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segunda-feira, 13 de março de 2017

Guiné 61/74 - P17130: Pré-publicação: O livro de Mário Vicente [Mário Fitas], "Do Alentejo à Guiné: putos, gandulos e guerra" (2.ª versão, 2010, 99 pp.) - XVII Parte: Cap IX - Guerra 2: Em pleno Cantanhez, relembrando o meu companheiro, o meu avô materno, que dizia, quando o almoço se atrasava: "Doze horas é meio dia, / Quem não almoça enfraquece! / Já a água não me mata a sede, / Já o meu amor não me esquece!"


Guiné > Região de Tombali > Cufar >  CCAÇ 763, "Os Lassas", Cufar, 1965/67 > Golpe de mão em que aprisionaram o Calaboço (p. 42)  > Mário Fitas, Gibi Baldé e srgt Jata.

Foto: © Mário Fitas (2016). Todo os direitos reservados. [Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]

Capa do livro (inédito) "Do Alentejo à Guiné: putos, gandulos e guerra", da autoria de Mário Vicente [Fitas Ralhete], mais conhecido por Mário Fitas, ex-fur mil inf op esp, CCAÇ 763, "Os Lassas", Cufar, 1965/67.

Mário Fitas foi cofundador e é "homem grande" da Magnífica Tabanca da Linha, escritor, artesão, artista, além de nosso grã-tabanqueiro da primeira hora, alentejano de Vila Fernando, concelho de Elvas, reformado da TAP, pai de duas filhas e avô. [Foto abaixo à esquerda, março de 2016, Tabanca da Linha, Oitavos, Guincho, Cascais.]

 
Do Alentejo à Guiné: putos, gandulos e guerra > XVII Parte > Cap IX  - Guerra 2 (pp. 53-58)

por Mário Vicente 

Sinopse:

(i) Depois de Tavira (CISMI) e de Elvas (BC 8),

(ii) o "Vagabundo" faz o curso de "ranger" em Lamego;

(iii) é mobilizado para a Guiné;

(iv) unidade mobilizadora: RI 1, Amadora, Oeiras. Companhia: CCÇ 763 ("Nobres na Paz e na Guerra");

(v) parte para Bissau no T/T Timor, em 11 de fevereiro de 1965, no Cais da Rocha Conde de Óbidos, em Lisboa;

(vi) chegada a Bissau a 17:

(vii) partida para Cufar, no sul, na região de Tombali, em 2 de março de 1965;

(viii) experiência, inédita, com cães de guerra;

(ix) início da atividade, o primeiro prisioneiro;

(x) primeira grande operação: 15 de maio de 1965: conquista de Cufar Nalu (Op Razia):

(xi) a malta da CCAÇ 763 passa a ser conhecida por "Lassas", alcunha pejorativa dada pelo IN;

(xii) aos quatro meses a CCAÇ 763 é louvada pelo brigadeiro, comandante  militar, pelo "ronco" da Op Saturno;

(xiii) chega a Cufar o periquito fur mil Reis, que é devidamente praxado.

(xiv) as primeiras minas, as operações Satan, Trovão e Vindima; recordações do avô materno... 


Pré-publicação: O livro de Mário Vicente [Mário Fitas], "Do Alentejo à Guiné: putos, gandulos e guerra" (2.ª versão, 2010, 99 pp.) - XVII Parte: Cap IX: Guerra 2 (pp. 53-58)

Havia apenas oito dias sobre a varredela em Cabolol, e eis que o 2º Grupo de combate tem de partir para Catió e levar o pelotão de Artilharia. Nessa noite, o grupo da milícia do João Bacar Jaló, estacionado em Priame, detecta que a estrada foi minada, pelo que temos de voltar ao sistema de picagem da mesma. Sorte!...

Mesmo ao cimo da leve subida, quando a estrada entra no túnel da mata, após o vale de capim que separa aquela do cruzamento do Cabaceira, foram detectadas duas “meninas simpáticas, blenorrágicas prostitutas anti-carro” que por nós esperavam, para nos fornicarem o corpo. Que grande porra!... As viaturas e os obuses no vale, se somos emboscados, estamos com as calças na mão. Há que deitar mãos à obra rapidamente e rebentar as minas, coisa que ainda dá problemas, pois  o maluco do Chico Zé as quer levantar em vez de rebentar. Não pode ser!... E se estão armadilhadas? Felizmente que ele é o único com essa ideia, e o Almeida não autoriza. Vagabundo brinca com Chico Zé:
– Oh pá, Zé, porra!... estás farto da malta? Queres-te ir embora já?...

E era verdade, porque estavam armadilhadas.

Depois de rebentadas, deixaram uma cratera que cabia lá um unimog! Toca a tapar o buraco para as viaturas avançarem. Trabalho efectuado, viaturas passadas, pessoal em segurança, vai um minutinho para fumar um cigarrito. Em todos os trabalhos se fuma, como se diz na minha terra, costumava Vagabundo dizer.

Vamos então verificar como funciona a guerrilha, altamente organizada e eficiente contra a nossa ainda ingenuidade. Fumando o cigarro, juntaram-se em amena cavaqueira de guerra nada menos nada mais que: três alferes, três furriéis milicianos e um milícia, Zé de nome e libanês de nacionalidade, sendo de alcunha portanto, o Zé Libanês e que também ninguém sabia porque é que aquela espécie aparecia fazendo a guerra.

Conversa animada no grupo quando, num repente, um clarão chama aflorou da terra, secundado de um grande estrondo e o grupo foi atirado cada um para seu lado. A meio da picada, Chico Zé de gatas em frente de Vagabundo, dizia para este:
– Estou ferido!… Estou ferido!...

Vagabundo vergado, apalpando-se todo dos pés à cabeça, sem olhar para o seu companheiro e tendo em atenção apenas a confirmação da apalpação que a si próprio fazia, e só com o sentido em si, respondia ao companheiro:
– Não, não estás!

Por momentos a mente de todos entrou no vazio. Um gemido levou-os a voltarem à realidade. Olharam na direcção do gemer agora mais forte, e todos viram o alferes de Artilharia estendido na berma. Perna direita levantada, onde apenas uma óssea forca tíbio-perónia aparecia por entre a chamuscada calça camuflada, pois o pé direito tinha desaparecido. Porra!... uma mina anti-pessoal.
– O enfermeiro depressa!–  gritou Almeida.

O artilheiro, que em princípio não ia p’ró mato nem andava no duro e na dança, ali estava agora a receber os primeiros socorros, com esfacelamento total do pé direito, fractura do terço inferior na mesma perna, queimaduras na coxa esquerda e nos braços. Mais um inválido com vinte e quatro anos!

O cabo de transmissões entra em contacto com o aquartelamento que, de imediato, pede evacuação a Bissau que será depois feita de avião. Mas agora como vai ser? Há que levar o camarada para Cufar. Mais outra loucura. Mas a guerra é isto!... Chico Zé, cara toda chamuscada, camuflado cheio de terra, oferece-se:
– Eu levo o Évora para Cufar!

Todos conhecemos a perícia do Zé, autêntico condutor de ralis, mas é perigoso voltar só. Almeida decide rapidamente, acede e manda subir para o unimog o enfermeiro entregando-lhe uma G3 e nomeia outro soldado, que também salta para a viatura. Chico Zé dá a G3 ao condutor que cede o lugar. Com o ferido esticado na caixa, o enfermeiro e soldado segurando o infeliz, Chico Zé, conduzindo o unimog, arranca direito a Cufar. É assim a guerra, ou ficamos todos ou salvamos um!...

Almeida manda o cabo transmitir para Cufar, de onde saem uma auto-metralhadora e o piquete para vir ao reencontro.

O enfermeiro depois contou que nunca tinha andado assim de carro.
–  Aquela “merda” até andava só sobre duas rodas!

Quando a auto-metralhadora e o unimog do piquete faziam a aproximação para entrar na estrada Cufar-Catió, o Chico Zé entrava no fundo da pista a alta velocidade deixando os outros para trás, fazendo a inversão de marcha.

Primeira vítima da estrada maldita! Eles não perdoam!...

Cufar informa e continuamos para Catió. Chegados a Catió não dá para mais nada, é largar os obuses e correr para o cais, aproveitando a maré, pois há que embarcar para o Cachil, na ilha do Como. Temos de fazer a segurança àquele desterro, enquanto os sacrificados vão efectuar uma operação ao Tombali. É chegarmos nós e saírem eles.

Ficam o primeiro sargento e os cozinheiros, para nos darem as explicações sobre a defesa deste forte Apache. Também não tem explicação plausível pois, é já lugar comum que só quem passou por terras da Guiné e pelos diversos aquartelamentos pode aquilatar do poder de adaptação do valoroso soldado português. Desfalcados, com cozinheiros e outros pobres de Deus, defender um aquartelamento daqueles?!... E se o IN soubesse, e fosse lá? Escaqueirava aquela merda toda e os que não morressem seriam apanhados à mão. Vagabundo confirma “in loco” as descrições do Cachil feitas pelo Fernando, homem dos morteiros. Já não vale a pena comentar pois, por vezes, sente-se mesmo a tristeza e a impotência de uma tropa tipo pé descalço.

Quero antes Cufar onde há ar e espaço, quero ir para a estrada, prefiro morrer nas matas de Cabolol do que aqui entoupeirado neste pequenino murado quintal.

A CCAÇ  continua imparável, há que aproveitar o desempenho e moral desta gente. As operações sucedem-se, é a hora certa para dar um salto ao outro lado do Cumbijã, à quinta do Nino, e verificar como estão as coisas por lá. A 8 de Julho de 1965, a Companhia embarca em Impungueda a fim de levar a efeito a operação Satan. Pelas quatro horas da madrugada as três LDM que transportam a CCAÇ encontram-se frente a Caboxanque. Detectados, as forças do PAIGC abrem fogo contra as NT, as lanchas conseguem acostar e o primeiro grupo de combate a desembarcar contra-ataca, desalojando os guerrilheiros.

