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segunda-feira, 6 de dezembro de 2021

Guiné 61/74 - P22786: O meu sapatinho de Natal (5): Doces e felizes recordações natalícias da minha infância (Joaquim Costa, V. N. Famalicão, ex-fur mil arm pes, CCAV 8351, Cumbijã, 1972/4)

Guiné > Região de Tombali > Aldeia Formosa > CCAV 8351 (Cumbijã, 1972/74) > Natal de 1972 > Primeiro Natal passado no TO da Guine´: da esquerda para a direta os  Furriéis Gouveia, Martins, o meu amigo do Colégio das Caldinhas, Costa, Albuquerque e Beires... Fartos do vinho de “bidon”, na fila para o "Champanhe".

Foto (e legenda): © Joaquim Costa (2021). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



1. M
ensagem 
de Joaquim Costa  [, ex-furriel mil arm pes inf, CCAV 8351,  Cumbijã, 1972/74); natural de V. N. Famalicão, a residir em Fânzeres, Gondomar; eng téc e professor ref]:

Data - 6 dez 2021 12h47
Assunto - O Natal da Minha Infância

Meu caro Luís

Já se sente no ar o cheirinho de Natal.

Aqui vai o meu modesto contributo para o blogue (*),  lembrando com emoção os maravilhosos Natais da minha infância. Deixo ao teu critério a publicação do mesmo.

É minha convicção que o Menino Jesus (não o Pai Natal) me vai colocar no sapatinho o meu livro de memórias.

Um grande abraço
Bom Natal, Joaquim.


2. O Natal da Minha Infância

por Joaquim Costa


Passei dois Natais na Guiné, mas estranhamente tenho só uma vaga ideia do primeiro, em 1972, ainda periquito em Aldeia Formosa (foto acima), mas não tenho memória do de 1973, já em Cumbijã, por ventura absorvidos com as desavenças com os nossos vizinhos de Nhacobá.

Como acontece com a maioria de nós, os Natais que nos vêm à memória são sempre os da nossa infância:

A semana que antecedia o Natal era vivida com tanta intensidade e alegria que quase doía.

Ansiava com grande nervosismo e entusiasmo pela grande aventura que era ir com os meus quatro irmãos, noite escura, roubar um pinheiro a uma bouça do lavrador da aldeia para o madeiro da noite de Natal. Vivíamos este momento como numa patrulha noturna nas matas da Guiné já que se constava que nessa semana os filhos do lavrador emboscavam na mata, toda a noite, armados com caçadeira.

Na altura ainda não tinha chegado (do estrangeiro!) a moda do Pai Natal acompanhado do seu pinheirinho e da sua coca-cola. Hoje, para guardar os seus pinheiros, o agricultor só contratando dois grupos de combate armados de G3, bazuca e morteiro.

Por uma questão de estratégia militar, evitávamos estar muito tempo no campo de batalha, pelo que repetimos a patrulha noturna num outro dia para roubar pinhas mansas, que colocávamos junto do madeiro a arder para abrirem e libertarem os pinhões, elemento imprescindível para o jogo do rapa (rapa - tira - deixa - põe) fazendo horas para a missa do galo.

Estes “santos” pecados eram perdoados, sem grande esforço, pelo confessor, na véspera de Natal: 3 Padre Nossos e uma Salvé Rainha por cada pinheiro e uma Avé Maria por cada pinha.

Como eu executava com sentido de responsabilidade e zelo a tarefa que me estava reservada de apanhar musgo para o presépio!

Fazia questão em participar em todas as tarefas, nomeadamente na construção do presépio (fazendo chegar os bonecos), que de ano para ano era maior e mais sofisticado, com quedas de água e azenhas a funcionar

E a consoada?

Bacalhau (na altura comida dos pobres – para quem é bacalhau basta!), batatas e muita hortaliça.

As sobremesas todas preparas à base de pão:

  • rabanadas embebidas em vinho branco verde;
  • mexidos (também conhecido por formigos noutras regiões do país), pão embebido em água que ia ao lume até fazer uma papa e onde se juntava açúcar e canela (e algo mais que é segredo de chef); também se juntava: pinhões, uvas passas e nozes na percentagem dos estilhaços de carne no nosso arroz da Guiné.
  • sopas secas: camadas de fatias de pão sobrepostas embebidas em vinho branco e onde se acrescentava canela e açúcar.
Hoje sou eu que continuo a tradição fazendo os mexidos da minha Mãe (receita que guardei ditada por ela) mas onde os estilhaços já são mais que o pão (o meu filho Ricardo adora).

Todos os anos faço os mexidos já que recrio com emoção os felizes Natais da minha infância.

Mas o dia mais esperado era o dia seguinte, quando os pais autorizavam ainda de madrugada, dada a ansiedade, o ansiado assalto à lareira da cozinha onde estavam colocadas em fila as nossas chancas/socas onde o Menino Jesus todos os anos colocava, religiosamente, duas tangerinas e 3 pequenos bonecos de chocolate.

Claro que não faltava a roupa velha no almoço do dia 25.

Também nunca mais me saiu da memória o último dia de aulas antes do Natal que mais parecia o mercado da vila aos sábados de manhã.

Tive duas professoras na escola primária: a primeira, já muito gasta da idade, que foi a professora de todos os meus irmãos, metia-me mais medo que o óleo fígado de bacalhau (mistela que tínhamos de tomar todas as sextas feiras). A mulher era mal encarada, de mal com a vida, vingando-se nestas pobres criaturas. Granjeou na aldeia fama de excelente professora: disciplinadora, exigente e intransigente, atributos que agradavam, no contexto da altura, a todos os pais daquelas pequenas cobaias. Reguadas (a que eufemisticamente chamávamos de bolos!) por tudo e por nada, puxões de orelhas, vergastadas e orelhas de burro na cabeça virados para a parede era o habitual em todas as aulas. Mais parecia um campo de batalha.

Para nossa felicidade a mulher reformou-se, passando nós da noite para o dia com a nova professora. Passei a gostar da escola e particularmente da professora (meiga, de pele sedosa, simpática… e linda de morrer). Mesmo quando era apanhado a manter na boca o óleo fígado de bacalhau para logo a seguir deitar fora, sorria e fazia de conta que não via.

As duas professores eram de facto muito diferentes, ao ponto de baralharem as minhas ideias (incutidas pela velha professora e pela minha catequista) sobre o que é certo e o que é errado.

Em plena época natalícia e na sequência da leitura do texto: “o sapateiro”,   do nosso mítico livro do tempo do Estado Novo, fomos desafiados a fazer uma redação sobre o tema: “Se eu fosse rico”.

A minha redação foi apresentada como exemplo à turma (mais não fiz que despejar mecanicamente todos os ensinamento da professora e da minha catequista). 

 Com toda a convicção (???) com a minha riqueza ia fazer um hospital para os pobrezinhos, ia ajudar todos os pobres da aldeia dando-lhes uma casa e um galinheiro com galinhas e um galo, fazer obras na igreja da terra etc., etc., até ficar ainda mais pobre, mas feliz e o Céu como garantido.

Numa nova redação sobre o mesmo tema, repeti, obviamente, as mesmas ideias que tanto sucesso tiveram com a antiga professora. Com toda a surpresa minha, a nossa querida nova professora, para além de um medíocre a vermelho, valorizou antes a redação do colega de carteira que “rezava” assim: 

Se eu fosse rico comprava uma casa e umas socas novas para a minha mão; para mim comprava a casa do Dr. Cândido (uma casa senhorial na aldeia com dezenas de empregados), comprava um grande carro, arranjava um namorada e ia passear com ela para Lisboa…

Não obstante esta atitude, incompreensível da professora, percorreu-me um sentimento de pena e compaixão pelo meu colega de carteira, pela sua “infelicidade” e pelo inferno que tinha como certo…

A professora granjeou um respeito e carinho muito grande na aldeia, agora não só dos pais mas também dos alunos. Razão pela qual no Natal os nossos pais lhe enviavam todo o tipo de presentes: galinhas vivas, coelhos vivos, dúzias e dúzias de ovos, e todo o tipo de produtos que colhiam na horta

Para quem vivia no centro da vila num andar não era nada fácil acomodar todos estes produtos, pelo que no último Natal (na minha quarta classe) ganhou coragem e mandou-nos uma pequena mensagem para casa: 

Estou muito grata pelas prendas que amavelmente me enviam, nesta época natalícia, mas agradecia que este ano nada me enviassem pelos vossos filhos… mas, se mesmo assim, insistirem em enviar alguma coisa agradecia que o fizessem com: arroz, massa, conservas, açúcar...

