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sexta-feira, 18 de março de 2022

Guiné 61/74 - P23090: (In)citações (198): a atuação de Patrício Ribeiro, durante a guerra civil de 1998/99, e nomeadamente em Varela, em articulação com o NRP Vasco da Gama..."Se isto não é heroísmo, então eu nunca vi nenhum herói ao vivo e a cores" (Luís Graça)


NRP Vasco da Gama (F330) na sua visita a Tallinn, capital da Estónia, entre 27 e 31 de março de 2008. Pormenor, imagem editada pelo nosso Blogue, da autoria de Ivo Kruusamägi da Wikipedia estoniana (2008) (Com a devia vénia ao autor e à Wikimedia Commons)

Guiné > Região de Cacheu > Varela > Maio de 1968 > A extensa praia de Varela...


Foto (e legenda): © Virgílio Teixeira (2017). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


Patrício Ribeiro, Ilha de Orango, 2008. 

Membro da Tabanca Grande desde 6/1/2006.

1. O Patrício Ribeiro, que vai passar em breve a nosso colaborador permanente para as questões da geografia e economia da Guiné-Bissau,   país lusófono onde vive  desde 1984, ou seja, há quase 40 anos. Fundou uma empresa, a Impar Lda, que tem levado a água e a luz a muitas tabancas recônditas. O seu filho está a dar continuidade ao negócio, mas ele não é homem para se reformar: não se reformou aos 70, também não se vai reformar aos 75 (a completar no dia 11 de outubro de 2022). Está cá e lá, entre Águeda e Bissau, descobriu agora as delícias da vida de agricultor, além de avô.


(i) A propósito da foto acima, do Virgílio Teixeira, tirada em maio de 1968,  escreveu o Patrício Ribeiro, em 8 de janeiro de 2018 (**):

Varela... Estas árvores que se vêm na foto [, de cima,], já foram levadas pelo mar.

Tenho aqui perto [, em Varela],  uma pequena palhota para passar alguns fins de semana. Há 20 anos estava a mais de 250 metros do mar, agora o mar já está muito mais perto; dentro de algum tempo, já posso pescar com a cana, a partir da minha varanda…

Neste mesmo local, numa clareira, aterraram os helicópteros da fragata Vasco da Gama, para recolher os Portugueses que aqui estavam encurralados na guerra de 1998.  Foi num destes helis que o nosso saudoso Pepito, saiu.

Eu também aqui estava… Mas tinha por missão ajudar a sair outros Portugueses que se encontravam no interior, em Canchungo e Cacheu. Como não apareceram às horas combinadas, estive em S. Domingos e depois em Ingoré (, sem combustível e em situação de guerra),  à procura deles… E de onde, a partir dos rádios da Missão Católica, comuniquei com a fragata a informar que estavam atrasados para a sua evacuação…

Ao fim do dia, também saí desta praia [, de Varela,] numa canoa nhominca, acompanhando os últimos 10 portugueses que quiseram sair, assim como de outras nacionalidades,  a quem a fragata autorizou o embarque… 

Como destino, “o pôr do sol”, o poente… Passados 18 milhas, mar adentro, lá encontramos a nossa frota com 3 navios dos “filhos da escola” que na parte final nos vierem cumprimentar nos botes e mandar subir pela escada de corda, para a fragata Vasco da Gama. (**)

(ii)  Informação complementar do Patrício Ribeiro sobre a sua ação heróica em Varela, logo a seguir ao golpe de Estaddo de 7 de junho de 1998 (***):

(...) Já não foi possível os helis da fragata Vasco da Gama voltarem a aterrar na praia, havia quem os quisesse deitar abaixo… mas fomos acompanhados pelo ar, de onde recebíamos ordens, por vezes mandavam-nos, à nossa canoa, desviar de alguns obstáculos, que havia no mar …

Luís, o comentário que enviei sobre as fotos da praia de Varela, foi a partir da minha lareira nas margens do Vouga [, em Águeda], onde há frio e foi com um copo de tinto na mesa …

Gosto de falar da minha praia de Varela de que adoro; dos banhos na água quente a 30º, das minhas pescarias diretamente para o grelhador, acompanhadas por umas bacias de ostras, etc…

O que escrevi no comentário, é um pequeno resumo dos diversos capítulos vividos naquela época, mas muitos deles ainda os considero 'classificados' …

Quando nos voluntariamos a ajudar os outros, quando pessoas a chorar nos pedem para não os deixar para trás …,   a “formação militar não o permite", vem ao de cima...