Conseguindo progredir através de Caboxanque e depois Flaque Injã, pelas 7h00 consegue-se detectar e assaltar um acampamento, o  qual foi destruído bem como várias instalações e uma grande escola do PAIGC, onde é apreendido bastante material e documentação. Entre a documentação são encontradas várias fotografias, uma das quais do nosso amigo Nino em Pequim.

Na descida de Flaque Injã para Caboxanque somos emboscados. Reagindo bem, a Companhia consegue abater seis guerrilheiros, capturar uma espingarda automática e diverso equipamento. No cais de Caboxanque onde se nos juntara a 4.ª CCAÇ  de Bedanda, enquanto se aguardava o embarque, fomos de novo fortemente atacados, mas o IN foi repelido. Sofremos um ferido grave que foi evacuado de helicóptero para Bissau. Já desflorámos o Cantanhez, dizia Jata, e era verdade…Caboxanque e Flaque Injã ficaram a conhecer os “Lassas” na operação Satan.

Há um caso que nos preocupa. Capturar o Alfa Nan Cabo. Já fizemos três golpes de mão para o apanhar e nada. O gajo parece uma enguia. De etnia balanta, cuja religião reside no respeito e obediência ao espírito dos antepassados, já que têm a experiência vivida em dois mundos, vivos e mortos, por consequência com dupla experiência da vida vivida nessa dualidade, estão em melhores condições de orientarem os que andam por cá. A vida é movimento, movimento é vida.

O soprar do vento, o ondular das águas, as chuvas fustigando, o enfurecimento do mar, os rios de maré na sua maravilhosa dualidade, de corrida para a foz ou para montante, o relâmpago rasgando o céu, todas as forças que se manifestam animando os corpos são espíritos que tudo controlam do além.

Voltamos a Cabolol. O guia vindo do Batalhão garante-nos haver um novo acampamento, mas não encontramos nada. Leva-nos ao antigo acampamento que verificamos continua destruído. Divergimos para a tabanca de Cantumane que verificamos encontrar-se deserta. Procedimento normal em termos de anti-guerrilha, proceder à revista de todas as moranças e depósitos de arroz.

Quando o grupo destinado executava essa tarefa, a CCAÇ  foi violentamente atacada por um numeroso grupo IN que se encontrava emboscado na mata a norte. Três ataques sucessivos com armas ligeiras e RPG,  verifica-se a impossibilidade de utilização de morteiros, resultante da proximidade em que as forças se encontram. No entanto é-nos dada a oportunidade de contactarmos com um novo, para nós, método de emboscada, a utilização de abelhas. Os cortiços são postos em pontos estratégicos e, ao desencadearem a emboscada, fazem fogo sobre os referidos cortiços.

As abelhas “lassas” saem lançando-se enfurecidas sobre os nossos homens, desarticulando completamente o dispositivo dos grupos de combate, ficando muita gente incapacitada para combate, e para responder à emboscada. Com algum esforço, consegue-se fazer o envolvimento do IN provocando-lhe várias baixas confirmadas. Pela nossa parte sofremos mais um ferido grave que não viria a resistir, o nosso Madeira, sargento Leandro Vieira Barcelos, é atingido no fígado por uma bala depois de lhe ter perfurado o rádio. O Barcelos não se aguentou e fina-se no dia seguinte, no HM de Bissau. A CCAÇ sofre mais três feridos graves por picadelas de abelhas, que foram também evacuados para o Hospital. Limpeza feita, Cantumane mais uma vez destruída, assim termina a denominada operação Trovão.

O célebre e avidamente tão procurado Alfa Nan Cabo,  de etnia balanta, apresenta-se no aquartelamento de Cufar, entregando-se às nossas forças, passando a colaborar connosco. Irá ser um elemento extraordinário com grande influência na prestação dos Lassas, os quais lhe ficarão a dever o safanço de um morticínio, no outro lado do Cumbijã, que mais tarde contaremos.

Alfa Nan Cabo, balanta, desertor do PAIGC
Alfa Nan Cabo, meu irmão, tens por de trás de ti toda uma história que não vale a pena entrar aqui.

Quero só descrever-te agora, correndo uma cortina sobre a tua vida de menino, blufo e homem. Basta recordar aquele lagarto parecido com uma iguana. Ali nas brasas e a malta toda enojada, verificando aquele manjar, cobiçando apenas a pele do lagarto para curtir. Belo petisco! Apenas uma pequena homenagem, meu irmão, à tua compleição física: muito próximo do metro e noventa de altura, com noventa quilos de peso, anda descalço saltando aos pés juntos para cima de um unimog, levanta o dedo grande do pé direito, dá um chuto na bola de futebol a dez metros do varandim do Comando, e esta rebenta contra o muro.

Cheira o IN à distância. Calcula-se que aqui no sul, o exército popular do PAIGC com maioria de guerrilheiros balantas, cinquenta por cento será formado por indivíduos cuja compleição física será como a do Alfa. Já verificámos isso nos que abatemos e fizemos prisioneiros. Estamos feitos!

Voltamos a caminhos de Cabolol mas seguindo a estrada, passamos nas bordinhas da mata e vamos até à tabanca de Cobumba, numa acção punitiva, por a sua população dar guarida a um grupo de guerrilheiros, que teria causado várias baixas à 4.ª CCAÇ  estacionada em Bedanda, entre as quais se contava um sargento.

Entramos no turbilhão da mata de Cufar com o Torcásio a borrar-se todo e a vomitar, não sabemos se foi qualquer estragada que se lhe deu, ou se o medo que ingeriu, pois quem tem mulher e filhos sempre o “cu” lhe traz a recordação. Já parámos três vezes e com o barulho das descargas e ânsias dos vómitos, de certeza não tardará a nossa posição a ser detectada. Noite de breu… não chove… assim será melhor.

Pára novamente a coluna.
– Que porra!...

Passamos a noite nisto e não tardará que estejamos a levar nos cornos em vez de atingirmos o objectivo, o furriel liga o rádio banana, mas desliga imediatamente, o Fumaça que seguia na sua frente vira-se e sussurra:
– Furriel,  formigas das grandes numa abatis!
– Porra!... Só faltava esta!...

Toca a despir, se estas gajas se pegam à roupa estamos fodidos. Bonito!... O furriel sorri perante o imaginável espectáculo, se fosse noite desse maravilhoso luar africano. Uma centena e tal de cus em movimentação pela picada fora. Trampa de guerra!

Mesmo com todos os contratempos, o objectivo é atingido sem problemas. Cobumba é cercada e a população é apanhada de surpresa. Começa a limpeza com um certo alarido entremeando algumas rajadas sobre alguns fugitivos. Como habitualmente é dirigida à população uma prelecção sobre a guerrilha. É feito prisioneiro o guerrilheiro Malan Cassamá que irá para Cufar com mais uns elementos da população, para averiguações. Assim a operação Vindima termina.

Época de chuvas. Vagabundo deveria estar a caminho de férias, para na sua Planície apadrinhar o casamento de sua irmã Adelaide mas… sai tudo furado. A morte do pobre sargento Madeira, alterou a escala das férias. Faça-se o casamento sem o padrinho, haverá sempre alguém que honrosamente faça a substituição. O furriel Vagabundo tem outras festas a realizar.

E temos mais uma surpresa: Tui Na Defa, ex-guerrilheiro do PAIGC, apresenta-se em Cufar, e passa a fazer parte da Companhia de Milícia 13. Meu bom Tui, como eras simpático e que grandes amizades tinhas com todos os Lassas. Soubemos já em Lisboa que também tinhas ficado na estrada maldita. Que o teu iran te dê o respectivo valor, porque para as pátrias a quem serviste, apenas foste um objecto. Apenas os amigos que criaste, se lembraram de ti.

É-nos dada uma rara oportunidade para observar as maravilhas da natureza e seus elementos nas suas mais extraordinárias facetas incluindo as mais violentas e destruidoras. Saída nocturna na mata de Cufar Nalu, para em patrulhamento visitar o velho Acampamento do PAIGC, não vá ter inquilinos novos!

O céu pode considerar-se como uma tela da Natureza, sendo a base de todos os fenómenos atmosféricos correntes que nele se reflectem. Seguindo na célebre bicha de pirilau, somos surpreendidos ainda escura madrugada, no labiríntico carreiro dentro da mata por selvagens sons esquisitos. Babuínos, aves, toda a espécie animal ali vivente se ouve num estranho ruído de aflição, que nos transmite também uma sensação algo estranha. Que se passará? Eis que em segundos a selva é violada por um clarão de deflagração cósmica e imediatamente, o ribombar de enorme trovão ressoa até aos confins das mais ignotas matas. Aí está! Produzindo um dos fenómenos meteorológicos mais espectaculares e violentos resultantes de apenas três ingredientes: ar, água e calor.

Uma trovoada tropical! Quase diárias nesta época, não tínhamos apanhado nenhuma assim nocturna isolados na mata, sendo envolvidos no seu turbilhão de água, caindo em cascata. A sua mais perigosa manifestação, os raios, colossais descargas eléctricas podendo atingir potências inacreditáveis de volts, aquecendo a milhares de graus centígrados, próximo da velocidade da luz, provocando uma explosão sob a forma estrondosa ecoante, o trovão. A energia é tal que ilumina toda a mata e que nos deixa mais cegos por momentos, na escuridão já existente. Depois da cegueira resta-nos a sorte divina de não sermos alvejados, porque o esgaçar das monstruosas árvores, parece som de papel rasgado por nervosas mãos, elevado a milhões de decibéis. Ficamos completamente desnorteados, como formigas saídas do carreiro por entre manada de elefantes. Encharcados até aos ossos, mãos dadas para não nos perdermos, vamos andando devagar com o pensamento não se sabe onde (nem querendo saber de momento). Assim vamos ao encontro do nosso destino…

Vagabundo confirma que o homem se descobre, quando se mede com o obstáculo. Como chega rapidamente sem nos apercebermos, assim se dissipa o tornado deixando apenas o seu rasto devastador.

Passamos pelo destruído acampamento que continua na mesma como coisa assombrada. Ali, com certeza o espírito dos mortos vagueará e imporá o temor e a impossibilidade de reconstrução.

