite. Nunca mais voltaria a encontrá-la. Sílvia...

Apaixonar-se por imagens fugidias, amores impossíveis, era um defeito natural que o Chiquinho trazia da sua infância e adolescência, feitas de miséria e de mil privações. Introvertido e tímido, nunca tivera muito sucesso com as meninas, limitando-se a consumir com frugalidade o que via ou ouvia dos colegas.

A brusca ausência da Sílvia fez reavivar os velhos fantasmas do antigamente que, como um balde de água fria, fizeram descer a pressão interna que embriagava os seus sentidos, fazendo sentir o cansaço e fome.

Mais tarde saberia que a bonita Sílvia assim como a maioria daquela geração de estudantes latino-americana, amiga da farra e da boa comida, detestava, no entanto, o ofício de cozinhar. Nessa altura agradeceria a Deus e à sua estrela de sorte, pois era de admitir a possibilidade de ser cozinheiro por um dia sim, mas toda a vida, não.


(viii) Fugindo à intolerância racial das repúblicas da Ásia Central e do Cáucaso

Do seu grupo de mais de quarenta jovens, Moscovo só aceitou receber dois, os restantes foram repartidos por diferentes cidades da imensa URSS. Pelas informações dos antigos estudantes, sabiam que as Repúblicas da Ásia Central e do Cáucaso eram de evitar a todo o custo, devido à intolerância racial para com os pretos, numa região fortemente influenciada pela civilização Árabe e Turco-Otomana.

Ao Chiquinho, calhou a cidade de Kichinev, capital da Moldávia, uma pequena porção de terra situada entre a Ucrânia e a Roménia, integrando um grupo de mais de cinquenta jovens de diferentes origens, para a frequência da fase preparatória.

Mais uma vez, o Chiquinho estava com a sua estrela de sorte, pois não iria viver no meio dos bárbaros do Cáucaso nem ficaria na Universidade Patrice Lumumba onde a maioria dos estudantes era africana. Nem que fosse por algum tempo, ele queria ficar longe de África e dos africanos.



Retrato da avó materna, Mariana Baldé, 
Fajonquito, Sancorlã, 1900-1993 


(ix) Uma velha fantasia: namorar uma europeia, uma "tubab" 

Na verdade, o Chiquinho alimentava um sonho secreto e antigo, nascido não sabia donde, de namorar uma europeia. Sim, só namorar. A sua imaginação, sendo muito ousada a este respeito não se atrevia, todavia, a pensar no casamento. “Casar com uma tubab!?... Hééé Tchernô!!!...” Era o eco da voz discordante da sua avó que lhe perseguia.[ Avó materna, Mariana Baldé, Fajonquito, Sancorlã, 1900-1993; foto à esquerda].

Ela conseguia adivinhar todas as suas intenções e, armada de verdades e razões ocultas da velha sabedoria fula e africana, denunciava os aspectos mais desviantes da sua educação infecta. “A mulher tubab é uma senhora e uma senhora não é uma mulher”, dizia ela. O Chiquinho não comprendia esta relação ilógica do tipo: α=β, β≠α. Talvez não casasse.

Na verdade, também não conhecia nenhum antecedente de um fim feliz nas relações preto/branco e vice-versa. As histórias eram muitas e antigas num caminho ainda estreito, semeado de armadilhas reais ou imaginárias.

Ainda assim, ele queria uma europeia. A vida não é um cenário de jogo onde se ganha e se perde!?... Pensava, teimosamente.

(Continua)

Fotos (e texto): © Cherno Baldé (2011). Todos os direitos reservados. [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]

[Fixação / revisão de texto / negritos / título e subtítulos: LG]

___________

Nota do editor:

(*) Vd. poste anterior da série > 22de fevereiro de 2022 > Guiné 61/74 - P23016: Memórias do Chico no Império dos Sovietes (Cherno Baldé) - Parte I: De Bissau a Kiev, como estudante bolseiro ou o poder da "sétima sorte": É Deus quem afasta as moscas da vaca sem rabo...

sábado, 29 de maio de 2021

Guiné 61/74 - P22232: Antologia (78): Estereótipos coloniais: os fulas, "maus criadores de gado e piores agricultores"... (excerto de Geografia Económica de Portugal: Guiné / coordenado por Dragomir Knapic. Lisboa: Instituto Comercial de Lisboa, 1966, 44 pp)


Guiné > Zona leste > Região de Bafatá > Sector L1 (Bambadinca) > CCAÇ 12 (1969/71) > 
Destacamento da Ponte do Rio Udunduma > Uma manada de vacas, cambando o Rio Udunduma... Possivelmente pertencentes a um notável fula da região (Amedalai, por exemplo, que era a tabanca mais perto)... Só com muita relutância os fulas vendiam cabeças de gado à tropa... O gado era, tradicionalmente, um "sinal exterior de riqueza", um símbolo de "status" social, dizia a ideologia da "psico"...







Foto (e legenda): © Humberto Reis (2006). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Já aqui temos utilizado algumas estatísticas económicas relevantes para a compreensão do passado colonial da Guiné-Bissau, extraídas de uma das famosas sebentas de  Dragomir Knapic (1926-2006):

Geografia económica de Portugal : Guiné / coordenado por Dragomir Knapic. - Lisboa : Instituto Comercial de Lisboa, 1966, 44 pp., brochura policopiada.

Trata-se de uma "sebetenta", para uso dos seus alunos do Instituto Comercial de Lisboa, baseada na conpilação de fontes primárias, com algumas citações mas sem referências bibliográficas. Não sabemos se o autor, geógrafo, pedagogo, grande divulgador da geografia económica de Portugal, "continental, insular e ultramarino", alguma visitou a  Guiné ou outros territórios como Angola. 

