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quinta-feira, 11 de maio de 2023

Guiné 61/74 - P24308: Noites de Mejo (1): O mistério do Extractor perdido (Cor Inf Ref Luís Cadete, ex Cap Inf, CMDT da CCAÇ 1591, 1966/68)

Guiné > Zona Leste > Setor L1 > Bambadinca > CCS/BCAÇ 2852 (1968/70) > O Fur Mil José Carlos Lopes posando ao lado da temível Browning, 12.7, uma metralhadora pesada.
Era uma arma devastadora, com uma cadência de 500 disparos por minuto e com um alcance, à superfície, de 1500 metros. Pesava cerca de 45 kg.

Foto: © José Carlos Lopes (2013). Todos os direitos reservados



O Mistério do Extractor Perdido

Luís Cadete

Um patusco qualquer, com veia para o romance de terror, alcunhou-o de ANTECÂMARA DO INFERNO. E sempre que alguém fazia menção ao sítio, o pessoal a ele destinado arrepiava-se; depois de lá estar uns tempos, esquecia-se do facto e até fazia gala em dizer que por ali estanciava. Estar naquele sítio, muito para lá do sol-posto, que nem sequer Judas parecia ter pisado para ali perder as botas, era um posto, um penduricalho que mais ninguém tinha hipótese de alcançar.

De facto, o sítio ficava a meio de uma extensa e infecta picada, que parecia nunca estar reparada por mais que o pessoal, no intervalo das operações, se esforçasse por tal conseguir, a despeito dos 45º à sombra e da chuva diluviana, que convidavam ao ripanço, mas que o Capitão K*****, nado lá para o Alentejo profundo, além-Guadiana, não permitia. Quer se fosse para Leste ou para Oeste, as bolanhas a transpor, qual delas a mais larga, eram seis para um lado e doze para o outro, segundo o jornal-da-caserna. Uma havia, para Oeste, cuja travessia obrigava a manobras complicadas, demoradas e esgotantes, aquando dos reabastecimentos. De facto, para além de implicar a descarga dos abastecimentos dos Unimog 411 e seu transporte, a braço, para a margem oriental, para de novo serem carregados nas viaturas, necessário se fazia passar estas para a citada margem, sem descurar a segurança das operações de transposição da bolanha, o que era um bico-de-obra de todo o tamanho, que requeria engenho e arte. Graças a Deus, era coisa que não faltava ao pessoal daquela Companhia de Caçadores cuja experiência destas e doutras manobras já levava mais de ano e dia. E então, era assim.

À ordem do Comandante da coluna, avançava o Unimog com guincho cujo cabo era puxado para a margem oriental e abraçado a um frondoso e robusto poilão, que ali estava, quiçá, desde o tempo em que Deus ainda andava pelo mundo; logo que confirmado que a manobra estava executada a preceito, o condutor punha o guincho em marcha e a viatura lá avançava com todos os vagares, atasca aqui, desatasca acolá, auto-rebocada e empurrada, quando necessário, pelo pessoal. Seguidamente, fazendo inversão de marcha, fixava-se o Unimog com um cabo sobressalente ao poilão pelo engate da retaguarda e passava-se o cabo do guincho para a margem oposta da bolanha para rebocar as restantes viaturas, descarregadas, que o pessoal se apressava a recarregar para seguir viagem até à dita ANTECÂMARA DO INFERNO.

Claro que na estação do cacimbo, logo que as bolanhas secavam, a operação estava simplificada, salvo algum atascanso inesperado, que o solo da bolanha não era de confiança. Se não fora o «trabalho de estrada», como o Capitão baptizara as operações de reparação dos troços de estrada entre bolanhas e as operações propriamente ditas contra os quadrilheiros do PAIGC, que se intensificavam, a estação do cacimbo seria o descanso do guerreiro. Malfadadamente, estava longe de o ser. Como era norma, os ditos aquartelamentos não possuíam pontos de água no seu interior, um poço, um furo que debitasse água potável em abundância sem esforço. Assim, com chuva diluviana e calor tórrido ou temperaturas amenas e céu azul, havia que realizar, quotidianamente, a «operação da água», que é como quem diz, era necessário ir com os dois atrelados-tanque de água e respectiva escolta até uma nascente situada a distância imprópria da ANTECÂMARA DO INFERNO para garantir o abastecimento do precioso líquido à Companhia. E o mesmo se passava para a lenha necessária ao funcionamento da cozinha onde pontificava o «chef» 1.º cabo cozinheiro M***** e seus ajudantes.

Todavia, a grande dor de cabeça do Capitão era o abastecimento de água, não só à tropa, mas também à população que com ela vivia numa simbiose perfeita. Segundo ele explicava aos seus oficiais, um poçozinho no interior da tabanca-aquartelamento que debitasse água potável com fartura e pouco trabalho era coisa muito mais importante para a contra-subversão do que uma dúzia ou duas de emboscadas e outros tantos assaltos às posições dos quadrilheiros do PAIGC.

Nesta convicção, quiçá pouco canónica, algum tempo depois de ali chegar e verificar a situação do abastecimento de água, como era homem dado a engenhoquices, imaginou canalizar a água da nascente para o interior da posição por intermédio de tubagem que vira ser utilizada para o efeito lá para os lados da sua terra natal. Segundo ele, abria-se uma trincheira entre a nascente e um dado ponto da tabanca para colocar a tubagem ao abrigo de eventuais acções do IN e estava a coisa feita; era só aterrar a trincheira e pronto, a água jorraria onde era necessária. Então, dirigiu-se aos seus superiores hierárquicos, expondo a questão e a sua importância, solicitando que a Engenharia fornecesse à Companhia os elementos da tubagem julgados necessários à obra. Os meses passaram-se, abateram-se dois quadrilheiros numa emboscada montada na nascente, levantaram-se mais umas quantas minas TM-46, que o pessoal era cuidadoso e eficaz nas picagens, e atacaram-se as organizações do inimigo existentes no sector, mas de Bissau nem novas nem mandadas.

