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quarta-feira, 22 de novembro de 2023

Guiné 61/74 - P24872: Historiografia da presença portuguesa em África (395): O problema das florestas da Guiné portuguesa, anos 1950 (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 25 de Abril de 2023:

Queridos amigos,
É bem conhecido que desde a governação de Sarmento Rodrigues havia a preocupação permanente de enviar missões científicas à Guiné, desde a antropologia à saúde, à investigação das potenciais riquezas do subsolo, é bem farta a lista de publicações destinadas a identificar problemas e a propôr soluções. Creio que esta contribuição para o estudo do problema florestal da Guiné suscitará mais do que curiosidade, poderá permitir aos ambientalistas e aos silvícolas guineenses uma fundamentação para a denúncia das derrubas que se fazem no país por pura ganância.

 As denúncias são bem claras: a mais célebre superpotência comercial da Ásia, que se diz amantíssima da paz e fiel amiga do progresso dos povos, socorre-se de intermediários que compram à socapa ou às claras estas preciosas madeiras exóticas que serão transportadas para satisfazer as necessidades das classes possidentes chinesas. Toda a gente sabe o que se passa com o drama florestal da Guiné, mas o melhor é não falar na questão, ela dá réditos valiosos a quem permite este tráfico criminoso.

Um abraço do
Mário



O problema das florestas da Guiné portuguesa, anos 1950

Mário Beja Santos

Este livro intitulado Contribuição para o Estudo do Problema Florestal da Guiné Portuguesa, editado em 1956 pela Junta de Investigações do Ultramar, interessará essencialmente aos engenheiros silvícolas e aos agrónomos em geral, mas espelha uma realidade das florestas do tempo, terá certamente a sua chamada de atenção para os peritos de hoje, assoberbados com a gravidade do problema florestal, sujeitos a ameaças de ganância e a pressões ambientais de elevada intensidade. 

Aquele trabalho da brigada de estudos florestais que se deslocou à Guiné portuguesa nos primeiros meses de 1954 tinha a intenção de ali realizar os primeiros estudos concretos sobre o reconhecimento florestal da Guiné, a produção madeireira já era muito apetecida; e havia também a incumbência de avaliar o comportamento do complexo ecológico perante a alteração mais ou menos profunda do coberto florestal. 

Como acontece em muitos destes estudos, da ambição de muito fazer, havendo pouco tempo, os peritos limitaram-se às regiões florestais de Farim e do Cantanhez, justificando Farim pelo comprovado valor económico e o Cantanhez pela sua tão especial composição florística e fisionomia.

Falando das regiões climáticas da Guiné, os autores lembram que há duas grandes zonas climáticas: Sahelo-sudanesa e Sahelo-guineense. A Guiné integrar-se-á nas duas sub-regiões climáticas daquelas zonas, Baixo Casamansa e Guineense Marítima. O clima do Baixo Casamansa é uma variante marítima do clima Sahelo-sudanês, tal como o clima Guineense Marítimo é uma variante marítima do clima Sudano-guineense. 

Os autores dissertam longamente sobre as parcelas de estudo, obviamente que não podem abdicar da sua terminologia técnica, aqui dispensável. Reportam que o território da Guiné é ocupado na maior parte da sua área por um tipo de vegetação que se engloba na “formação aberta” do tipo da “floresta seca aberta”. E adiantam: 

“Esta formação, bastante complexa e com muitas variantes florísticas, é caracterizada principalmente pela sua fisionomia, em que predomina um estrato arbóreo de 20 a 30 m de altura, relativamente espaçado, um estrato arbustivo, frequentemente muito denso”; lianas e cipós, hoje muito pouco representados.

Quanto ao caráter florestal, concluem ser o bissilão a essência que tem maior interesse, pela sua elevada frequência e valor económico; o pau de sangue é também notável pela sua abundância; o pau-incenso é uma essência de grande porte. Refere igualmente o pau-de-sangue-branco, a tabá (uma essência que consideravam extremamente importante na biologia da floresta), não esquecendo a farroba de lala.

Analisando o equilíbrio entre a floresta e a presença do Homem, destacam o amendoim, então a principal fonte de riqueza da província, não deixando de observar:

“Sendo importantíssima a sua cultura, é curioso notar que algumas das características mesológicas não são das melhores para tal cultura; no entanto, esta cultura tem toda a tendência para se expandir e é, em nossa opinião, uma das causas do empobrecimento florístico da província, devido ao sistema de agricultura itinerante que se utiliza.

" Tais processos culturais constituíam, antes de a agricultura indígena ser chamada aos produtos de exportação o método mais cómodo eficiente pelo prolongado período de pousio que dava à terra, permitindo o retorno da floresta. Hoje as terras não têm pousio suficiente e daí resulta um desequilíbrio que se traduz na intensa laterização do solo, simultaneamente com o profundo empobrecimento florístico. Ao estabelecer as suas lavras de mancarra, o indígena lança fogo à floresta, não cuidado em limitar a área da queimada somente ao terreno de que necessita, pelo que, uma vez queimadas as pequenas árvores e arbustos que protegiam os solos, fica aberto o caminho para o estabelecimento de um estrato muito denso de gramíneas, que em muito inibem a possibilidade da regeneração florestal.”

E traçam um vaticínio algo pessimista:

“O futuro da riqueza florestal da província apresenta, quanto a nós, perspetivas pouco animadoras, pois, por razões várias, a regeneração natural não permite a manutenção das essências valiosas, nem ao menos no seu nível atual.”

E chegam à previsão que dentro de 40 anos o bissilão correrá o risco de ter praticamente desaparecido da floresta guineense. 

"Havia, pois, de encarar a realidade do empobrecimento da floresta da Guiné, propondo: limitar os seus funestos efeitos, condicionando as queimadas; delimitar determinados lotes de terreno e retirar de todo o direito do seu uso; proceder a repovoamento florestais de essências valiosas.”

E escalpelizam os elementos do que deveria ser uma política eficiente contra o uso tradicional e incontrolado das queimadas.

“A ilha de Bolama, hoje uma savana, é exemplo frisante do empobrecimento ambiental de que vimos falando. Ainda seria possível multiplicar estes exemplos alargando as nossas considerações a outras regiões da Guiné, como sejam as regiões interiores do Gabu e do Boé, onde o maior relevo e menor pluviosidade são fatores que facilitam a citada degradação; é necessário estabelecer uma larga rede de proteção florestal, judiciosamente escolhida, de modo a definir quais os terrenos que deverão ser entregues à agricultura ou os que deverão ser entregues à exploração florestal.”

Já no termo do seu trabalho, os autores estimam que era possível adotar “reservas florestais”, sem se correr o perigo de prejudicar a natural expansão da área agrícola e de exploração madeireira da província. E abonam a seguinte argumentação: 

“Além destas reservas florestais de caráter geral, deverão ser estabelecidas ainda reservas integrais de proteção da fauna e da flora. É evidente que na Guiné estas reservas integrais não poderão ser muito extensas. Deverão ser estabelecidas sempre que haja qualquer tipo de flora que, pela raridade ou composição florística, ou, ainda, pela riqueza ou raridade da fauna, seja útil preservas da destruição. São exemplos destas reservas integrais a mata de Umpacaca, pelo seu raríssimo povoamento de pau-ferro, a mata do Cantanhez, pelas suas características de floresta com fácies higrófila, talvez a região mais setentrional do tipo da floresta densa do golfo da Guiné e a lagoa de Cufada, pela sua rica avifauna.” 

Alertam para os riscos que corria a mata do Cantanhez perante o assalto das derrubas agrícolas.