Nesta brochura, o autor deve ter utilizado, como fontes, além das estatísticas económicas, os relatos dos etnógrafos coloniais. Embora em 1966 já estivesse ao rubro a guerra colonial ou guerra do ultramar, o autor (ou compilador dos dados), é parco em referências ao conflito que teve efeitos negativos na demografia e na economia do território. 

Talvez por autocensura, nunca refere também os efeitos perversos das culturas comerciais impostas às populações locais pelos europeus, como era o caso da "mancarra" e outras oleaginosas. Bem pelo contrário, já defendia a extensão da cultura do caju: " O caju poderá vir  a assumir no futuro um papel de primeiro plano no desenvolvimento agrícola e industrial da Província" (p. 28).

A descrição, que se segue (*),  deve ser devidamente contextualizada e lida com olhar crítico. Não tem qualquer intenção polémica.  Há, obviamente, "estereótipos coloniais" neste retrato do fula enquanto "homo oeconomicus", estereótipos que eram também partilhados e replicados, com muita ligeireza, na caracterização socioeconómica feita nas nossas Histórias da Unidade, e pelos militares da "psico"... Se por um lado os fulas eram aliados, "tradicionais e leais", das autoridades portuguesas da época na luta contra o PAIGC, o fula saia sempre mal na comparação das "qualidades de trabalho" com outros grupos étnicos como os balantas, por exemplo. Os balantas eram orizicultores, por excelência, com técnicas agrícolas mais avançadas que os fulas. Mas a sociedade fula era mais compleza e hierarquizada. Sabemos que o Amílcar Cabral não morria de amores pelos fulas, e via no balanta o "bom selvagem"... Em c0ntrapartida, os spinolistas  viam  os fulas sobretudo como "místicos e guerreiros"... Enfim, estereótipos sociais...

Esperamos que o texto possa ser enriquecido com os comentários dos nossos leitores, e nomeadamente dos nossos amigos e camaradas de origem fula, como Cherno Baldé (**), bem como por aqueles que, no TO da Guiné, lidaram com as comunidades fulas entre 1961 e 1974.

Sobre os fulas temos cerca de 180 referências no nosso blogue, Sobre os balantas temos uma centena.. Relativamente aos dados de 1950, os balantas eram o grupo mais populoso (31,4%), seguido dos fulas (21,2%), os manjacos (14,0%), os mandingas (12,5%) ... Estes quatro grupos étnicos  representavam cerca de 80% do total da populaçao que era de 510 777 (em 1950).

2. Dragomir Knapic > Notas biográficas
Dragomir Knapic (1926-2006).
Foto: cortesia de
FCSH/NOVA 



(i) Dragomir Janko Edvard Torres Pereira Rodrigues de Lima e Knapič nasceu em Lisboa a 3 de Dezembro de 1925 e faleceu na mesma cidade, a 16 de Outubro de 2006.

(ii) Apesar de, em parte, ter origens familiares eslovenas, Dragomir Knapič viveu quase toda a sua vida em Lisboa, embora na juventude tivesse estado algum tempo na Alemanha, tendo estudado no colégio jesuíta de Koenigswinter, entre 1932 e 1939. 

(iii) No ano seguinte, regressou a Lisboa, onde completou os estudos liceais no Liceu Pedro Nunes, ingressando depois na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, em 1951. Ali cursou Ciências Geográficas, formando-se em 1955, tendo iniciado, em seguida, a carreira docente, que foi a sua actividade principal, ao longo de meio século. 

(iv) Leccionou História e Geografia, no Colégio da Bafureira, Geografia Económica, no Instituto Comercial de Lisboa e Geografia Turística, no Instituto de Novas Profissões, também em Lisboa-

(v)  O ensino foi a sua vocação, encarando a investigação e os estudos que desenvolvia na sua área como meios para ampliar conhecimentos que se destinavam a ser levados por si aos seus alunos.

(vi) Assim, numa outra vertente pedagógica, destacou-se como autor de manuais escolares de Geografia, Ecologia, Biologia e Ciências Sociais, adoptados nos anos 60, 70 e 80 e ainda de outras obras de temáticas afins. 

(vii) "As costeiras de Lisboa : elementos para o estudo da morfologia da região de Lisboa! (1955), foi a sua dissertação de licenciatura e publicou também "Considerações sobre o Comportamento Morfoclimático do Maciço Eruptivo de Sintra" (1965),"Apontamentos de Geografia Turística" (1990), entre outros trabalhos.

(viii) Muito estimado por todos os alunos que passaram nas suas aulas e reconhecido pelos seus pares, foi por isso homenageado três vezes em escolas a que esteve ligado: em 1965, foi-lhe prestada homenagem pelos Alunos do ISCAL, pela sua dedicação ao ensino da Geografia; em 1992, o Instituto de Novas Profissões celebrou os 28 anos da sua actividade ali desenvolvida e o mesmo em 2004, comemorando, desta feita, os 40 anos de ensino nessa Instituição que, à altura, se designava Instituto Superior de Novas Profissões. 

Fonte: Adapt de Faculdade de Ciências Sociais e Humanas, Universidade NOVA de Lisboa > BMSC - Biblioteca Mário Sottomayor Cardia > Doação Knapic

PS - Era cunhado do nosso camarada Mário Beja Santos (, sendo casado com uma irmã), e foi este  nosso camarada e colaborador permanente do blogue,  quem ofereceu esta brochura à biblioteca da Tabanca Grande. O livrinho tem informações preciosas sobre a Guiné dos anos 60: (i) condições naturais; (ii) população; (iii) agricultura; (iv) pesca e indústria; e (v) comércio e circulação.

O Instituto Comercial de Lisboa (1918-1976) foi o antecessor do atual ISCAL - Instituto Superior de Contabilidade e Administração de Lisboa, hoje integrado no ensino superior politécnico.

