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domingo, 16 de fevereiro de 2020

Guiné 61/74 - P20658: Agenda cultural (741): "Bá D'al na Rádio: memórias da Rádio Barlavento", livro do nosso camarada Carlos Filipe Gonçalves, ex-fur mil amanuense, QG/CTIG, Bissau, 1973/74, membro da Tabanca Grande, nº 790, mindelense, jornalista e radialista, a viver na Praia, Santiago, Cabo Verde



Cartaz do evento. Cortesia de Carlos Filipe Gonçalves




1. Mensagem, de ontem,  do nosso camarada Carlos Filipe Gonçalves, ex-fur mil amanuense, QG/FTIG,  Santa Luzia, Bissau, 1973/74, radialista, jornalista, escritor, estudioso da morna e de outras formas da música de Cabo Verde, membro da Tabanca Grande, nº 790 
(*):

Luís:

Desculpa, esta falha, pois tenho estado muito activo… foi o lançamento do livro sobre a Rádio Barlavento, em 31 de janeior, agora estou a braços com o próximo livro para abril ou maio, "Capitulos da Morna", este devia sair em dezembro por altura da consagração, mas atrasou-se… E claro, o livro sobre a Guiné está parado… mas brevemente te darei noticias deste outro trabalho…

Aqui vão o dados, que me pediste, sobre o livro que lancei recentemente na cidade da Praia. Se precisares de mais algum dado pede, se tiveres perguntas estou ao dispor. Segue também o cartaz, uma sinopse do livro e uma pequena nota biográfica sobre mim, bem como algumas opiniões sobre a obra.

Um forte abraço

Carlos Gonçalves

Jornalista aposentado

_____________


Título: Bá D’al na Rádio – Memórias da Rádio Barlavento

Autor: Carlos Filipe Gonçalves

Editora : Livraria Pedro Cardoso – Bairro da Fazenda, Cidade da Praia, Cabo Verde.


O titulo é em crioulo, significa literalmente: Vai dar isso na rádio. Ou seja, vai difundir isso na rádio.

Trata-se uma frase jocos que surgiu depois da invasão / ssalto da Rádio Barlavento, na Ilha de S. Vicente, em Dezembro de 1974, em pleno período «revolucionário» após o 25 de Abril. É que o assalto ou «tomada da rádio», foi justificada, por uma «soit disant» democratização/pluralismo de acesso, o que na verdade não se verifica, porque todos os elementos contrários à «Unidade entre a Guiné e Cabo-Verde» foram presos poucos dias depois...


Teve início então uma avalanche de «comunicados revolucionários» depois das reuniões do comités do PAIGC, que eram enviados à rádio! Surgiu então esta frase jocosa, a criticar esta situação… Começou deste modo o «regime de Partido Único»…


Resumo: Carlos Filipe Gonçalves, que começou a trabalhar na Rádio Barlavento aos 16 anos, conta as recordações dele, de colegas e amigos que lá trabalharam, descreve o contexto social da época e traça o percurso histórico que culmina no assalto e encerramento daquela rádio e do Grémio Recreativo Mindelo em 1974: um acerto de contas numa luta de classes latente desde inícios do século XX que terminou com a nacionalização dos órgãos de comunicação social e um monopólio/situação dominante do Estado que vigora até ao presente.


2. Sobre o autor:

Carlos Filipe Fernandes da Silva Gonçalves, jornalista, músico:

(i) nasceu em Mindelo, S. Vicente em 12 de Outubro de 1950;

(ii) começa aos 16 anos a trabalhar na Rádio Barlavento, como discotecário, na realidade esteve a seu cargo por cerca de quatro anos a programação musical daquela estação emissora;

(iii) em 1971 deixa S. Vicente para cumprir o serviço militar em Portugal; foi mobilizado em 1973 para a Guiné, colocado em Bissau;

(iv) depois do 25 de Abril de 1974 toma contacto com amigos cabo-verdianos do PAIGC recém-chegados a Bissau, disponibiliza-se para dar o seu «contributo» como se dizia na época;

(v) trabalha como chefe da programação na Radio Libertação (entretanto deslocada para Bissau) transformada pouco depois em Radiodifusão Nacional da Guiné Bissau;

(vi) depois da Independência regressa a Cabo Verde, onde trabalha como chefe da programação na Radio Voz di Povo na Praia, também transformada logo depois em Emissora Oficial de Cabo Verde.;

(vii) a partir de 1980 estudou em Paris, no Instituto Nacional do Audiovisual;

(viii)  chefe de programação (1984/86) e director da Radio Nacional de Cabo Verde (1986/91); concebeu e criou a Rádio Comercial, que começou a emitir em 1999 e da qual foi director até 2013.