Enfim, uma obra que merecia estar nas bibliotecas dos agrónomos guineenses que se debatem com terríveis problemas para os quais, na generalidade dos casos, não têm o apoio político que o gravíssimo problema florestal guineense justifica

Imagem retirada do livro em análise
O poilão
O transporte de madeiras na Guiné-Bissau, os ativistas e ambientalistas do país contestam a liberalidade desta comercialização
Imagem do Pau de Sangue
O caju
Edição do Instituto da Biodiversidade e das Áreas Protegidas Dr. Alfredo Simão da Silva, Bissau, 2019
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Nota do editor

Último poste da série de 15 DE NOVEMBRO DE 2023 > Guiné 61/74 - P24852: Historiografia da presença portuguesa em África (394): "Cabo Verde, Formação e Extinção de Uma Sociedade Escravocrata (1460-1878)"; Obra de referência para a História de Cabo Verde e da Guiné, Porventura a investigação de maior envergadura de António Carreira (2) (Mário Beja Santos)

domingo, 22 de outubro de 2023

Guiné 61/74 - P24780: Recordando o Amadu Bailo Djaló (Bafatá, 1940 - Lisboa, 2015), um luso-guineense com duas pátrias amadas, um valoroso combatente, um homem sábio, um bom muçulmano - Parte XXXVII: assalto, da 1ª CCmds Afriicanos, com o cap cav 'cmd' Carlos Matos Gomes como supervisor, ao irã da Caboiana, em outubro de 1972

 

Guiné > s/l > s/d [c. 1973/74] > Da esquerda para a direita, o cap cav 'cmd' Carlos Matos Gomes, e maj inf 'cmd' Raul Folques: o primeiro foi supervisor do BCCmds da Guiné, e o segundo o seu último comandante (entre 28 de julho de 1973 a 30 de abril de 1974). O BCCmds da Guiné integrava, além das 1Ç, 2ª e 3ª CCmds Africanas, a a 35ª CCmds e a 38ª CCmds. Foto dublicada no livro do Amadu Djaló, na pág. 240 (não se indicando a sua origem, presumimos que seja do álbum do Virgínio Briote).
 

1. Continuação da publicação das memórias do Amadu Djaló (Bafatá, 1940-Lisboa, 2015), a partir do manuscrito, digitalizado, do seu livro "Guineense, Comando, Português: I Volume: Comandos Africanos, 1964 - 1974" (Lisboa, Associação de Comandos, 2010, 229 pp, + fotos, edição esgotada) (*).

O nosso  camarada e amigo Virgínio Briote, o editor literário ou "copydesk" desta obra,  facultou-nos uma cópia digital. O Amadu Djaló, membro da Tabanca Grande, desde 2010, tem cerca de nove dezenas de referências no nosso blogue.



Capa do livro do Amadu Bailo Djaló,
"Guineense, Comando, Português: I Volume:
Comandos Africanos, 1964 - 1974",
Lisboa, Associação de Comandos,
2010, 229 pp, + fotos, edição esgotada.



O autor, em Bafatá, sua terra natal,
por volta de meados de 1966.
(Foto reproduzida no livro, na pág. 149)

Síntese das partes anteriores:

(i) o autor, nascido em Bafatá, de pais oriundos da Guiné Conacri, começou a recruta, como voluntário, em 4 de janeiro de 1962, no Centro de Instrução Militar (CIM) de Bolama;

(ii) esteve depois no CICA/BAC, em Bissau, onde tirou a especialidade de soldado condutor autorrodas;

(iii) passou por Bedanda, 4ª CCaç (futura CCAÇ 6), e depois Farim, 1ª CCAÇ (futura CCAÇ 3), como sold cond auto;

(iv) regressou entretanto à CCS/QG, e alistou-se no Gr Cmds "Os Fantasmas", comandado pelo alf mil 'cmd' Maurício Saraiva, de outubro de 1964 a maio de 1965;

(v) em junho de 1965, fez a escola de cabos em Bissau, foi promovido a 1º cabo condutor, em 2 de janeiro de 1966;

(vi) voltou aos Comandos do CTIG, integrando-se desta vez no Gr Cmds "Os Centuriões", do alf mil 'cmd' Luís Rainha e do 1º cabo 'cmd' Júlio Costa Abreu (que vive atualmente em Amesterdão);

(vii) depois da última saída do Grupo, Op Virgínia, 24/25 de abril de 1966, na fronteira do Senegal, Amadu foi transferido, a seu pedido, por razões familitares, para Bafatá, sua terra natal, para o BCAV 757;

(viii) ficou em Bafatá até final de 1969, altura em que foi selecionado para integrar a 1ª CCmds Africanos, que será comandada pelo seu amigo João Bacar Djaló (Cacine, Catió, 1929 - Tite, 1971)

(ix) depois da formação da companhia (que terminou em meados de 1970), o Amadu Djaló, com 30 anos, integra uma das unidades de elite do CTIG; a 1ª CCmds Africanos, em julho, vai para a região de Gabu, Bajocunda e Pirada, fazendo incursões no Senegal e em setembro anda por Paunca: aqui ouve as previsões agoirentas de um adivinho;

(x) em finais de outubro de 1970, começam os preparativos da invasão anfíbia de Conacri (Op Mar Verde, 22 de novembro de 1970), na qual ele participaçou, com toda 1ª CCmds, sob o comando do cap graduado comando João Bacar Jaló (pp. 168-183);

(xi) a narrativa é retomada depois do regresso de Conacri, por pouco tempo, a Fá Mandinga, em dezembro de 1970; a companhia é destacada para Cacine [3 pelotões para reforço temporário das guarnições de Gandembel e Guileje, entre dez 1970 e jan 1971]; Amadu Djaló estava de licença de casamento (15 dias), para logo a seguir ser ferido em Jababá Biafada, sector de Tite, em fevereiro de 1971;

(xii) supersticioso, ouve a "profecia" de um velho adivinho que tem "um recado de Deus (...) para dar ao capitão João Bacar Jaló"; este sonha com a sua própria morte, que vai ocorrer no sector de Tite, perto da tabanca de Jufá, em 16 de abril de 1971 (versão contada ao autor pelo soldado 'comando' Abdulai Djaló Cula, texto em itálico no livro, pp.192-195) ,

(xiii) é entretanto transferido para a 2ª CCmds Africanos, agora em formação; 1ª fase de instrução, em Fá Mandinga , sector L1, de 24 de abril a fins de julho de 1971.

(xiv) o final da instrução realizou.se no subsector do Xitole, regulado do Corunal, cim uma incursão ao mítico Galo Corubal.

(xv) com a 2ª CCmds, comandada por Zacarias Saiegh, participa, em outubro e novembro de 1971, participa em duas acções, uma na zona de Bissum Naga e outra na área de Farim;

(xvi) em novembro de 1971, participa na ocupação da península de Gampará (Op  Satélite Dourado, de 11 a 15, e Pérola Amarela, de 24 a 28);

(xvii) 21-24 dezembro de 1971: Op Safira Solitária: "ronco" e "desastre" no coração do Morés, com as 1ª e 2ª CCmds Africanos  (8 morts e 15 feridos graves);

(xviii) Morés, sempre o Morés... 7 de fevereiro de 1972, Op Juventude III;

(xix) o jogo do rato e do gato: de Caboiana a Madina do Boé, por volta de abril de 1972;

(xx)  tem um estranho sonho em Gandembel, onde está emboscado très dias: mais do que um sonho, um pesadelo: é "apanhado por balantas do PAIGC";

(xxi) saída para o subsetor de Mansoa, onde o alf cmd graduado Bubacar Jaló, da 2ª CCmds Africanos, é mortalmente ferido em 16/2/1973 (Op Esmeralda Negra)M

(xxii) assalto ao Irã de Caboiana, com a 1ª CCmds Africanos, e o cap cav 'cmd' Carlos Matos Gomes como supervisor.



Guiné > Região de Cacheu > Carta de Cacheu / São Domingos (1953) > Escala 1/50 mil > Pormenor dos rios Cacheu e seus afluentes: Pequeno de São Domingos (margem norte); Caboi, Caboiana e Churro (margem sul), a montante da vila de Cacheu.