O Capitão, que nunca ninguém vira sair do sério, mudou de estratégia: decidiu solicitar que a Engenharia ali abrisse um furo ou poço, explicando, novamente, a importância de tal melhoramento. Na volta do correio, coisa que o surpreendeu pela positiva, recebe a Companhia um avantajado envelope do Batalhão de Engenharia da Guiné dentro do qual um significativo número de folhas de papel explicavam, com bonecos e tudo, como a Companhia devia abrir um poço a pá e picareta! Quanto à deslocação da Engenharia e do equipamento adequado para a obra pretendida, era coisa fora de cogitação por inadequado. De facto, a distância era grande, as viagens de batelão incómodas, as minas um bico-de-obra e os mosquitos e a outra bicharada que inçavam o destino pouco convidativas eram para quem estanciava por Bissau com tudo do bom e do melhor.

O Capitão leu e releu a resposta, enfiou as manápulas cabeludas pela farta cabeleira castanha na qual já brilhavam alguns fios brancos, a despeito da idade, e começou a bufar. Levantou-se daquela coisa que lhe servia de secretária com as negregadas folhas na mão direita e saiu do edifício que lhe servia de gabinete e de secretaria à Companhia onde pontificava o 1.º sargento D*****, homem competente, honesto e ponderado, com vários anos de tarimba a responder por companhias. A bufar como bicho enjaulado, pôs-se a andar para cá e para lá e a falar sozinho. De repente, parou e num ataque de fúria que nunca ninguém lhe vira, com os olhos injectados, rasgou toda aquela papelada e lançou-a num dos tambores de recolha de lixo, que mandara instalar para não haver desculpas quanto à limpeza. Mais calmo, e como quem fala consigo, berrou:
- Como é que estes filhos-da-puta de Bissau se atrevem a sugerir-me que mande abrir um poço a pá e picareta se nem sequer tenho quem o saiba fazer nem material para o entivar e garantir a segurança do pessoal dentro do buraco? Estão a mangar com a tropa ou comem trampa?

A largas passadas entrou no gabinete, sentou-se à secretária e começou a redigir uma nota, daquelas de caixão à cova, que passou ao 1.º sargento D***** para que a mandasse dactilografar.

O 1.º sargento, que assistira à fúria do seu comandante, leu, pausadamente, o texto e, tirando-se dos seus cuidados, foi ao gabinete do Capitão. Este estava recostado na cadeira, calmo, com ar satisfeito com o que escrevera.
- O meu comandante dá-me licença? - disse o 1.º sargento.
- Entre, ó D*****, e já agora diga-me aí à ordenança que me traga uma bazuca fresquinha que me deu uma sede desgraçada!

Vinda a bazuca fresquinha e um copo, o D***** entrou de rascunho em punho e plantou-se em frente da secretária.
- O meu comandante vai-me perdoar o atrevimento, mas a minha consciência e a estima que tenho por Vossa Senhoria não me permitem mandar dactilografar este texto -, começou o 1.º sargento. - Se Vossa Senhoria me permite, passo a explicar.
O Capitão sorriu-se.
- Então explique lá, mas explicadinho, explicadinho para militar perceber -, respondeu o Capitão de boa catadura.
- Como Vossa Senhoria sabe tão bem ou melhor do que eu, a despeito da razão que assiste ao meu comandante, este texto é excessivamente violento, foi escrito com a cabeça quente. Vossa Senhoria, meu comandante, sabe que se isto seguir assim vai dar origem a um processo disciplinar que não vai resolver problema nenhum, mas vai prejudicar a vida de Vossa Senhoria, meu comandante, e, por tabela, a nossa companhia.

O Capitão debruçara-se sobre a secretária a escutar, atentamente, o que o seu 1.º sargento lhe ia dizendo, sem o interromper.

- Vossa Senhoria, meu comandante, sabe melhor do que eu que há aqui expressões ofensivas da hierarquia e que o RDM não admite - continuou o D***** a suar em bica. - Se Vossa Senhoria, meu comandante me permite, eu tomo a liberdade de pedir a Vossa Senhoria que reveja este texto. Vossa Senhoria é oficial do QP, sabe que eu tenho razão e que não lucra nada em insultar, embora eu não duvide da razão que assiste ao meu comandante, quem teve o topete de enviar à nossa companhia aquela papelada toda. Obviamente, se Vossa Senhoria reiterar a ordem, far-se-á como está escrito neste rascunho, mas quero que o meu comandante saiba que ninguém aqui está interessado em que Vossa Senhoria deixe a companhia e ainda por cima com uma porrada às costas.

O Capitão sorriu-se, um sorriso pleno de tristeza e profunda e insanável desilusão.
- Agradeço-lhe a frontalidade. Dê cá essa merda! - disse o Capitão estendendo a mão por sobre a secretária. - Responder-lhes assim ou assado é dar-lhes uma confiança que não merecem. Portanto, vamos fazer de conta que zurrou um burro. Espero contar sempre com essa sua frontalidade.

Como para a hierarquia era indiferente a construção do poço, melhoramento importante para a guarnição e para a população da tabanca, nem lá iria para ver a obra, o Capitão arrumou o assunto no cesto dos papéis.

Entretanto, para espanto do pessoal e desgosto da população que se afeiçoara àquela tropa, a hierarquia congeminou a rotação da Companhia para uma posição lá para o norte da Zona de Acção Sul próxima da fronteira com a La Guinée. Segundo constava, era sítio relativamente sossegado, com três ou quatro cantinas de libaneses que vendiam de tudo e mais alguma coisa, e instalações para a tropa de boa qualidade, cedidas por uma empresa com sede em Bissau e que ali exercera a sua actividade até ao início dos confuson, expressão que a população usava para designar a guerra. A preocupação do Capitão passou a ser o planeamento da rotação, que implicava entrega de todo o tipo de materiais da Companhia à que a iria substituir na famigerada ANTECÂMARA DO INFERNO.