3. Sobre a obra (**):

Memórias muito interessantes e inclusivas pois que se estendem a nós, outros que também, vivenciámos esse tempo... Bem documentada a história de uma instituição (R+adio Barlavento) muito importante na vida destas ilhas de partidas de emigrantes, de separação inter-ilhas, da condição de ilhéu, em suma o que foi a Rádio. 

Tem um excelente capítulo sobre o nascimento e as condições vividas pela Radio Barlavento. Sobre o Grémio, fundamentos da instituição e o ambiente social à época, está muito interessante e bem conseguido. E ainda, excelentes contribuições, para a história da música da grande cidade musical que foi Mindelo! O autor tem um estilo coloquial, de leitura aprazível e que prende o leitor.

Ondina Ferreira

Leitura simplesmente deliciosa. As ideias estão muito claras e bem enquadradas.

Luís Guimarães Santos

Globalmente Carlos Gonçalves,  é a tua história, tua vivência da Rádio, sobretudo Rádio Barlavento, pelo que, o que posso dizer é que está bem contada e fiquei a conhecer sobretudo o teu percurso.

João Matos

Muitas memórias e escrita fluída.

Manuel Brito Semedo

(…) Pertinente o trabalho de investigação que estás a fazer para o livro sobre a Rádio Barlavento! (…) É bom reviver os bons momentos que vêm desse tempo, em que sobressaía a autêntica amizade!

Jorge Guimarães Santos

______________

Notas do editor:

(*) Vd. poste de 5 de dezembro de  2019 > Guiné 61/74 - P20416: O que é feito de ti, camarada (8): Carlos Filipe Gonçalves, ex-fur mil amanuense, QG/CTIG, Bissau, 1973/74, membro da Tabanca Grande, com o nº 790; jornalista aposentado, vive na Praia, ilha de Santiago, Cabo Verde... Está a escrever dois livros, um sobre a história da morna; outro sobre as suas memórias dos anos de 1973/75... E precisa de duas fotos: uma do QG em Santa Luzia, e outra da messe de sargentos no QG...

sexta-feira, 14 de fevereiro de 2020

Guiné 61/74 - P20651: (Ex)citações (363); em dia de namorados, qual é a morna mais romântica de todos os tempos ? Segundo o "Expresso das Ilhas", é "A Força de Cretceu", a força do amor, poema do grande poeta da Brava, Eugénio Tavares, que nasceu (1867) e morreu (1930) em Nova Sintra



Cabo Verde > Ilha da Brava > 6 de novembro de 2012 >  Estátua do grande poeta Eugénio Tavares (1867-1930)...   


["Brava é uma ilha e concelho do Sotavento de Cabo Verde. A sua maior povoação é a vila de Nova Sintra. O único concelho da ilha tem cerca de sete mil habitantes. Com 67 km², Brava é a menor das ilhas habitadas de Cabo Verde, e tem uma densidade populacional de 101,49/km². A ilha tem uma escola, um liceu, uma igreja e uma praça, a Praça Eugénio Tavares". Fonte: Wikipédia]


Foto (e legenda): © João Graça (2013). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. O "Expresso das Ilhas", na sua edição "on line", de hoje, dia dos namorados, fez um a pequena inquirição junto de um conjunto de personalidades cabo-verdianas do mundo da música e da literatura, sobre a morna mais romântica de todos os tempos...

(...) "Morna, música rainha de Cabo Verde e Património Imaterial da Humanidade, é a expressão musical da alma um povo. E é uma expressão, por natureza, romântica. Mas dentro de toda a variedade de mornas, há composições que se salientam, pela ode que fazem ao Amor e aos amores.

"Para marcar este dia de São Valentim, inquirimos algumas pessoas directa ou indirectamente ligadas à música e poesia: Qual é a morna mais romântica de sempre?

"Com tantas e tantas composições de excelência e referência que Morna gravou ao longo do tempo, a resposta não é muito fácil. Mas há algum consenso e um Top 3" (...)


(...) "Força di Cretcheu" de Eugénio Tavares é, indiscutivelmente, a morna rainha entre as mornas românticas.

"Foi a escolha de músicos, cantores e compositores como Betú, Teté Alhinho, Tibau, Alberto Koenig, Tó Tavares, e também do antropólogo, especialista em Eugénio Tavares, Manuel Brito-Semedo.

"Seis, em oito entrevistados, colocaram-na no top das mornas românticas." (...)