Infografia: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2015).


 Recordando o Amadu Bailo Djaló (Bafatá, 1940 - Lisboa, 2015), um luso-guineense com duas pátrias amadas, um valoroso combatente, um homem sábio, um bom muçulmano - Parte XXXVII:

A 1ª CCmds na mata de Caboiana, em outubro de 1972, com o cap cav 'cmd' Carlos Matos Gomes como supervisor (pp. 239-242)


A nossa 1ª CCmds, comandada pelo tenente Jamanca, recebeu a missão de ir à Caboiana. Havia informações sobre a chegada de mais pessoal do PAIGC, vindo do norte, incluindo cubanos. Acompanhava-nos, como supervisor[1], o capitão Matos Gomes.

Depois de termos passado a noite na mata, saímos cedo do local. Estávamos no fim da colheita de arroz e estávamos a progredir num campo de lavra, cautelosamente, quando subitamente ouvimos duas rajadas curtas, à frente da coluna. O meu grupo fechava a companhia.

Primeiro ficámos amarrados ao chão, depois eu e o meu guarda-costas chegámo-nos à frente, junto do capitão Matos Gomes. Nessa altura, o alferes Sada Candé vinha na nossa direcção, com uma arma na mão e a dizer:
 
− Matei-o! 

− Aonde ?  − perguntei. 

− Debaixo daquela palmeira − respondeu. 

Dirigi-me com todos os cuidados para lá e encontrei um guerrilheiro com a perna partida e os ossos à mostra.

Pouco passava das 15h00 e o Jamanca, depois de falar com o capitão Matos Gomes, pediu a evacuação do ferido do PAIGC.

Quando se estava a fazer a evacuação, caiu uma chuva de morteiros na zona do helicóptero, que atingiu o local onde estávamos e todos os oficiais, menos o capitão Matos Gomes[2] e alguns estilhaços furaram o helicóptero[3]. Ficámos numa situação complicada.

O 1º sargento Braima Baldé, que era o mais antigo, ficou a comandar a companhia. Fizemos novo pedido de evacuação, mas antes de chegarem os helis, a zona de onde estavam a sair as morteiradas foi bombardeada pelos Fiat[4]. 

A evacuação não foi fácil, mas conseguiram levantar rumo a Bissau. Entretanto já era muito tarde para continuarmos a andar, tínhamos perdido muito tempo. O céu estava coberto de nuvens escuras, os relâmpagos e os trovões começaram a surgir, uns atrás dos outros, não estávamos com muita sorte com o tempo, ou então estávamos, nunca se sabe.

A chuva veio de uma vez, caiu toda durante uns minutos, depois parou. Achámos melhor permanecer naquele local da mata[5], até de manhã.

De manhã muito cedo reiniciámos a marcha, com o grupo do Braima à frente, o capitão Matos Gomes[6] no meio e o meu atrás. Caminhámos até às dez horas, mais ou menos, quando vimos um carreiro muito utilizado.

Braima virou à esquerda. Eu estava no grupo da retaguarda e, quando cheguei ao tal carreiro, virei á esquerda também. Tirei a minha carta do bolso, e, sempre a andar, comecei a observar o mapa. Pareceu-me que devíamos ter voltado à direita.

Dirigi-me ao Capitão Matos Gomes.

− Meu capitão, é por aqui?

−  É o Braima que vai à frente! 

Mandou fazer um alto e seguimos os dois ao encontro do Braima.

−É por aqui?  
− perguntou o capitão.

− É por aqui!   
−  espondeu o Braima.

− Não é por aqui, é para o lado contrário 
−  respondi eu.

Ao capitão também lhe parecia que era para a 
direita[7] . Então, voltámos para trás e, a partir deste momento, eu e o capitão passámos para a frente, em direcção ao objectivo.

Progredimos sem qualquer problema, até ouvirmos uns rebentamentos, que nos obrigaram a abrandar a marcha, mas continuámos rumo ao objectivo, a tal mata das cerimónias, o Irã da Caboiana.

Entrámos por um lado e saímos pelo outro. Lá dentro, vimos centenas de garrafas vazias, algumas mesmo muito antigas. Naquele local faziam-se cerimónias, desde muito antes de nós nascermos[8].

A avioneta apareceu e o capitão[9] transmitiu por rádio que a missão estava cumprida e que estávamos dentro do objectivo. Da avioneta pediram para estendermos uma tela para nos localizarem. Então, o coronel Rafael Durão, que era o comandante do CAOP, mandou-nos afastar do local e que procurássemos uma zona para sermos recolhidos. 

Andámos sempre, junto a um rio, que era um afluente da margem esquerda do Cacheu, até que nos afastámos para um local onde fomos recuperados.
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Notas do autor ou do editor literário, VB

[1] Nota do editor: as Companhias de Comandos da Guiné tinham um supervisor, um capitão Comando europeu.

[2] Nota do editor: o capitão Matos Gomes, embora atingido na boca, assumiu o comando, dado o facto do tenente Jamanca se encontrar mais incapacitado.

[3] Nota do editor: o helicóptero foi atingido na fuselagem.

[4] Nota do editor: Fiats G.91, que bombardearam e metralharam, muito próximo das forças portuguesas, com grande precisão.

[5] Mata da Cobiana, uma zona húmida entre bolanhas, constituída por palmeiras e árvores de grande porte e tendo por baixo mata densa.

[6] O que restava de um grupo, cerca de 20 homens.

[7] Nós vínhamos a descer a Caboiana, de Norte para Sul., mais ou menos pelo meio. Para a esquerda ficava a bolanha. O Irã da Caboiana, que era o que procurávamos, deveria situar-se no centro, para a direita, era um palpite.

[8] Era o Irã da Caboiana, um dos mais importantes, se não o mais importante da Guiné. Irã é um local onde adoram ídolos, dos que não acreditam em nenhum deus. Eles não adoram Deus, adoram deuses.

[9] Nota do editor: este relato do Amadu Djaló fala da progressão para Sul pelo centro da Caboiana, no primeiro dia. Como ele refere, capturaram um guerrilheiro ferido, e chamaram um heli para o evacuar. E quando estavam a proceder à evacuação, foram atacados violentamente. O  heli foi atingido, os feridos, entre os quais o Jamanca, saltaram para dentro dele, juntamente com a enfermeira paraquedista, mas o aparelho conseguiu levantar, em esforço e às abanadelas, em direcção a Canchungo. Apesar de ferido na boca, sem gravidade, o capitão Matos Gomes assumiu o comando das operações.

[ Seleção / adaptação / revisão / fixação de texto / negritos, para efeitos de publicação deste poste no blogue: L.G.]
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Nota do editor:

(*) Último poste da série > 9 de outubro de  2023 > Guiné 61/74 - P24739: Recordando o Amadu Bailo Djaló (Bafatá, 1940 - Lisboa, 2015), um luso-guineense com duas pátrias amadas, um valoroso combatente, um homem sábio, um bom muçulmano - Parte XXXVI: Tocou tambor para Bubacar, em Porto Gole, Op Esmeralda Negra, 13-16 fev 1973

segunda-feira, 26 de junho de 2017

Guiné 61/74 - P17514: (In)citações (109): Portugal a arder - destruição, desolação e morte (Francisco Baptista, ex-Alf Mil)

Floresta Portuguesa
(Imagem editada)


1. Em mensagem de hoje, dia 26 de Junho de 2017, o nosso camarada Francisco Baptista (ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 2616/BCAÇ 2892 (Buba, 1970/71) e CART 2732 (Mansabá, 1971/72), manda-nos uma reflexão sobre o assunto da actualidade, os incêndios em Portugal.