3. Antologia> Os Fulas, por Dragomir Knapic

A área ocupada pelos Fulas é constituída pela zona  mais interior  que se caracteriza sobretudo pelo domínio da savana arbustiva.

Tem-se falado muito nos Fulas como pastores nómadas, mas eles não são verdadeiros criadores de gado. Os bois quase  não lhes servem para nada. Nem sequer são um símbolo de riqueza. O boi não é animal de carga, nem de tracção. Não fornece carne para a alimentação.

O Fula não sabe curtir devidamente as peles. Utiliza o leite, fresco ou “dormido” (coalhado), este com papel importante na alimentação, mas não sabe mungir bem. Não sabe também  desmamar convenientemente os vitelos. Não faz selecção de certas variedades  de vacas Ndama excepcionalmente leiteiras.

Quando castra os vitelos fá-lo de maneira bárbara. Não abriga convenientemente os animais. Na época seca  por falta de pastos a mortalidade entre os animais novos é elevada, tanto mais que  as manadas fulas  estão cheias de vacas velhas que constituem  um peso morto.

O Fula recorre à queimada para renovar os pastos, mas sem qualquer controlo. Assim destrói cada vez mais a vegetação e os solos. “Sinal de nobreza, parece que o boi goza dos próprios privilégios do nobre; nenhum esforço,  nenhum fim utilitário”. Trata-se de uma autêntica bovimania.

Quando se sedentarizaram, os Fulas, que já eram medíocres pastores, tornaram-se maus agricultores. Começaram por pôr os cativos a lavrar  e tiveram eles próprios de o fazer quando se deu a ocupação europeia qur arruinou o feudalismo fula. Esta mudança obrigou-os a trabalhar, quer para  se alimentarem, quer para arranjarem  o dinheiro necessário às suas compras e ao pagamento do imposto.

A ruina em que se encontra o Futa-Jalão, incluindo o Boé,  é atribuída ao primitivismo agrícola dos Fulas, a floresta é derrubada para no seu lugar se fazerem culturas de arroz de sequeiro.

O esgotamento sucessivo leva ao emprego de outras culturas menos exigentes, no final recorre-se ao  fundo (Digitaria exilis) que acaba por deixar o solo arrasado, mas ainda se tenta aproveitar os últimos restos de fertilidade. Faz-se uma monda de todo o capim que é reunido em pequenos montes, aos quais se junta bosta de vaca.  Pega-se-lhes então fogo e espalham-se as cinzas pelo terreno empobrecido. Faz-se assim um sementeira final de arroz de sequeiro.

Ainda que sedentarizado, o Fula denota no seu povoamento um carácter menos estável do que as populações do litoral. São numerosas as designações de Sinchã ou povoação nova, a palhota  é circular, de paredes de terra. Várias constituem a morança familiar. Estas distribuem-se de modo irregular, confinando pelas sebes que as rodeiam. Os  arruamentos  são reduzidos, conduzindo todos à mesquita ou ao suntura, local de reunião.


Fonte: Adapt. de Dragomir Knapic - Geografia económica de Portugal: Guiné. Lisboa: Instituto Comercial de Lisboa, 1996, policopiado, pp. 18/19.

Seleção, transcrição, revisão e fixação de texto, incluindo o título do poste, para efeitos de edição neste blogue: LG
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Notas do editor:

(**) Vd. poste de 10 de março de 2021 > Guiné 61/74 - P21992: (Ex)citações (393): por que razão é que os fulas não gostavam de vender as suas vacas à tropa (Cherno Baldé, Bissau)

(...) É verdade que os camponeses fulas não gostavam de vender o seu gado e a razão é muito simples, era e continua a ser a única riqueza que têm e com a qual podem contar para se socorrer em casos de necessidade da família e da comunidade ou ainda em casos de calamidades naturais ligadas as suas actividades de sobrevivência.

Só quem (sobre)vive da terra, da agricultura, percebe as dificuldades e incertezas com que se deparam e num pais onde não existem nem subsídios, nem financiamentos ao agricultor.

Para nós, na tabanca, tirar uma galinha já representa um grande sacrifício. E de mais a mais, as manadas representam uma propriedade colectiva onde crianças, mulheres e homens adultos, cada um tem a sua vaquinha para seu sustento (ordenha do leite) e a sua poupança para o futuro a titulo individual e colectivo.(...) 

sexta-feira, 10 de julho de 2015

Guiné 63/74 - P14858: (De)caras (23): José António Canoa Nogueira (1942-1965), natural da Lourinhã, sold Pel Mort 942... Não morreu em Ganjola, mas numa operação para a instalação das NT em Cufar, da qual também fiz parte... Estranhamente tinha por alcunha o "Bombarral"... (João Sacôto, ex-alf mil inf, CCAÇ 617 / BCAÇ 619, Catió, Ilha do Como e Cachil, 1964/66)






Lourinhã > Cemitério local > 6 de maio de2012 > Lápide funerária referente ao José António Canoa Nogueira (1942-1965), o primeiro militar lourinhanense a morrer em terras da Guiné, em 23/1/1965... Era sold ap mort Pel Mort 942 / BCAÇ 619 (Catió, 1964/66).

Era meu primo, em terceiro grau, pelo meu lado materno. Foram vinte os meus conterrâneos, mortos na guerra do ultramar. O seu funeral, três meses e meio depois, tocou-me muito. Tinha 18 anos e na altura, eu era o redactor-chefe do quinzenário regionalista "Alvorada"... E devo ter publicado uma das últimas cartas que ele escreveu (datada de Ganjola, 10/1/1965, e dirigida ao diretor do jornal). Sempre pensei que tivesse morrido nalgum ataque ao destacamento de Ganjola,

Os seus restos mortais estão em jazigo de família, não no novo talhão criado para os antigos comabtentes (I Guerra Mnudial e Guerra Colonial).