E, por força das condições, passamos a ser o elo de ligação entre o resto do mundo e o interior de um país em guerra, de onde não é possível informar os familiares: onde estamos, que estamos vivos … Repara, não havia telefones e as fronteiras estavam fechadas, quer internamente, quer com os países vizinhos e estas últimas estavam a ser bombardeadas. Bissau ficava longe e não  se sabia o que se passava no interior.

E quando do exterior… nos pedem a colaboração, através do nosso “bombolom”, para encontrar esta e aquela pessoa de quem não se tem notícias há muitas semanas … certamente qualquer um de nós ajudaria, se tivesse condições...

Os restantes capítulos vão saindo, quando alguém tocar na "ferida".

Luís, depois de ter saído na canoa nhominca, que, no regresso, na minha presença, carregou da fragata Vasco da Gama a primeira ajuda humanitária para a Guiné, destinada à Missão Católica de Suzana,  eu voltei para Portugal. Não, não fiquei lá...

Mas passados 2 meses regressei à Guiné, via Dakar e táxi aéreo para Bubaque, dali para Bissau em vedeta de guerra, que foi construída no Alfeite e que estava na mão dos militares senegaleses.

De Bissau por vezes saía para Varela, quando recebia um 'papelinho' avisando que era melhor ir dar uma volta… Pegava na minha mochila com uma lata de atum, atravessava a pé as bolanhas e lá ia eu para banhos.

O aeroporto de Bissau, esteve fechado quase um ano… Quando da morte do 'Nino', tinha ido passar o fim de semana à ilha de  Orango…

Na morte do Ansumane Mané, estava fora de Bissau...Ao reentrar em Bissau encontrei quase uma centena de milhares de pessoas, a saírem a pé. Algumas já iam para lá de Nhacra. Fiz um apelo na rádio RTP África, para mandarem transporte, afim de apanharem as pessoas que estavam a dormir à beira da estrada, sem qualquer condição.

Ao mínimo problema, a estrada principal era fechada a viaturas, em Safim.

Assim. como da morte dos restantes [altos dirigentes do país...], estava fora, por Varela, Contuboel, etc.

(iii) Comentário do nosso editor LG:
 
Patrício Ribeiro, português,
nascido em Águeda, em 1947,
criadoe casado em Angola,
com família no Huambo,
ex-fuzileiro em Angola de 1969
a 1972, a viver na Guiné-Bssau
desde 1984,
fundador, sócio-gerente
e director técnico
da firma Impar, Lda-


O Patrício Ribeiro não é por acaso que era conhecido em Bissau, ainda até há pouco, como o "pai dos tugas"... Os jovens, cooperantes, rapazes e raparigas, tinham por ele um enorme respeito e admiração na altura em que o meu filho, João Graça, o conheceu em dezembro de 2009, em Bissau...

Esta história do resgaste de diversos portugueses e 
outros, em plena guerra civil (que começou com o golpe de  Estado de 7 de junho de 1998), perdidos em Varela, Canchungo  e Cacheu, devia merecer honras de título de caixa alta nos jornais da época e nas parangonas dos telejornais... Não me dei conta que isso tenha acontecido... Mas é uma verdadeira história de heroísmo que nos 
honra a todos!...

Recorde-se que na sequência daquele conflito, foi 
montada pelo Governo Português uma operação de resgaste de cidadãos portugueses e de outras nacionalidades. Essa operação, com o nome de código Crocodilo.   envolveu uma força conjunta dos três ramos das Forças Armadas. A componente naval foi  constituída pela fragata Vasco da Gama, com dois helicópteros Lynx Mk95 embarcados, pelas corvetas Honório Barreto e João Coutinho e o navio reabastecedor Bérrio. A atuação dos
dois helicópteros foi fundamental para o êxito da missão. A força naval foi comandada pelo CMG Melo Gomes.
(Vd. P. Conceição Lopes, CFR: Operação Crocodilo. "Revista da Armada", julho de 2013, pág. 20).