PORTUGAL A ARDER - DESTRUIÇÃO, DESOLAÇÃO E MORTE

Os grandes incêndios começaram no dia 17 de Junho, sábado, em Pedrogão Grande, e foram-se espalhando por Castanheira de Pera, Góis e Pampilhosa da Serra na zona centro do país

A nossa alma foi queimando as asas na contemplação da grande tragédia que as televisões relatavam e mostravam, que atingiu o que melhor tem a Pátria, as suas gentes, as suas árvores, arbustos, plantas, as suas florestas. E ficou a dor, uma dor amarga e negra que nos roubou a alegria dos dias claros e luminosos de Verão com a partida desta gente, tão autentica, tão próxima da vida da natureza, mulheres, homens, meninos que eram a energia, a simpatia, a alegria e o futuro, e se perderam no imenso braseiro deste desastre nacional. As plantas que na primavera despontam e cobrem a terra de verde e de flores variadas, numa sinfonia de cores que só as aves sabem cantar, os arbustos e as árvores plantadas ou semeadas pelos homens, pelos ventos ou pelas aves, que na sua quietude nos pintam em altura o olhar em tons variados, e nos dão uma sombra amiga que nos protege e refresca para além doutras dádivas mais palpáveis, arderam em grandes labaredas.

Os culpados destas tragédias anuais, este ano mais cruel pelo sacrifício e morte de tantos seres humanos, que ainda ontem falavam, riam, gritavam, cantavam choravam, liam, escreviam, dançavam, amavam, cresciam, construíam, plantavam couves, flores, batatas, tomates, vagens, pereiras, macieiras, videiras, somos nós. Os culpados destes fogos imensos que varrem os campos, somos todos nós que abandonámos os campos e fomos para as grandes cidades e deixámos alguns camponeses, poucos, a tratar do país interior cada vez mais pobre e mais desértico.

Alguns já vivem há longos anos nas grandes cidades do litoral onde a riqueza e o dinheiro fluem mais, como os grandes rios e as marés dos oceanos. Outros com muitas gerações anteriores a viver com dureza e fraco rendimento nos campos e montes do interior, estudaram pelos livros dos naturais das grandes cidades e aprenderam que o futuro da vida nos campos continuaria a ser pobre e miserável e fugiram desse destino sem futuro para outras paragens e outros litorais e as terras onde nasceram e se criaram, foram ficaram cada vez mais abandonadas.
Nesses terras do esquecimento, cada vez mais desérticas, ficaram os velhos, os simples e alguns que nascidos nelas criaram raízes tão fortes que não lhes permitiam sair.

Não se pode pedir a esses, tão poucos, que defendam a imensidão dos campos e das florestas que os rodeiam, que lhe embelezam os dias mas também os ameaçam sempre que chegam as estações quentes.

Portugal não pode ser um país de praias e de cidades monumentais do litoral, por onde os naturais e os turistas se passeiam e fotografam que esconde uma natureza negra e morta pelas calores e chamas dos Verões, cheio de cruzes a assinalar a memória dos mortos que arderam nessas fogueiras quando tentavam fugir-lhes.

Nós homens atraídos pelos mares, já numa fase adulta da humanidade, não somos filhos deles. Nós homens somos filhos da terra, dos campos, das florestas, durante milhares e milhares de anos fomos caçadores, pastores, agricultores não podemos abandonar a terra-mãe que nos gerou e nos criou.

Não basta chorar os mortos, sentir o desgosto enorme dos seus familiares e amigos, lamentar a miséria em que muitos ficaram, importa sobretudo criar um amplo movimento de solidariedade activa que nos responsabilize a todos. E porque a caridade só se manifesta em força em tempo de calamidades deviam ser tomadas medidas, acordadas por todos os políticos dos vários quadrantes, que tivessem a adesão da grande maioria dos portugueses, a fim de ser criado um fundo a nível nacional, para prevenir os incêndios pela limpeza das matas a par de outras medidas necessárias

A tarefa imensa de preservação dos campos, das suas culturas, das suas florestas, da beleza das suas paisagens é uma tarefa patriótica que deve contar com o contributo de todos os portugueses, pois os que ainda vivem no meio rural, sozinhos, não têm todos os meios necessários para esse fim.

Falo duma culpa colectiva pela passividade e sonolência das consciências ao não exigirem aos políticos dos sucessivos governos, desde há décadas, a atenção que todo o país no seu conjunto merece. Quando os problemas existem longe da nossa casa temos tendência a esquecê-los depois do desgosto e do choque inicial.

Não pretendo discutir as culpas circunstanciais do incêndio em Pedrogão Grande e nas terras próximas já que não me compete a mim nem pertence ao âmbito do nosso blogue. Essa discussão está já a ser feita pelas forças políticas e por outras entidades que têm competência para tal.

Estes grandes incêndios irromperam duma forma súbita e explosiva no dia 17 de Junho de 2017, num dia quente de fins de Primavera. Longos dias quentes tem o Verão, com muitos incêndios, oxalá não se volte a repetir um desastre semelhante.

Francisco Baptista
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Nota do editor

Último poste da série de 23 de junho de 2017 > Guiné 61/74 - P17504: (In)citações (108): Incêndios florestais - Catástrofe nacional anual, até quando? (Coutinho e Lima, Coronel Art Ref)

sexta-feira, 23 de junho de 2017

Guiné 61/74 - P17504: (In)citações (108): Incêndios florestais - Catástrofe nacional anual, até quando? (Coutinho e Lima, Coronel Art Ref)

(Imagem editada)
 

1. Em mensagem do dia 22 de Junho de 2017, o nosso camarada Alexandre Coutinho e Lima, Coronel de Art.ª Reformado (ex-Cap Art.ª, CMDT da CART 494, Gadamael, 1963/65; Adjunto da Repartição de Operações do COM-CHEFE das FA da Guiné entre 1968 e 1970 e ex-Major Art.ª, CMDT do COP 5, Guileje, 1972/73), enviou-nos este texto onde exprime a sua opinião sobre o tema Incêndios Florestais, muito falado, infelizmente, nos últimos dias em Portugal.




INCÊNDIOS FLORESTAIS – CATÁSTROFE NACIONAL ANUAL
ATÉ QUANDO?

1. ANÁLISE DA SITUAÇÃO

1.1- INTRODUÇÃO

O objectivo do texto que se segue resulta da recolha de alguns elementos sobre os Incêndios Florestais (IF) e a constatação do que vem acontecendo, há décadas, neste domínio, perante a INCOMPETÊNCIA manifestada de todos os Governos, para tentar minimizar as consequências nefastas dos IF, a mais grave das quais é a perda de vidas humanas, como se tem verificado em diversos anos.
Perante o que se tem visto, não posso calar a minha profunda INDIGNAÇÃO. Com este documento pretendo dar a minha contribuição para que este assunto possa ser estudado em profundidade (isto não significa que não existam já muitos estudos, mas que não têm sido convenientemente explorados e implementados), e seguidamente sejam adoptadas as medidas adequadas, a CURTO/MÉDIO PRAZO.

1.2 - ALGUMAS CONSIDERAÇÕES SOBRE OS IF

1.2.1 – OS IF E OS GOVERNOS ANTERIORES AO ACTUAL

OS IF são uma realidade, praticamente em todos os Países com áreas florestais significativas. Em Portugal este fenómeno tem atingido, nas últimas décadas, tais proporções que pode considerar-se uma verdadeira CATÁSTROFE NACIONAL ANUAL.
E o que têm feito os sucessivos Governos? Não quero ser injusto, mas não posso deixar de afirmar, convictamente, que as soluções adoptadas, aliás pouco divulgadas, se têm mostrado grandemente ineficazes. Deflagrados os incêndios, os Governos accionam o dispositivo de combate aos mesmos, pois que, se assim não acontecesse, seria totalmente inaceitável.
A actuação dos Governos anteriores, porque se trata do PASSADO, apena interessa para que sejam corrigidos os erros cometidos,  porque a governação não pode voltar para trás.