Já o padre da freguesia se tinha antecipado trocando a tradicional oferta de ovos na visita pascal por um envelope fechado com dinheiro (que só podia ser notas), simplificando a logística…

Um bom Natal para todos. Joaquim Costa

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Nota do editor:

(*) Último poste da série > 6 de dezembro de  2021 > Guiné 61/74 - P22784: O meu sapatinho de Natal (4): o que é feito de ti, camarada Dinis Giblot Dalot (CCAÇ 12, Bambadinca, 1969/71), o melhor condutor de GMC do mundo ? (Luís Graça)

terça-feira, 29 de junho de 2021

Guiné 61/74 - P22325: Tabancas da Tabanca Grande (7): O "círio" da Tabanca do Atira-te ao Mar ao Santuário do Senhor Jesus do Carvalhal parte hoje, às 7h00 da manhã...


Igreja do Santuário do Senhor Jesus do Carvalhal... Cortesia da página do Facebook do Santuário.


1. Hoje, dia 29 de junho, dia de São Pedro, um dos três santos populares juninos, alguns dos mais valentes tabanqueiros da Tabanca do Atira-te ao Mar (Porto das Barcas, Lourinhã), vão fazer um "círio" ao Santuário do Senhor Jesus do Carvalhal. A partida está marcada paras as 7h00. Na Lourinhã... Uns vão a pé (cerca de cinco de horas); outros vão de carro.

O Santuário localiza-se na freguesia do Carvalhal, no concelho de Bombarral, distrito de Leiria, diocese de Lisboa, em Portugal, a c.. 25 km da Lourinhã.

Este santuário é, desde há séculos, um  local de peregrinações, círios, feiras e romarias, vindas das mais diversas partes da região (Bombarral, Cadaval, Lourinhã, Peniche, Torres Vedras). Os círios realizam-se sobetudo no verão, indo de maio a outubro. E têm datas fixas.

(...) "Os Círios são outra manifestação religiosa presente neste Santuário com características populares onde algumas comunidades cristãs, desde tempos antigos, organizam peregrinações ao Santuário do Senhor Jesus para louvar e dar graças em cumprimento de promessas. Nestas celebrações mantêm-se as tradições antigas como o Canto da Loas e a Gaita de Foles; depois das três voltas em redor do templo fazem as ofertas dos frutos da terra." (Fonte: Santuário Senhor Jesus)

A motivação dos tabanqueiros da Tabanca do Atira-te ao Mar é  a mais diversa diversa: uns vão para matar saudades do tempo de infância e adolescência em que iam integrados em peregrinação de família ou no círio da sua terra, sendo esta uma festa sacro-profana;  outros vão por simples curiosidade etnogáfica; outros  por devoção; e outros ainda  pelo lado lúdico... Fazer uma caminhada, a pé, de cinco / seis horas horas é obra na nossa idade...Mesmo com o apoio do "carro vassoura"...

No adro do santuário, sob frondosas árvores seculares, fazer-se-à depois um piquenique: a "chef" Alice fez uma tachada de "dobrada à moda da Lourinhã" (ou "tripas à moda do Porto", conforme lhe quiserem chamar)...Cada "peregrino"  ou "romeiro" acrescenta mais qualquer coisinha ao farnel coletivo: o pão, o vinho, as azeitinas, o queijo, as pataniscas, os pastelinhos de bacalhau, a sericaia, etc... que "o santo é pobre mas bem agradecido"... 

O que importa, afinal,  é o convívio e o melhor conhecimento das tradições populares da nossa região estremenha. E, nos tempos que correm, exorcizar os fantasmas, reais e imaginários, desta pandemia que teima em não deixar-nos em paz...

A escassas centenas de metros do Santuário fica a Quinta dos Lorigos, Bacalhôa Budda Eden, que tabém vale uma visita...


2. Sobre o a história do Santuário, lemos na Wikipedia:


(...) Remonta a uma primitiva ermida sob a invocação de São Pedro, padroeiro da freguesia desde o século XIV.

A atual igreja remonta ao século XVI, tendo ruído a primitiva, provavelmente, no grande terramoto de 1531. Pelas descrições feitas nos assentos de óbito, pode verificar-se que no início do século XVII a igreja já tinha as feições que tem hoje. As memórias paroquiais de 1758 não referem qualquer dano causado pelo terramoto de 1755, facto que a ter acontecido deveria ter sido referido, uma vez que era uma das questões colocadas.

Nas aludidas memórias paroquiais, de 1758, é referida a existência dos altares colaterais (um deles já é referido em 1607, num assento de óbito, dedicado a Nossa Senhora da Graça) e a capela-mor já é descrita com as características que tem hoje, nomeadamente o facto de o altar-mor estar separado da tribuna, sem santos na banqueta, com duas imagens a ladear a tribuna, e no vão da tribuna a imagem do Senhor Jesus. Esta descrição da igreja, assim como os assentos de óbito, e as características das cantarias do arco do cruzeiro e dos altares colaterais e da talha dourada do camarim da imagem do senhor Jesus, contrariam a lenda de que a construção da igreja é do século XIX.

Dos finais do século XIX e inícios do século XX, será a capela do Senhor dos Passos, as tribunas da capela-mor, os braços laterais do coro alto e alguns elementos decorativos, como estuques, azulejos e talha dourada. (...)




 3. Lenda da imagem do Senhor Jesus:

Segundo o nosso camarada Joaquim da Silva Jorge, natural de Ferrel, ex-alf mil, CCAÇ 616, Empada, 1964/66, BCAÇ 619, Catió, 1964/66), de "Ferrel através dos tempos" (edição de autor, junho de 2019, 388 pp.),, há várias versões da lenda, mas é esta que se cont na sua terra:

(...) "Vinha um almocreve de Ferrel como seu burro,  carregado de peixe para vender, e viu um grande caixa  que as ondas tinham arrojado à praia. Pegou na caixa  sem grande esforço, apesar das dimensões, e  pô-la em cima do burro, continuando o seu caminho até ao local  da venda do peixe. Depois de ter andado muito tempo, a caixa começar a ficar cada vez mais pesada até que, chegando a um ponto mais alto com árvores, onde existia uma pequena capela em honra de  São Pedro, o burro não conseguia aguentar nem andar mais. Então o homem  descarregou a caixa  e foi chamar   o prior, que a abriu. Depararam-se então com a imagem de Jesus crucificado, que foi recolhida e exposta à veneração pública.  A história depressa de espalhou  e deu origem ao início da devocção dos círios" (pp. 125/126).

4. O círio de Ferrel, uma festa sacro-profana

O círio de Ferrel é, historicamente,  "o maior, em duração de tempo e em número de pessoas, que visita o Santuário do Senhor Jesus do Carvalhal" (p. 127). Nas páginas 127/133, o Joaquim Jorge descreve, com detalhe, o ritual do círio da sua terra, dos anos 60, e as loas que se cantavam durante três dias (sábado, domingo e segunda-feira). Este círio realiza-se sempre no 4º domingo de setembro. Já o do Seixal da Louirinhã é em dia fixo, o dia 7 de Setembro, integrado nas festas anuais da terra.

Vale a pena voltar a reproduzir aqui o supracitado autor, com a reconstituição da memória do Círio de Ferrel:

(...) "Começava sexta-feira, com o gaiteiro a tocar pelas ruas da povoação, anunciando o início da festa. A partida era no dia seguinte, sábado, depois do almoço, Um pouco antes tocava o sino da igreja para lembrar que estava próxima a hora da partida.  No Largo  de Nossa Senhora da Guia juntavam-se os que iam e também os que ficavam. Estes iam ver a partida do Círio. O Juiz da festa  levava o Guião com a cruz a abrir e a seguir o Anjo  com a bandeira do Senhor Jesus e atrás uma grande multidão. Iniciavam-se assim três voltas à igreja, findas as quais o Anjo dava o sinal de partida cantando as loas da despedida da nossa aldeia" (pág. 127).