Entre o material de guerra a entregar, cuja manutenção estivera a cargo do furriel de Armas Pesadas V*****, homem do Norte, rigoroso, competente, dedicado ao serviço e afeiçoado ao Capitão, estava uma metralhadora pesada Browning 12,7 mm m/951, que sempre cumprira a sua função sem falha alguma. A Browning fora sempre, tal como o restante armamento pesado de defesa do “aquartelamento”, uma máquina a debitar lume. Apenas os quadrilheiros do PAIGC, que teimavam em meter-se-lhe no sector de tiro, tinham razão de queixa.

Trocadas as Secções de Quartéis para a recepção do material e dois grupos de combate, a entrega e recepção dos materiais decorreu sem incidentes e, consequentemente, as Guias de Entrega foram assinadas por ambas as partes em rotação sem qualquer observação. E assim se completou a transferência das companhias, transferência essa que não agradou à nova Companhia da ANTECÂMARA DO INFERNO que, na realidade, passava de cavalo a burro. Coisas… Ora, o capitão de Artilharia A*****, comandante da Companhia de Artilharia***** recém-transferida mais para o sul, decidiu que se desmontasse completamente a metralhadora para ser devidamente limpa, pois não confiava em quem lha passara, embora a tivesse visto a funcionar como um relógio e não tivesse tido dúvidas em assinar a respectiva Guia de Entrega após assistir à conferência do respectivo completo, prova de que tudo estava em ordem.

E descansou.

Descansou ele e a guarnição da metralhadora, dada ao ripanço, ao que parecia. E pelas três da madrugada do dia seguinte, sem se fazerem anunciar, os quadrilheiros do PAIGC flagelaram à grande e à francesa a nova companhia que, surpreendida com a novidade, tardou em responder com eficácia, permitindo que o inimigo fizesse estragos, nomeadamente na tabanca, o que caiu muito mal à população. Montada a toda a pressa no meio da escuridão, a já mais do que citada Browning não correspondeu ao que dela se esperava; ficou em silêncio, um silêncio inexplicável, porquanto toda a gente a ouvira cantar aquando da entrega.

Mal a aurora despontou lá para Oriente, verificou-se que faltava uma peça naquela máquina de cuspir ferro e fogo: nada mais nada menos que o extractor, segundo informação da ignara guarnição da metralhadora! E no relatório da flagelação, que fez seguir até ao topo da hierarquia, à falta de melhor justificação da ineficácia da resposta, o capitão A***** não hesitou em culpar a Companhia de Caçadores**** que lhe passara uma arma inoperacional, embora não tivesse tido dúvidas em assinar a respectiva Guia de Entrega sem observações que pudessem vir a justificar alguma falha posterior. E sem ter tido a hombridade de colocar a questão ao seu homólogo para que este, eventualmente, a resolvesse. Bem vistas as coisas, a falta de um extractor é questão de lana-caprina, que qualquer capitão sabe como resolver sem estardalhaço.

Ora, no Comando Militar, onde tudo parecia indicar que se percebia tanto de metralhadoras Browning 12,7 mm como de lagares de azeite, ninguém duvidou da narrativa do capitão A*****, manifestamente ressabiado com a rotação que lhe calhara em rifa. E vai daí, remete-se uma nota, confidencial-pessoal, ao capitão K***** para que respondesse à funesta questão do extractor, logo ali transformada em casus belli, à falta de melhor que demonstrasse o empenho do topo da hierarquia na satisfação das necessidades das companhias em sector. Claro que o assunto era um não-assunto, porquanto se havia uma peça em falta, ainda por cima coisa tão corriqueira como um extractor, bastava oficiar o capitão A***** para que o requisitasse ao Serviço de Material em Bissau e elaborasse o competente auto de extravio ou incapacidade do especioso extractor para apreciação superior ou, mais eficaz ainda, ordenar ao dito que enviasse um extractor à companhia que dele carecia. Mas não. A nota confidencial-pessoal pareceu ser a coisa mais eficiente e eficaz para resolver aquele caso bicudo do extractor alegadamente em falta e devolver, num abrir e fechar de olhos, a total operacionalidade à companhia do capitão A***** na defesa do “aquartelamento”.

Enquanto o pau ia e vinha, a companhia do capitão K***** estava entretida a reconstruir um abrigo que herdara derruído e a restaurar o espaldão do morteiro 8 cm que fora invadido pelo baga-baga e se encontrava inoperacional por herança, tudo isto e mais não sei o quê sem espalhafato nem relatórios lamurientos.

Face ao conteúdo da confidencial-pessoal, o capitão K***** rascunhou uma resposta cordata, que se resumia a explicar que, segundo o Manual de Funcionamento da Metralhadora Pesada Browning 12,7 mm m/951, esta arma não possuía extractor amovível que pudesse, consequentemente, extraviar-se ou danificar-se; de resto, a Companhia de Caçadores ***** possuía o duplicado da Guia de Entrega devidamente assinado sem observações, mas mais do que isso, a citada arma sempre funcionara durante a permanência da Companhia na anterior posição e voltara a fazê-lo durante a entrega do material na presença do capitão A*****. E ponto final.

Ao chegar ao Quartel-general do Comando Militar, a resposta à confidêncial-pessoal desencadeou uma verdadeira tempestade de comentários, qual deles o mais inadequado. O conteúdo daquele pedaço de papel, mais ou menos rectangular, era um escândalo! E por tal razão foi levado, com urgência, ao gabinete do Chefe da Repartição de Logística onde se encontrava o capitão G*****, recém-chegado à Guiné no comando da *****.ª Companhia de Comandos, a tratar de assuntos relacionados com a sua companhia aquartelada em Brá, uma pequena cidade militar entre Bissau e o aeroporto de Bissalanca. Para aumentar a confusão e dar opiniões do estilo «Eu acho que…», o chefe da Secção que recebera a resposta do capitão K***** fazia-se acompanhar de três ou quatro majores do CEM.