2. Já quanto às interpretações, o consenso é menor, as opiniões dividindo-se entre Sãozinha Fonseca, Celina Pereira e Gardénia (, esta última, nascida na ilha da Brava tal como o poeta, está a viver nos Estados Unidos)... 

Diz Tibau: “Apesar de não ser fácil a escolha de uma versão mais bonita, escolho a na voz da Gardénia Benros, arranjos do grande Paulino Vieira."

No You Tube, há um vídeo onde se pode escutar escutar esta grande artista cabo-verdiana, interpretando "A Força de Cretceu".


A letra, fomos recuperá-la aqui, no portal da Fundação Eugénio Tavares, e reproduzimo-la, com a devida vénia... [a Fundação Eugénio Tavares tem sede em Sintra, Portugal]. 


Julgamos que não é preciso tradução para português, não obstante o fraco traquejo do crioulo cabo-verdiano... por parte da generalidade dos nossos leitores.


A Força de Cretcheu

Ca tem nada na es bida
Mas grande que amor
Se Deus ca tem medida
Amor inda é maior.
Maior que mar, que céu
Mas, entre tudo cretcheu
De meu inda é maior

Cretcheu más sabe,
É quel que é di meu
Ele é que é tchabe
Que abrim nha céu.
Cretcheu más sabe
É quel qui crem
Ai sim perdel
Morte dja bem

Ó força de cretcheu,
Que abrim nha asa em flôr
Dixam bá alcança céu
Pa'n bá odja Nôs Senhor
Pa'n bá pedil semente
De amor cuma ês di meu
Pa'n bem dá tudo djente
Pa tudo bá conché céu

Eugénio Tavares



[Fonte: EugenioTavares.org. Reproduzido com a devida vénia...]


3. Mas há aqui uma tradução, para português, de Grace Roças ( a quem agradecemos a ajudinha...). Eu arrisquei fazer pequenas 'melhorias', a pensar nos leitores portugueses...

A Força do Amor

Não tem nada nesta vida
maior do que o amor.
Se Deus não tem medida,
o amor ainda é maior.
Maior que o mar e o céu.
Mas de entre todos os amores,
o meu ainda é maior.

Amor gostoso
é  aquele que é o meu,
ele é a chave 
que abre o meu céu.
Amor gostoso
é aquele que eu quero.
Ah, se eu o perder, 
Morrerei.

Ó força do amor 
abre a minha asa em flor,
deixa-me alcançar o céu
para eu ver o Nosso Senhor,
para eu pedir a semente 
do amor bem igual ao meu,
para eu dar a toda gente,
para todos conhecerem o céu.

 

sábado, 14 de dezembro de 2019

Guiné 61/74 - P20450: (De)Caras (145): Maria Barba (1900-1975), a primeira embaixadora da morna, muito antes de Bana e de Cesária (Manuel Amante da Rosa / Onda Kryolu / Otília Leitão)


Nha Maria Barba, com um dos netos ao colo, em Bissau, c. anos 50, na sua casa em Bissau, na Rua Eng Sá Carneiro (hoje, Rua Eduardo Mondlane)... Nos anos 60/70, em frente da casa ficava a messe de sargentos da FAP.

Foto (e legenda): © Nelson Herbert (2019). Todos os direitos reservados. [Edição elegendagem complementar. Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Manuel Amante da Rosa,  embaixador da República de Cabo Verde, que terminou há um ano a sua missão em Itália (e Malta),  mandou-nos a seguinte mensagem em resposta a um email dirigido a Carlos Felipe Gonçalves (*), com conhecimento a vários amigos e camaradas, nomeadamente de Cabo Verde que pertencem também, doravante , à Tabanca da Diáspora Lusófona, cujo régulo, designado, assumido e empossado, é o nosso querido amigo e camarada luso-americano João Crisóstomo.


Date: quinta, 12/12/2019 à(s) 14:32
Subject: A morna imortal "Maria Barba"

Luís:

Muito feliz por vos ver juntos. O meu Amigo Kalú, meu antigo Camarada na Chefia dos Serviços de Intendência no QG [, em Bissau,], é uma figura ímpar na Rádio de Cabo Verde. 

[Em resposta ao teu pedido,] retirei este trecho sobre a Maria Barba num posto do Facebook [Onda kryolu,  12/12/2019]


2. Muito antes do Bana e da Cesária, Maria  Barba foi a primeira embaixadora da morna  

por Onda Kryolu

Foi ela que, pela primeira vez, terá cantado a morna fora das ilhas, em 1934, no Palácio de Cristal da cidade do Porto, representando Cabo Verde com um grupo de músicos e cantadeiras na Primeira Exposição Colonial Portuguesa. (**)

Seis anos mais tarde, em 1940, terá cantado e encantado na Exposição do Mundo Português em Lisboa, tendo o sucesso sido tal que foi parabenizada  pelo próprio Presidente de Portugal, Marechal Carmona.