A história do resgate, efectuado por conta e risco do Patrício Ribeiro, em Varela, já a tinha  ouvido contar, na tabanca de São Martinho do Porto, há uns largos anos atrás, talvez em 2012, da boca do saudoso Pepito (1949-2014), um dos "encurralados", em junho de 1998, em Varela, onde também tinha casa de praia, já do tempo dos pais

O Patrício conseguiu metê-lo, a ele e à família, e a mais cidadãos, num dos helís da fragata Vasco da Gama, ancorada ao largo, a 18 milhas, fora das águas territoriais do país, com mais os dois navios de apoio...

Eu já sabia, além disso, que, na impossibilidade de voltar o heli a Varela, o Patrício se metera na sua canoa nhominca, levando mais um grupo (10 pessoas, de nacionalidade portuguesa e outras...) ao fim da tarde, pelo mar fora, até à fragata salvadora!...

Camaradas, 18 milhas náuticas numa canoa nhominca ( embarcação em que ele é perito e que muito admira!),  são mais do que 33 km pelo mar adentro... Não é para todos, é para quem aprendeu a amar e respeitar o mar, como ele,  que foi "filho da escola" da Armada...

Já aqui escrevi e volto a repetir: Esta história incrível tem de ser melhor conhecida de todos nós... O Ribeiro Patrício, que é um homem modesto, nosso camarada, ex-grumete fuzileiro, deveria ter sido condecorado no 10 de junho por este feito de grande coragem,  altruísmo e patriotismo!... 

Amigos e camaradas, se isto não é heroísmo, então eu nunca vi nenhum herói ao vivo e a cores!

Reparem: durante o conflito político-militar, sangrento, de 1998/99, o Patrício Ribeiro foi incapaz de estar longe da Guiné mais do que dois meses... Ao fim de dois meses, voltou a entrar  no país via Dacar, Senegal.

O Pepito e a família, cuja casa no bairro do Quelélé, em Bissau, foi pilhada e destruída pela soldadesca senegalesa, que apoiava o 'Nino' Vieira, esteve refugiado em Cabo Verde, creio que à volta de um ano... O Pepito tinha nacionalidade guineense, e este foi um dos acontecimentos mais marcantes (e traumatizantes) da sua vida, segundo me confidenciou em vida... Voltou à Guiné. para recomeçar a sua vida, uma vida nova... O Patrício Ribeiro, por sua vez, é português, é alias o português mais guinéu da Guiné-Bissau... onde continua a viver e trabalhar desde 1984.

Esperemos que o Patrício Ribeiro, agora à beira dos 75 anos, possa passar mais tempos, entre nós, à lareira e à beira do Vouga, de modo a ter tempo e pachorra para a começar a "abrir o livro"... Um homem que sabe muito da história recente da Guiné-Bissau,  saberá até de mais, pelos círculos em que se move, mas sempre o achei uma pessoa cautelosa, discreta, afável e fiável, além de solidária e generosa. (****)

____________

Notas do editor:

(***) Vd. poste de 11 de janeiro de  2018 > Guiné 61/74 - P18200: (De)Caras (104): Patrício Ribeiro, nascido em Águeda, criado em Angola, "filho da escola" da Armada, ex-grumete fuzileiro, empresário em Bissau, ator e observador da história recente da "pátria de Cabral", o "homem certo no sítio certo"... Ou melhor: o "tuga" que sabe mais da Guiné, e para quem a Guiné "sabi di mais"...

(****) Último poste da série > 18 de março de 2022 > Guiné 61/74 - P23088: (In)citações (197): Mais recordações do conflito político-militar de 1998-1999, por parte de quem o viveu por perto, o Cherno Baldé e o Patrício Ribeiro

sábado, 17 de novembro de 2018

Guiné 61/74 - P19203: Efemérides (296): No 1º centenário da Grande Guerra: fomos revisitar o Diário de Lisboa, de 5 de abril de 1924: a mediatização do herói. o Soldado Milhões













Diário de Lisboa, 5 de abril de 1924, p. 1












Diário de Lisboa, 5 de abril de 1924, p. 5

Excertos editados pelo Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné

Fonte: Fundação Mário Soares > Casa Comum >  Pasta: 05741.005.01198 > Título: Diário de Lisboa > Número: 918 > Ano: 3 > Data: Sábado, 5 de Abril de 1924 > Directores: Director: Joaquim Manso > Fundo: DRR - Documentos Ruella Ramos


Citação:
(1924), "Diário de Lisboa", nº 918, Ano 3, Sábado, 5 de Abril de 1924, CasaComum.org, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_31651 (2018-11-16)


1. Já esquecido, depois do regresso à terra, em Trás-os-Mintes,  a história de heroísmo do soldado Milhões, condecorado com a Torre e Espada, coisa rara para um soldado raso, por ter salvo dezenas e dezenas de camaradas na batalha de La Lyz, é resgatada pelo jornal "Diário de Lisboa", em 1924. 