Posto o tenente-coronel do CEM chefe da repartição ao corrente da resposta e dos antecedentes, houve logo quem adiantasse que o subscritor além de «intratável» era fulano que «tinha a mania de que sabia mais do que o capitão A*****». Para aquela oficialidade altamente qualificada, era inconcebível que o capitão A ***** não soubesse o que dizia e, portanto, a malfadada Browning tinha mesmo extractor amovível que o capitão K***** sonegara na transferência do material! A resposta deste capitão não passava de um disparate, de uma heresia, de uma espécie de desculpa de cabo quarteleiro apanhado em falta, a necessitar de acção adequada ao despautério!
O capitão G*****, aluno brilhante da Academia Militar e não menos brilhante oficial da Arma de Cavalaria e dos Comandos, que fora apanhado no meio daquela tempestade sem nada ter a ver com a questão, era velho conhecido e amigo do capitão K***** e não deixou de se irritar com aquela vozearia que nada adiantava, porquanto não passava de um conjunto de opiniões pessoais não fundamentadas, logo subjectivas, arbitrárias e gratuitas, de achismos, que nada valiam perante o que constava do Manual, ou seja, sem qualquer suporte na chamada Doutrina. E resolveu entrar na dança.

- Vossa Excelência, meu tenente-coronel, vai perdoar-me, mas não pude deixar de ouvir a conversa. E conhecendo eu o capitão K***** como conheço, não tenho a mais pequena dúvida de que se ele diz que a metralhadora pesada Browning 12,7 mm m/951 não tem extractor amovível é porque não tem. De resto, o capitão K***** foi durante três anos instrutor de armas pesadas dos Cursos de Sargentos Milicianos. De qualquer forma, se me é permitido o atrevimento, esta questão não carece de discussão, não é uma questão de opinião, porquanto basta consultar o Manual a que ele se refere. E o que lá está é lei, salvo melhor, mais douta e abalizada opinião.

Um silêncio incómodo inundou o amplo gabinete do Chefe da Repartição e ficou a pairar, por alguns instantes, deixando ouvir o zunir do ar condicionado.

- Bem… - disse, finalmente, o Chefe da Repartição um tanto ou quanto contrafeito - Ó M*****, faça-me o favor de dizer à ordenança para ir à biblioteca e trazer o manual da Browning.

E toda aquela oficialidade aguardou em silêncio expectante a chegada do tira-teimas.

E foi a desilusão. Preto no branco, sem qualquer margem para dúvida, não se falava naquele caderninho de capa parda de qualquer extractor, amovível ou outro que fosse; a maldita metralhadora do descontentamento daquela oficialidade, ainda há pouco pronta a lapidar, se necessário fosse, o atrevido capitão K***** e a sua heresia, não tinha extractor amovível!
E de fininho, sem mesmo pedirem a licença regulamentar ao Chefe da Repartição, foram saindo de orelha murcha e rabo entre as pernas, deixando o capitão G***** tratar do que ali o levara.

Afinal, o execrado e execrável capitão K***** sabia mesmo o que dizia.

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quarta-feira, 24 de outubro de 2018

Guiné 61/74 - P19132: Álbum fotográfico de Virgílio Teixeira, ex-alf mil, SAM, CCS / BCAÇ 1933 (Nova Lamego e São Domingos, 1967/69) - Parte XLVIII: Metralhadoras e lança-granadas


Foto nº  12 >  Metralhadora pesada, de modelo desconhecido [ Não será uma Metralhadora pesada Degtyarev DShK, de calibre 12.7, apreendida ao IN ?]


Foto nº 14 > Metralhadora pesada... [Não é uma Breda, é uma Browning] (**)


Foto nº 13 >  Metralhadora Browning 12.7


Foto nº 10 > Metralhadora pesada com suporte de pé, Browning 12.7; de perfil, o Virgílio Teixeira.


Foto nº 9 > Metralhadora ligeira M42, de fita.


Foto nº 15 >  Bazuca 8.9 e respetivas granadas; 


Foto nº 8  > Lança-roquetes (ou LGFog) 37 mm


Foto nº 19 > Armamento e munições apreendidas ao IN.

Guiné > CCS / BCAÇ 1933 (Nova Lamego e São Domingos, set 1967/ ago 69 >  Metralhadoras e lança-granadas.

Fotos (e legendas): © Virgílio Teixeira (2018). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Continuação da publicação do álbum fotográfico do Virgílio Teixeira (*), ex-alf mil, SAM, CCS / BCAÇ 1933 (Nova Lamego e São Domingos, set 1967/ ago 69); natural do Porto, vive em Vila do Conde, sendo economista, reformado; tem já cerca de 90 referências no nosso blogue.


Guiné 1967/69 - Álbum de Temas > T901 – AS NOSSAS ARMAS DE DEFESA > ARMAMENTO FIXO E MÓVEL > SÃO DOMINGOS E NOVA LAMEGO - Parte II (*)

Legendas:

F07  [Foto não publicada, por falta de qualidade] – Abrigo e ninho de uma metralhadora pesada. 

Não sei de que tipo se trata. A foto é fraca. Contudo por comparação com outras, parece-me ser uma Browning (**), um dos muitos modelos, tendo em vista o tripé em que assenta. Foto captada em São Domingos durante o ano de 1968.

F08 – Lança Roquetes [37 mm]

Um militar está a fazer uma experiência no lançamento de um roquete. Pode ver-se um lança-roquetes ou lança-granadas foguete [LGFog, 3.7] na mão, bem como um roquete nas mãos de outro militar.  Estes exercícios eram feitos regularmente no cais fluvial do Rio São Domingos, disparando para o rio ou mato, para fazer experiências vom o  armamento.n Foto captada em São Domingos durante o ano de 1968.