Rompeu a manhã e descendo pelo lado contrário, direito à picada da antiga tabanca de Cufar Nalu, vão-se os camuflados enxugando pelo calor corporal emanado, enquanto o pensamento mais tranquilizado se desprende e procura outras paragens.

Vagabundo
ligando os fenómenos da natureza, sorri interiormente e relembra os seus tempos de escuteiro, a trovoada no acampamento no eucaliptal da Fonte da Eira e os resistentes ao (bronquítico ataque). Também a chuva caía como Deus a mandava, trovejando fortemente, mas foram fortes, resistentes, verdadeiros rapazes de Baden Powell. Levantando o pano da tenda para comunicarem com os da frente, a panela de arroz com carne no meio, à vez por ordem não comandada, a colher ia entrando e enchendo aquelas bocas sem temor da trovoada.

Por onde andais vós,  meus grandes amigos? Peta, Carmélia, Casado, Pitórrela, Mochila e outros? Quem sabe não vireis aqui bater com os costados para conhecer esta bonita terra? Olhem, eu vou enxugando esta merda de roupa camuflada no corpo, só que já caminho de perna um pouco aberta pois já sinto os tomates assados. Um dia iremo-nos encontrar, se tudo correr bem e tiver a sorte de não levar um tiro nos cornos,  havemos de beber uns copos à nossa saúde. O sorriso apareceu novamente ao relembrar outras aventuras dos tempos de puto e gandulo.

Vagabundo caminhando agora, já de regresso, na leve subida de acesso ao fundo da pista de aviação na estrada Cufar /Catió, a porra do camuflado mal enxuto de água mas agora molhado pelo suor, foi atingido o fundo da pista, com o pensamento já em qualquer coisa para comer, pois o esgalgado estômago já se encontrava em vazia badalação de horas de almoço. Voltando mais uma vez à sua Planície e ao familiar convívio dos seus mais queridos, o furriel relembrou seu avô, quando a hora de almoço por vezes se atrasava, o simpático e amigo velhote recitava:

Doze horas é meio dia,
Quem não almoça,  enfraquece!
Já a água não me mata a sede,
Já o meu amor não me esquece!

Como vês,  Tânia, até o velhote traz a recordação. Adorável este sabedor avô. Parece que está aqui, nos seus segredos, fugindo ao controlo das filhas, minha mãe e de minha madrinha.
– Pst! Pst! Tens bagalhuça?

E sorrateiramente fazia o gesto,  esfregando o indicador e polegar.
–  E ela é bonita? Respeita sempre!

Simplesmente maravilhosa, esta criatura, com quem tanto convivi desde que enviuvou, eu apenas com quatro anos fiquei a ser o seu “companheiro”, pois sempre assim me tratou.
–  Por onde andará aquela alminha, meu doce companheiro?

Nunca imaginaste bom avô! Nem terás conhecimento do abutre em que se tornou o teu companheiro. Ainda bem que ignoras a guerra.

Chegados! Vamos ao duche e ao almoço que a fome é negra.
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terça-feira, 12 de março de 2013

Guiné 63/74 - P11241: 9º aniversário do nosso blogue: Os melhores postes da I Série (2004/06) (3): O meu diário (José Teixeira, ex-1º cabo aux enf, CCAÇ 2381, Buba e Empada, 1968/70) (Partes V/VI): Mampatá, agosto/outubro de 1968




Guiné > Região de Tombali > Mampatá > CART 6250 , Os Unidos de Mampatá (1972/74) > Um foto aérea de povoação e aquartelamento... A unidade de quadrícula anterior terá sido a CCCAÇ 3326 (1971/73, Mampatá e Quinhamel) a que pertenceu o nosso camarada António Amaral Brum, há 36 anos emigrado no Canadá. Em 1968, no último trimestre, esteve aqui destacado o José Teixeira,

Foto: © José Manuel Lopes (2008). Todo os direitos reservados .




Guiné > Região de Tombali > Aldeia Formosa > CCAÇ 2381 (1968/70) > O José Teixeira junto ao obus  14, "apontado para a fronteira".

Foto: © José Teixeira (2005). Todo os direitos reservados .

  

Guiné-Bissau > Região de Tombali > Cantanhez > Farosadjuma > 2011 > > Hoje, um homem de causas...

Foto: © José Teixeira (2011). Todo os direitos reservados .

1. Continuação da publicação de O Meu Diário, de José Teixeira (1º cabo aux enf José Teixeira, da CCAÇ 2381, Buba, Quebo, Mampatá, Empada, 1968/70) (*):


Mampatá, 12 de Agosto de 1968

Mais uma vez mudei de sítio. Agora pertenço ao Destacamento de Mampatá, para onde vim ontem de tarde com o meu pelotão. Cerca de 50 tabancas [, moranças,] e alguns abrigos para militares. As camas são colchões pneumáticos colocados no chão dos abrigos. A cozinha e a enfermaria são tipo estrela.

Não sei o tempo que estarei por aqui. Em princípio será por um mês e isto não me desagrada. Pelo menos estamos mais livres do fogo IN pois os abrigos são muito seguros.

Mampatá, 14 de Agosto de 1968

Hoje acordei ao som do morteiro e das costureirinhas. O IN atacou ao amanhecer. Estava a lavar-me quando ouço um rebentamento perto de mim. Dei um salto, entro no abrigo. Aguardei uns minutos e quando acalmou saí para preparar o Posto de Socorros. Felizmente não houve qualquer azar.

Segundo se apurou estavam emboscados no cruzamento à espera da viatura que ia a Aldeia Formosa e no momento de rebentar a emboscada faziam fogo sobre Mampatá para que não fôssemos em socorro dos colegas. Felizmente um africano localizou-os e ao verem-se descobertos atacaram a povoação sem provocar danos.

Mampatá, 19 de Agosto de 1968

Hoje pelas 20 horas, tivemos a segunda visita do IN a Mampatá. Acabava de chegar da Tabanca com o Rodrigues,  de Torres Novas,  quando ouvi a primeira saída. Em cerca de 10 minutos mandou-nos 106 granadas de canhão sem recuo, como confirmámos pelos invólucros que deixaram na mata ao pressentirem a nossa perseguição. Queimaram uma tabanca [, morança].

De Aldeia Formosa as NT mandaram algumas granadas de obus que assustaram o IN. Mampatá defendeu-se com os Morteiros 81 e 60 e com a Breda. Montei rapidamente o Posto de Socorros, mas não chegou a ser necessário.

Mampatá, 23 de Agosto de 1968

Mais uma etapa díficil para a CCAÇ 2381. Quem diria que, após uma coluna a Gandembel na qual se levantaram 57 minas A/P e quatro fornilhos depois da passagem por Chamarra e sem ninguém contar, surge a terrível emboscada que provoca cinco feridos.

É sempre assim, onde menos se conta, quando a calma e a confiança volta ao espírito, quando se julga que o perigo já passou, surge de entre o arvoredo, traiçoeiramente o inimigo. Um viver constante em estado de guerra arrasa o espírito. A parte física ressente-se, as conversas entre camaradas tornam-se por tudo ou nada exaltadas, pequenos quezílias, tornam-se problemas.

O homem é fruto do ambiente em que vive. Se o ambiente é de paz, sente-se a vida nos corações, a calma e a confiança no "outro ", vive-se a paz. Quando o troar dos canhões se ouve longe ou perto, quando existe guerra entre os homens, existe guerra no seu espírito. O espírito torna-se selvagem. Trava-se uma luta entre o antigo e o novo, entre o amor e o sangue. Um jovem que ainda ontem só pensava em amar, hoje não vacila em disparar sobre um inimigo, mesmo ferido inofensivo, inutilizado, a precisar de uma mão salvadora...

Antes de ontem e ontem, Buba foi atacada. Os Páras têm tido um trabalho intenso. Hoje bateram a zona de onde costumam atacar Aldeia Formosa. Há alguns dias que patrulham a zona envolvente de Gandembel e com bons resultados. vários mortos, manga de feridos e material apreendido.

Hoje escrevi para a Metrópole. As minhas últimas cartas não me agradam. Será que o meu amor está a diminuir ?... ou a ânsia de amar mais, me faz julgar que não consigo dar a entender quanto amo ?

Mampatá, 26 de Agosto de 1968

Estou preocupado. Seguiu hoje nova coluna para Buba e o Sector continua infestado de IN. Antes de ontem atacaram Aldeia Formosa, Gandembel e Nhala. Desta vez em Aldeia Formosa destruiram o morteiro 120. Nem os roncos dos Páras conseguem acalmar a situação, bem pelo contrário parecem enfurecidos.

Em Mampatá tudo está calmo. Os espíritos estão voltados para a estrada de Buba. Os ouvidos estão atentos a qualquer rebentamento... São camaradas que atravessam o perigo. Senti uma enorme alegria aquando do ataque a Chamarra: vi os meus camaradas correrem em socorro dos que estavam em perigo.

Ontem recebi uma carta de um amor em férias. Que bem me fez esta carta... Mostravas preocupação por estar magro, a mim parece-me o contrário, mas o mais importante foi o que escreveste "se precisares de alguma coisa diz, tua mãe ou eu mesmo te mando". Não preciso de nada a não ser voltar, no entanto não calculas quanto fiquei intimamente satisfeito e feliz com a tua atitude.

Parece incrível, desde manhã que há feridos na coluna para Buba, um dos quais sem um pé e só às 17 horas é que o Hélio fez a sua aparição para a evacuação. Não admira que haja mortos na Guiné. Vivem-se horas angustiantes na guerra.

Mampatá, 27 de Agosto de 1968

A coluna para Buba passou a noite em Nhala. De lá foi feita a evacuação do Alzira que ficou sem um pé numa A/P que pisou quando saltou da viatura ao cair debaixo de fogo, numa emboscada. Acabou a guerra para ele.