1.2.2. -  OS IF E O ACTUAL GOVERNO
Lendo o Programa do actual Governo ( que tomou posse em 26 de Novembro de 2015), disponível na internet com 138 páginas, as referências relacionadas com este assunto são:
    
“IV – PROMOVER A COMPETITIVIDADE DA FLORESTA NACIONAL
          ................
11. PROMOVER O VALOR DA FLORESTA NACIONAL
          .................. 
11.2 – INVESTIMENTO FLORESTAL MAIS SEGURO  (pág. 59) 
. Intensificar os esforços ao nível da defesa da floresta contra incêndios, nomeadamente ao nível da sensibilidade, criação do programa nacional de fogo controlado e a execução das redes primárias e de faixas de gestão de combustível na defesa da floresta contra incêndios, concluindo até 2019 as localizadas em áreas públicas ou sob gestão do INCF;
          .................
11.3 – REFORÇAR A INVESTIGAÇÃO E INFORMAÇÃO PARA O SECTOR E PARA O PÚBLICO EM GERAL (pág. 60)
         ..................
. Divulgar, junto da população escolar e das comunidades, a importância da  floresta, da sua gestão e do consumo de produtos florestais, em particular dos certificados;
. Valorizar as acções de sensibilização para a prevenção dos fogos, com envolvimento alargado de agentes, seja através da administração, seja de programas como o Portugal pela Floresta ou a acção do Movimento Eco.”

Considero que o programa do Governo (transcrições acima), é paupérrimo.Com efeito, as medidas concretas definidas são:
. Intensificar os esforços ao nível da defesa da floresta contra incêndios
Se se pretende intensificar é porque os esforços já existem; sendo assim, convinha fazer a sua divulgação, porque não são do conhecimento geral.
. criação do programa nacional de fogo controlado
Fico à espera deste programa nacional, para ter conhecimento do que se trata; devo referir que, passado mais de  um ano e meio (em termos de IF), tal plano ainda não foi sequer anunciado.
. Execução das redes primárias e de faixas de gestão de combustível na defesa da floresta contra incêndios, concluindo até 2019 as localizadas em áreas públicas ou ob gestão do IINCF;
O Governo só se compromete concluir até 2019 (último ano da sua legislatura), as redes primárias e as faixas de gestão de combustível nas áreas públicas ou sob gestão do INCF, isto é, as menos numerosas que, por serem propriedade do Estado deveriam ser as primeiras, quanto mais não fosse por uma questão de bom exemplo;  e as outras quando serão executadas?  Será que ficarão para o próximo Governo?
O Senhor Primeiro Ministro, tendo mostrado muito pouca sensibilização para este problema, nomeadamente no seu programa de Governo, anunciou no passado mês de Agosto, no auge dos incêndios deste ano, a criação de uma Comissão Interministerial para tratar do assunto. Em vez de agir sob pressão dos acontecimentos, não teria sido mais adequado e oportuno ter criado tal Comissão, logo após a tomada de posse? Se assim tivesse acontecido, poderiam ter sido implementadas algumas medidas, que teriam, eventualmente, minimizado as consequências dos IF do  ano passado.

No jornal Diário de Notícias do passado dia 12 de Setembro, pode ler-se:
“ O primeiro ministro, António Costa, assumiu ontem uma “agenda intensa” para as próximas semanas  com dois Conselhos de Ministros extraordinários...e outro “dedicado exclusivamente” à política florestal. Segundo o primeiro ministro, o país não se pode “conformar a ver todos os anos a floresta a arder”.
Ao ler a última frase do Sr. PM, lembrei-me do ditado popular: “ Só se lembram de Santa Bárbara quando troveja”.
O que é extraordinário é o Senhor Primeiro Ministro só ter proferido a última afirmação, depois de ter visto “o país a arder”, este ano. Então os IF dos últimos anos não foram suficientes para o sensibilizar para o problema? Parece que não; mais uma vez, foi a reboque dos acontecimentos. Ficamos à espera do que sairá do Conselho de Ministros sobre a política florestal, em Outubro. Findo o mês, nenhuma notícia sobe este assunto. Continuamos à espera.
Sobre o Conselho de Ministros extraordinário “dedicado exclusivamente à política florestal”, anunciado pelo Sr. PM, em 12 SET p. p. , pode ler-se no jornal Diário de Notícias do dia 28 de Outubro passado, com o título “Banco de terras com propriedades abandonadas”:
“Florestas – Hoje é um dia histórico para a floresta portuguesa, disse o ministro da Agricultura, Florestas e Desenvolvimento Rural, no final do Conselho de Ministros extraordinário, realizado na Lousã. Na reunião, dedicada ao sector floresta, foram aprovadas medidas legislativas para a floresta como a criação de um banco de terras que integrará as propriedades do Estado e os terrenos privados sem dono reconhecido. O ministro da Agricultura salientou que a reforma visa promover o seu reordenamento e prevenir os incêndios, limitando a plantação de eucaliptos e o avanço das espécies invasoras, como as mimosas. Na opinião de Capoulas Santos, o conjunto de propostas legislativas vai dar “início a uma reforma profunda” do sector florestal. A gestão do futuro banco de terras irá pertencer à Direcção-Geral de Agricultura e Desenvolvimento Rural”.
Gostaria de partilhar o optimismo do Sr. Ministro da Agricultura ao afirmar “Hoje é um dia histórico para a floresta portuguesa”. Para mim será um dia histórico quando começar a ser implementado, no terreno, um verdadeiro Programa Nacional  de Prevenção, Detecção e Combate dos Incêndios Florestais (PREDECIF). Porque as decisões deste Conselho de Ministros, nomeadamente no aspecto legislativo, vão demorar tempo a concretizar, bem poderia o Sr. Ministro determinar o início, desde já, das medidas concretas do PREDECIF nas propriedades do Estado, porque estas, não têm que estar à espera da criação do banco de terras. O Sr. Ministro sabe bem  que, iniciado o 2º. Ano do actual Governo, tem-se constatado muito pouca sensibilidade para este grave problema dos Incêndios Florestais.

1.3. – OS INCENDIÁRIOS E OS IF
Parece não haver qualquer dúvida que, grande parte dos IF são provocados por incendiários: alguns por motivo de doença, que deve ser tratada e muitos outros por outras razões, algumas de natureza criminosa. Sem pretender apontar qualquer crítica ao poder judicial quando tem que se pronunciar sobre casos de infracções, neste âmbito, (embora a opinião pública tenha dificuldade em compreender alguns factos difundidos na comunicação social, como por exemplo um Sr. Juiz, perante um incendiário, detido em flagrante delito, seja mandado em paz), sou de opinião que os Senhores Juízes podiam adoptar “soluções criativas”, como por exemplo aplicar sanções que implicassem, com maior frequência, a colocação de pulseiras electrónicas e condenar os comprovados delinquentes na prestação de trabalho comunitário; seria perfeitamente adequado serem empregues nos trabalhos de limpeza das matas e abertura de itinerários.
Pelo menos durante a “época dos incêndios”, anualmente definida pelo Governo, os incendiários que, certamente estão referenciados, deviam ser objecto de vigilância especial: colocação de pulseira electrónica (para aqueles que ainda não a tivessem) e obrigatoriedade de apresentação semanal à autoridade judicial da área da sua residência.