F09 – Metralhadora ligeira pessoal MG 42

Parece-me que se trata de uma MG42, uma metralhadora  ligeira, pessoal, transportada por um homem, sendo o carregamento por fita, a qual era normalmente trazida a tiracolo em cruz. Arma de grande poder de fogo, são restos das armas da II Guerra Mundial, modificadas.
O atirador – trata-se do soldado condutor auto, Arsénio, já falecido, que era o impedido do nosso 1º comandante – está a fazer tiro de experiência no cais do Rio São Domingos. Foto captada em São Domingos durante o ano de 1968.

F10 – Metralhadora pesada com suporte de pé, Browning 12.7

Acho tratar-se de uma Browning, de calibre 12.7, arma pesada fixa, no seu ninho, com abertura para fazer tiro em 180º. E encontrava-se num dos vários ninhos e abrigos de armas pesadas. A foto é apenas uma foto, do próprio autor. Foto captada em São Domingos durante o ano de 1968.

F11 [Não publicada por falta de qualidade] – Ninho de metralhadoras de porte médio.

Trata-se de uma metralhadora de pé, com carregador de caixa [, não seria portanto uma Breda, que é de lâminas]. Não distingo o nome nem modelo da arma.

F12 – Arma pesada de balas tracejantes

É uma arma pesadíssima, sendo transportada por carrinho de rodas, e com carregador de rolo. As munições são invólucros grandes, não sei bem o calibre, na ponta tinha uma cor ou amarelo ou vermelho, e disparadas de noite, é para isso que se utilizam, pode-se seguir o rasto e efeitos da bala, espectáculo bonito, quando não mata.

Como não é uma lição de armas, fico-me por aqui, já li muita coisa na Net e tem a ver com aquilo que eu tinha na minha mão na Guiné. Curiosa a infantilidade, pois quando regressei, já tinha embalado duas balas daquelas, que ostentava estupidamente na sala com outras recordações da guerra. Depois com o nascer dos filhos, eles começam a mexer naquilo, então tive de me livrar delas, não sei ainda como o fiz, mas hoje gostava de as manter novamente, como um ‘escalpe de guerra’. Foto captada em São Domingos durante o ano de 1968.

F13 – Ninho de metralhadora Browning M2 ou M3.

Arma pesada utilizada em ninhos ou abrigos, com um raio de 180º. Do outro lado de lá, para onde está apontada, é para a Republica do Senegal, ali a dois passos, onde se localizavam alguns ‘santuários de turras’, com a conivência de Senghor. Julgo tratar-se de uma arma idêntica à da foto F10, isto é uma Browning, o modelo não se sabe. Foto captada em São Domingos durante o ano de 1968.

F14 – Abrigo e ninho de metralhadoras.

Julgo tratar-se de uma arma idêntica à da foto F10, isto é uma Browning, modelo não se sabe.
Foto captada em São Domingos durante o ano de 1968.

F15 – Abrigo e depósito da Bazuca 8.9 com as respetivas  munições (granadas)

Lança granadas foguete (LGFog),  mais conhecida como bazooka , ou bazuca, utilizada, na guerra clássica,  para ‘furar’ blindagens, através do seu poder de destruição. 

A bazuca que acompanhava sempre um Grupo de Combate numa operação rotineira, era levada ao ombro por um soldado, e as munições – a carga útil – são transportadas por outros soldados devido ao seu peso. Este foguete é colocado na parte traseira do Lança Granadas (, contrariamente ao  RPG2 e RPG7, do PAIGC, em que a granada pela carregado pela frente do tubo).  Foto captada em São Domingos durante o ano de 1968.

F19 – Armamento e munições apreendidas ao IN.

Trata-se de uma captura de diverso armamento do Inimigo, entre as quais, Bazucas, Lança Roquetes, Granadas de mão, caixas vazias, e possivelmente aparelhagem de transmissões e rádio. Foto captada em Nova Lamego durante o 4º. Trimestre do ano de 1967.


«Propriedade, Autoria, Reserva e Direitos, de Virgílio Teixeira, Ex-alferes Miliciano do SAM – Chefe do Conselho Administrativo do BCAÇ 1933/ RI15,Tomar  (Guiné 67/69, Nova Lamego, Bissau e São Domingos, de 21SET67 a 04AGO69)".


NOTA FINAL DO AUTOR:

As legendas das fotos em cada um dos Temas dos meus álbuns, não são factos cientificamente históricos, por isso podem conter inexactidões, omissões e erros, até grosseiros. Podem ocorrer datas não coincidentes com cada foto, motivos descritos não exactos, locais indicados diferentes do real, acontecimentos e factos não totalmente certos, e outros lapsos não premeditados. Os relatos estão a ser feitos, 50 anos depois dos acontecimentos, com material esquecido no baú das memórias passadas, e o autor baseia-se essencialmente na sua ainda razoável capacidade de memória, em especial a memória visual, mas também com recurso a outras ajudas como a História da Unidade do seu Batalhão, e demais documentos escritos em seu poder. Estas fotos são legendadas de acordo com aquilo que sei, ou julgo que sei, daquilo que presenciei com os meus olhos, e as minhas opiniões, longe de serem ‘Juízos de Valor’ são o meu olhar sobre os acontecimentos, e a forma peculiar de me exprimir. Nada mais. 

Acabadas de legendar, hoje,

Em, 2018-10-05

Virgílio Teixeira
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(**) Vd. poste de 24 de agosto de 2010  > Guiné 63/74 – P6892: Armamento (4): Metralhadoras Pesadas (Luís Dias)

quarta-feira, 7 de junho de 2017

Guiné 61/74 - P17443: Falsificações da história (3): o ataque a Bambadinca em 28/5/1969: nós estávamos lá !...e esta é a nossa versão dos acontecimentos (Fernando Calado, ex-alf mil trms / Ismael Augusto, ex-alf mil manut, CCS / BCAÇ 2852, Bambadinca, 1968/70)


Guiné > Zona Leste > Setor L1 > Bambadinca > CCS/BCAÇ 2852 (1968/70) > O fur mil José Carlos Lopes, o homem dos reabastecimentos, posando ao lado da temível Browning, 12.7, um metralhadora pesada que podia varrer toda a pista de aviação.