Seu nome? Maria da Purificação Pinheiro. Ou simplesmente Maria Barba [ foto de 1934 em Portugal, (à direita)].

Maria Barba fica na história como co-autora da letra de uma das mais simples e das mais belas mornas jamais ouvidas, uma morna que leva o seu nome e até hoje cantada por muitas  das mais nobres vozes do arquipélago.

Mas quem é essa mulher que não se conhecia o rosto mas cujo nome merece figurar no Livro de Ouro da história da morna?

Neste dia em que comemoramos a elevação da morna à categoria de Património Imaterial do Mundo vale a pena recordar sua vida, prestando homenagem a essa "pioneira" da internacionalização da morna e que foi, também, uma das maiores "cantadeiras de frente de todos os tempos" e uma das maiores intérpretes do seu tempo daquela que tornaria a "musica rainha de nos terra " e hoje uma das relíquias da humanidade.

Maria Barba nasceu, provavelmente, em 1900, na Povoação Velha, Boavista, ali mesmo no berço da morna... Criancinha começou a cantar, rezando a  a história que ela tinha que ser colocada de pé sobre uma cadeira. Cresceu, e sua fama de grande cantadeira também cresceu por toda a ilha e não só, sendo   sua presença requisitada em tudo quanto era festa e  cerimónia  oficial das entidades coloniais da ilha da Boavista dos anos 30.

Foi justamente numa festa oficial de despedida, na Povoação Velha, que o Tenente Serra, na hora da partida,  a terá pedido para cantar mais uma morna a que  Maria Barba simplesmente improvisou : "Senhor Tenente um ca podê canta más ".

Vida sofrida

Maria Barba casou cedo, com um rapaz de Santa Catarina, ilha de Santiago, que nunca foi aceite pela sua família. O casamento não deu certo e o marido voltou para a ilha de Santiago, ficando ela  com duas  filhas para criar (Clarise e Aldonsa ).

É talvez para estar junto das filhas e da mãe que era "fraca"  (o pai  era morto e não "malondre",  como Bana foi o primeiro a cantar)  talvez seja para estar junto da família que Maria Barba recusou  o convite de empresários musicais para ficar em Portugal, preferindo voltar, em 1940, para a sua Boavista natal onde  aliás só encontrou fome e desolação (era  mais uma das terríveis estiagens).  

No mesmo ano (1940)  pegou nas suas filhas e  embarcou  para  Bissau a bordo do navio Manito Bento (o mesmo que levava contratados para S.Tomé ).  Em Bissau Maria Barba "luta ku vida " durante 34 anos, sempre a cantar a morna e outras melodias da sua ilha,   sempre  divulgando a música da sua terra natal em serenatas e cerimónias oficiais, quase sempre acompanhado por Zezinho Caxote, um outro cabo-verdiano radicado em Bissau. Foi em Bissau que morreu aos 70 anos no dia 02 de Julho de 1975 ( nas vésperas da independência de Cabo Verde).


3. A filha de Maria Barba,  Clarisse Pinheiro, a viver em Portugal (, fazemos votos para que ainda seja viva!), é citada por Otília Leitão num "Postal de Lisboa", publicado no jornal "A Semana", de 20 de março de 2008, cujo URL já não está disponível na Net. Aqui vão alguns excertos que publicamos em 2014 (***)

A Semana > Opinião > Otília Leitão > Postal de Lisboa, 20 Março 2008:

(...) Clarisse [Pinheiro, a viver em Portugal] fala com emoção de sua “mãe Bárbara” ou da “Maria Barba”, a autora da morna com o seu nome, que a voz do grande Bana imortalizou. É uma das mais belas e mágicas músicas que eu, como muitas outras pessoas que conheço, interiorizei como uma grande paixão do oficial de cavalaria e engenheiro civil, Serra, obrigado a partir para Lisboa. Afinal, era uma desgarrada de despedida e saudade porque o amor era pela Victória, sua amiga, de quem o Tenente que habitava numa rocha, teve duas filhas que vivem actualmente na América. (...)