A partir daí, com a sua mediatização, transforma-se num símbolo nacional, usado e abusado pela propaganda tanto da I República, como do Estado Novo. Achámos que valia a pena reproduzir este nº histórico do "Diário de Lisboa"  (pp. 1 e 5), até como exemplo do estilo jornalístico que se praticava há mais de 90 anos. É uma delicía o diálogo entre o jornalista e o soldado Milhões... (LG)

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sábado, 3 de novembro de 2018

Guiné 61/74 - P19163: Agenda cultural (656): Hoje na RTP1, às 21h00, início da minissérie, de 3 episódios, "Soldado Milhões", o herói português da I Guerra Mundial (realização de Gonçalo Galvão Teles e Jorge Paixão da Costa)

Aníbal Augusto Milhais
(Murça, Valiongo, 1895 - 1970)
Cortesia de dnoticias.pt, de 23out2015
1. Minissérie de 3 episódios, na RTP 1, com início hoje às 21h00

O herói português da Primeira Guerra Mundial

Aníbal Augusto Milhais nada mais queria do que viver em paz, mas foi perseguido até ao fim pela aura de heroicidade, atribuída pelos que matou em nome de Portugal.

A história surge das memórias de guerra, atiçadas no decorrer de uma caçada [ao lobo]. Nesta busca, Milhões guia-nos na sua luta pela sobrevivência 20 anos antes, em plena Primeira Guerra Mundial. Na madrugada de 9 de Abril de 1918, dezenas de divisões alemãs irromperam pelo sector defendido pela segunda divisão do Corpo Expedicionário Português (CEP). 

Em poucas horas, naquela que ficaria conhecida como Batalha de La Lys, perderam-se mais de 7.500 homens. Milhais recusa as ordens do Capitão e fica sozinho, frente a um regimento de soldados alemães, para salvar os companheiros em retirada. Isolado e perdido em território inimigo apenas com a sua metralhadora "Luisinha" [, Lewis,] e o seu amuleto da sorte, o lenço oferecido pela amada, Milhais enfrenta o seu maior desafio.

Pela coragem demonstrada no campo de batalha, Aníbal Augusto Milhais, foi premiado com a mais alta honraria nacional: a Ordem Militar da Torre e Espada, do Valor, Lealdade e Mérito. 

A 5 de Julho de 1924, o Parlamento alterou o nome da povoação de Valongo, a sua aldeia natal, no distrito de Vila Real, para Valongo de Milhais, em sua honra. 

No ano em que se assinala o centenário do fim da Primeira Grande Guerra (1914-1918), acompanhamos o percurso do soldado que "se chamava Milhais, mas valia milhões".

[Vd. aqui trailer oficial do filme que estreou nas salas de cinema em abril de 2018]

Próximas emissões: 

03 Nov 2018 21:00 | RTP1

03 Nov 2018  21:19 | RTP Internacional

04 Nov 2018 05:07 | RTP Internacional América

04 Nov 2018 09:58 | RTP Internacional Ásia

06 Nov 2018 22:35 | RTP África


Ficha Técnica:
Cartaz do filme (2018)


Título Original. Soldado Milhões - Minissérie, de 3 episódios

Intérpretes: João Arrais, Miguel Borges, Raimundo Cosme, Isac Graça, Tiago Teotónio Pereira, Ivo Canelas, Graciano Dias, Nuno Pardal, Lúcia Moniz, António Pedro Cerdeira.

Realização: Gonçalo Galvão Teles, Jorge Paixão da Costa.

Produção: Ukbar Filmes.

Autoria: Argumento: Mário Botequilha, Jorge Paixão da Costa

Música: Pedro Janel

Ano 2018.

Duração: 45 minutos


2. Ver também:

RTP Ensina > A Batalha de La Lys do Soldado Milhões

(...) Aníbal Augusto Milhais foi soldado do Corpo Expedicionário Português e, na sequência dos seus feitos durante a Batalha de La Lys, recebeu a mais alta condecoração militar portuguesa. Oiça a história relatada pelo próprio.