(...) Apareceu o belo dia / Por nós todos desejado / Dia de gozo e prazer / A Jesus dedicado (...) (pág. 128).

(...) "O sino tocava a repique e começava a partida em galeras, trens, carroças, burros e alguns a pé, talvez cumprindo alguma promessa. Todos levavam enxergas e mantas, galinhas e coelhos e, no princípio da semana, já tinha partido a galera do João Maltez, carregada de lenha para todos. Seguiam pela Atouguia, Serra d'El-Rei, Olho Marinho, Pó, Roliça e São Mamede e costumavam parar e saudar as igrejas destas localidades.

(...) "Finalmente chegava-se ao Santuário. Ao portão do recinto esperam aqueles que partiram nas vésperas. Formava-se a procissão com o guião, o pendão, os mordomos,  o Anjo e o povo e iniciavam-se as três voltas à igreja em louvor da Santíssima Trindade, Pai, Filho e Espírito Santo, no fim das quais o Anjo cantava as Loas da chegada que rezavam assim:

(...) Vinde ó povo desta terra / O Senhor Jesus venerar / Dia em que o Círio de Ferrel / O vem aqui visitar (...) (pág. 129)

(...) "Logo após, entrava-se na igreja para uma primeira visita ao Senhor Jesus, deixando o Guião e o pemdão junto do altar. Entretanto ocupavam-se as casas dos romeiros; acomodavam-se. As mulheres fazaim o jantar enquanto  os homens iam  arrecadar os animais nas cocheiras e tratar deles. Depois do jantar. já noite dentro,  começava o bailarico. Os povos das aldeias vizinhas eram avisados pelo foguetório. Os rapazes eram livers de dançarem com todas as raparigas, os homens com todas as mulheres, os habitantes das aldeias vizinhas com as nossas raparigas e os nossos rapazes  com as raparigas de lá; trocavam-se pares durannte a dança. O folguedo prolongava-se até  de madrugada.

"Chegava o domingo com a 'Festa de Igreja' ou Missa que era celebrada pelas quinze horas. A manhã era aproveitada para visitar a imagem do Senhor  Jesus, beijar-lhe os pés, deixar uma esmola, colocar uma vela ou pagar alguma promessa. Entretanto as mulheres iam preparando o almoço que era ao ar livre. (...) 

"A festa da igreja começava com a saudação solene ao Senhor Jesus cantada pelo Anjo:

(...) Bendita é a cruz / Do Senhor Sagrado / Em que o Bom Jesus / Foi por nós pregado  (pág. 130) (...)

(...) "Depois da missa começavam as arrumações  dos apetrechos levados e a aparelhar os animais e por volta das 17 horas formava-se a procissão para dar três voltas à igreja (...) Na despedida o Anjo cantava assim: 

(...) Adeus Senhor Jesus do Carvalhal / Adeus ditoso lugar / Agora na retirada / Deve-nos acompanhar. (...) (pág. 131).

(...) Deitava-se um foguete e era a  partida.À entrada da Atouguia da Baleia faz-se uma paragem para esperar pelos mais atrasados a fim de que a caravana se recompanha  e para impressionar os nossos vizinhos. (...) O gaiteiro não parava de tocar. A entrada  no largo da igreja [ de Ferrel] era triunfal. Seguiam-se as três voltas à igreja e no fim ouvia-se o Anjo cantar os últimos versos das loas:

(...) Aqui  chegámos enfim /  Em alegre romaria /  Trazendo nossos corações /  Cheios de prazer e alegria (...)

(...) Terminva assim a parte religiosa do nosso Círio, mas a festa  ia continuar à noite e no dia seguinte com animados bailes. A festa tinha três dias: sábado, domingo e  segunda-feira" (pág. 132).

...Claro que hoje a tradição já é não o que era, conclui o nosso Joaqyim Jorge... Mas os nossos amigos ferralejos continuam a ir lá,  todos os anos,  ao Santuário do Bom Jesus do Carvalhal, no 4º domingo de setembro.

O nosso editor promete lá ir ter depois, finda a sessão de fisioterapia, às 11h20...Alguém tem que fazer a  reportagem e provar o rancho... LG
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Nota do editor:

Último poste da série >26 de junho de 2021 > Guiné 61/74 - P22317: Tabancas da Tabanca Grande (6): O régulo vitalício, José Belo, da sempre saudosa Tabanda da Lapónia, de regresso de Key West, traz-nos uma história da espionagem russa e sueca durante a guerra fria, em 1982, ao tempo ainda de Olof Palm

quinta-feira, 13 de maio de 2021

Guiné 61/74 - P22197: Usados & Achados: pensamentos para aumentar a nossa resiliência em mais um "annus horribilis" (10): Dia da espiga... para que não nos falte o pão (espiga de trigo), a alegria (videira), a paz (oliveira), a saúde (alecrim), o amor (papoila) e a sorte (malmequer)...






Lourinhã > Tabanca do Atira-te Ao Mar > 13 de maio de 2021 > Dia da Espiga


Fotos (e legenda): © Luís Graça (2021). Todos os direitos reservados. [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Já foi, nos anos 30 e 40 do séc. XX, um mar de searas e de vinhas, o concelho da Lourinhã... E havia meia dúzia de moinhos de vento em cada aldeia. Hoje é difícil encontrar uma seara  de trigo (por muito pequena que seja) ou até uma vinha (, mesmo que seja aqui que se produz a famosa aguardente DOC Lourinhã). 

Mas hoje é Dia da Espiga, 5ª Feira da Ascensão. a ascensão de Jesus Cristo ao Céu, segundo a liturgia cristã, 40 dias depois da Ressurreição...Curiosamente, hoje é também, para os muçulmanos, o fim do Ramadão. Saúdo o Cherno Baldé e nossos amigos da Guiné que são crentes e praticantes.

A 5ª Feira da Ascensão deixou de ser feriado (religioso) há quase 70 anos, em 1952, se não erro. Mas ainda sou do tempo de se ir colher a espiga neste dia... Logo pela manhã, ia-se em alegre passeio pelos campos colher espigas, de modo a formar um ramo que devia  incluir  cereais (, com destaque para o trigo), flores campestres (papoila, malmequer, alecrim...) mas também   um pedacinho de  oliveira e de videira,,, 

Os nossos pais e avós ensinavam-nos que cada elemento do ramo do Dia da Espiga tinha um significado ou simbologia próprios: (i) espiga=pão; (ii) videira=alegria; (iii) alecrim = saúde; (iv) oliveira=paz; (v) papoila=amor; (vi) malmequer= sorte, fortuna...

Os povos, e nomeadamente em meio rural, marcados pelo ciclo do solstício do inverno e o solstício do verão,   precisavam destas "festividades cíclicas"... Hoje, citadinos (e globalizados), o nosso "imaginário" é outro... se é que ainda temos "imaginário".  

Recordo-me ainda, na casa dos meus tios da aldeia do Nadrupe e da Quinta do Bolardo,  de o ramo da espiga ser colocado por detrás da porta de entrada, para dar sorte, devendo ser substituído por um novo no ano seguinte. No campo respeitava-se este feriado, não trabalhando. Nalguns concelhos do País, e nomeadamente na Estrmadura e no Ribatejo, ainda hoje é feriado municipal.

Hoje a Alice Carneiro e a Maria do Céu Pinteus, mulheres grandes da Tabanca do Atira-te ao Mar (... e Não Tenhas Medo!),  no seu passeio matinal, foram colher a espiga da tradição. Para que não falte,  a todos os tabanqueiros das tabancas da Tabanca Grande,  sorte, saúde, amor, alegria, paz e pão neste ano de 2021...e se realize o nosso desejo de voltar à normalidade das nossas vidas depois de um ano e tal de pandemia de Covid-19, que fez estragos na nossa saúde, nas nossas vidas e nas nossas fileiras!... (LG).