Fotos (e legendas): © Luis Graça (2012) / Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné. Todos os direitos reservados


1. Trocando emails,  há dias, com o João Sacôto sobre Ganjola, destacamento de Catió (*), vim a a tomar conhecimento de factos novos, que eu desconhecia, sobre as circunstâncias da morte  do meu primo, mais velho do que eu cinco anos, José António Canoa Nogueira (1942-1965), o primeiro lourinhanense a tombar em combate na Guiné...

Prometi ao João publicar um poste sobre o assunto... Também lhe disse que achava   estranho  o facto do Canoa Nogueira ter a alcunha de "Bombarral" (já que ele era natural da Lourinhã, concelho vizinho...) ,Em contrapartida,  o  João Fernandes Almeida, soldado do pelotão do João Sacôto, tinha por alcunha o "Lourinhã"...

Aqui vai a nossa troca de mensagens. (Também vim a descobrir que o João Sacôto andou na aviação comercial e foi comandante da TAP, além de ter ligações, afetivas, com a minha terra!... Na realidade, o Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande!).


2. Mensagem do João Sacôto, de 30 de junho e de 1 de julho de 2015:


[foto à esquerda, João Sacôto, ex-alf mil da CCAÇ 617 / BCAÇ 619 (Catió, Ilha do Como e Cachil, 1964/66), em  Ganjola, 1965, tendo por detrás a LDM 309, a manobrar para atracar;  João Gabriel Sacôto Fernandes,  que tinha já a frequência da licenciatura em ciências ecoonómico- financeiras  do ISCEF, hoje, ISEG,  (que não completou depois de vir da Guiné), foi piloto da aviação comercial e comandante da TAP, estando hoje reformado]


(i) Quanto ao teu primo José António Canoa Nogueira (1942-1965), natural da Lourinhã, sold do pelotão de morteiros 942 do BCaç 619, com sede em Catió, que tinha por alcunha o "Bombarral" e era muito amigo de um soldado do meu pelotão, o João Fernandes Almeida, alcunha o "Lourinhã", não morreu em Ganjola, mas sim, em combate, numa das operações para a instalação das NT em Cufar, da qual também fiz parte (CCaç 617) numa altura em que, estando a municiar o morteiro, saiu do abrigo para ir buscar granadas, foi atingido, na cabeça, por um estilhaço de granada do IN.

Ainda foi evacuado por helicóptero mas infelizmente, não sobreviveu aos ferimentos.

Sei também que se encontra sepultado no cemitério da Lourinhã, num talhão próprio de antigos combatentes, mortos em combate.

(ii) Realmente também achei estranho, sendo o Canoa da Lourinhã, ter a alcunha de "Bombarral". Acabei de ter o esclarecimento por telefone com o João Almeida (o "Lourinhã"): entre o pessoal havia, por vezes,  a tendência de gozarem com o pessoal da Lourinhã, velhas estórias que conhecerás.  Daí, o Canoa ter feito crer que era do Bombarral e não da Lourinhã, para não ser chateado. 

O João Almeida que era um grande amigo do Canoa, brincava, na altura, dizendo que ele era o "Lourinhã", muito embora não fosse exactamente de lá, da vila, mas sim de uma aldeia do concelho, ao passo que o Canoa,  sendo mesmo da Lourinhã. não tinha essa alcunha mas sim a de "Bombarral". (**)


3. Resposta de LG, com data de 1/7/2015:

Obrigado, João,  pelos teus completíssimos esclarecimentos... Tenho que descobrir o paradeiro do Almeida... Vou todos os fins de semana à Lourinhã... A tua explicação faz todo o sentido: na época a malta do norte (, mesmo sem saber de geografia...)  tinha uma expressão curiosa: "Mas tu julgas que eu sou da Lourinhã?!"... Ou seja: não me tomes por parvo!...

A terra era sinónimo de gente parva por causa da história da loba (que remonta aos anos 30) ... Confundiram uma loba da Alsácia, de uma quinta das vizinhanças (Quinta do Perdigão)  com uma loba selvagem que andaria a dizimar os galinheiros do pessoal e a espalhar o terror (na Lourinhã e no Bombarral)...

Chegaram a pedir a intervenção militar, os parolos!... Feita uma batida, o animal foi morto e levado em triunfo para um pátio camarário (onde é hoje o museu da Lourinhã, dedicado aos dinossauros), e até a banda local veio para a rua, a  tocar festivamente...

Um chico esperto qualquer lembrou-se inclusive de cobrar dinheiro aos mirones que, de longe e de perto, se deslocaram vere o bicho... Quando foi descoberto o engano, a Lourinhã passou a ser conhecida, depreciativamente, como a "terra da loba"... E a banda filarmónica como a "banda do toca ao bicho"... Dois insultos juntos para as gentes da mesma terra!...

Enfim, os vizinhos de Peniche também têm a história dos "amigos de Peniche", expressão depreciativa (que remonta a 1580 e ao prior do Crato, um dos pretendentes ao trono), os Rio Maior, mais acima,  têm a história do "leão de Rio Maior", os de Pombal , no distrito de Leiria,  não gostam que a gente diga que vai "ao" Pombal... (Tal como em Cuba, no Alentejo,  nunca digas que vais a Cuba, mas sim "à" Cuba)... Enfim, histórias da nossa terra e suscetibilidades das gentes de cada terra... 

Eu, quando era puto, também não  gostava nada de dizer aos de fora que era da Lourinhã, com medo de ser gozado... Hoje, a Lourinhã é orgulhosamente a "capital dosdinossauros" (e o seu museu merece uma visita, se lá fores apita...). Enfim, a história da loba só ficou na memória dos mais antigos... Mas nos anos 60 estava ainda muito viva... 