1.4 – PROGRAMA PRÓS E CONTRAS – RTP1
Este programa, transmitido no dia 12 de Setembro p.p., tratou deste problema dos IF. Foi pena que, por motivos compreensíveis, o referido programa tenha tido uma duração (50 minutos), muito inferior ao habitual. Estavam presentes, entre outros, o Sr D. João Almeida, Secretário de Estado do anterior Governo, o Sr. Eng.º e também Sapador Florestal Tiago Oliveira, o Sr. Secretário de Estado da Administração Interna, Sr. Dr. Jorge Gomes e o Sr. Presidente da Liga dos Bombeiros Portugueses, Sr. Dr. Jaime Mata Soares. Este último resumiu a situação actual dos IF, da seguinte maneira: o diagnóstico está feito, as soluções apontadas e o tratamento que requer antibióticos de qualidade, tem sido feito com aspirinas fracas. Referiu também que o actual Sr. Ministro da Agricultura, está ciente do problema, há muitos anos.
O Sr. Eng.º Tiago de Oliveira, especialista da matéria, afirmou que tem alertado e apresentado o problema, a várias entidades; o poder político tem reagido “atirando” legislação sobre os IF.
O Sr. Dr. João Almeida referiu que a Autoridade Tributária, conhecedora dos proprietários de áreas florestais, através do IMI, podia fornecer esses elementos à GNR, entidade com a missão de intimar os proprietários parra a necessidade de limpar as suas matas, mas esta interligação entre as duas en- tidades nem sempre é fácil. 
O Sr. Secretário de Estado da Administração Interna actual, referiu que em Outubro, a Comissão Interministerial apresentaria ao País, medidas concretas sobre os IF.. Disse ainda que este assunto nos obriga a todos, como cidadãos e não como políticos. Só lhe ficam bem estas palavras,  que se espera tenham como consequência a apresentação das referidas medidas concretas; se assim não for, tudo não passará de palavreado, sem qualquer sentido.
Todos foram unânimes em afirmar que todos os Governos têm feito muito pouco. Ninguém apontou a razão de tal procedimento.

1.5 – A ASSEMBLEIA DA REPÚBLICA E OS IF
A Assembleia da República (AR) tem tomado, ao longo dos anos, diversas iniciativas sobre os IF: legislação, criação de grupos de trabalho e comissões eventuais ou de acompanhamento, resoluções ou propostas de resolução, além da discussão de propostas apresentadas pelos deputados ou grupos parlamentares. Muitas vezes, no final dos trabalhos, são formuladas recomendações, enviadas ao Governo. Este nem sempre tem dado a essas recomendações, a atenção que lhes era devida. A este propósito, o artigo do GOOGLE  Expresso/Relatório sobre fogos ignorado”, de 13 de Agosto de 2016, é elucidativo. Transcrevem-se alguns extractos deste texto:
“ A aposta na prevenção parece ser unânime entre aqueles que lidam de perto com a realidade no terreno e também do Parlamento, como se conclui a partir do último relatório da Assembleia da República sobre incêndios florestais. O socialista Miguel Freitas, relator do documento diz que “ basta olhar para as primeiras quatro recomendações” para perceber esta realidade. Aprovado por unanimidade em 2014 aponta, por exemplo, para a necessidade de concentrar numa única entidade a prevenção e o combate.
...............
O negócio florestal tem um retorno de capital muito longo  e esta actividade só é viável se houver incentivos fiscais.
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“Se não se insiste na produção florestal e os resultados da prevenção são de médio e longo prazo (não imediatos), então o que tem acontecido é um investimento no combate. Erradamente.”
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Miguel Freitas deixa um alerta para que o Governo olhe de novo para o relatório da Assembleia da República para “ rectificar os erros que estão a ser constantemente cometidos e pôr fim a este ciclo vicioso da floresta portuguesa”.
Jaime Marta Soares, Presidente da Liga dos Bombeiros Portugueses, concorda com a ideia de se delinear uma nova estratégia a nível nacional,....mas lamenta que o lado da prevenção seja sempre ” à moda do caracol: devagar, devagarinho parado e de marcha atrás.”
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Miguel Freitas diz que é num momento como este que se pode redefinir a forma como a prevenção deve ser feita....
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O ex deputado não acredita no modelo que está a ser seguido e coloca o desafio de se apostar na intermunicipalidade como acontece na associação intermunicipal Terras do Infante( que junta Aljezur, Lagos e Vila do Bispo), onde “não arde um hectare há 10 anos.”

As transcrições apresentadas merecem-me o seguinte comentário:
A necessidade de concentrar numa única entidade a prevenção e o combate” ,
é justificada pelo facto de a prevenção ser da responsabilidade do Ministério da Agricultura e o combate do Ministério da Administração Interna.
Se os Governos (o anterior e o actual), tivessem seguido a recomendação da AR, já poderiam ter alterado a situação, criando ou um Ministério para tratar da  Prevenção, Detecção e Combate dos Incêndios Florestais” que, sem qualquer dúvida, teria muito que fazer, ou, no mínimo, incluir no Governo, um Secretário de Estado, na dependência directa do Ministro Adjunto da Presidência do Conselho de Ministros.
O facto de nenhum dos dois Governos ter acatado esta recomendação da AR é tanto mais de estranhar quanto a mesma foi aprovado por unanimidade
1.6 – PREVENÇÃO, DETECÇÂO E COMBATE DOS INCÊNDIOS FLORESTAIS
1.6.1 - PREVENÇÃO DOS IF

Não obstante haver muita legislação sobre esta matéria, é voz corrente que a prevenção dos IF se encontra numa fase muito incipiente. É imperioso incrementar medidas que passem por:
. limpeza da floresta a nível nacional; é incompreensível e inaceitável que o Estado, possuindo uma pequena percentagem (2/3%) da área florestal, não proceda à limpeza do que lhe pertence;
.abertura generalizada de itinerários que permitam o acesso às equipas de combate aos incêndios;
.implantação de uma rede de bocas de incêndios de 5 em 5 quilómetros;
. criação generalizada de redes primárias e de faixas de gestão de combustível (incluída no programa do actual Governo);
. outras medidas consideradas adequadas.

Para executar as diversas medidas preventivas, são necessários meios materiais e humanos; para estes, há uma fonte praticamente inesgotável, que é o elevado número de desempregados. A prevenção, se for levada a efeito a nível nacional, como deve ser, criará muitos milhares de postos de trabalho, diminuindo o desemprego e o respectivo subsídio e contribuindo, em consequência, para a melhoria da economia, que tão necessária é.
Os resíduos florestais, resultantes da limpeza da floresta, em vez de serem pasto das chamas de centenas de incêndios, que se vêm verificando, seriam um óptimo combustível para a indústria de biomassa. Que bom seria vermos as nossas estradas, em todo o País, serem percorridas por camiões carregados de resíduos florestais, a caminho das respectivas fábricas que, provavelmente, seriam insuficientes, obrigando à construção de novas infra-estruturas.
Os meios financeiros necessários à implantação das medidas preventivas constituem um investimento (e não uma despesa), que seriam compensados pela diminuição das verbas gastas no combate. Parece-me que, com um plano devidamente estruturado e com a indicação de objectivos concretos a atingir, não seria difícil obter fundos comunitários, para este efeito.
A execução da prevenção deveria ser descentralizada ao nível dos municípios e das freguesias, pois estas são as entidades que melhor conhecem a sua área florestal e, por isso, estão em melhores condições para rentabilizar os meios investidos.

1.6.2 – DETEÇÃO DOS IF

Se a prevenção é “muito falada”, mas “pouco executada”, a detecção ainda está numa fase mais atrasada, porque é “muito pouco falada”. Parece consensual que, uma detecção precoce, seguida da implementação de meios rápidos de primeira intervenção, contribuiria não só para diminuir a intensidade e propagação dos IF como, em consequência directa, para uma significativa redução das áreas ardidas.
Num documento disponível no GOOGLE, sobre o Plano Nacional – Defesa da Floresta contra incêndios,  pode ler-se:
As formas de vigilância podem organizar-se do seguinte modo:

  .Vigilância terrestre
      . fixa
      . tradicional (rede nacional de postos de viga)
      . por sensores
      . manual
      . automática
      . móvel

  .Vigilância aérea
      . aeronaves
      . vigilância armada
      . vigilância por aeronaves
      . satélite

.Vigilância passiva
      . populares
      . detecção acidental por aeronaves comerciais

A Rede Nacional de Postos de Vigia (RNPV) era constituída por 237 postos de vigia (PV), sendo a grande maioria pertencente à DGRF (Direcção Geral de Recursos Florestais) e 18 a Centros de Prevenção e Detenção (CPD); para 2005 esperava-se a criação de mais 15 postos. A maior parte dos 237 PV estavam    
implantados no Norte e Centro do País.
Verificaram-se várias deficiências relativamente aos recursos humanos utilizados nos PV, nomeadamente na qualificação do pessoal e de formação, bem como grande burocracia na sua contratação.
Verificaram-se também dificuldades nas radiocomunicações (essenciais para informar as detecções), em alguns casos inexistentes. Foram registados baixos níveis de detecção: 28% em 1999; na região do Ribatejo e Oeste, em 2013 esse registo foi de 8%.
A detecção durante a noite é significativamente baixa; em contrapartida, segundo os dados difundidos pela comunicação social, é no período nocturno que se registam muitas ignições, com muita probabilidade de grande incidência de carácter criminoso.