Era uma arma devastadora, com uma cadência de 500 disparos por minuto, e com um alcance à superfície de 1500 metros. Pesava cerca de 45 kg. Principal função: defesa de ponto. Era também usada pela Marinha.

Foto: © José Carlos Lopes (2013). Todos os direitos reservados. (Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné)



Lisboa > Casa do Alentejo > 26 de outubro de 2013 >
Em primeiro plano,  o Fernando Calado, e atrás
o Ismael Augus
Ataque / flagelação a Bambadinca na noite de 29/5/1969

por Fernando Calado & Ismael Augusto


INTRODUÇÃO

Como todos sabem, o decurso do tempo permite interpretações que, frequentemente, deturpam os factos e conduzem às chamadas “falsidades históricas” que, de acordo com os historiadores mais exigentes, caracterizam a história da humanidade.

Assim, assumimos que esta é a nossa versão do ataque/flagelação a Bambadinca que ocorreu há 48 anos e alguns dias, cerca das 0 horas e 30 minutos do dia 28 de Maio de 1969.

Assumimos ainda que, em termos de informação precisa dos factos, somos detentores de algumas vantagens relativamente aos autores de outras versões (que respeitamos) e que são as seguintes:

- Estivemos lá antes, durante e depois da flagelação.

- Como em qualquer outro contacto de fogo, vivemos cada minuto com muita intensidade, o que permitiu armazenar na memória próxima ou na memória remota a maioria dos detalhes ocorridos.

- As responsabilidades próprias das funções que desempenhámos permitiram, no próprio dia e nos dias seguintes, ter acesso a informação privilegiada.


VERSÂO OFICIAL

O Sitrep (situation report) refere, no capítulo “Actividade em Maio de 1969”, subcapítulo “Actividade do In”, apenas o seguinte:

“Em 280025, um Gr. IN de mais de 100 elementos flagelou com 3 CAN S/R, Mort82, LGF, ML, MP e PM, durante 40 minutos, o aquartelamento de Bambadinca, causando 2 feridos ligeiros”.

É interessante verificar que os relatórios referiam com grande desenvolvimento e detalhe as operações das nossas tropas, sendo que as operações do inimigo eram descritas de uma forma breve e sucinta.

A NOSSA VERSÃO

Bambadinca era considerado um local de difícil acesso militar por parte do PAIGC já que o quartel se situava num pequeno planalto no topo da povoação e, numa grande extensão, rodeado de bolanhas. Todavia, era um alvo apetecido do ponto de vista político-militar, uma vez que o seu porto do rio Geba constituía a maior plataforma de abastecimento logístico e militar a todo o leste da Guiné (Em Maio de 1969 a estrada para o Xime era ainda de terra batida com emboscadas frequentes, com especial frequência em Ponta Coli).

Nesse âmbito,  Bambadinca garantia a maioria dos abastecimentos, tanto de combustíveis e munições a vários aquartelamentos, para além de outros bens, sendo por isso um local por onde terão passado muitos dos nossos camaradas sediados em aquartelamentos da Zona Leste.

As tropas do PAIGC tinham aumentado as suas acções de combate com manifesta tendência para flagelação de aquartelamentos.

O Comandante do Batalhão,  tenente-coronel Manuel Maria Pimentel Basto, s tinha sido transferido por razões disciplinares e tinha sido substituído interinamente pelo tenente-coronel Álvaro Nuno Lemos de Fontoura ausente em Bissau na data da flagelação. Já antes, tinha sido transferido o 2º. Comandante Major Manuel Domingues Duarte Bispo (por razões de saúde). A responsabilidade de comando nesse dia pertencia ao Major Viriato Amílcar Pires da Silva.

É neste contexto que  aconteceu o ataque de 28 de Maio e que provocou enquanto durou (cerca de 40 a 50 minutos) uma grande desorientação inicial na maioria dos militares presentes que não tinham grande experiência operacional.

Nas circunstâncias vividas todas as possibilidades se colocavam, inclusive a da possível tentativa dos guerrilheiros do PAIGC assaltarem as instalações.

Durante o ataque percebemos que estavam a ser utilizadas diferentes tipos de armas, designadamente os canhões sem recuo,  instalados nas proximidades da pomposamente designada e assinalada em todos os mapas da Guiné como pista de aviação (na direção do Xime) e não muito distante da periferia do quartel. Nessa pista pousavam os helicópteros e aterravam com dificuldade os monomotores militares conhecidos por DO’s, e também alguns monomotores civis (a pista servia também esporadicamente de campo de futebol)

Foram também utilizadas as célebres “costureirinhas” (PPSh 41) que tinham um forte impacto psicológico já que parecia que estavam a disparar apenas a alguns metros.

Foram ainda utilizados alguns morteiros de calibre 82, tendo algumas das granadas atingido o
aquartelamento, nomeadamente o telhado de um quarto do edifício dos sargentos, as traseiras dos quartos dos oficiais (fotografia do blogue) e outros locais, mas sem danos de maior, com exceção de dois feridos ligeiros.

Alguns invólucros das munições utilizadas já foram objeto de uma fotografia apresentada no blogue.

Para sua defesa estavam habitualmente estacionados em Bambadinca dois obuses de grande calibre, que por razões operacionais algumas vezes eram deslocados para outros aquartelamentos. Foi o que sucedeu na noite da flagelação.

Por outro lado, constatou-se que pelotão de morteiros só teve possibilidade de reagir com algum atraso.

As armas ligeiras fizeram quase todo o trabalho, bem como uma Browning 12,7 mm, que ajudou um pouco á festa estava colocada junto ao abrigo, que ficava próximo do topo da pista e encravado entre a central elétrica e dezenas de bidons de combustível e lubrificantes colocados numa vala muito próxima. Apenas três ou quatro que estavam mais perto da superfície foram atingidos. Felizmente, mas não por acaso, eram de lubrificantes.