E tudo isto a propósito do infeliz camarada (e primo) Canoa Nogueira. Coitado do Nogueira, era um rapaz simples e bom!... Fui eu que lhe fiz a notícia necrológica, na altura era o redator principal do jornal local, o "Alvorada"...

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(**) Último poste da série > 29 de junho de 2015 > Guiné 63/74 - P14810: (De)caras (22): Quando os autocarros (de Bafatá e de Gabu) chegavam ao porto fluvial do Xime com população e até com provocadores, simpatizantes do PAIGC... Um dia, já depois do 25 de abril, ía havendo uma tragédia: estava eu a montar segurança na Ponta Coli e os meus homens, fulas, quiseram fazer fogo de bazuca, em resposta às provocações da malta do autocarro (António Manuel Sucena Rodrgues, um dos últimos guerreiros do império, ex-fur mil, CCAÇ 12, Xime, 1973/74)

quinta-feira, 21 de maio de 2015

Guiné 63/74 - P14644: (De)caras (21): Em defesa da artilharia e dos artilheiros... e contra o lugar-comum "Importante é a versão, não o facto"... (Vasco Pires, bairradino em terras do Novo Mundo, fazendo também aqui prova de vida, sob o sagrado poilão da Tabanca Grande)


Vasco Pires, um artilheiro de corpo inteiro, fazendo aqui prova (pública) de vida, a meio corpo...



1. Mensagem do nosso camarada, o grã-tabanqueiro Vasco Pires, que no passado século, por volta de 1970/72, lá no cu de Judas, na África profunda, em terras de Tombali, num sítio chamado Gadamael,  foi bravo artilheiro, comandante do 23.º Pel Art, numa guerra que já se varrei da memória dos povos...

Data: 19 de maio de 2015 às 16:19

Assunto: ...Ainda a Artilharia.

"Importante é a versão, e não o facto " (Anónimo).


Caríssimos Carlos e Luis, 

Nós (Artilharia), fomos (somos) poucos e quase esquecidos, uma meia dúzia, talvez, nesta "Grande Tabanca"

Ultimamente as referências que tenho lido, aqui e em outras média, falam de fogo amigo, folclorizando e apequenando a atuação da Artilharia.

Tenho a convicção que,  além de um ou outro estudioso, só nós mesmos lemos os nossos escritos.
Mais tarde, um ou outro antropólogo vai dar uma olhada na nossa versão da História.

Será justo, passar a ideia de Artilheiros relapsos ou trapalhões?

O GAC7 (GA7), teve trinta e dois Pelotões espalhados pelo TO da Guiné, apoiando tropas debaixo de fogo IN, atingindo importantes alvos, quer por ordem superior, quer como fogo de contra-bateria, por vezes apoiando outros aquartelamentos, até tiro direto, para impedir supostas invasões do quartel.

Como somos minoria, a nossa voz quase não é ouvida, mesmo ténue, aqui fica registrada a minha.

Forte abraço.
E siga a Artilharia (que na Guiné estava parada)

VP
Ex-soldado de Artilharia

PS - Conforme solicitado pelo nosso editor-chefe, segue em anexo foto atual.

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sexta-feira, 15 de maio de 2015

Guiné 63/74 - P14617: Questões politicamente (in)correctas (46): "Não sou 'tuga', sou português"... (António J. Pereira da Costa) / "Confesso que nunca me chocou como português e patriota ser chamado por 'tuga' pelos guineenses" (Francisco Baptista)...

1. Comentário (*) do António José Pereira da Costa
nosso grã-tabanqueiro [, Coronel art ref, ex-alf art.  CART 1692/BART 1914, Cacine, 1968/69; ex-cap art,  CART 3494/BART 3873, Xime e Mansambo, e CART 3567, Mansabá, 1972/74; é prortanto oriundo da Academia Militar, e não vem de oficial miliciano, como por lapso é referido mais abaixo, no comentário de outro dos nossos grã-tabanqueiros, o Francisco Baptista. ex-alf mil inf, CCAÇ 2616/BCAÇ 2892 (Buba, 1970/71) e CART 2732 (Mansabá, 1971/72)]

Olá, Camaradas

Pese embora a justeza do assunto tratado, considero ofensivo o nome da organização que procura os pais dos filhos dos militares portugueses que prestaram serviço na Guiné.

Não sou "Tuga", sou Português e só fui assim chamado no contexto diferente pelos guerrilheiros do PAIGC. Acho de péssimo gosto que se persista na utilização de uma alcunha do tempo da Guerra.

Não vejo bem o que esta organização espera obter. Se é ver quem foi o pai de quem não tenho nada contra, se calhar, antes pelo contrário. Contudo, parece-me excessivo que se espere mais do que isto.
Excluindo casos de violação, de que nunca ouvi falar, estamos perante leviandades de juventude das quais hoje, se calhar, ninguém sai bem...

Confesso que sempre ouvi chamar aos ciganos "filhos do vento" por não terem terra e andarem sempre e movimento, comerciando.

Mas posso aceitar a designação que foi estabelecida. Uma organização para a procura de pais cujo nome contem uma alcunha de guerra é verdadeiramente inaceitável...

Um Ab.
António J. P. Costa


2. Comentário de Francisco Baptista (*)


Camarada António Costa;

Apesar de algumas clivagens sociais e militares que herdamos da nossa sociedade pequena e demasiado escalonada, confesso que nunca me chocou como português e patriota ser chamado por tuga por naturais da Guiné Bissau. Se pensares bem no dialecto crioulo que eles falavam não existe a palavra inteira "o português" que tu desejavas.