Manga de fogo durante o dia de ontem. A coluna de Buba foi atacada na bolanha, os páras estacionados em Gandembel andavam a patrulhar a zona e encontraram um caminho, seguiram-no e penetraram sem saber num acampamento IN, ainda desconhecido. Apanhados de surpresa , o IN reagiu. Mesmo assim sofreram 29 mortos. Os Páras tiveram dois feridos.

O IN atacou Aldeia Formosa, Gandembel (grande ataque), Guileje e Buba.

Mampatá, 31 de Agosto de 1968

Acabaram-se as colunas para Buba e Gandembel durante uns meses e ainda bem. Era um bom quebra cabeças, pois sempre que havia colunas havia emboscadas e minas A/P e A/C para nossa diversão.

Na última coluna a Gandembel foram detectadas 57 minas A/P [antipessoal] e alguns fornilhos num pequeno espaço. A coluna teve de regressar, sem atingir o objectivo (levar mantimentos à Companhia estacionada em Gandembel e Ponte Balana), depois de duas tentativas de encontro com os camaradas que em sentido oposto tinham vindo montar a proteção à minha Companhia.

Na primeira tentativa, há a lamentar seis mortos e um desaparecido na Companhia de Gandembel. Na segunda tentativa rebentou uma A/P que feriu um colega meu. Tudo porque havia minas na estrada, fornilhos nas bermas e a floresta estava armadilhada.

Mampatá, 7 de Setembro de 1968

Tenho que reagir. Estou-me portando pior que os outros. Onde está a minha força de vontade de viver segundo o meu projecto de vida ? Sinto-me só... recomeço a luta tanta vez... como fugir ?...Eu não quero matar. Eu não quero morrer. Quero viver, mas esta vida, não. Tenho de encarar as situações com naturalidade. Confiar. Reagir... reagir com todas as minhas forças.

Mampatá, 11 de Setembro de 1968

Desta vez foi Chamarra a escolhida para fazer a festa. Cerca das 20 horas o bandido abriu fogo com vários canhões e lança-roquetes. Durante uns minutos ouvimos ao longe o ruído característico do rebentamento de granadas. O pelotão da minha Companhia que aí se encontra destacado, comandado pelo Alferes Barbosa,  reagiu bem, pondo-os em debandada. Mesmo assim há a lamentar um soldado ferido e dois mortos civis, uma mulher e uma criança... Tantas vítimas inocentes nesta guerra que não quero fazer!

Mampatá, 15 de Setembro de 1968

Visitei Chamarra. O último ataque foi tremendo. Aproximaram-se do arame farpado para pregar aos meus colegas uma terrível partida, apanhá-los à mão. Felizmente os meus colegas reagiram em força e não permitiram.

Chamarra é o posto mais avançado de ligação com Gandembel, por Ponte Balana, o único caminho que permite chegar a este posto avançado, pois ninguém de bom senso se arrisca a fazer a ligação pelo corredor da morte – Guileje, Mejo e Gandamael Porto. Esse só para o Inimigo e para os Páras ou Comandos, de vez em quando e com muito cuidado, fazer os seus raides de aventura.

Consta que Mampatá vai ser atacado pelo mesmo sistema.

Mampatá, 16 de Setembro de 1968

Ontem Chamarra foi mais uma vez atacado. Desta vez não houve azar. Em Guileje também houve festa dura. A companhia de Páras tem trabalhado bem, no patrulhamento da Zona, mais usada pelos terroristas para introduzirem homens e equipamento, mas mesmo assim....

 Hoje na estrada de Chamarra-Mampatá ia-se dando mais uma catástrofe. O IN estava a montar minas A/C na estrada quando uma patrulha de milícias apareceu e abriu fogo pondo o IN em fuga deixando duas minas de 15 Kg. Todos os dias passa nesta estrada uma viatura com 10 homens a caminho de Aldeia Formosa.

Mampatá, 17 de Setembro de 1968

Dia de correio. Ainda cedo sentiu-se a avioneta de Sector em direcção a Aldeia Formosa. Aguardamos com ansiedade a viatura que partiu para lá....

O Vitor escreveu-me. Por Bissorã nem tudo corre bem. Segundo ele, num pequeno incidente ficaram dois soldados inutilizados para toda a vida, ambos com uma perna amputada e um outro com a cara cheia de estilhaços. Além destes, uma nativa morta e outra sem uma perna. Tudo por rebentamento de minas A/P, montadas pelo IN. Numa saída em patrulha a malta vingou-se fazendo sete mortos e dois prisioneiros. O último a morrer foi o tipo que montou as minas e, pelo que ele conta, teve morte honrosa. Todos os africanos verificaram a eficiência das suas facas no seu corpo.

Mampatá, 23 de Setembro de 1968

Tudo está calmo, há dias que o IN não ataca. Todos estamos convencidos que o próximo objectivo é Mampatá e com o seu novo sistema de ataque nos vai dar que fazer.

Uma das coisas que me agrada fazer, embora perigosa, é a ronda nocturna pelos postos de sentinela. No princípio detestava, mas agora dá-me prazer. Normalmente passo um quarto de hora em cada posto, a conversar baixinho com o camarada que está de sentinela. Assim, ajudo-o a passar o tempo e a manter-se atento. Esta missão nocturna é distribuída pelo Alferes, pelos Furriéis e por mim.

Ontem aconteceu-me uma cena que dá para rir. Como é hábito, avisei com um pequeno assobio (a senha) o primeiro sentinela que me estava a aproximar. Sentei-me ao lado dele no chão e ficamos a conversar. Não notei que me tinha sentado em cima de um carreiro de formiga preta e quando me levantei senti o corpo todo a ser ferrado. Que dores horríveis pelo corpo todo !

Tirei a roupa toda, arranquei as formigas como pude, coloquei a roupa na ponta da espingarda e continuei a ronda completamente nu. Estava no primeiro posto, faltavam cinco. Os meus camaradas ao verem-me chegar ao posto com o fato que a minha mãe me deu ao nascer gozaram em cheio e durante uns dias não se falou noutra coisa.

A formiga preta faz carreiros de quilómetros à procura das suas presas. Na família desta formiga existem várias funções e tamanhos físicos. Assim as batedeiras são grandes e gordas. Normalmente andam fora da fila a procurar as presas e são as mais agressivas. A fila é composta por duas alas laterais e duas alas interiores, sendo as laterais como que soldados, mais fortes que as que vão no interior, as escravas que transportam o alimento para um esconderijo debaixo da terra

Quando as batedeiras localizam a presa morta ou viva, esta por qualquer razão em estado imobilizado, automaticamente a fila abre-se em duas e começa o envolvimento e a tomada de assalto sem que a vítima dê por nada. Quando esta se mexer sentirá milhares de ferradelas. Os cornos das formigas ficam de tal maneira cravados, que muitos ficam agarrados ao corpo, quando a vítima se tenta libertar. Foi isso que me aconteceu. Dizem que gostam muito de atacar os ‘tomates’ e eu que o diga !

Disse-me a Aliu Djaló que a jiboia depois de asfixiar a presa explora a zona num raio de 20 a 30 metros e se sentir que há formigas, abandona o alimento. Acontece que como fica vários dias a deglutir o animal que caçou, se as formigas forem atraídas pelo sangue da vítima, ou a descobrirem cobrem-na e no momento em que com o estômago cheio tenta abandonar o local, as formigas atacam e ficam com alimentação para vários dias.

São milhões de formigas. Eu vi uma cobra apanhada pela formiga, melhor, vi uma mancha negra do que fora uma cobra.

Mampatá, 25 de Setembro de 1968

Como é belo sentir nas próprias mãos o pulsar de um coração novo que acaba de vir ao mundo. Um corpo pequenino, branco como a neve, puro como os anjos e no entanto, este corpo vai crescer, a pouco e pouco a natureza encarregar-se-á de o tornar negro como os seus progenitores, negro como os seus irmãos que hoje não cabiam em si de contentes. É puro como os anjos, a sua alma está imaculada, mas virá o tempo em que conhecerá o pecado, terá de escolher entre o bem e o mal.

Um novo ser que ri e chora. Um novo ser que é feliz porque não sente, não houve o troar das armas, não foge para o abrigo aterrorizado, não se deita no chão para fugir às balas assassinas e traiçoeiras. Vai com os outros e se morrer ?... não conhece, não sente, não ama... Ontem fui chamado para assistir a uma mulher que estava a ter uma criança e se sentia muito mal. Assisti-a o melhor que pude. Mãe e filho estão bem.

Na minha ronda de ontem apanhei um susto que no fim deu para rir às gargalhadas. Estava na ponta norte da aldeia, pelas duas da madrugada, quando avisto um clarão na ponta sul. Parecia uma tabanca a arder. Por vezes diminuía de intensidade e não se ouvia qualquer indício de movimento de pessoas. Pensei: é o inimigo que atacou o posto do morteiro, num golpe de mão e apanhou os meus colegas. Vou mandar uma rajada para acordar o pessoal. Depois decidi ir ver o que se passava atravessando a aldeia com todo o cuidado por entre as tabancas e fui dar com os meus colegas todos nus a tirar palha das tabancas, incendiá-la e queimar milhares de formigas que aproveitando-se do seu sono os visitaram e quando um deles se mexeu foi uma autêntica catástrofe, ao sentir dezenas de corninhos a picarem-lhe o corpo todo. O vizinho acordou com o grito que o desgraçado deu e sentiu o mesmo. O chão era um tapete negro, pelo que quando puseram os pés no chão tiveram outra surpresa.. Então começou a luta entre o soldado Português e a formiga preta da Guiné. Houve milhares de mortes por parte do inimigo, um grande susto que eu apanhei e por pouco não pus a Tabanca toda em alvoroço às duas da manhã.

Mampatá, 27 de Setembro de 1968

Há alguns dias que a guerra parece ter parado. As povoações deixaram de ser atacadas. As colunas fazem-se sem incidentes, só as minas continuam. Desta vez foi um alferes em Gandembel que pisou uma bailarina que o cortou pela cintura. Para ele como para tantos outros acabou a guerra...