Leonida Milhões, filha de Aníbal Augusto Milhais, o Soldado Milhões, preservou durante mais de cinco décadas uma bobina com uma gravação em que o pai conta a sua versão dos acontecimentos ocorridos durante a Batalha de La Lys. Uma equipa da RTP realizou uma reportagem utilizando essa gravação.

O Portal Ensina, para além do trabalho de reportagem, deixa-lhe também algumas passagens mais extensas desta história. (...)


Ficha Técnica
Título: A Batalha de La Lys do Soldado Milhões
Tipo: Reportagem
Autoria: Sandy Gageiro/ Carlos Guerreiro
Produção: RDP / Ensina RTP
Ano: 2014

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segunda-feira, 22 de fevereiro de 2010

Guiné 63/74 - P5863: Histórias de heroísmo (3): A odisseia de uma escolta a Cabedu, em LDP, no Rio Cumbijã (José Colaço)


1. O nosso Camarada José Colaço (ex-Sold Trms da CCAÇ 557, Cachil, Bissau e Bafatá, 1963/65), enviou-nos a seguinte mensagem em 20 de Fevereiro de 2010:


A odisseia de uma escolta (*)



Tudo começou na manhã de 14 de Dezembro de 1963.

A companhia independente, CCaç 557 , comandada pelo então capitão Ares, vinda da Metrópole, tinha desembarcado no cais de Pidjiguiti, em Bissau, no dia 03/11/1963 e tudo corria normalmente, com o pessoal aquartelado num barracão na Bolola, com vista para o referido cais.

Nesse dia cerca das 9 horas, mais ou menos, o capitão chamou-me e fez-me a seguinte pergunta:
- Ó Colaço (nome por que sempre me tratou, dado eu na companhia ser conhecido pelo nome e não pelo número como seria normal), quantos homens de transmissões temos neste momento na companhia?.

A pergunta derivava do facto de haver vários especialistas de transmissões que tinham sido escalados para escoltas aos batelões destinados a levar os chamados géneros (mantimentos), para companhias que estavam no mato.

Lá dei a informação o melhor possível e a resposta do capitão foi: “
- Então,  tu e os teus colegas arranjem as vossas coisinhas, que à tarde têm de embarcar para o mato!.

Não nos disse para onde. Só na hora do embarque vim a saber que o destino era Catió, mas estava muito longe de saber que Catió era só uma miragem para um mini-estágio e, o destino final seria o Como [e a Operação Tridente].

A hierarquia sabia o grau de deficiência com que os chamados especialistas eram chamados para a guerra, porque uma coisa era apertar o gatilho de uma G3 que, em segundos, um atirador estava pronto a efectuar, outra,  que fiava um pouco mais fino, era receber mensagens e emitir outras tirando partido da saída da antena para que as ondas hertzianas se propagassem no espaço.

Assim, as transmissões eram um ponto fulcral para toda a organização estratégica de uma companhia ou de um grupo de combate, pois ficar incontactável era um dos problemas de difícil, ou nula, resolução.

A viagem até Catió foi normal e pernoitei no quartel de Bolama com tudo programado (cama e pequeno almoço).

Chegado a Catió fiquei adido ao BCAÇ 619, sendo o meu trabalho, único e quase exclusivo, passar os dias no posto rádio do batalhão a treinar, principalmente, a recepção de mensagens e o alfabeto fonético, que era o meio, com prioridade, utilizado no mato.

Só nas emergências e a comunicação entre grupos, em combate, era autorizado a utilizar a comunicação oral normal.

Mesmo assim, com alguns códigos à mistura, à noite, fui escalado (não sei quantas vezes), para fazer parte da secção que fazia protecção aos obuses que bombardeavam o Como (por períodos de cerca de 45 minutos a uma hora).

Isto serviu-me, para me ir habituando ao que me estava reservado.

Como a roda do tempo não pára, estávamos na semana do Natal de 1963, e, foi aqui, que surgiu a odisseia da dita escolta.

Era urgente reabastecer a CCaç 555 sedeada em Cabedu e adida ao BCaç 619 (**). Então o comando de Catió organizou um reabastecimento de mantimentos (os tais chamados géneros), numa LDP [, Lancha de Desembarque Pequena] com uma secção de atiradores comandada por um furriel miliciano, e eu fui integrado nessa escolta como elemento de transmissões para manter o contacto com Catió, e, quando este não fosse audível, sintonizaria Cabedu.