Pessoalmente agradeço-te a ti que talvez tenhas subido a hierarquia militar a partir de oficial miliciano a consideração pelos milhares e milhares de tugas milicianos que mesmo em percentagem,foram o grosso dos mortos, feridos e combatentes das três guerras de Àfrica. Tu sabes isso, amigo e camarada, porque a tua guerra não começou pelos gabinetes de ar condicionado como a de muitos dos nossos superiores, a quem não podemos chamar camaradas mesmo depois de reformados.
O processo de democratização civil e militar deste grande general que se chama Luís Graça é o possível, não é o desejável.

Um dia numa operação em Mansabá, com dois ou três pelotões, eu muito próximo do chefe da mílicia, um guineense alto e atlético, percebo que se cruzam com formigas das mais chatas de lá, seriam as formigas "correção", não sei. Sei, ele disse a pensar que eu não ouvia ; vamos deixar as formigas para os "tugas".

Estavamos de passagem, íamos corrigir a linguagem ou a mentalidade deles? 

Não quero tirar conclusões, todos os que me lêem são homens inteligentes.

Um abraço a todos,

Francisco Baptista

3. O que o dizem os dicionários  e os linguistas...


3.1. Dicionário Priberam da Língua Portuguesa

tu·ga
(redução de portuga)

adjectivo de dois géneros e substantivo de dois géneros

[Informal] O mesmo que português. = PORTUGA

"tuga", in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [em linha], 2008-2013, http://www.priberam.pt/dlpo/tuga [consultado em 15-05-2015].


3.2. Infopédia

tu.ga
[ˈtuɡɐ]
nome masculino

1. Guiné-Bissau soldado português
2. Guiné-Bissau designação dada a qualquer português
3. Guiné-Bissau designação dada a qualquer indivíduo de raça branca

tuga in Dicionário da Língua Portuguesa com Acordo Ortográfico [em linha]. Porto: Porto Editora, 2003-2015. [consult. 2015-05-15 10:31:08]. Disponível na Internet: http://www.infopedia.pt/dicionarios/lingua-portuguesa/tuga

3.3. Ciberdúvidas da Língua Portuguesa

À volta dos termos galego, portuga e brasuca
Ida Rebelo #

Sobre o termo portuga, convém fazer um comentário que, certamente, não se encontra nos dicionários, mas pode ser verificado em meios digitais de publicação como blogues e também em jornais escritos ou falados.

O termo já foi muito usado no Brasil de forma pejorativa, mas galego é bem mais agressivo e antigo. Galego era a forma de se referirem aos imigrantes portugueses para ofendê-los, enquanto portuga era uma redução deportuguês que, hoje, é usada no mesmo tom que brasuca em Portugal, creio eu.

É possível, também, que, por falta de outro termo para designar informalmente o grupo, se tenha passado a utilizar esse termo em outros contextos que não incluem um tom pejorativo. Cabe aos portugueses dizerem como é usado o termo brasuca em Portugal…

Com o advento da Internet e de grupos como Yahoo, Orkut e os blogues, esses termos passaram a fazer parte de uma espécie de intercâmbio cultural e lingüístico entre integrantes das duas comunidades, portuguesa e brasileira. Hoje, os portugueses referem-se a si mesmos como portugas ou tugas, parecendo ser este último uma indiscutível redução do outro termo.

Acredito, pois, que há mais a dizer sobre o uso do que o que os dicionaristas são capazes, até mesmo devido à rapidez com que os termos são difundidos na Internet, com agilidade/tempo difíceis de ser igualados pelos meios tradicionais de publicação.

(#) Ida Rebelo é uma linguista brasileira. Doutora e mestre em Estudos da Linguagem, Descrição do Português para o Ensino de Português Língua Estrangeira, pelo Departamento de Letras, da PUC - Rio de Janeiro; licenciada em Letras Português-Francês, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa e pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro.

Fonte:  Ciberdúvuidas da Lín gua Portuguesa > Artigo 1393  [Reproduzido com a devida vénia)...

3.4. Wikipédia

Tuga
Origem: Wikipédia, a enciclopédia livre.

Tuga(s) é uma expressão utilizada para designar o(s) portugues(es), tal como acontece com Lusitanos, ainda que este último seja um termo mais erudito ou literário. Tuga é uma abreviatura de Portuga que, por sua vez, é uma derivação regressiva de português, com fontes registadas desde 1899.1

"António Geraldo da Cunha, Dicionário Etimológico da Língua Portuguesa, 2.ª edição, Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1986, ISBN 85-209-0846-2, p. 625

Tuga na Guerra colonial (...) 

O termo tuga popularizou-se durante os anos 1960, no decurso da dita "Guerra Colonial", como expressão para designar os portugueses por parte dos guerilheiros e oposição independentista africana em geral. Tinha como contraponto o termo turra (para terrorista, influenciada por gíria turra (andar às turras), usado pelos portugueses para designar os guerrilheiros independentistas. Ambas as expressões foram, nessa época, entendidas como depreciativas, por serem usadas pelo inimigo. (...)

3.5. Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné > Abreviaturas, siglas,  acrónimos, gíria, calão, expressões idiiomáticas, crioulo...

Tuga - Português, branco, colonialista (termo depreciativo) (crioulo)
Turra - Terrorista, guerrilheiro, combatente do PAIGC (termo depreciativo)

Temos muitas  referências ao termo "tuga" e/ou  aos "filhos do vento"... Ver aqui alguns postes, a título exemplificativo  (***).