Os dias sucedem-se no seu marchar monótono, uns mais fáceis de passar, outros mais difíceis, mas a realidade é que eles vão passando e com eles vai o sofrimento de quem se vê longe dos seus e anseia que chegue o último dia, o dia em que de novo se aproxima dos seus entes queridos, os abraça e se fica com eles, jurando a si mesmo, nunca mais se afastar.

Porquê este desejo enorme que o tempo passe se com o seu andar nos torna mais velhos ? A felicidade só é possível onde haja amor, onde haja paz. Num ambiente de guerra onde somos uns estranhos, numa terra que não é nossa e que desconhecemos, onde nos consideram e respeitam porque precisam de nós, porque lhes tratamos as feridas e matamos a fome e sobretudo porque temos a força das armas, neste ambiente de desamor, onde muitas vezes impera o ódio e o terror, não pode haver felicidade e o que é a vida sem uma réstia de felicidade ?

Que vale a vida se não vemos o "outro" ou passamos por ele e porque as circunstâncias o exige, fingimos não o ver ?... Vivemos na esperança que o tempo, uns escassos meses da nossa vida, passe depressa para uma liberdade duradoira e uma paz excelente...

Apanhei mais um susto. Na Guiné há noites que mais parecem dia, tal é a luz do luar. Quantas cartas eu escrevi de noite enquanto fazia horas para iniciar a minha ronda. Noutras ocasiões a escuridão é tão profunda que não se vê um palmo à frente do nariz. Numa dessas noites ia eu de um posto de sentinela para outro, às apalpadelas e por vezes contra as palhotas, quando sinto que bati em algo que se mexeu. Tive um pressentimento e gritei:
- Tem calma pessoal fricano, é fermero (enfermeiro) qui na vai !- Ouço a voz do Suleimane (#):
- Tu na tem sorte, djubi (estás com sorte, olha). - Mostrou-me a catana que tinha na mão. Disse-lhe eu:
- Sorte na tem tu!- e mostro-lhe o dedo no gatilho da G 3, pronta a disparar. Demos um abraço e ficamo-nos a rir. Tinha vindo fora da tabanca urinar, mas como estava muito escuro houve um choque que podia dar mau resultado.

Mampatá, 21 de Outubro de 1968

Recomeçaram os ataques a Gandembel. Há algum tempo que paira no ar uma atmosfera tensa.. A dúvida e a preocupação vê-se em todos os rostos. Podiam começar em qualquer lugar.

Ontem, em Bacardado, pequeno povoação que só tem um pequeno grupo de milícias com mausers, a dois quilómetros de Mampatá, junto à estrada onde passamos todos os dias. O terrorista apareceu de noite e queimou toda a povoação e feriu alguns nativos. A pouca população juntou-se e defendeu-se bem, pondo o bandido em fuga. Apenas ficaram de pé três palhotas. Animais, dinheiro e haveres, foi tudo queimado.

Mampatá, 23 de Outubro de 1968

Passei em Bacardado. Triste abandono, palhotas queimadas, animais mortos, nem uma viva alma, só os abutres, medonhos, anunciantes da morte e da desolação, procurando os restos de carne para com avidez saciarem a fome e um cheiro nauseabundo e pestilento...(##)

A estrada está vazia. O medo fez a população abandonar o que porventura lhes restava e vieram acolher-se a Mampatá. Deixou de haver movimento humano na estrada. Quando passávamos de viatura, as crianças, nuas e sujas de lama, mas com a alegria no rosto acorriam a dizer adeus e a desejar bom biaje. Agora vejo-as todos os dias à minha frente esfomeadas, a mendigar migalhas para matarem a fome.

O vazio da estrada transmitiu-se à alma. Também ela sofre. O coração chora tantos inocentes que procuravam viver a sua vida em paz, só queriam uma bolanha para trabalharem a terra e tirarem o seu sustento. De um momento para outro viram surgir junto de si, um inimigo traiçoeiro que, escondido no alto capim, esperou que a noite viesse, como uma fera que espera a sua presa , para protegido pela escuridão, incendiar, ferir, matar, arrasar tudo - se meia dúzia de valentes não lho impedissem - e depois fugir cobardemente à procura de protecção para lá da fronteira.

Porquê atacar e matar os seus irmãos de raça ? Não sei .


Guiné > Região de Tombali > Carta de Xitole (1955) (Escala de 1/50 mil) > Posição relativa de Mampatá, Bacar Dado, Afiá, Quebo e Chamarra.

Explicação dada hoje pelo Zé Teixeira sobre Bacar Dado: "A tabanca de Bacar Dado foi incendiada durante a noite. A sua defesa estava entregue a três homens, creio que ligados ao Gr Comb de milícias de Mampatá Forreá. Tinham como arma de defesa a velha mauser, das mais antigas que se possa imaginar. A luta foi curta, pois a população abandonou o local. No dia seguinte de manhã apercebemos-nos de um movimento anormal. Era parte da população que se refugiou nesta tabanca. Sei que de Aldeia Formosa vieram dois Gr Comb bater a zona e encontrou a tabanca queimada. O médico que estava em Aldeia Formosa acompanhou a força e comentou comigo que houve feridos no PAICG por indícios no terreno. Fotografias, só as que retenho na mente. Antes do ataque, as crianças que corriam atrás do "boguinhas" e as pessoas às portas das moranças a dizer-nos adeus. Depois, o silêncio, os esqueletos das moranças e das árvores carbonizadas e o cheiro a queimado como escrevi no Diário".

Infografia: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné


Mampatá, 29 de Outubro de 1968

Quase seis meses se passaram, já, desde que deixei a Metrópole. Parece que estou a ver à minha frente o cais de embarque e milhares de pessoas que com as lágrimas nos olhos e lenços a esvoaçar,  diziam adeus aos jovens familiares que se lentamente se afastavam com destino à Guiné.

Este tempo, os primeiros meses da guerra, sempre o mais difícil, tem-me custado imenso a passar. Ambientes diferentes, um clima doentio que me marcará para sempre, a guerra com todos os seus perigos. Até a própria natureza parece diferente. Tudo isto são factores, que a par das saudades da família que ficou preocupada, da namorada que lá longe sofre na incerteza, influem no meu estado de espírito.

Já corri muitos perigos. Balas e estilhaços que mãos criminosas, inconscientes ou talvez conscientes do direito de terem a sua Pátria livre, lançaram sobre mim. Já percorri muitos quilómetros, conheci terras, povos e culturas, paisagens maravilhosas. Por muitos anos que viva, jamais esquecerei a Guiné, a forma natural como os seus povos vivem, a fraternidade que comungam entre si, a sua forma simples de Ser, em que o Ter não é importante, mas o viver cada dia como que o seguinte não existisse.

A família do sargenti di milícia Hamadu estava toda reunida. No meio, um alguidar cheio de vianda (arroz) com um pequeno bocado frango frito:
- Teixeira Fermero, vem na cume (Enfermeiro Teixeira vem comer). - Sentei-me meti a mão no alguidar, fiz uma bola com arroz bem temperado com óleo de palma e meti à boca (Em Roma sê romano). Estava apetitoso e eu estava cheio de comer massa com chispe que o cozinheiro confeccionava na cozinha improvisada ao ar livre, porque não havia mais nada. Estamos no tempo das chuvas, a Bolanha dos Passarinhos está intransponível pelo que não há colunas a Buba para trazer mantimentos.

A refeição animada com a conversa sobre a forma de viver em Lisboa, quando chega um estranho elemento, carregado de panos e bujigangas, era um gila (contrabandista oriundo da Guiné Conacri). Começou o diálogo em Mandiga:
- Na pinda . .. Jame tum … - . O homem sentou-se e começou a comer connosco. O ditado Português diz “para mais um chega sempre”, agora para mais dois… mas chegou.

Após ter comido connosco a pouca vianda que havia tentou vender os panos que trazia, depois foi-se embora, com muitas saudações e com um Djarama nani (muito obrigado) no final
Quem é? - perguntei.
- Ká sibi - É Gila vem de Conacri, tinha fome. Quando pessoal tem fome …

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Notas de JT:

(#) Tive o prazer de reencontrar o Suleimane em Abril de 2005 no Saltinho. Estava o mesmo, parece que os anos nem passaram por ele.

(##) Em Abril de 2005 visitei Bacardado [, ou Bacar Dado] e como fiquei feliz ao verificar que a vida logo depois do fim da guerra recomeçou e hoje liga com Áfia e Mampatá Forreá  fazendo como que uma única aldeia!

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Nota do editor:

sexta-feira, 26 de novembro de 2010

Guiné 63/74 - P7342: Doenças e outros problemas de saúde que nos afectavam (3): Formiga baga-baga (Rui Silva)

1. Mensagem de Rui Silva* (ex-Fur Mil da CCAÇ 816, Bissorã, Olossato, Mansoa, 1965/67), com data de 25 de Novembro de 2010:

Caros Luís, Vinhal, Briote e M. Ribeiro:


Recebam um grande abraço, também de amizade e consideração.


Em anexo, e dando continuidade aos postes n.ºs 7012 e 7138, aqui vai o trabalho sobre o 3.º item (a formiga “baga-baga”).


Claro que fica ao vosso critério (sempre por mim bem aceite) o publicar ou não este trabalho.


Rui Silva


2. Como sempre as minhas primeiras palavras são de saudação para todos os camaradas ex-Combatentes da Guiné, mais ainda para aqueles que de algum modo ainda sofrem de sequelas daquela maldita guerra.

DOENÇAS E OUTROS PROBLEMAS DE SAÚDE (ou de integridade física) QUE A CCAÇ 816 TEVE DE ENFRENTAR DURANTE A SUA CAMPANHA NA GUINÉ PORTUGUESA (Bissorã – Olossato – Mansoa 1965/67)

(I) Paludismo (P7012)
(II) Matacanha (P7138)
(III) Formiga “baga-baga”
(IV) Abelhas
(V) Lepra
(VI) Doença do sono


Não é minha intenção ao “falar” aqui de doenças e outros problemas de saúde que afligiam os militares da 816 na ex-Guiné Portuguesa, imiscuir-me em áreas para as quais não estou habilitado (áreas de Medicina Geral, Medicina Tropical, Biologia, etc.) mas, tão só, contar aquilo, como eu, e enquanto leigo em tais matérias, vi, ajuizei e senti.