O rádio que me disponibilizaram, foi um ANPRC 10, cujo alcance era bastante limitado (só era muito bom para comunicar com os aviões, DO 27 ou T-6), quando nos sobrevoavam.

Lembro-me de ter dado muitas informações aos pilotos dos T-6, para metralhar mais 40 ou 50 metros à esquerda, à direita ou à frente, em relação à picagem que tinha sido feita anteriormente. Não posso precisar, mas o alcance era de cerca de 5 a 6 km em boas condições de propagação das ondas hertzianas.

O contacto com Catió perdeu-se, logo que navegámos meia dúzia de milhas, e de Cabedu nem ruídos eu conseguia ouvir. Tudo totalmente mudo.

Como nem o comandante da escolta, nem o marinheiro maquinista da LDP, conheciam a zona, o já então carismático João Bacar Jaló forneceu-nos um dos seus homens, que ele pensava ser de inteira confiança, como guia conhecedor da zona.

Com tudo previsto quanto às marés, na parte da manhã rumámos com destino a Cabedu, e, após navegarmos pelo rio Cumbijã, cortamos numa bifurcação à esquerda, não sei se era um afluente ou uma ria.

O que eu sei é que conforme prosseguíamos, o caudal do rio era cada vez mais fraco, e a pergunta sacramental que se fazia ao guia era:
- Tens a certeza que vamos no rumo certo ?

Ele dizia:
- Sim, sim, é este o rio para Cabedu!

A dado momento, já nenhum de nós acreditava no guia, porque a informação que tínhamos é que até Cabedu não havia problemas quanto à falta de água para navegar, o que não era o caso. O comandante da escolta bem me dizia:
- Ó telegrafista,  comunica.

Disse-lhe, meio desorientado:
- Para já não sou telegrafista, sou de transmissões, e como é que comunico com esta m... se isto não presta, só dá para avisar quando estivermos próximo de Cabedu, ou se, por sorte, se neste momento formos sobrevoados por um avião dos nossos, uma DO ou um T-6 ?!

Estávamos numa zona de campo aberto, fazia lembrar o Alentejo na Primavera, viam-se ao longe vacas a pastar e nós, com receio que a lancha batesse no fundo e parássemos por falta de altura de água para navegar, ou, pior ainda, de atravessar a fronteira sem sabermos. Nós não fazíamos a mínima ideia onde nos encontrávamos.

Mas como é hábito dizer,  o tuga tem sempre sorte, se parte uma perna foi sorte não ter partido as duas, se parte as duas foi sorte não ter morrido e se morre teve sorte senão ficava a sofrer o resto da vida.

Surgiu então um pequeno lago, onde o marinheiro com muita perícia conseguiu inverter a marcha. Que alívio! Não há palavras para qualificar aquele momento feliz, por ter sido encontrado aquela pequena bacia de água, que nos permitiu pôr a salvo.

Logo que invertemos a marcha, o guia que vigiávamos com muita atenção, veio debaixo de prisão. A partir daí, uma das razões dele nunca ter tentado a fuga, era encontrarmo-nos numa zona ampla, com boa visão, onde ele seria abatido com muita facilidade. Se a zona fosse de Bolanha, e, ou, tarrafo, com a nossa preocupação presa no IN, bastava ele dar um salto para fora da lancha e nós não mais o víamos.

Chegados a Catió, o comandante da escolta fez o relatório e o guia foi entregue ao João Bacar Jaló. O João reprimia as traições com bastante dureza. Ele mostrou o pau com que agredia os traidores no estômago, mas a resposta do falso guia foi:
- Mim murre… mas não diz nada.

Um alfa bravo
José Colaço
Sold Trms da CCAÇ 557
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Notas de M.R.:


 
(**) Notas sobre o BCAÇ 619: Mobilizxdao pelo  RI 1, partiu para aGuiné em  8/1/1964. Regressou a 9/2/1966. Esteve sedeado em Catió. Comandante: Ten Cor  Inf Narsélio Fernandes Matias. Unidades de quadrícula: CCAÇ 616 (Bissau, Empada); CCAÇ 617 ( Bissau, Catió, Cachil); CCAÇ 618 ( S. Domingos, Binar)