20 de Julho de 2009 > Guiné 63/74 - P4710: Blogoterapia (119): As Fantas, as Marias, as Natachas, ou o amor em tempo de guerra e de diáspora (Cherno Baldé)

19 de Setembro de 2011 > Guiné 63/74 - P8798: Memórias de Gabú (José Saúde) (3): reflexos de uma guerra que deixou marcas no tempo: “Filhos do vento”



12 de abril de 2013 > Guiné 63/74 - P11377: (Ex)citações (218): Sexo em tempo de guerra... e brancos mpelelé no pós-independência (Cherno Baldé / José Teixeira / António Rosinha)

12 de julho de  2013 > Guiné 63/74 - P11829: Os filhos do vento (12): "Em busca do pai tuga" ou "Os filhos que os portugueses deixaram para trás"... Reportagem de Catarina Gomes, Manuel Roberto e Ricardo Rezende, a sair no Público, domingo, dia 14

domingo, 8 de fevereiro de 2015

Guiné 63/74 - P14231: Recortes de imprensa (72): Portugual e Espanha: parecenças e diferenças... Esterótipos: (i) "Portugueses, pocos, pero locos"; (ii) "De Espanha nem bom vento nem bom casamento...

1. Quem somos nós, portugueses ?

A pergunta é difícil de responder, porque não somos decididamente o somatório dos 10 milhões que aqui vivem, neste retângulo de 89 mil km quadrados, incluindo os arquipélagos da Madeira e dos Açores, mais o ex-faroleiro das Berlengas...  E mais os cinco (?) milhões de "portugas" que vivem, na diáspora lusitana, em cerca de 200 países diferentes...

É mais simples começar pelos "estereótipos" que os outros têm de nós... Neste caso, os que nos estão mais próximos, geográfica, genética, cultural e historicamente falando: os "nuestros hermanos!", os únicos vizinhos terrestres que, de resto,  temos, do lado poente e setentrional da Europa...

Veja-se (e já agora comente-se) este artigo, publicado há menos de seis meses, no jornal diário espanhol, de Mdrid, o ABC...  (LG)

PS - Acabei por não ir, ontem,  à última das "7 conversas sobre a humanidade", organizadas pela Fundação EDP na véspera do encerramento da vídeo-exposição "7 mil milhões de outros", porque à última da hora houve troca de "artistas"... A conversa era sobre os "portugueses"... (*)




ABC > Sociedad > Diferencias entre portugueses y españoles
Belén Rodrigo, corresponsal en Lisboa.
Día 14/09/2014 - 23.38h (**)


Somos parecidos pero no iguales. Compartimos un territorio pero cada uno tiene sus propias costumbres. De forma divertida y entretenida se pueden contar, a rasgos generales, lo que más nos diferencia

Hermanos, primos, amigos, vecinos, compañeros, socios, cómplices o aliados. Son muchas las formas de relacionar a españoles y portugueses, dos pueblos ibéricos que comparten un territorio y muchos años de historia. Evidentemente hay similitudes entre ambos, por tratarse de dos países fronterizos dentro de Europa, pero a veces se comete el error de pensar que somos en todo iguales o muy parecidos, porque tenemos nuestras diferencias.

Existe siempre el riesgo de generalizar demasiado y no se debe olvidar que no hay ni dos españoles ni dos portugueses iguales, por lo que no se puede hacer de una generalidad una regla. Y al hablar de estos temas nos basamos también en nuestras propias vivencias y experiencias por lo que cada uno puede tener una visión distinta. Además de ser diferentes, unos y otros nos enfrentamos a mitos y estereotipos que se han ido creando a nuestro alrededor. Y no siempre es fácil acabar con esas ideas que pueden perjudicar nuestras relaciones.

Empezando por la forma de ser de cada uno, se tiende a definir al español como una persona alegre y al portugués como una persona triste. Pero ni todo es fiesta en España ni todo es fado en Portugal. Sin embargo, sí que hay rasgos muy diferentes al definirnos.

Los españoles somos más extrovertidos, charlatanes, gritones, expresivos, informales y besucones. Expresamos más abiertamente nuestros sentimientos. Los portugueses por su parte, son más reservados, hablan mucho menos y más bajito, muy educados y formales. En esto de las formalidades nos ganan, sigue siendo el país de doctores e ingenieros, donde el título tiene mucha importancia, demasiada. Los españoles prefieren el tuteo y hasta nos ofendemos si nos tratan de usted.

En Portugal ir de chatos no está muy generalizado. 

En los horarios tampoco nos ponemos de acuerdo, y no sólo porque en Portugal sea una hora menos. A las 12 del mediodía en España se toma un pinchito de tortilla con una caña o una tostada con tomate y aceite, por poner un ejemplo. A esa hora en Portugal ya se empiezan a poner los manteles para comer aunque los restaurantes se llenan alrededor de las 13 horas. Comer a las tres de la tarde y cenar a las diez de la noche es algo muy habitual en las familias españolas pero no en las portuguesas donde ya son horarios muy tardíos.

Y en España, quien puede, después del trabajo se toma una cañita con los compañeros u amigos antes de ir a cenar. En el país vecino eso de ir de chatos no está muy generalizado aunque cada vez hay más lugares para ir de tapas y cañas. Y ya que hablamos de comida aunque ambos compartimos la dieta mediterránea existen algunos matices, sobre todo en la forma de elaborar y de presentar los alimentos.

Y hay que acabar con mitos. Los portugueses son los reyes del bacalao pero no consumen únicamente este pescado. Y los españoles no comemos solo fritos ni estamos todo el día con pinchos y raciones, como a veces se piensan nuestros vecinos. Si nosotros no perdonamos el primer, segundo plato y postre, en Portugal no pierden la costumbre de mezclar todo en un mismo plato en el que normalmente no falta el arroz.

Donde los portugueses nos sacan una gran ventaja es en el café. Nosotros utilizamos mezcla de café natural y torrefacto y se nota mucho en el sabor y en la intensidad. El café solo y expreso forma parte de la cultura lusa, toman dos, tres y hasta cuatro por día. Después de comer en casa, en vez de estar de sobremesa, la familia entera se marcha a tomar café al local de costumbre. Ayuda el precio, una media de 0,60 euros por café.