Assim:

As quatro primeiras, a Companhia sentiu-as bem na pele (ou no corpo). As duas últimas (Lepra e Doença do sono), embora as constatássemos – houve mesmo contactos directos de elementos da Companhia com leprosos (foram leprosos transportados às costas, do mato para Olossato nas tais operações de recolha de população acoitada no mato para as povoações com protecção de tropa) –, não houve qualquer caso com o pessoal da Companhia, ou porque estas doenças estavam em fase de erradicação (?), ou porque a higiene e a profilaxia praticadas pela Companhia eram o suficiente para as obstar.


FORMIGA BAGA-BAGA - III

Julgo que a descrição exacta é:

BAGA-BAGA: - Montículo de terra endurecida que abriga uma comunidade de térmitas (Cupim). Pode atingir até cerca de 8 metros de altura.

TÉRMITAS (Cupim): espécie de formiga esbranquiçada e de contornos e cabeça avermelhados que vive numa comunidade, aos milhares, uma comunidade organizada com Rei, Rainha, operárias e soldados, e que constrói o baga-baga com a secreção de saliva misturada principalmente com pó de terra fazendo daquela obra de engenharia (arejamento, climatização e arrumação) o seu habitáculo.

Isto porque havia quem dissesse que a formiga baga-baga é que deu o nome ao montículo e outros que diziam que o baga-baga (montículo daquela formiga) é que deu nome à formiga.

Aconteceu então, numa operação de golpe-de-mão à casa-de-mato inimiga de Biambe, o meu primeiro encontro com estas “más companhias” e quando já tinha algumas semanas de Guiné e de mato.
Dá-se uma emboscada aquando do regresso, o que já se contava e como era habitual, e então valha-nos, mais uma vez, um baga-baga.

“Entretido” aos tiros, só depois me apercebi das alfinetadas que estava a levar nas mãos e braços, e já pelas pernas acima.”Mas o que é isto?” Qual é a minha surpresa, vejo umas formigas avermelhadas a ferrarem-me por todo o lado.

Comecei a sacudi-las sem por a cabeça fora do baga-baga, isto é fora de uma eventual boa pontaria inimiga. À sacudidela elas não saíam e então, verifiquei, para desespero meu, que elas estavam encastradas na minha carne. Com o empenho que elas actuavam parecia que até faziam o pino. Só puxando-as é que elas saíam, sem que no entanto a cabeça deixasse de ficar agarrada através de uns tentáculos enterrados. Lembrei-me das abelhas - nas abelhas o abdómen fica ligado ao ferrão - nestas ficam, não um ferrão, mas umas pinças (ou cornos) com a cabeça agarrada.

Os baga-bagas eram os nossos abrigos predilectos. Ainda bem que existiam. Parecia que tinham sido feitos para aquele tipo de guerra – a guerra de guerrilha. Altos, espessos quanto baste, duros como cimento, e a espaços mais ou menos regulares. Em qualquer operação no mato, principalmente em zona laranjo/vermelha, era constante um olhar prévio em redor para ver onde havia um baga-baga que nos acudisse.

Havia zonas em que existiam mais, julgo que em terrenos mais secos. Nas bolanhas não havia. Certamente que a água das chuvas e das marés que as inundavam, não propiciavam tais obras de engenharia. Ali para os lados de Biambi, Maqué, Iracunda, Morés, Cansambo, etc. aqueles montículos eram mesmo aos montes.

Aquela dor aguda e penetrante em cada ferroada passava no entanto alguns segundos depois. Perguntei-me porquê elas aparecerem naquele baga-baga e não em muitos outros onde me tinha protegido em situações embaraçosas como aquela. Disseram-me, depois, que aquelas formigas constroem o baga-baga mas que depois o abandonam, julga-se quando já não têm condições de habitabilidade, ou acaba aquela geração, ou ainda por predadores e parasitas mais fortes. Seja como for, verifiquei que grande parte dos baga-bagas não tinham aquelas formigas, afinal as legítimas proprietárias, mas sim eram habitados agora por toda a espécie de insectos: grandes, pequenos, com asas, sem asas, aranhas, moscas, moscões, etc., etc. Parasitagem,  afinal.

Apesar das dezenas de ferroadas que se levava, e as marcas eram bem visíveis, o que era certo, pelo que me apercebesse, não havia doença ou alergia subsequente. Afinal aquele Cupim que não gostava que usássemos a sua casa, ainda que para defesa do toutiço, teria uma história bem curiosa do que é uma comunidade, ainda que a nível de pequenos insectos, em que há uma entreajuda impressionante, que constrói com uma preciosa engenharia de habitabilidade e sustentabilidade um território, em que tem as suas operárias, os seus soldados defensores de todo o reino, um rei e uma rainha, esta a fecundar a um ritmo impressionante (cerca de 1000 ovos por dia) aumentando continuamente a prole, qual fábrica de trabalho em série. Afinal aquele torrão de terra, e que jeito dava muitas vezes, tinha muito que contar sobre a mãe natureza. Escondia uma comunidade laboriosa unida e homogénea em que cada um tinha uma missão religiosa a cumprir. Afinal uma lição para muitos…

Havia também por lá umas formigas pretas,  de grande cabeça e com um comprimento de 1 centímetro ou mais, não faltando quem se queixasse delas; embora também as visse por perto não me lembro de ser mordido por elas, já dos Cupins…

Ao clicar no ícone seguinte, pode-se ver um pequeno filme do Youtube  que mostra umas formigas pretas a dominarem os Cupins. No entanto não me parece que sejam as formigas pretas de que a malta se queixava.

Ainda através do ícone se pode ver um outro filme (Cidade das formigas) onde se pode ver que,  ao despejar cimento no estado de líquido pelas aberturas do formigueiro, aquele percorre todo o labirinto e uma vez solidificado mostra todo o habitáculo das formigas. De algum modo, embora ressalvando as proporções, o cupinzeiro (baga-baga) que víamos na Guiné, tem uma arquitectura semelhante.


Numa certa altura do ano, já no Olossato e julgo que tinha a ver com o tempo das chuvas, reparamos a páginas tantas, e já de noite, que as lâmpadas da iluminação à volta do quartel, alimentadas pelo gerador eléctrico, estavam rodeadas de milhares de insectos voadores. Logo também invadiram a nossa messe rodeando as lâmpadas ali acesas. Uma coisa nunca vista. Logo apagamos as luzes e os insectos voadores desapareceram, para num ápice voltarem a rodear as lâmpadas logo estas reacendidas, em voos frenéticos e repetidos em direção à origem da luz.

Chegamos a apagar a iluminação e a incendiar papeis julgando que as formigas se queimavam, desaparecendo assim, mas, qual o nosso espanto, as formigas envolveram as chamas. Aproximavam-se da chama para logo se afastarem ligeiramente (devido ao grande calor, suponho) para logo fazerem nova investida. O calor só era problema quando elas se queimavam (?). Uma coisa impressionante. Mas eles insistiam, insistiam sempre, ao encontro da luz.

Ao ler a história dos Cupins e sabendo que estes numa fase da sua metamorfose possuem asas (ver na figura abaixo, Como funcionam os Cupins-Ciclo de vida) em que o Cupim passa por uma fase da sua vida em que tem asas e a que se dá o nome de Alado) admito que esses vastos enxames em volta de tudo que fosse luz seriam os Cupins na fase de alados. De uma formiga tratava-se certamente. Mas, de tipos de formigas e outros insectos, cobras e passarada na Guiné haviam aos montes.





Fonte: www.mundoestranho.abril.com.br

- Montanha viva

- Ninho é cheio de túneis, tem andares embaixo da terra e pode durar oitenta anos.

CONSTRUÇÃO FIRME
O tamanho do cupinzeiro depende da população da colónia, mas, em média, atinge 60cm de altura. Ele é feito de terra, areia, saliva e excrementos dos próprios cupins. A construção é tão sólida na parte externa que alguns cupinzeiros se mantêm por até 80 anos!


LABIRINTO INTERNO
Por fora, um cupinzeiro do tipo montículo parece um monte de terra ressecada, sem vida. Dentro, porém, ele tem vários túneis e câmaras interligados por onde circulam milhões de cupins. As câmaras têm diversos usos, de depósito de alimento a berçário para ovos.


EM CAMADAS
O cupinzeiro é erguido por compartimentos e ganha “andar por andar”. O ninho cresce tanto para cima como para baixo da terra – cerca de 25% do tamanho total do cupinzeiro pode ser subterrâneo -. Os andares mais novos são mais húmidos e não tão sólidos.


CAMAROTE VIP
Entre as milhares de câmaras, uma se destaca: a câmara real. Nela vivem a rainha e o rei da colónia, responsáveis pela fundação do ninho e pela multiplicação dos cupins. O casal real vive, em média, de 15 a 20 anos e pode ser substituído por outros pares secundários.


ENTRADA VIGIADA
O acesso ao ninho é feito por túneis subterrãneos que desembocam no solo. É por eles que os cupins operários saem para colectar comida. Nessas missões, são protegidos de inimigos, como formigas e vêspas, pelos cupins soldados que fazem uma “escolta”.


Um estudo da Universidade de Harvard, nos Estados Unidos, indica que os verdadeiros reis da savana africana não são os leões, mas sim os cupins. Segundo o pesquisador Robert Pringle, a rede de colónias criadas pelas colónias do insecto influencia mais a população de animais que os grandes predadores ou os gigantes da região, como os elefantes e as girafas. As informações são da Agência Fapesp.

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Segundo a pesquisa, a acção do cupim contribui enormemente para a produtividade do solo, que acaba por estimular a produção vegetal e, por consequência, animal. Os cientistas afirmam que a distribuição dos cupinzeiros por uma área maior maximiza a produtividade de todo o ecossistema.