Bambadinca, como já referimos e na sua componente de grande base logística, era plenamente conhecida pelo PAIGC, bastando lembrar que o aquartelamento era atravessado pela única estrada que ligava a povoação a todas as outras situadas a sul.

Em condições muito provisórias, mas por períodos muito curtos, eram armazenados em Bambadinca, dezenas de bidões  de combustível e de lubrificantes e muito raramente também largas quantidades de munições de todo o tipo e para todo o tipo de armas em uso no exército português.

Era, portanto, visível para quem com alguma frequência ali passasse, a chegada massiva de materiais e a sua permanência, dentro do aquartelamento.

Percebemos no final do ataque,  que a missão do grupo do PAIGC era proceder à flagelação e sair rapidamente, uma vez que os guerrilheiros naquele local ficariam expostos logo que a noite clareasse e a retirada seria difícil.

Se além de outros objetivos, conseguissem atingir pelo menos parte dos materiais em trânsito tanto melhor e, se por acaso, esses tivessem sido alguns de entre as dezenas de bidões de gasolina e gasóleo que ali estavam naquela noite, a história seria outra.

Parece ficar claro que a operação do PAIGC foi bem pensada já que se tratava de atingir um objetivo muito importante, que consistia em atacar a sede de um Batalhão que, naquela zona e como se disse, era uma base de interesse estratégico do ponto de vista militar e logístico.

Isso não invalida a realidade de uma flagelação muito intensa ao longo de todo o período em que decorreu.

Não foi por falta de munições nem de vontade, que o PAIGC não causou danos profundos.

É necessário ter em conta que do ponto de vista militar o aquartelamento ficava no vértice mais a sul da zona Fula que importava a todo o custo manter sem perturbações de maior. Fragilizar Bambadinca, seria, não só do ponto de vista estritamente militar, mas também psicológico, um trunfo de importância significativa no já frágil xadrez em que nos movíamos.

Por volta das 4h30/05h00 (quando começou a alvorecer), comandados pelo capitão Neves, criou-se um pequeno grupo que se deslocou em reconhecimento à zona que se estendia de Bambadinca até á primeira bolanha a caminho do Xime. Não havia vestígios que indiciassem que alguém do PAIGC tivesse sido atingido. O material recuperado teve apenas valor simbólico e parte, como se referiu, já foi apresentado no blogue (invólucros de munições).

Ficámos, no entanto, a perceber como foi montada no terreno a operação. Se serviu como informação útil para outras situações é matéria que desconhecemos.

Parece, no entanto, poder concluir que a sorte e a ineficácia se juntaram de ambos os lados

Pouco tempo depois chegou de helicóptero o comandante de Batalhão,  tenente coronel Lemos Fontoura.




Guiné-Bissau > Região de Bafatá > Bambadinca > 3 de Março de 2008 > O antigo quartel das NT > Edifíco dos quartos e messes de oficiais e sargentos, ao tempo da CCS/BCAÇ 2852, 1968/70; CCAÇ 12, 1969/71, e CCS/BART 2917, 1970/72)... No regresso a Bissau, depois de uma visita ao sul, à região do Cantanhez, no ãmbito do Simpósio Internacional de Guiledje (1-7 de Março de 2008), eu e o Nuno Rubim , fizemos um pequeno desvio para visitar Bambadinca... Os militares ali instalados foram minimamente corteses connosco, e não se opuseram a que tirássemos fotos às instalações, já muito degradadas...


Fotos (e legendas): © Luís Graça (2008). Todos os direitos reservados


O OUTRO LADO

Em Junho de 1995, eu, Ismael Augusto, desloquei-me á Guiné Bissau ao serviço da RTP para se proceder à inauguração do emissor da RTP África que tínhamos instalado em Nhacra.

Integrava na altura a comitiva do Ministro da Presidência, Dr. Marques Mendes, que também tinha como missão anunciar o apoio a instalação de um emissor em Bafatá, juntamente com um outro destinado á televisão da Guiné Bissau.

Acompanhei-os num almoço realizado no empreendimento português construído no Capé (próximo de Bafatá) e a seguir desliguei-me da comitiva que regressava a Bissau e fui com um colega da RTP a Bambadinca.

Já com a nova estrada para o Xime construída, o acesso ao aquartelamento era feito pela antiga porta de armas que ficava junto á pista.

A custo convenci o dono da viatura, que por casualidade era do Xitole e tinha sido milícia na nossa zona, que queria entrar pela velha rampa, já quase inoperacional mas ainda transitável. Foi por aí que retornei a Bambadinca, percorrendo o caminho de sempre.

As emoções e as lembranças que me atingiram não são o objeto deste pequeno testemunho, apenas quero sublinhar o estado de alguma degradação das instalações, apesar de uma parte continuar em perfeito funcionamento, nomeadamente as que serviam a zona dos sargentos e oficiais e o comando do batalhão.

Refiro isto porque Bambadinca era então (1995) um posto da polícia.

Dirigiu-se a mim um jovem tenente, que com alguma desconfiança me perguntou o que queria dali.

Disse-lhe que apenas pretendia tirar algumas fotografias (para quem não sabe, ao tempo, era expressamente proibido tirar fotografias a postos militares ou militarizados. Tinha a meu lado um exemplo vivo disso mesmo. O colega e amigo da RTP que me acompanhou tinha sido detido cerca de um ano antes junto a Nhacra por fotografar inadvertidamente um posto de polícia não identificado).

A resposta veio rápida:
- Não pode, pá.

Tentei convence-lo explicando as razões que me levaram á Guiné, a futura televisão em Bafatá, a presença do Ministro das Comunicações (salvo o erro) da Guiné-Bissau, que nos tinha acompanhado (seria fuzilado pouco tempo depois na sequência de um dos vários golpes militares de que a Guiné foi fértil), mas nada disso o demoveu.

Fotografias,  não.

Entretanto enquanto a conversa decorria á sombra duma acácia, que recordamos como pequenas árvores mas já atingiam então um porte razoável, aproximou-se um civil, mais velho, que ouvia a conversa com interesse.