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Nota do editor:

quarta-feira, 24 de junho de 2020

Guiné 61/74 - P21109: Manuscrito(s) (Luís Graça) (186): "Enquanto há saúde, quedos estão os santos"...Mas hoje nem o são João roga por nós... Afinal, "quando Deus não quer, os santos não podem"... E não houve santos populares para ninguém, nem na Tabanca de Candoz...





Tabanca de Candoz > 24 de junho de 2020 > Dia de São João... À mesa, só nove, que onze já é demais, e dá coima...

Foto (e legenda): © Luís Graça (2020) Todos os direitos reservados.
[Edição e legendagem comlementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Há um velho provérbio popular que diz: "Enquanto há saúde, quedos estão os santos"... Trocado por miúdos, o povo, interesseiro, só reza aos santos, quando está aflito...Ou, como ironiza o crítico do Zé Povinho: "Só se lembram de Santa Bárbara, quando troveja"... 


Afinal, ainda bem que a gente tem os santos para se agarrar... e para reinar. 


Mas este ano, devido à tal pandemia de COVID-19 que nos está a tramar, lá se foram os santos populares, o santo António, o são João, o são Pedro... Não há santos para ninguém, seja em Lisboa ou no Porto. E pior: não há santo que nos acuda.. 

Estranhamente, não temos saúde e eles estão quedos...Encontrei outra explicação, dentro da sabedoria popular, que no séc. XVII era capaz de dar fogueira da Santa Inquisição, por heresia, a quem a proferisse da boca para fora: "Quando Deus não quer os santos não podem" ou, noutra variante (, esta do séc. XVI,), "Quando Deus não quer,  santos não rogam"...

Não sou, confesso, muito dado aos arraiais juninos, seja em Lisboa, seja no Porto. Mas acho que o povo tem direito a folgar. Não sei se vem na Constituição o direito aos folguedos e, em última análise, o direito à preguiça, mas também não importa, aqui e agora.   Em muitas tabancas hoje foi dia de comer uma sardinha no pão. Há quem coma em honra do santo. Eu como porque sei que no céu não disto...

De qualquer modo, quem não comeu, não foi bom cristão. E não há a desculpa de que a sardinha está pela hora da morte... Este ano há fartura relativa.  Na Tabanca de Candoz, comi a meia-dúzia que me competia. (À mesa, éramos 9, costumam ser muitos mais...).

E, em boa verdade,  a sardinha já se come muito bem , desde que apanhe só um calorzinho, para não  ficar seca.  A sardinha é um peixe delicado... E, por esta altura, ainda tem pouca gordura, pelo menos a de Matosinhos. A da Lourinhã, a do Mar do Cerro (e que vai parar à lota de Peniche), já está mais cheiinha. Ou é impressão minha ? Se calhar,  estou a puxar a brasa à minha sardinha...

Em dia de são João, mesmo que o santo esteja quedo (, tanto ou mais que nós, que andamos um bocado em baixo, com medo do desconfinamento e da segunda vaga da pandemia... que há vir aí, vem/não vem...), nem por issso deixa de merecer um versinho. 

Afinal é o dia dele, do santo. E para o ano a gente não sabe se vai cá estar, nós e o santo. Camaradas e amigos/as  da Guiné, mantenhas para todos/as.  Animem-se. E não liguem ao provérbio, misógino: "A mulher e a sardinha,  quer-se pequenina"...LG


Em louvor do São João 

que este ano está murcho e quedo...


São João, pouco prazenteiro,
Não salta hoje à fogueira,
Não sei se é santo matreiro
Ou se lhe deu a lazeira.

Dizem que é da pandemia,
E, por mim, é de certeza,
A Invicta está vazia,
Um cemitério de tristeza.

Refugiei-me em Candoz,
Onde o vírus ainda não chega,
Mal será p’ra todos nós,
Se o bicho vem e nos pega.

As sardinhas são de Matosinhos,
No almoço, à varanda,
E, como não há cá vizinhos,
A disciplina é mais branda.

P'ró lanche há sapateira,
Com sabores da Lourinhã,
Hoje a festa é caseira,
Mas há mais santos amanhã.

Diz a Mi: "Ai que saudades
De dar beijos e abracinhos,
Aos meus filhos e netinhos,
Que o Covid é só maldades!" 


Deu-me um abracinho por detrás,
A minha querida cunhada,
Chora p'lo tempo de paz,
Detesta a cotovelada.

Quem de Lisboa chegar
Tem de ficar de quarentena,
Não nos venham infetar,
Não quer’mos cá essa cena.

Não se riam, que o Porto
Fica no mesmo planeta,
E, se isto der p’ró torto,
Vamos todos p’ro maneta.

E p'ra ficar p'ra história,
Da Tabanca de Candoz,
Mando-vos esta memória,
Mantenhas (*) p'ra todos vós.

Com saúde e os santos quedos,
Podem todos cá vir ao Norte,
Que p'ro ano e com sorte,
Teremos melhores folguedos.


Quinta de Candoz, São João,
24 de junho de 2020


(*) Mantenhas: saudações (em crioulo da Guiné-Bissau e de Cabo Verde)
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Nota do editor:

Último poste da série > 14 de junho de  2020 > Guiné 61/74 - P21075: Manuscrito(s) (Luís Graça) (185): por favor, não destruam o que resta da caixinha de Pandora, porque nela ainda está o segredo da nossa salvação, a Esperança, o veneno do mal que nos liberta do mal

quarta-feira, 22 de janeiro de 2020

Guiné 61/74 - P20583: Agenda cultural (723): Exposição de fotografia do nosso camarada Renato Monteiro, "Festas de N. Sra. da Troia", sábado, 25 de janeiro, 16h00, em Setúbal, no Museu de Arqueologia e Etnografia do Distrito de Setúbal (MAEDS)



O Museu de Arqueologi e Etnografia do Distrito de Setúbal (MAEDS) fica na Av Luisa Todi, nº 162, 2900-451 SETUBAL.


1. O Renato Monteiro é membro da nossa Tabanca Grande, tem mais de meia centena de reerências no nosso blogue:

(i) ex-fur mil, CART 2439 /, CART 11, (Contuboel e Piche, 1969), e CART 2520 (Xime e Enxalé, 1969/70);

(ii) licenciado em História pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa,

(iii) professor do ensino secundário reformado;

(iv) tornou-se um notável fotógrafo do quotidiano, com obra feita (vários álbuns publicados desde 1998; e tem pelo menos 20 blogues de fotografia, com destaque para Fotografares e A Minha Cave;

(v) nasceu em 1946, no Porto, vive em Lisboa;

(vi) um dos seus primeiros trabalhos publicados foi "a Fotobiografia da Guerra Colonial", em coautoria com Luís Farinha (Lisboa, Publicações Dom Quixote, 1990, e Círculo de Leitores, 1998).



Guiné > Zona Leste > R3gião de Bafatá > Contuboel > Junho de 1969 > Passeio de piroga junto à ponte de madeira de Contuboel, sobre o Rio Geba. Furriéis milicianos Henriques [Luís Graça] (CCAÇ 2590 / CCAÇ 12) e Renato Monteiro (CART 2479 / CART 11, Cuntuboel e Piche; Xime e Enxalé, 1969):

Foto ( e legenda): © Luís Graça (2005). Tdoos os direitos reservados [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]

2. Sobre esta tradição de Setúbal, as Festas de Nossa Senhora do Rosário de Tróia, padroeira dos pescadores de Setúbal, encontrámos na Net uma pequena notícia, que reproduzimos, com a devida vénia (texto e foto):



Uma tradição de Setúbal.

As tradicionais Festas de Nossa Senhora do Rosário de Tróia, padroeira dos pescadores de Setúbal, estão de regresso às águas do Rio Sado, de 17 a 19 de agosto. Um concurso de barcos engalanados, um círio fluvial, entre a Setúbal e a Península de Tróia, animação musical e fogo-de-artifício são os destaques do programa deste ano.