“Não são os predadores carismáticos – como leões e leopardos – que exercem os maiores controles em populações. Em muitos aspectos, são os pequenos personagens que controlam o cenário. No caso da savana, aparentemente os cupins têm uma tremenda influência e são fundamentais para o funcionamento do ecossistema”, diz Robert Pringle.

Os pesquisadores estudaram cupinzeiros na região do Quénia Central. Eles observaram que essas estruturas tinham cerca de 10m de diâmetro, com distâncias entre 60 e 100m entre eles. Cada um abriga milhões de insectos e muitas vezes são centenários. Os cientistas se surpreenderam ao observar um grande número de lagartos próximos aos cupinzeiros, o que levou à quantificação da produtividade ecológica da área. Eles chegaram à conclusão que cada comunidade de insectos dava suporte a densas agregações de flora e de fauna. As plantas cresciam mais rapidamente quando próximas a essas estruturas e as populações de animais, assim como a taxa de reprodução, eram menores quando ficavam longe dos cupinzeiros.

Imagens feitas por satélite confirmaram as observações. Segundo os pesquisadores, essas imagens mostravam que cada cupinzeiro ficava no meio de uma “explosão de produtividade floral”. Além disso, essas “explosões” parecem divididas organizadamente, com cada uma como se fosse uma casa em um tabuleiro de xadrez.


Os cientistas pretendem agora estudar qual é exactamente a contribuição dos cupins a essa produtividade. Eles acreditam que os insectos – que muitas vezes são vistos como pragas na agricultura – distribuem nutrientes, como fósforo e nitrogênio, que beneficiam a fertilidade do solo.

Segue: Abelhas - IV
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 17 de Outubro de 2010 > Guiné 63/74 - P7138: Doenças e outros problemas de saúde que nos afectavam (2): Matacanha (Rui Silva)

domingo, 13 de dezembro de 2009

Guiné 63/74 - P5458: Estórias avulsas (20): Formigas vermelhas e formigas castanhas (Armandino Alves)



1. Em 13 de Dezembro de 2009, recebemos um texto do nosso Camarada Armandino Alves, que foi 1.º Cabo Auxilitar de Enfermagem na CCAÇ 1589 (Beli, Fá Mandinga e Madina do Boé, 1966/68) e que passamos a transcrever:


Formigas vermelhas e formigas castanhas

Camaradas,

Eu não sei o que aconteceu depois de eu ter regressado da Guiné. Mas há uma coisa a que eu acho muita graça. Já li muitos postes sobre operações realizadas após eu ter vindo de lá. Já li o que foi escrito sobre os ataques de abelhas (que eu também sofri), mas nunca ouvi falar em ataques de… formigas.

Rainha e obreiras (in Wikipédia, enciclopédia livre)


Entre os vários tipos de formigas, existiam, no meu tempo, dois tipos delas caracterizadas pelas suas cores, umas vermelhas que se encontravam no Pilão, em Bissau, e que, atacando em conjunto, matavam uma galinha em poucos minutos segundo diziam os naturais locais.


Outras eram de cor castanha e encontrávamo-las no mato, quando andávamos em operações ou patrulhas nocturnas, pois elas só apareciam de noite. Se tínhamos o azar de fazer uma paragem junto de um dos seus formigueiros, era um ver se te avias. Toca a despir o camuflado para as arrancar do corpo, pois elas possuíam umas garras em forma de tenaz que se enterravam na carne e, quando as tirávamos, a cabeça ficava lá presa. Cabeça essa, que depois caía, pois, como é óbvio, tinha sido decepada do corpo.

Para evitar que elas trepassem pelas nossas pernas acima, é que os intervenientes nestas operações, eram previamente avisados para apertarem bem os cordões existentes no fundo das pernas das calças do camuflado, por cima dos plainitos, ou por cima dos bordos das botas de lona.

Em Béli, elas atacavam os nossos abrigos aos milhares e a única maneira de nos defendermos, era fugir cá para fora e esperar o regresso delas aos seus ninhos, o que se dava mal nascia o dia.

Nós esperávamos por elas com um bidão de gasóleo, espalhávamo-lo por cima dos seus corposs e lançávamos-lhes o fogo.

Só assim é que as conseguíamos matá-las.

Mas pelos vistos devemos tê-las matado todas, pois, até hoje, não ouvi mais ninguém falar nelas.

Como me parece que de 1966/68, sou o único sobrevivente em acção, não devo ter mais nenhum Camarada que me ajude a comprovar esta "formigada".

Um Abraço,
Armandino Alves
1º Cabo Aux Enf CCAÇ 1589
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Nota de M.R.:

Vd. último poste da série em:

13 de Dezembro de 2009 >

Guiné 63/74 - P5457: Estórias avulsas (63): O regresso (José Marques Ferreira)

terça-feira, 1 de julho de 2008

Guiné 63/74 - P3011: Não venho falar de mim... nem do meu umbigo (Alberto Branquinho) (3): Fornilhos e despojos humanos


1. Texto enviado, em 1 de Julho, pelo Alberto Branquinho, advogado, ex-alferes miliciano na CART 1689 (Fá, Catió, Cabedu, Gandembel e Canquelifá, 1967/69):

Camarada Luis Graça

Com os meus cumprimentos pelo Post 3000, estou a enviar mais um texto para o UMBIGO (*), o nº3.

Um abraço
Alberto Branquinho


2. NÃO VENHO FALAR DE MIM… NEM DO MEU UMBIGO (3) > DESPOJOS
por Alberto Branquinho

Fotos: © Carlos Américo Rosa Cardoso (2007)(**)

Mais ou menos nove horas da manhã. O pessoal da Companhia estava pronto e equipado, com os seus pertences arrumados nos sacos de lona e espalhado pela proximidade dos abrigos (não fosse necessário recorrer a eles). Aguardava a coluna auto que chegaria de norte, para sair dali nessa mesma coluna, no movimento de retorno. A impaciência era grande para abandonar aquele inferno de guerra, sofrimento e privações de há longos, longos dias.

Exactamente a norte – três, quatro (cinco?) rebentamentos de grande potência. A primeira reacção foi correr para os abrigos. Muitos estacaram imediatamente, porque estouros com aquela força nada tinham a ver com saídas de canhão ou de morteiro. Todos os olhos dos corpos agachados se viraram para o lado dos estouros, com expressão ansiosa. Uma nuvem de pó (e fumo?) começou a surgir e a avantajar-se muito acima das copas das árvores, lá ao longe.
- Que merda foi aquela?

A resposta chegou pouco tempo depois, via rádio e retransmitida:
- Fornilhos.

Chamam-se enfermeiros e saem viaturas com pessoal, em socorro. A coluna tarda e não há mais notícias.

Chegam as viaturas que tinham saído. Os homens vêm com um ar soturno. Duas viaturas tinham sido afectadas e havia muitos corpos despedaçados.
– Quantos? - Ninguém sabe.
- Quando se fizer a chamada é que se pode ver. Sabe-se que falta um alferes.

Entra no recinto do aquartelamento a viatura de caixa aberta, com os pedaços dos corpos. Curiosos agarram-se às cancelas e espreitam.
– Foda-se! Parecem todos pretos!

A viatura é coberta com panos de tenda amarrados e enxotam as moscas que teimam em ficar por baixo dos panos. Uma raiva enorme, surda e irracional enche as cabeças e os peitos. Muitos cospem para o chão de forma maquinal, continuada e inconsciente.

As viaturas são abastecidas de combustível para o regresso, ao mesmo tempo que é retirada a carga que se destinava ao aquartelamento. Tenta-se reorganizar a coluna para o regresso, com a indicação de que a viatura com os restos dos corpos seguirá na retaguarda. O pessoal da Companhia que aguardava a chegada da coluna, seguirá a pé, espaçado, pelotão a pelotão, entre as viaturas.

Começa o andamento, desenrolando o novelo de viaturas e homens. A raiva sobe-lhes, os peitos arfam, os dentes cerrados. Há ordem para, além de olhar à direita e à esquerda, estarem atentos, também, às grandes árvores que ladeiam o itinerário. Não demoraram muito a chegar ao local do rebentamento dos fornilhos. Cabe um homem agachado dentro de cada buraco.

Um furriel viu, pendurado de um ramo alto, um braço ou, talvez, fosse uma perna.
- Eh, pá! Deixa aqui a G-3 e vai lá buscar aquilo, que a gente dá-te cobertura.
- Foda-se! Ir lá em cimba ?! Bá lá bocê!

Frente à recusa, desistiu e ficou parado, a olhar fixamente aquilo. Depois olhou para o chão, na beira do itinerário, ao lado da árvore. Três ou quatro formigas grandes e pretas, com as pinças cravadas, tentavam arrastar um pedaço de carne, que tinha colado um farrapo de farda camuflada. Com raiva, elevou o tacão da bota de lona para esmagar as formigas, mas susteve o pé no ar, com a perna flectida, para não esmagar, também, a carne. Acabou por dar um passo mais largo. Voltou-se para observar melhor e verificou que havia mais pedaços de carne espalhados em volta.

Ficou a olhá-los sem dar conta que as viaturas e os homens continuavam a passar.
Retomou a marcha devagar, muito devagar, titubeante e, entre dentes, ia repetindo Lavoisier:
-“Na Natureza nada se cria, nada se perde…nada se perde…nada se perde…nada se perde…nada se perde"...

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Notas de L.G.:

(*) Vd. postes anteriores desta série:

30 de Maio de 2008 > Guiné 63/74 - P2903: Não venho falar de mim... nem do meu umbigo (Alberto Branquinho) (1): Palavras e expressões do crioulo

12 de Junho de 2008 > Guiné 63/74 - P2931: Não venho falar de mim... nem do meu umbigo (Alberto Branquinho) (2): Da solidão de pides, padres, administradores, mascotes...