Idiomas

Y por seguir hablando de ventajas portuguesas, capítulo aparte es el de los idiomas. La fonética lusa es mucho más rica que la española lo cual les facilita mucho las cosas a la hora de aprender idiomas. A eso hay que sumarle el hecho de que a excepción de los dibujos animados, todas las series y películas se emiten en versión original, tanto en el cine como en la televisión.

Es cierto que los españoles tenemos un oído mucho más cerrado pero tampoco se pueden hacer milagros cuando de pequeños nos dan clase de inglés profesores españoles y en general es el único idioma que escuchamos en nuestro día a día. El oído está poco o nada habituado a escuchar los otros idiomas.

Pero este problema español se exagera bastante en Portugal donde nos critican además por traducir todo a la española. Entre los mitos de los que hablaba, muchos portugueses siguen afirmando que decimos “Piedras Rodadas” en lugar de “The Rolling Stones” y “Juanito caminante” en vez de “Johnnie Walker”.

Como ocurre con muchos idiomas, entre el español y el portugués existen los llamados falsos amigos. Si un portugués le dice a una chica que está espantosa significa que está espectacular, apabullante. Y cuando los españoles decimos que la comida está exquisita para un portugués no significa que está deliciosa sino que es rara o extraña.


Los niños

Diferentes somos también a la hora de cuidar a los más pequeños. En Portugal siguen a pie de la letra la recomendación médica de no sacar a los bebés las primeras semanas de vida, a excepción de lo necesario, como son las revisiones médicas. El médico español, por el contrario, te recomienda paseo diario con el bebé, haga frío o calor, le tiene que dar el aire. Apenas se ven capazos por las calles de Portugal, sino las maxicosi o “huevos”, pero los tapan con una mantita o una gasa de tal forma que difícilmente al niño le llega un poquito de aire.

A las mamás españolas les encanta presumir de carritos y de bebés, con vestimenta mucho más emperifollada, sobre todo si son niñas. Los pendientes y los lazos están presentes prácticamente desde el primer día. Y como somos muy de estar en la calle, pues los niños igual. Los portugueses son mucho más estrictos con los horarios de los peques y no pierden detalle con el cuidado. Es casi imposible ver a un peque sin su gorrito si da un poquito el sol y llegan a la playa a las 9 y se van a las 12, si van con bebés. Los españoles sabemos que es lo más adecuado para nuestros niños pero nos relajamos bastante más, son más todoterrenos y no les protegemos en exceso.

La puntualidad no es un punto fuerte ni para unos ni para otros pero en Portugal hay un rasgo muy peculiar a la hora de convocar un evento. En las invitaciones aparece “pelas 12 horas”, por ejemplo. Es decir, sobre las 12. Con esta costumbre tan generalizada nadie sabe muy bien a qué hora empieza un acto y esto ocurre hasta en las invitaciones de boda.

Juntos somos una mezcla interesante, logramos un buen equilibrio

Como forma de resumen, se puede decir que los españoles confiamos mucho en nosotros mismos, nos consideramos en muchas cosas los mejores. Somos, en pocas palabras, muy echados para adelante. El portugués suele ver la botella medio vacía, se lamenta de sus problemas, es bastante envidioso y se fija demasiado en lo que hacen los otros sin darse cuenta de las muchas virtudes que tiene. Y juntos podemos vernos como una mezcla interesante porque lo que en uno exagera el otro se queda corto. Logramos un buen equilibrio aunque normalmente no nos damos cuenta. Tenemos mucho que dar y recibir y sobre todo que aprender de los que están tan cerca de nosotros.

[Reproduzido com a devida vénia. Fixação de texto: LG] (***)

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Notas do editor:

(*) Vd. poste de  31 de janeiro de 2015 > Guiné 63/74 - P14207: Agenda cultural (377): Nós, os portugueses, e os 7 mil milhões de outros: Fundação EDP, Museu da Eletricidade, Lisboa, 7 de fevereiro, 16h00... A não perder!

(**) Último poste da série > 7 de fevereiro de 2015 > Guiné 63/74 - P14227: Recortes de imprensa (71):Hepatite C: ex-combatentes são um grupo de risco: antes de embarcarem para África levavam, em grupo, uma vacina, que era administrada sem os cuidados necessários (SOS hepatites Portugal, fundada em 2005)

(***) Vd. também  poste de 26 de setembro de  2014 > Guiné 63774 - P13654: Manuscritos(s) (Luís Graça) (39):Portugueses pocos, pero locos... Ou como vemos (e somos vistos por) os outros...O que fazer com tantos clichés, estereótipos e preconceitos idiotas ? E não se pode exterminá-los ?

(...) Nisto de comparações internacionais, todos perdemos, ao fim e ao cabo... Porque acabamos por reforçar a filosofia de senso comum, as ideias feitas, os estereótipos que temos uns sobre os outros... A sua origem, às vezes, ou quase sempre, perde-se nos tempos, isto é, na história,..

Por exemplo: o mais internacionalista dos povos, pretendem os valorosos tugas descendentes do Viriato (mas também de judeus, bérberes, africanos negros subsarianos...) seria, sem dúvida, o português. Poderíamos apresentar dezenas de argumentos a favor desta tese. Fiquemo-nos por umas 3 dezenas de proposições a favor da tese do "internacionalismo português"..

O mais internacionalista, universal, ecuménico, global, aberto, flexível e... desenrascado dos povos à face da terra, seria o português (também conhecido por portuga, tuga, Zé, Zé Povinho...)... É a tese da idiossincrasia portuguesa que teria ajudado "a dar novos mundos ao mundo" (...)