O evento popular, que todos os anos atrai milhares de pessoas às margens do rio azul e lhe dá novas cores, arranca no dia 17 de agosto, sábado, com uma missa por alma dos marítimos falecidos, na Igreja de São Sebastião, em Setúbal, seguida de procissão para a capela de Tróia.

No dia 18 de agosto, domingo, está marcado um concurso com dezenas de barcos engalanados, às 17 horas e à meia-noite um espetáculo de fogo-de-artifício. No mesmo dia, pode contar com divertimentos, um arraial e animação musical com André Patrão, na Praia de Tróia.

Os festejos terminam a 19 de agosto, segunda-feira, com o círio fluvial de regresso a Setúbal, às 17h15. O evento é organizado pela Comissão de Festas da Junta de Freguesia de São Sebastião, em parceria com a Câmara Municipal de Setúbal.

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Nota do editor:

Último poste da série > 21 de janeito de 2020 > Guiné 61/74 - P20581: Agenda cultural (722): Rancho de Cantadores de Aldeia Nova de São Bento: Celebrando o 5º Aniversário do Cante, Património Cultural e Imaterial da Humanidade: concertos, em Lisboa, CCB, Grande Auditório, praticamente esgotados, em 20 e 21 de março de 2020.

quinta-feira, 5 de setembro de 2019

Guiné 61/74 - P20124: Os nossos seres, saberes e lazeres (352): A festa da Atalaia, Lourinhã: oito dias pantagruélicos porque aqui o marisco é rei... Na festa da Atalaia, alarga-se o cinto e aperta-se a saia... (Luís Graça)


















Fotos: cortesia da página do Facebook da Associação de Festas da Atalaia


1. É uma pena, mas  acaba já amanhã, sexta feira dia 6 de setembro... A Festa da Atalaia, Lourinhã, 2019, em honra de N. Sra. da Guia. A mais popular e concorrida festa anual do concelho de Lourinhã, a 70 km a norte de Lisboa.

Há muitos anos, dezenas de anos, que tem fama e proveito. Ainda me recordo, no regresso da Guiné, em 1971, lá ir comer os famosos mexilhões das Berlengas assados na brasa!... Agora, já não são das Berlengas, são  cozidos à espanhola... Dizia-se que os pescadores e mariscadores da terra tinham um privilégio real, do tempo da Dona Maria II, o de poder ir apanhar mexilhões às Berlengas por ocasião da festa anual...

Nessa altura, a Lourinhã era seguramente o concelho onde mais se pescava e comercializava a lagosta. Tinha portos pesqueiros: porto das Barcas, porto Dinheiro e Paimogo, onde ainda se podem hoje observar o que resta dos numerosos viveiros de rocha...Mas a tradição dos viveiros mantem-se, a Lourinhºa continua a ser um dos grandes fornecedores das marisqueiras de Lisboa...

A festa de N. Sra. da Guia coincide sempre com o primeiro domingo de setembro: este ano começou a 30 de agosto e prolonga-se até 6 de setembro... São oito dias pantagruélicos, porque aqui o marisco é rei!... E, como diz o povo, na festa da Atalaia alarga-se o cinto e aperta-se a saia...

Não tenho estatísticas, mas em anos anteriores, ouvi falar em 10 toneladas de mexilhão... E seguramente centenas e centenas  de quilos de lagosta, sapateira,  camarão, gambas, polvo, amêijoas, búzios, etc. Para não falar das bebidas, da cerveja, da sangria, do vinho leve,  ao litro, ao metro... Do pão com chouriço, das bifanas, etc.

Durante 8 dias, a ribeirinha vila da Atalaia (, que tem como praia e porto de pesca, o antiquíssimo Porto das Barcas), a escassos 2 ou 3 quilómetros da sede do concelho, Lourinhã, é um ventre gigante!... Milhares e milhares de pessoas, do concelho e de toda a região Oeste, passam por aqui todos os anos, sobretudo por causa da "manjedoura de mariscos"....

A relação qualidade/preço é imbatível: a travessa maia cara (38 euros) é a "mariscada" que leva diversas iguarias, incluindo uma lagosta inteira... Apanha-se uma barrigada de mexilhões por 5 ou 6 euros... A sapateira recheada é a oito e meio... Idem uma salada de polvo... Um litro de cerveja, quatro euros... Tudo por conta da santa que nos guia nos dias de mar calamo e nas noites de temporal,

Fui lá na segunda feira, às 20h00, e já não havia mesas vagas...A lotação, não faço ideia, mas é da ordem das muitas centenas de lugares, sentados incluindo dentro do recinto do Pavilhão Multiusos da Atalaia e tendas anexas, à volta... Este pavilhão acolhe outras iniciativas ao longo do ano, como, por exemplo,  o Festival da Abóbora (em outubro) e o Festival do Marisco da AMA (Associação Musical da Atalaia) (em julho).

Naturalmente vai-se à festa da Atalaia, em grupo, com os amigos, que vêm de perto e de longe. Sou fã desta festividade, há mais de meio século. Mais dos que os milhares de forasteiros, o que me impressiona é o trabalho voluntário da comissão organizadora, que mobiliza cerca de duas centenas de pessoas da terra... Nada disto seria possível sem o entusiasmo e a competência desta gente trabalhadora, que tem o mar e o campo no seu ADN... e que também já tem a sua conta na história trágico-marítima de Portugal...  Tenho cá bons e velhos amigos!

A vila da Atalaia está dividida em quatro setores,  cada um dele organiza, à vez. a festa, que é anual. Homens, mulheres e jovens fazem todos os anos uma verdadeira maratona: importa que tudo corra bem e que o pessoal volte sempre e traga mais cinco...

Os lucros da festa, que movimenta muito dinheiro,  revertem para a comunidade... É um exemplo extraordinário de dedicação e amor à terra, o que se passa todos os anos, por esta altura, na vila da Atalaia. Terminda a festa a 6m, começa logo a 7 a do Seixal da Lourinhã: eu e os meus amigos lá estaremos, no sábado... LG

PS - A festa da Atalaia já é objeto de letras de música, como a do nosso jovem amigo e conterrâneo Diogo Picão, que lançou, em 2018, o seu álbum de estreia, "Cidade de Saloia". Trocou a Lourinhã pela cidade grande e pelo mundo, mas não esquece as suas raízes telúricas e afetivas. Um grande poeta, músico, cantor, saxofonista.  Com a devida vénia reproduzo aqui uma das suas bem humoradas letras,  ora irónicas, ora divertidas, ora sarcásticas, justamente a do tema que dá o título ao álbum.

CIDADE SALOIA

Eu não sou mais do campo, acuso minha origem
Recuso enxada e pão, fruta madura e fisga
Recluso da cidade e da doce vertigem
Ter tudo a toda a hora, adormecer na bisga

Que horror, unhas com terra, desleixo no trato
Beijocar os parentes, comer bom e barato
Ser filho do fulano e fulana de tal
Recordarem quem me pariu no hospital

Agora sou da cidade e dos seus miradouros
Vitrines luminosas e avenidas largas
Sibilando palavras-chave citadinas
Recalcando saloias memórias amargas

Na noite glamorosa até horas decentes
Bebendo um cocktail, palrando entredentes
Ou no Cais do Sodré, mão apontada à saia
Creio que sou superior à festa da Atalaia

Mas às vezes tropeço no antigo sotaque
Sou gemada sem gema e me dá um baque
Sou couve, não alface, e penso nos avós
Na canja de galinha e na velha filhós

Se eu brinquei entre as canas, nelas fiz cabanas
Se a cabra e a carraça entraram no meu conto
Quem quero eu enganar, memória por quem chamas
Se entro ao serviço engravatado às oito em ponto

(Fonte: Com a devida vénia, Diogo Picão > Letras > Cidade Saloia)

sexta-feira, 30 de agosto de 2019

Guiné 61/74 - P20110: Os nossos seres, saberes e lazeres (350): a mítica estrada nacional, EN 304, em pleno Parque Natural do Alvão, entre Mondim de Basto e Vila Real... E finalmente conheci o "Ginho", "ao vivo e a cores", na sua terra natal, em terras de Basto, na "Casa do Lago"...(Luís Graça)












Parque Natural do Alvão > A mítica EN 304, já hoje considerada como uma das mais belas da Europa, e o miradouro das Fisgas do Ermelho, uma das maiores cascatas europeias(, fora da Escandinávia e dos Alpes),  no rio Olo, afluente do


Vídeo (30'') Luís Graça (2019) > Miradouro das Figas do Ermelo, 
Parque Natural do Alvão,  Mondim de Basto


1. Obrigado, Luís Jales de Oliveira. Acabaste por ser tu a localizar-me, pelo telemóvel, estava eu no Castelo de Arnoia, no vizinho concelho de Celorico de Basto. O teu número de telemóvel, antigo, já não estava atribuído.