(**) 1º Cabo Radiologista Carlos Cardoso, dos Serviços de Saúde Militar (1972/74). Vd.postes de:

1 de Fevereiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1481: Hospital Militar de Bissau (1): Apresenta-se o ex-1º Cabo Radiologista Cardoso

7 de Maio de 2007 > Guiné 63/74 - P1738: Hospital Militar de Bissau (2): O terminal da guerra, da morte e do horror (Carlos Américo Cardoso, 1º cabo radiologista)

sexta-feira, 14 de dezembro de 2007

Guiné 63/74 - P2350: Estórias cabralianas (28): O Hipopótamo, as Formigas e o Prisioneiro (Jorge Cabral)

O Jorge Cabral, nosso querido amigo e camarada, foi Alferes Miliciano de Artilharia, comandante do Pel Caç Nat 63, primeiro em Fá Mandinga e depois em Missirá, Sector L1 - Bambadinca, Zona Leste, 1969/71.

É autor da série Estórias Cabralianas (1), uma das mais populares do nosso blogue.


Hoje mandou-nos mais uma das suas deliciosas short stories em que é especialista.


O Hipopótamo, As Formigas e o Prisioneiro
por Jorge Cabral


Guiné-Bissau > Áreas Protegidas > Parque Nacional de Orango, na parte sul do Arquipélago dos Bijagós > Um hipopótamos e a sua cria (2).


Fonte: Guiné-Bissau, página da AD - Acção para o Desenvolvimento (2006) (com a devida vénia...)


Nem me lembro qual o Periquito que se apresentou naquele dia em Fá. Mas sei que ao anoitecer, saiu, equipado e armado, cumprindo a minha ordem. Objectivo: caçar um hipopótamo.

Levámos morteiro, bazuca, e para impressionar o novo combatente, até picámos o curtíssimo trajecto, que nos separava do rio. Perto da margem, emboscámos, vigiando as águas.

Para o Periquito era certo. Brancos e negros, já o tinham convencido, que todos os meses, caçávamos um enorme bicho.
- Ainda no mês passado, foi um elefante - afiançara-lhe o Monteiro.

Uma hora se passou porém, sem qualquer vislumbre do hipopótamo, embora o pira continuasse atentamente a espiar o rio, animado pelos incentivos dos outros, que inventando indícios e sinais, lhe garantiam:
- Está quase!

Eis quando em vez do paquiderme, surgem as ferozes formigas, cuja predilecção testicular era nossa conhecida. Atacado nos ditos, o Periquito uivou de dor, aos saltos, e obedeceu aos nossos conselhos
– Entra na água... Entra na água... senão eles caem!

O espalhafato, o barulho, a confusão, foram tão grandes que um turra acabado de cambar o rio, se entregou, julgando-se descoberto.

No dia seguinte, frente ao Sampaio (3), relatei com pompa e circunstância, a captura. Sim, com base em informações fidedignas, montara a emboscada. Do Hipopótamo, das Formigas, do Periquito, nem uma palavra.
- O Cabral é assim, um operacional de mão cheia - confidenciou depois o Major, ao Comandante (4)…


Jorge Cabral

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Notas de L.G.:

(1) Vd. último post da série:

22 de Outubro de 2007 > Guiné 63/74 - P2204: Estórias cabralianas (27): Turra desenfiado encontra Alferes entornado (Jorge Cabral)


(2) Nunca vi um hipopótamo na Guiné, morto ou vivo... Não tive/tivémos tempo para fazer... turismo. Mas não creio que existissem no Rio Geba, pelo menos no Geba Estreito... A sua existência era referenciada no Rio Corubal, onde seriam abundantes, mas onde nós, pelo menos no meu/nosso tempo (1969/71) não punhamos os pés... a não ser armados até aos dentes e com apoio aéreo...

Passados estes anos todos, os hipopótamos são uma das muitas espécies ameaçadas na Guiné-Bissau e em muitos outros países africanos ... O nosso camarada A. Marques Lopes acaba de nos mandar uma notícia, da Angola Press, que refere o risco de extinção dos hipótamos e outras espécies de grande porte... Aqui vai a notícia, com a devida vénia (e a nossa preocupação: porque sem o hipopótamo da Guiné, ficamos todos mais pobres, ao planeta, a África, a Guiné, nós e os nossos amigos guineenses, que já são pobres de tudo):


Guiné-Bissau: Mamíferos de grande porte em vias de extinção, diz especialista

Bissau, 13/12 - Mamíferos de grande porte, que até há pouco tempo existiam na Guiné-Bissau em abundância, estão em vias de extinção devido à pressão do homem, disse, quarta-feira, Cristina Silva, especialista em espécies.

Cristina Silva é a coordenadora para a acção de seguimento das espécies no Instituto da Biodiversidade e Áreas Protegidas (IBAP), da Guiné-Bissau, que hoje comemorou o seu terceiro aniversário, tendo como pano de fundo a preocupação sobre a protecção da fauna e flora do país.De acordo com a especialista, os "grandes mamíferos" como o leão, a onça e oelefante, são hoje espécies "extremamente ameaçadas" de extinção devido à acção dos seres humanos. Por exemplo, os poucos elefantes que restaram são vistos esporadicamente nas florestas de Boé, no leste e em Cantanhez, no sul, explicou Cristina Silva, sublinhando que estes apenas aparecem nas épocas chuvosas.

"O último recenseamento apontava para a existência de apenas três casais de onças na zona do Boé", declarou Cristina Silva, um registo que contraria os dados de há dez anos, indicando que havia entre 50 a 100 seres dessa espécie.

Em 2004, foi realizado um registo nacional dos hipopótamos, em seis das sete áreas protegidas na Guiné-Bissau, tendo sido recenseados entre 500 a 1000 seres daquela espécie, mas o último recenseamento realizado recentementeapontou para menos de 500, adiantou Cristina Silva.

De todas as sub-espécies de animais, os ungulados, isto é, búfalos e cabras do mato, "são as que correm o risco de extinção" por constar da dieta alimentar de grande parte da população rural guineense, afirmou aespecialista.

O director do IBAP, Alfredo António da Silva, lamentou o facto do país não estar ainda dotado de legislação para a protecção das áreas protegidas eespécies ameaçadas de extinção.

in Angola Press, 13.12.07


(3) Major Sampaio, oficial de operações do BCAÇ 2852 (Bambadinca, 1968/70), a que estava adido o Pel Caç Nat 63.

(4) Ten Cor Jovelino Corte Real.

domingo, 29 de janeiro de 2006

Guiné 63/74 - P465: As formigas pretas e, ainda, o rali Porto-Bissau (Marques Lopes)

Texto do A. Marques Lopes:

A propósito das formigas que atacam as zonas púbicas, como o Guimarães contou, elas chamavam-se, pelo menos na zona de Geba, formiga correcção, com um corpo de cerca de 1cm e umas mandíbulas quase do mesmo tamanho.

Um dia, o meu grupo teve de atravessar um riacho que tinha um troco de palmeira por cima. Quando os primeiros já avançavam por cima do tronco, vi que começaram aos saltos e a coçar desesperadamente os ... , a zona púbica. Lá estava um carreiro delas.
- Formiga correcção! - disse-me o guia.
- Saltem para a água! - disse eu. E lá atravessámos a nado. Disseram-me que eram formigas que atacavam directamente os... a zona púbica. Mas ninguém me conseguiu explicar o que é que elas queriam corrigir...

Sobre o rali Porto-Bissau: a jornalista Joana Andringa, quando soube dele, ficou entusiasmadíssima. Está, juntamente com o Flora Gomes, cineasta guineense, a preparar um filme-documentário sobre a guerra na Guiné. Disse-me, depois, que já falou com o Flora e com o produtor e que irá com a sua equipa connosco, por terra, e que irão aos locais onde formos para colher elementos para o seu filme. No meu caso, quer que o comandante Gazela vá comigo a Sinchã Jobel, Cantacunda, Banjara e Samba Culo. Vamos ser actores.

Abraços
A. Marques Lopes

quinta-feira, 12 de janeiro de 2006

Guiné 63/74 - P425: As malditas formigas pretas do José Teixeira (José Neto)

Texto do Zé Neto:

Luis:
A minha intenção era ficar aqui caladinho no meu canto para não entupir a formidável sequência de factos das campanhas da Guiné. (Creio que estamos a construir um monumento histórico e inédito). Mas o José Teixeira tem o condão de me despertar recordações dispersas, pois "fala" de sítios por onde andei. Admiro-o muito.

E, a propósito das "desgraçadas" formigas (1), veio-me à memória a morte inglória do meu conterrâneo Alferes Miliciano Manuel Sobreiro (2º comandante da CART 1612, por ser o mais classificado dos alferes)(2). O Sobreirito (como eu o tratava na intimidade) tinha a especialidade de Minas e Armadilhas.

Em Fevereiro de 1968, precisamente na área de Mampatá, foi encarregado de desarmadilhar uma zona por onde iam alargar uma picada. Quando já tinha bem presa a alavanca duma granada defensiva instantânea e se preparava para introduzir a cavilha foi mordido num artelho por uma dessas formigas. Ao fazer o gesto de sacudir o insecto escorregou-lhe a alavanca e... sucumbiu crivado de estilhaços.

O Alferes Miliciano de Artilharia nº 0022363, Manuel de Jesus Rodrigues Sobreiro, natural de Riba de Aves, Souto da Carpalhosa, Leiria, não morreu em combate. Os senhores da guerra determinaram que foi "morto por acidente". Tanta injustiça que se cometeu!!! Um dia hei-de abordar este tema.

Até breve.
Zé Neto
(CART 1613, Guileje, 1967/68,
ex-saragento, hoje capitão reformado)
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Notas de L.G.

(1) Vd post de 11 de Janeiro de 2006 > Guiné 63/74 - CDXL: O meu diário (José Teixeira, CCAÇ 2381) (6): Mampatá, Setembro-Outubro de 1968

(2) Um das três companhias operacionais do BART 1896 (As outras duas eram a 1613 e a 1614). Segundo o Zé Neto, esta última, a CART 1614 era "a subunidade turista da Guiné que nunca ninguém do Batalhão conseguiu descobrir a razão de ficar sempre de fora dos petiscos que calharam às outras duas companhias operacionais (1612 e 1613)". E acrescenta, com ironia: "Eu desconfio, mas, para misérias do Celestino já basta!"...