A vigilância terrestre móvel pode ser feita por:
   . sapadores florestais
   . guardas florestais
   . GNR
   . Rede Nacional de Postos de Vigia
   . brigadas militares
   . brigadas autárquicas de voluntários
   . outras
É apontado um caso de sucesso, em que a articulação das diversas entidades envolvidas na detecção resultou: aconteceu no Distrito de Coimbra. No ano de 2004, um Batalhão de Tropas Especiais (do Centro d Instrução de Tropas Especiais – Lamego), efectuou acções de vigilância, em conjunto com exercícios militares. Verificou-se uma forte articulação entre os grupos de vigilância e primeiras intervenções. Os resultados foram positivos. O distrito de Coimbra, com uma área ardida média da ordem dos 7.000 hectares, nesse ano de 2004 registou uma área ardida de 466 hectares; o número de ignições decresceu de uma média de 661 (1999 a 2001), para 820 em 2000 e 348 em 2004.

A Agência Lusa, em 7 de Outubro de 2014, informou o que se passou no sistema de detecção de incêndios no Parque Nacional Peneda Gerês (PNPG).
O sistema “ Forest Fine Finder” (FFF), foi adquirido pela Autoridade Nacional de Protecção Civil (ANPC) à empresa portuguesa “NGNS Ingenuous Solutions”, através de um contrato por ajuste directo, de um montante de um milhão de euros, para a detecção de incêndios no PNPG.
O FFF, montado em Julho de 2013, é constituído por 14 câmaras com sensores ópticos, distribuídos pela área do parque, emitiu entre JUL/AGO de 2013, 1.323 falsos alarmes e 228 alarmes verdadeiros, ou seja apenas 1,72% de alarmes a que corresponderam incêndios florestais!!!
A empresa NGNS disse que o número de alarmes falsos “esteve sempre dentro dos limites operacionais   previstos no contrato e que se devem a causas externas. A natureza é muito complicada e tem sempre factores não esperados. Neste caso estamos a detectar fumo orgânico, que existe em chaminés de fábrica, chaminés de casas ou nas nuvens quando passam por outros incêndios. Todos estes dados necessitam de tempo para ser analisados e de condições, ou seja, a existência de incêndios, para podermos aferir a sensibilidade dos incêndios”, explicou à Lusa um dos sócios da NGNS.

Em 25 de Abril de 2013, o semanário Sol, publicou um artigo com o título “ Sensores ópticos vão detectar incêndios no Gerês”.

O sistema a instalar, explicou à Lusa em 2012, fonte da ANPC, consegue distinguir o fumo dos incêndios “ de outras fontes”, como por exemplo o proveniente de indústrias, decidindo “de forma completamente autónoma, até uma distância de 15 quilómetros, se há motivo para enviar um alerta de incêndio”.

A minha constatação é que há uma evidente discrepância entre a fonte da ANPC (recorda-se que foi esta entidade que fez o ajuste directo do sistema a instalar) e o sócio da empresa NGNS, o que é INACEITÁVEL. Salienta-se a afirmação deste último que era necessária a “existência de incêndios, para poderem aferir a sensibilidade dos incêndios”, podendo concluir-se que o sistema montado não era fiável e a NGNS aproveitou, os avultadíssimos meios financeiros  do erário público, para aperfeiçoar a sua tecnologia, o que é INCONCEBÍVEL. Mas, se tudo se passou como fica relatado, parece-me INCOMPREENSÍVEL, como a ANPC aceita um contrato de um milhão de euros, com uma diminuta percentagem de sucesso na detecção de incêndios no PNPG, onde no ano de 2016, não obstante estar instalado o FFF, se terem verificado incêndios muito importantes.
Deve referir-se que a instalação do sistema de detecção de incêndios, com um considerável investimento público, deveria ser precedida ou, no mínimo, coincidir no tempo, com a adopção das medidas de prevenção adequadas, nomeadamente a limpeza da área florestal do PNPG, o que não foi feito.

O que é certo é que, igualmente segundo a Agência Lusa , a NGNS já recebeu 60% do contrato, faltando receber340.000 euros (à data de 7 OUT 2014) da adjudicação do contrato, o qual é renovado anualmente.
Contactada pela Lusa, a ANPC informou, por escrito, que “a apreciação desse sistema de vigilância fará parte da avaliação final do Dispositivo Especial de Combate a Incêndios Florestais- DECIF 2014”, escusando-se a dizer quantos alarmes é que o FFF produziu, desde a sua instalação. A avaliação final do DECIF 2014 está prevista para depois de Outubro. Seria interessante ter conhecimento desta avaliação.

A Lusa referiu ainda que a NGNS fez a   proposta à ANPC e ao Ministério da Administração Interna (MAI) para a instalação do sistema, tendo o Tribunal de Contas autorizado o contrato por ajusta directo.
“O lançamento do procedimento por ajuste directo teve como fundamento a protecção de um direito exclusivo de que a empresa NGNS é detentora, esclarece o MAI, indicando que o mesmo foi feito com base na alínea e) do nº. 1 do artigo 24º. do Código dos Contratos Públicos”.
A alínea em causa refere que, “por motivos técnicos, artísticos ou relacionados com a prestação objecto do contrato só possa ser confiado a uma entidade determinada”.

Face ao que fica escrito, parece-me lógico tirar a seguinte conclusão:
   . foi tudo legal, com todas as garantias dadas à NGNS;
   . já “ardeu” um milhão de euros;
   . com um “eficiente ?” sistema de detecção de incêndios instalado, o Parque Natural da Peneda Gerês    
     continua a arder, como se verificou no ano passado e já neste ano, e continuará nos próximos, desde que não sejam implementadas (ontem já era tarde), as medidas preventivas adequadas.
        
1.6.3 – COMBATE DOS INCÊNDIOS FLORESTAIS

O combate dos IF, em virtude do brutal volume de incêndios que, ao longo de décadas se tem verificado, penso ser a área em que os diversos executantes têm adquirido maior experiência. Sem me alongar mais sobre este assunto, quero referir um aspecto que considero importante: a utilização dos meios aéreos.
No Semanário SOL, publicado no dia 27 de Agosto de 2016 e num artigo de opinião, da autoria de Francisco Guerreiro, pode ler-se:

Em Portugal existe “uma indústria de incêndios” que tem no negócio dos helicópteros um grande sorvedouro de dinheiro do Estado: 348 milhões de euros foi o montante deslocado nos últimos 10 anos para assegurar esta prática, 17 vezes mais do que se investe na prevenção de incêndios”.

Há algum tempo, foi noticiado que o Sr. Director da ANPC (Autoridade Nacional da Protecção Civil) apresentou a sua demissão, na sequência de notícias publicadas sobre um inquérito (que, tanto quanto se sabe, ainda não foi concluído), sobre a utilização de aviões no combate dos IF.

O emprego dos meios aéreos é um importantíssimo complemento do combate levado a efeito no terreno; no entanto tem sido objecto de muita controvérsia e pouca transparência. Esta situação não pode continuar.