Tiveste depois a gentileza de ir ter comigo (e o meu grupo, a Alice, minha esposa, a Nitas e o Gusto, os meus cunhados e sócios da Quinta de Candoz)... Encontrámo-nos no Restaurante Esplanada Caso do Lago, em pleno centro de  Mondim de Basto. Tomámos o café juntos e selámos o nosso encontro, "ao vivo e a cores", com uma aguardente DOC Lourinhã!...

Ora, eu, de passagem pela tua terra, Mondim de Basto, queria apenas dar.te um "alfabravo" e "partir mantenhas"... 

Voltei, ontem, 5ª feira à noite, à Tabanca de Candoz, no Marco de Canaveses, depois de uma breve mas memorável viagem por terras de Basto, do Parque Natural do Alvão, e pela mítica estrada nacional nº 304... Viemos todos extasiados com a magia das tuas paisagens... incluindo as Fisgas de Ermelo (que revisitámos)... 

Agora percebo melhor donde te vem a inspiração poética... Mas Mondim de Basto é para se conhecer com tempo e vagar,segundo o teu sábio conselho... Prometo voltar... Afinal de contas, somos vizinhos. A tua generosidade e hospitalidade foram excessivas, dignas de um príncipe. E, como amor com amor se paga, espero por ti um dia deste, aqui, em Candoz, ou mais abaixo na Lourinhã, na Estremadura...

O tempo foi curto. Fiquei feliz por te conhecer pessoalmente, para mais na terra que tanto amas e que cantas como ninguém. A Alice e os meus cunhados não sabem, também,  como agradecer-te os teus mimos. Mas eles também são do Norte e sabem como receber, como as gentes de Basto. Afinal, vocês todos filhos do vale do Tâmega.

Fico feliz também por saber que ajudaste a travar o crime lesa-Tãmega, o nosso vale do Tâmega que, com o vale do Sousa, foi o berço deste terrunho  a que chamamos Portugal, crime esse que se perfilava, como uma espada de Dâmocles,  com a planeada construção da barragem de Fridão... 

Saúde e, longa vida para ti e os teus ... Tens aqui algumas das muitas  fotos que tirei.

PS - Força para o teu livro sobre a Guiné!...Haveremos de encontrar editor!...


2. Nota do editor:

Já em tempos aqui escrevemos, soltas as amarras de editor (*): há terras do Portugal profundo que tem a sorte de ter o seu poeta, o seu cantor, o seu músico, o seu pintor, o seu fotógrafo... Mondim de Basto, ou melhor, as Terras de Basto, têm o privilégio de, a par da beleza telúrica, da tradição histórica, do património cultural e da riqueza gastronómica,  poderem orgulhar-se da voz que as canta. Se uma imagem vale mil palavras, um poema é um caleidoscópio. Não há fotografia que substitua um poema.

Luís Jales de Oliveira,  carinhosamente tratado por "Ginho",  filho de Mondim de Basto, nosso camarada, membro da nossa Tabanca Grande, foi fur mil trms inf, Agrup Trms de Bissau e CCAÇ 20 (Bissau e Gadamael Porto, 1972/74).  E é, sem favor, o  autor  de um dos mais belos poemas, que eu tenho lido, sobre a a Guiné e a guerra colonial, der ressonância bíblica:  "Se eu de ti me não lembrar, Jerusalém (Gadamael Porto, Guiné, 1973)" (*).

Destaque igualmente para o seu livro de poemas, mais recente,  "Corre-me um Rio no Peito" [ed. de autor, 2010, Mondim de Basto, 72 pp. ], que merece uma leitura, pausada e saboreada,  à beira do rio Tâmega, em Momdim de Basto, ou em Amarante ou em Canavezes... Tem um outro mais antigo,  Basto (poemas). [Mondim de Basto], edição de autor, 1995, 49 pp.], de que já reproduzimos alguns excertos (**).

Faltava-me, entretanto, conhecer o "Ginho", em carne e osso, ou seja, ao vivo e a cores... Por sorte, e quase por acaso, proporcionou-se, ontem, quinta feira, dia 29, esse tão desejado encontro... Estando eu na Tabanca de Candoz,  a 60 km de distância, fomos dar um dos nossos passeios de um dia a terras de Basto, eu, a Alice e os meus cunhados e sócios da Quinta de Candoz.  Sen programa rígido, a ideia era dar um passeio pela parte antiga de Mondim de Basto, almoçar por ali e visitar as Fisgas de Ermelo... Por razões de saúde, não nos convinha fazer grandes caminhadas...

Lá localizei o "Ginho" (ou melhor, foi ele que deu conta da minha presença nas terras de Basto de que ele é o "príncipe")...Ora não se entra impunemente aqui... Porquê ?... Porque, apesar do "túnel", o nosso "príncipe" avisa,  em tom intimista: “Para cá do Marão mandam cá os que cá estão,/ Que até aqui Basto eu!” (Luís Jales Oliveira, In Basto (poemas), 1995, p. 15).

Embora ele me tratasse, principescamente, como "comandante", eu tive que baixar a bolinha... E,  à despedida,  lá bebemos um "Lourinhã ( a "Casa do Lago" tem uma fantástica garrafeira!...e o dono é confrade da Alice, ou seja, irmão da Colegiada de Nossa Senhora da Anunciação da Lourinhã).

Bebemos um "Lourinhã" à vida, à saúde, à camaradagem à Guiné, a Mondim de Basto, a Candoz, à Lourinhã... E com a promessa de voltarmos, se possível na Noite de Romeiros de Santiago, em 24 de julho, hoje  o principal cartaz das Festas do Concelho de Mondim de Basto. O "Ginho" muito contribuir, enquanto antigo assessor cultural da presidência da câmara municipal, para a reabilitação e dinamização desta tradição ancestral. (***)


Mondim de Basto > Restaurante Esplanada Casa do Lago > 29 de agosto de 2019 >  Luís Jales de Oliveira, o representante da Tabanca Grande em terras de Basto...


Mondim de Basto > Restaurante Esplanda Casa do Lago > 29 de agosto de 2019 > A Alice e o Luís Jales Oliveira, carinhosamente tratado por toda a gente como "Ginho".


Mondim de Basto > 29 de agosto de 2019 > Junto ao monumento aos combatentes do ultramar >  Da esquerda para a direita, Nitas, Luís Graça, "Ginho" [Luís Jales de Oliveira] e Alice



Mondim de Basto > 29 de agosto de 2019 > Junto ao monumento aos combatentes do ultramar >  Da esquerda para a direita, Nitas, Guisto, "Ginho" [Luís Jales de Oliveira] e Alice

Fotos (e legendas): © Luís Graça  (2019). Todos os direitos reservados. [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]
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Notas do editor:


sexta-feira, 9 de agosto de 2019

Guiné 61/74 - P20045: Lembrete (32): Lançamento do livro "Ferrel através dos tempos", do nosso camarada Joaquim Jorge, ex-alf mil, CCAÇ 616 (Empada, 1964/66)... Hoje, em Ferrel em Festa, sábado, dia 9 de agosto, às 17h00




Leiria > Monte Real > IX Encontro Nacional da Tabanca Grande > Palace Hotel Monte Real > 14 de junho de 2014 > O Joaquim da Silva Jorge e a esposa Esmeralda (Ferrel / Peniche)... É o membro nº 698 da nossa Tabanca Grande.