Aí e perante as negativas continuadas disse ao tenente:
- Sabe porque é que eu insisti em tirar as fotografias? Porque fui militar aqui em Bambadinca no período de 68/70.

Nessa altura o homem mais velho perguntou.
- O que é que fazias?

Lá lhe expliquei sucintamente. Sorriu e disse-me: Podes tirar todas as fotografias que quiseres e visitar todas as instalações.

Mas antes foi a minha vez de perguntar o porquê da mudança.

Então contou-me que tinha sido e ainda era quadro do PAIGC, comandante no tempo da guerra e comandado um bigrupo (ou grupo) no ataque a Bambadinca a 28 de Maio de 1969.

Depois afirmou:
- Fomos militares, estivemos em lados diferentes, mas hoje já podemos ser amigos.

A conversa que se seguiu foi longa, interessante e cheia de detalhes mas, o grande resumo foi este:
- Naquela noite de 28 de Maio de 69 ficamos muito preocupados, esperávamos uma grande reação e ela não acontecia. Esperamos a resposta dos obuses e ela não vinha. Nem os morteiros reagiam. Instalou-se a desconfiança e pensamos que teriam saído tropas do quartel para nos cercarem.

Não fazemos quaisquer comentários. O que dissemos anteriormente explica tudo isto.

Grande abraço a todos os grã-tabanqueiros e amigos de sempre.


Fernando Calado e Ismael Augusto

Lisboa, 07.06.17

Fotos do arquivo do Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2017)

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Nota do editor:

Último poste da série > 31 de maio de 2017 > Guiné 61/74 - P17417: Falsificações da história (2): o ataque a Bambadinca em 28/5/1969: eu estava lá !... e vou enviar em breve um texto conjunto com o Fernando Calado com a nossa versão dos acontecimentos (Ismael Augusto, ex-alf mil manut, CCS/BCAÇ 2852, Bambadinca, 1968/70)

sábado, 19 de janeiro de 2013

Guiné 63/74 - P10961: Álbum fotográfico do ex- fur mil José Carlos Lopes, amanuense do conselho administrativo da CCS/BCAÇ 2852 (Bambadinca, 1968/70) (7): A metralhadora pesada Browning, de calibre 12.7




Guiné > Zona Leste > Setor L1 > Bambadinca > CCS/BCAÇ 2852 (1968/70) > O fur mil José Carlos Lopes, o homem dos reabastecimentos,  posando ao lado da temível Browning, 12.7, um metralhadora pesada que podia varrer toda a pista de aviação. Era uma arma devastadora, com uma cadência de 500 disparos por minuto, e com um alcance à superfície de 1500 metros. Pesava cerca de 45 kg. Principal função: defesa de ponto. Era também usada pela Marinha.

Fotos: © José Carlos Lopes (2013). Todos os direitos reservados. (Editadas e legendadas por L.G.) (*)





Guiné > Zona Leste > Setor L1 > Bambadinca > 1970 > Vista aérea do aquartelamento, tirada no sentido leste-oeste, ou seja, do lado da grande bolanha de Bambadinca (vd. mapa da região). O ponto 25,  marcada por um círculo a azul, era o espaldão da metralhadora Browning, 12.7. Do lado esquerdo, ficava a pista de aviação. Em maior dettalhe, vê-se o quadrante noroeste do aquartelamento, com o arame farpado(e os holofotes)   assinalado a amarelo. Do lado direito ficava o Rio Geba (e a tabanca a longo da encosta (que dava para o rio).  A Browning aqui tinha um ângulo, de pelo menos,  de 180 graus. (**)

Do lado esquerdo da imagem, para oeste, era a pista de aviação e o cruzamento das estradas para Nhabijões (a oeste), o Xime (a sudoeste) e Mansambo e Xitole (a sudeste). Vê-se ainda uma nesga do heliporto e o campo de futebol. .

Ver aqui a foto com todas as legendas.

Foto: © Humberto Reis (2005). Todos os direitos reservados. (Editada e legendada por L.G.)

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Notas  do editor:

(*) Último poste da série > 17 de janeiro de 2013 > Guiné 63/74 - P10951: Álbum fotográfico do ex- fur mil José Carlos Lopes, amanuense do conselho administrativo da CCS/BCAÇ 2852 (Bambadinca, 1968/70) (6): A Cilinha em Bambadinca, talvez em finais de 68 ou meados de 69

(***) Vd. excerto do portal Guerra Colonial (, reproduzido com a devida vénia):


(...) Metralhadora pesada 127 mm m/955 Browning M2 

A metralhadora pesada Browning é uma arma automática de tiro tenso destinada à  execução de tiro anti-aéreo ou tiro terrestre. Tem um curto recuo do cano no momento do disparo. Apenas realiza tiro automático. O travamento realiza-se por intermédio de uma lingueta que mantém a ligação da culatra ao cano até o projéctil se encontrar no interior deste. O percutor encontra-se na cabeça da culatra. A alimentação é efectuada por uma fita de carregamento. Tem um extractor de dupla calha e a ejecção não se realiza. O invólucro depois de consumido é abandonado pelo fundo da caixa da culatra. O arrefecimento do cano efectua-se pelo ar que circula através dos orifícios de ventilação da manga que envolve a câmara e pelo ar apoiado pela considerável massa do cano. O arrefecimento deve ainda incluir a substituição manual do cano ao fim de 300 tiros. 

(...) A Browning M2 é uma das mais notáveis armas de sempre, produzida em mais de 3 milhões de exemplares desde 1930. Foi uma arma usada em todos os conflitos importantes nos últimos 70 anos e era ainda a principal metralhadora pesada usada numa infinidade de blindados, pela Aviação (era a arma do B-17 ou do P-47, que serviram na Força Aérea portuguesa, por exemplo) ou pela Marinha (amplamente usada para equipar as lanchas portuguesas em África nas guerras de 1961-1974). (...)