Por que é que os Meios Aéreos que o Estado possui para este efeito (6 meios pesados e 3 ligeiros), não são entregues à Força Aérea Portuguesa (FAP), após adequado protocolo entre os Ministérios da Defesa e da Administração Interna. Parece-me que a FAP com a sua estrutura, especialmente de manutenção, e depois da preparação conveniente e da atribuição dos meios necessários, poderia fazer uma gestão dos meios aéreos de combate dos fogos florestais, com maior eficácia e, seguramente, com um dispêndio muito inferior de meios financeiros, em comparação com a atribuição dessa tarefa a empresas privadas. Quando houvesse necessidade de reforço dos meios aéreos, estes seriam entregues também  à FAP.

1.7 -   CASOS DE SUCESSO

Felizmente, também há boas notícias, relativamente aos IF.

Conforme se pode ver no número 1.5, na “associação intermunicipal Terras do Infante (que junta Aljezur, Lagos e Vila do Bispo), não arde um hectare há 10 anos”.

Li algures na comunicação social que, no Concelho de Mação e em algumas freguesias do Concelho de Águeda, estão em curso actuações positivas.

Naturalmente que haverá outras zonas onde se verificam casos de sucesso. É pena que todos estes não tenham tido a conveniente divulgação, não só para serem do conhecimento geral, como poderiam servir de incentivo para que as respectivas técnicas fossem aplicadas noutras áreas.

1.8 – O QUE FAZER?

No artigo de opinião, já referido, publicado no semanário SOL, no dia 27 de Agosto do corrente ano, com o título “Fogos: cooperar para prevenir”, o Autor, Sr. Francisco Guerreiro, escreveu:

Há que encontrar um compromisso colectivo, político e cívico, de longo prazo. É necessário incentivar a cooperação, é preciso ouvir os peritos, os políticos, os proprietários, envolver a sociedade civil numa estratégia de proximidade que valorize efectivamente o contributo de cada um e de todas as posições. Mais do que inflamar posições de acusação e de atribuição de culpas que só reforçam as políticas da desinformação, é necessário reunir recursos e competências para criar estratégias que resultem na efectiva extinção destes eventos dramáticos.
Todos estamos de acordo quanto à urgência de encetar uma abordagem diferente, com uma forte aposta na prevenção que passa pela alteração de hábitos. Bem sabemos que demora tempo, porém é a prazo que se alteram consciências e se encontram novas formas de trabalhar.”

Concordando inteiramente com a transcrição anterior e tendo em conta o que consta nos números anteriores, formulo a seguinte proposta.


2. PROPOSTA CONDUCENTE A TENTAR RESOLVER O PROBLEMA DOS INCÊNDIOS FLOTRESTAIS

Considerando que:
- Todos os Governos (incluindo o actual), têm sido incapazes de adoptar medidas com o objectivo de diminuir, de forma significativa, o número de IF, ao longo de décadas.
. Que a Assembleia da República (todas, incluindo a actual), não têm conseguido que os diversos Governos tenham adoptado as suas várias iniciativas sobre este assunto.
. Que os Tribunais, outro Órgão de Soberania, embora sejam chamados a interferir neste assunto, nomeadamente no julgamento de actos com indícios de índole criminal,  não têm, nesta assunto,  mais competências do que isso

Resta o Órgão de Soberania – Presidente da República, que em minha opinião, pode dar o seu contributo importantíssimo, relativamente aos IF.
Nestas condições, proponho:

2.1 – Que o Sr. Presidente da República, se assim o entender, tenha uma iniciativa presidencial, que consiste no convite a uma personalidade, para presidir a um GRUPO DE TRABALHO (GT), que estude o assunto em toda a profundidade. Este grupo de trabalho, seria o mais alargado possível, incluindo representantes: dos peritos na matéria, dos políticos (partidos e Assembleia da República), dos proprietários,  das organizações florestais e departamentos governamentais apropriados, bem como ainda da sociedade civil e outros que fossem considerados importantes, isto é, seria tão abrangente quanto possível.

A MISSÃO deste GT seria a apresentação do PLANO NACIONAL DE PREVENÇÃO, DETECÇÃO E COMBATE DOS INCÊNDIOS FLORESTAIS (PREDECIF), PARA OS PRÓXIMOS 20 ANOS.

Para isso disporia do tempo considerado necessário e levaria a efeito as medidas que achasse convenientes. A título de exemplo, aponto o estudo da situação do histórico dos IF ( com a apresentação das estatísticas existentes), casos de sucesso, quer a nível nacional, quer internacional, campanha de sensibilização para o assunto, em todos os órgãos de comunicação social, entrevistas, participação em programas existentes (  Prós  e Contras e outros), apelar à participação da população, com as suas sugestões (não esquecendo a maneira prática desta colaboração) e outas iniciativas conducentes que possam dar o seu contributo para o cumprimento da MISSÃO. Para terminar, apresentaria o PREDECIF, com as medidas consideradas adequadas.

O PLANO NACIONAL seria, em termos de execução, escalonado no tempo (4/5 anos, coincidindo com a duração do Governo), com metas concretas a atingir no final de cada período.

2.2 – O GT terminaria a sua função, com a apresentação formal do PLANO NACIONAL na AR e seria então dissolvido. Dele sairia uma Comissão de Acompanhamento do PREDECIT, com carácter permanente, com a MISSÃO de monitorizar a execução do Plano.

2.3 – Dado o carácter abrangente do GT e a metodologia seguida, com ampla participação e debate, o PREDECIT será, certamente, aprovado pela AR, com a eventual introdução de  alguns melhoramentos, sem todavia descaracterizar o documento, como um todo.

A AR, na sua competência legislativa, tomaria as diligências necessárias para que o PREDECIF passasse a ser um diploma legal.

2.4 – O Governo em funções, com base nesse instrumento legal, apresentaria o seu Plano, para execução até ao final do ano em curso. Esse Plano serviria de base para os Planos Municipais.

2.5 – Em SET/OUT, todos os anos, o Governo apresentaria, na AR, o seu Plano , bem como os Planos Municipais, para o ano seguinte.
No mês de MARÇO, de cada ano, elaboraria e apresentaria na AR, o Relatório de execução, relativo ao ano findo.

2.6 -  A Comissão de Acompanhamento, independentemente das iniciativas que entendesse tomar, durante o ano, apresentaria, na AR, no mês de ABRI, o seu Relatório referente ao ano findo.

2.7 – Quando se verificasse alteração da composição da AR, resultante de eleições legislativas, haveria obrigatoriamente, uma actualização do PREDECIF, seguindo-se os procedimentos indicados atrás, no que respeita ao Governo e à Comissão de Acompanhamento.

2.8 – Quando terminar a execução do PREDECIF inicial (ao fim de 20 anos), seria elaborado novo PLANO de Médio/Longo prazo, até se atingir um estado considerado estável e controlado dos IF.

Para terminar, porque não podemos continuar a  assistir, impávidos e serenos, à delapidação de recursos e perda de vidas humanas, resultantes dos Incêndios Florestais, é imperioso passar das palavras aos actos e enfrentar, sem mais delongas, com determinação, firmeza, perseverança e vontade este FLAGELO NACIONAL que, esperamos seja atacado de forma global, por forma a diminuir, drasticamente, esta TRAGÉDIA a que temos assistido, ano após ano, há décadas.

Lisboa,  20 de  Junho de 2017

Alexandre da Costa Coutinho e Lima
(Coronel de Artilharia Reformado)
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Nota do editor

Último poste da série de 30 de maio de 2017 > Guiné 61/74 - P17410: (In)citações (107): A petição "Os ex-combatentes solicitam ao Estado Português o reconhecimento cabal dos seus serviços e sacrifícios", foi admitida (Inácio Silva, ex-1.º Cabo Ap AP da CART 2732)