Foto (e legenda) : © Luís Graça (2014). Todos os direitos reservados. [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


Pormenor da capa do livro do Joaquim da Silva Jorge


1. Lembramos aqui o convite do nosso camarada Joaquim [da Silva] Jorge, régulo da Tabanca de Ferrel / Peniche, ex-alf mil, CCAÇ 616, Empada, 1964/66, BCAÇ 619, Catió, 1964/66), bancário reformado, ex-autarca e ativista comunitário, para aqueles de nós que  puderem,  estarmos hoje, na sua terra natal, para o lançamento do seu livro "Ferrel através dos Tempos".

O evento realiza-se em Ferrel, concelho de Peniche,  hoje dia 9 de agosto, 6ª feira, às 17h00, no salão de festas do Jardim Infantil de Ferrel.  (**)

Recorde-se, por outro lado, que Ferrel está em festa, desde o dia 5 até ao dia 10.  E no último dia, sábado, dia 10, às 15h30, irá realizar-se a famosa corrida de burros, seguarmente a mais dibvertida (se não mesmo a mais famosa!)  do planeta...  A não perder!... Absolutamente!... Vai já na 52ª edição!


segunda-feira, 6 de novembro de 2017

Guiné 61/74 - P17939: Manuscrito(s) (Luís Graça) (127): O Dia de Fiéis Defuntos na Tabanca de Candoz: aqui a tradição ainda é o que era...


Marco de Canaveses > União das Freguesias de Paredes de Viadores e Manhuncelos > Candoz > Quinta de Candoz > 1 de novembro de 2017 > "Antiga casa de caseiro", fechada há mais de 30 anos... Como outras tantas casas cujos "inquilos" morreram...E as enormes teias de aranha ganham o estatuto de marcas do tempo... É sempre estranho e intimidante entrar numa casa fechada...

Foto (e legenda): © Luís Graça (2017). Todos os direitos reservados. [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



Manuscrito(s) (Luís Graça) > A comunhão dos vivos e dos mortos > Paredes de Viadores, 1 de novembro de 2017: aqui a tradição ainda é o que era


Dia de Todos os Santos. Na minha terra, na Estremadura, era o dia do "pão por Deus"… Lembro-me, de puto, de andar também de sacola às costas, em bando, de casa em casa, a "pedir o pão por Deus"...Ia-se sobretudo àquelas casas, dos ricos e remediados, que sempre tinham um pão doce, uma broa, uma guloseima ou um tostão para dar às crianças...que, de certo modo, representavam as almas dos fiéis defuntos, em errância pelo mundo.


Aqui, em Paredes de Viadores, Marco de Canaveses, não há essa tradição, mas é o Dia de Finados (que o calendário litúrgico celebra só amanhã). Estou no recinto da capela de Nossa Senhora do Socorro, no alto da antiga freguesia de Paredes de Viadores, velha ermida cuja origem se perde nos tempos. Terá sido reconstruída por volta de 1877. O cemitério, ao lado, esse, data de 1894.


Como os cristãos se recusavam a ser enterrados fora do "solo sagrado" (ou seja, no interior das igrejas ou do seu adro), por razões de saúde pública, foram criados os primeiros cemitérios públicos em Lisboa, nos primórdios do liberalismo (1835). Mas a medida é ferozmente combatida por grande parte do clero e demais apoiantes da "sociedade senhorial", ou seja, do absolutismo...


A revolta minhota da Maria da Fonte, em 1846, tem a ver também com a proibição, do governo de Costa Cabral, de enterrar os mortos nos recintos religiosos e com o protagonismo dos médicos que passam a certificar o óbito... A sublevação popular que se estende a grande parte do país, leva a soluções de compromisso: a maior parte dos cemitérios públicos, sobretudo no Norte, surgem muito tardiamente, já nos finais do séc. XIX, e são construídos com muros, restos de muralhas e ruínas, e como extensão do "recinto sagrado" (a igreja ou capela e o seu adro) ...É o caso deste cemitério paroquial, rural...


Em 1890, Paredes de Viadores tinha pouco mais de um milhar de habitantes, hoje não chega aos 1300 (censo de 2011).Século e meio de depois, a vida e a morte, o profano e o sagrado juntam-se, mais uma vez, no sítio da antiga ermida de Nª. Sra. do Socorro.





Marco de Canaveses > Paredes de Viadores > Capela de Nossa Senhora do Socorro (restaurada em 1877) e Cemitério da freguesia (1894) > 1 de Novembro de 2008 > O recinto de festas da N. Sra. do Socorro, na freguesia de Paredes de Viadores, enche-se de viaturas e pessoas que, aproveitando o feriado de Todos os Santos, vêm celebrar o Dia dos Fiéis Defuntos, ou Dia de Finados, ou simplesmente Dia dos Mortos, que no calendário religioso é a 2 de Novembro. Hoje há missa às 2 horas da tarde. Depois o padre segue para o cemitério para uma breve cerimónia religiosa, aspergindo com água benta as sepulturas. É um acto de comunhão entre vivos e mortos. Antigamente, creio que antes do Vaticano II, havia três missas, seguidas... Mas mesmo hoje a capela, que data de 1877, torna-se pequena para a multidão que aqui se junta. A fé já não é (nem pode ser) a mesma, mas o ritual mantém-se. Como há séculos. (Comparando com a  foto que tirei em 1 de novembro de 2017, mas que não tenho aqui disponível, a única diferença que se pode notar é no parque automóvel, que melhorou, e nas árvores, agora maiores e mais frondosas, à volta do recinto...). (*).

Foto (e legenda): © Luís Graça (2008). Todos os direitos reservados. [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


Há largas dezenas de viaturas, talvez mais do que uma centena, espalhadas em redor do recinto (capela, cemitério, parque das merendas). São duas da tarde. As pessoas da freguesia (que agora faz parte da união das freguesias de Paredes de Viadores e de Manhuncelos) comem à pressa (ou mais cedo) para chegar a tempo e horas da missa e bênção das campas.

A capela está a rebentar pelas costuras e cá fora há outro tanto "povo" (como aqui se diz). Ninguém quer perder este momento único do ano que é a celebração do Dia de Finados no feriado de Todos os Santos. Há muito que o povo aqui substituiu os santos pelos seus queridos mortos. É, em resumo, o dia em que os vivos falam, em voz alta, com os mortos. Ou melhor: comungam...

É muito povo junto para uma pacata freguesia do Marco de Canaveses, de povoamento disperso, que vai de Mondim a Candoz, e que é servida, no Juncal, pelo comboio da belíssima Linha do Douro. "Cheiram" a fumo e a anho assado no forno com arroz, que é a especialidade gastronómica da região (Marco de Canaveses e Baião). Hoje é dia de comer arroz de forno. Como na Páscoa e na festa de Nª Sra. do Socorro, festa rija com muito fogo de artifício, que se realiza nos finais de julho (*). Mas já não vêm a pé, agora é um "povo motorizado". 


Além disso, a capela fica num alto, com um estradão de acesso, empedrado, muito íngreme. As mulheres, antes de sair dos carros, besuntam-se à pressa com o perfume dos frasquinhos que vão rebuscar nas malas. Porque depois da missa e da procissão até ao cemitério, vão-se beijar todos uns aos outros, os primos, os parentes, os vizinhos, os amigos, alguns os quais vieram de longe, de Ermesinde, da Maia, de Matosinhos, do Porto, de Gaia e até de Lisboa, como eu e a Alice...

Sento-me no muro, enegrecido, do recinto da capela. É já centenário como a capela cujas obras de refundação remontam a  1877, perdendo-se a sua origem no tempo. À volta há sete ou oito oliveiras, bem cuidadas, carregadas de azeitonas, umas já pretas, outras ainda verdes. Lá dentro há um coro de vozes femininas, estridentes. Ouço o “Aleluia”, mas já não sei dizer em que parte vai a missa...


É uma religiosidade ancestral, com profundas raízes socioantropológicas que remontam porventura à época pré-romana e pré-cristã. Quem é vivo e pode deslocar-se, não perde as cerimónias, os gestos, as palavras e as emoções deste Dia de Finados. Pena é que o sol aqui se ponha cedo, por detrás da serra (ou planalto) de Montedeiras. É um catolicismo de raiz pagã, está no ADN desta gente, homem, mulher, criança, velho… “Sou mouro, não há dúvida!”, penso eu com os meus botões.

As campas foram, de véspera, energicamente lavadas e polidas. Com aquele esmero e compulsão que as mulheres do Norte põem nas tarefas de limpeza da casa. Estão cobertas de vistosos ramos de flores e raras são as sepulturas que não têm visitas. Cada família deixa dois, três ou mais círios de 7 dias, acesos. Brancos ou vermelhos, porventura “made in China”. São como as pilhas Duracell que a publicidade diz que duram e duram... À noite, o cemitério é um campo feérico, cheio de mistério, de magia e de interditos. Os vivos e os mortos só se cruzam de dia, e em especial neste dia, o Dia dos Fiéis Defuntos...

Do meu posto de observação, entre uma oliveira e um nicho onde as mulheres vão “queimar” velas de cera, vejo em frente o belo parque de merendas com árvores que mostram a folhagem, de vivas cores outonais. A igreja e a nobreza enquadraram durante séculos esta gente, procurando dar-lhes um sentido para uma vida de "bestas de carga": camponeses, rendeiros, cabaneiros, criados... 


Acendo duas velas por todos os mortos, em todas as guerras do passado deste país que começou aqui, nos vales do Sousa e do Tâmega, e de quem porventura ninguém se vai lembrar neste dia. Na última guerra, a do Ultramar, este concelho perdeu 45 dos seus filhos, mas não encontro, na lista, nenhum combatente aqui de Paredes de Viadores. (Há no concelho, pelo menos, três memoriais ou monumentos aos combatentes da guerra do ultramar, na sede do concelho, em Paços de Gaiolo e em Vila Boa de Quires.)

A fila dos que assistem à missa chega até à grade do portão exterior do recinto da capela. Há carros que continuam a chegar, atrasados ou com gente mais idosa que precisa de apoio de braço para se deslocar até aqui. É já difícil estacionar. Com os lucros da festa de Nª Sra do Socorro, os mordomos vão comprando terras à volta, fazendo muros altos e alindando o sítio.

Reza-se o Padre Nosso com devoção, uns, maquinalmente, outros, mesmo as duas jovens manas, de nariz arrebitado e ar suburbano, que estão aqui ao meu lado, sentadas num banco de pedra. Quem é que não sabe ainda recitar o "Padre Nosso que Estais no Céu", que todos nós, "cristãos, judeus e mouros", aprendemos na escola e na catequese ?

O sino bate, com um som grave, à meia hora das duas da tarde. É espantoso como o sino das nossas igrejas e capelas ainda mexe connosco e as nossas memórias de infância. Estou aqui, a um canto, escrevinhando o meu bloco de notas. E pergunto-me: “Será que eu também sou daqui ?”… 


Venho aqui há 40 anos e ainda há  coisas da idiossincrasia deste povo que me escapam... A Tabanca de Candoz, além da Alice Carneiro, madrinha de guerra de muitos combatentes,  está bem representada, entre amigos e camradas: dos antigos combatentes encontro o Manuel Carneiro (CCP 121 / BCP 12,  BA 12, Bissalanca,1972/74)(**), o José Ferreira, o Zé do Alto,  (que também esteve na Guiné, no início da década de 1970,  antigo presidente da junta de freguesia local, primo da Alice,  empresário); os meus cunhados José Ferreira Carneiro, que esteve em Angola, em Camabatela, 1969/71, e o António Ferreira Carneiro, que foi ferido em Moçambique, Tete, 1964/66)... (O Manuel Carneiro, reformado da CP, residente no Juncal, não tem qualquer ligação de parentesco com a família Carneiro, de Candoz). Falta aqui o Júlio Vieira Marques, exímio tocador de violino, e que a malta da Tabanca de Matosinhos já conhece: também esteve na Guiné em meados dos anos 60 e também faz parte da Tabanca de Candoz.

As pessoas estão há mais de meia hora de pé. Quem está cá fora, a acompanhar a missa, também observa quem chega e como se comporta. Quem chega, abraça, beija ou cumprimenta com aperto de mão quem está ao lado. Todos se conhecem, contrariamente ao pessoal da grande cidade donde eu venho. Todos aqui são primos, parentes, vizinhos ou amigos uns dos outros. Ou foram namorados/as, colegas de escola, companheiros/as da catequese e da comunhão…

Sai, por fim,  a procissão com a cruz à frente e o padre com a caldeirinha de água benta, a caminho do cemitério que fica ao lado, são escassas dezenas de metros de percurso. O sol mal rompe a cortina de nuvens que o estrangula. Dizem que hoje vai chover. O dia está triste, adequado à cerimónia. Continua a rezar-se maquinalmente, eles e elas. Quem está sentado, levanta-se, e toma então lugar na procissão a caminho do cemitério.

Feita a bênção das campas, cada família recolhe-se por uns largos minutos junto da campa dos seus, ajeita os ramos flores, beija os retratos esmaltados dos seus queridos mortos, dá os últimos retoques, faz as suas orações, conta histórias, recorda memórias, mata saudades… Da casa de Candoz, repousam aqui os restos mortais dos nossos dois "mais velhos": Maria Ferreira (1912-1995) e José Carneiro (1911-1996).


Há lágrimas furtivas nalguns rostos...E depois acontece, a seguir, uma descompressão geral. O ambiente torna-se ruidoso e quase festivo e até galhofeiro. A alegria de viver e o forte sentido gregário deste povo não são incompatíveis com o milenar cultos dos mortos. O resto da tarde é passado a beijarem-se e a abraçarem-se, mostrando uns aos outros que estão vivos e bem de vida e de saúde… As mulheres foram ao cabeleireiro, vestiram roupa domingueira, enfim, estão "todas produzidas”, como aqui se diz, com graça.

Chega-se por fim a casa, já noite, com a consciência do dever cumprido, o de velar pelos mortos sem deixar de cuidar dos vivos, duas das 14 obras de misericórdia que fazem parte do legado da nossa ancestral cultura não apenas judaico-cristã como helénica
… “Dei um abraço àquela malta da minha infância, do tempo de escola, que já não via há cinquenta ou sessenta anos… E foi como se fora o último!”, diz alguém de volta ao carro...

Confesso que nunca tinha visto, como aqui, no cemitério da freguesia de Paredes de Viadores, do antigo concelho de Bem Viver, um lugar tão especial, singelo e até ternurento, de socialização. O único dia do ano em que os vivos falam, tu-cá-tu-lá, com os seus queridos mortos. E se juntam, em pé de igualdade, no mesmo espaço,  a antiga nobreza (os "fidalgos" e seus descendentes), o novo clero e o (e)terno povo… 

A um "mouro", como eu, que vem do sul, observador participante, apraz-me registar, com respeito,  no meu bloco,  uma última observação: Aqui a tradição ainda é o que era...(***)


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Notas do editor:

(*) Vd. postes de:

30 de julho de 2015 > Guiné 63/74 - P14947: Nas férias do verão de 2015, mandem-nos um bate-estradas (12): Há festa na aldeia!...O Grupo de Bombos do Grilo, Baião, na Tabanca de Candoz, Paredes de Viadores, Marco de Canaveses

21 de novembro de 2012 > Guiné 63/74 - P10702: Tabanca de Candoz: Há a bazuca e a... mazurca; ou aqui não há festa sem música, sem dança no terreiro, sem contradança, valsa, fado, baile mandado..., ou seja, sem as velhas, novas, tunas rurais de Entre Douro e Minho...

2 de novembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3394: Blogoterapia (68): Amnésia, vergonha, denegação ou ocultação dos próprios nossos mortos (Luís Graça)

(**) Vd. poste de 7 de outubro de 2007 > Guiné 63/74 - P2163: História de vida (7): Manuel Carneiro, 55 anos, director de rancho folclórico, ex-pára-quedista da CCP 121 / BCP 12 (Luís Graça)

(***) Último poste da série > 30 de outubro de 2017 > Guiné 61/74 - P17916: Manuscrito(s) (Luís Graça) (126): O fogo que nos redime