Os protagonistas que deram alma a esta morna cantada também por outras vozes da modernidade, já morreram. Ele em Lisboa. Ela, no dizer de Clarisse, uma “moça bonita” da Boa Vista que tinha a particularidade de ser “tão expressiva na alegria como na tristeza”, morreu, na Guiné-Bissau, ao fim de 34 anos, em 1974, no raiar da Independência. (...)

(...) Desde criança, Maria Bárbara cantava tão bem que era habitual vê-la em cima de uma cadeira, de vestido domingueiro, animando festas e convívios, conta Clarisse. “Eu era ainda bébé, nem tinha dentes, quando a minha mãe veio cantar ao Palácio de Cristal no Porto [, em 1934], e foi recebida e cumprimentada por Craveiro Lopes”,  diz a filha,  reportando-se a 1940 quando Maria Barba, em representação da colónia de Cabo Verde, participou na grande Exposição do Mundo Português. 

Pese embora a insistência de alguns empresários para que a sua mãe ficasse em Portugal, ela escolheu regressar à Boa Vista. Pouco depois parte para a Guiné.

Por causa da letra de “Maria Barba” - a morna mais antiga que faz uma referência a Lisboa e a primeira que foi gravada na sua versão integral e a duas vozes (Luís de Matos e Maria Alice) no CD “Lisboa nos Cantares Cabo-verdianos” - não resisti a uma provocação: “Oh Clarisse! Quantas paixões silenciosas, por diversos motivos, não existiram?!”. Mas Clarisse foi convicta: “Não! Ele [, o tenente Serra,]  era casado com a Victória! Essa era a sua paixão!” e sorriu. 

É seguramente uma Morna de despedida e saudade de alguém muito estimado, mas que tem uma postura típica do período colonial em que Lisboa, a cidade que Hans Christian Andersen já em 1866 considerava “luminosa e bela”. Era o "Eldorado", de onde se esperava que viesse a salvação de todos os males do arquipélago.

Clarisse Pinheiro desmistifica a minha ilusão doce e diz-me que Maria Barba quer satisfazer o pedido do Tenente Serra em cantar mais nessa festa de despedida. Contudo tem uma tarefa a cumprir: ”Tinha que ir fazer uma matança de gafanhotos”, uma praga que afectava as culturas e que obrigava a que cada família cedesse uma pessoa para o fazer. Como o pai já tinha falecido e a mãe era “fraca”,  ela era a representante da família.

Testemunhos de vários artistas boavistenses, como António “Sancha” Neves e Noel Fortes, referem a existência de várias versões desta Morna do final do século passado, da qual a Maria Barba aproveitou a melodia para improvisar. A versão do grupo Djalunca da Boa Vista parece ser a mais fiel à letra original (...).

Clarisse Pinheiro que ouviu muitas vezes sua mãe cantar, disse que Bana se encontrou com Maria Barba na Guiné, onde ouviu pela primeira vez na rádio a sua morna. “Não há registo, não há direitos de autor, nunca foi reposta essa verdade”, observa a filha mais nova de Maria Barba que apenas conheceu Bana em Portugal, num espectáculo na FIL, movida por esse "animus" que lhe fora transmitido pela mãe. No entanto, explicou, "foi um cumprimento fugaz e banal, esfumando-se a expectativa de qualquer eventual reconhecimento", disse.

Clarisse nasceu em Santa Catarina, Santiago, em 1932, de um parto solitário,  executado pela sua própria “mãe Barba” e testemunhado pela sua irmã Aldônça, então com dois anos. Divergências entre o casal, ligadas ao facto da sua mãe, ainda menor, ter sido raptada pelo marido, e de um casamento mal visto pela família, fizeram Maria Bárbara regressar à Boa Vista, dias depois, de barco. Ainda em 1940, e porque a crise da segunda guerra mundial se fazia sentir no aumento do custo de vida, as três, aconselhadas por um tio escrivão, rumaram à Guiné num barco de Manito Bento que, antes de chegar ao destino, se perdeu pela Gâmbia. (..)
Tinha 16 anos quando sua irmã, que vivia em Bafatá, casou com um bisneto do governador Honório Barreto, e viveu na Guiné-Bissau até 1980. Geria uma farmácia do seu companheiro que conheceu na pele as perseguições da PIDE (polícia política do regime colonial). Actualmente, Fernando Lima, com 80 anos, é apenas seu amigo. Ali conheceu Amilcar Cabral, entre outras destacadas personalidades que recorriam aos seus serviços. 

“O pai de Aristides Pereira (primeiro presidente de Cabo Verde independente) era padre e baptizou os meus filhos”, recorda. Clarisse não conhece Cabo Verde. Apenas aqui voltou em 1957, aos 25 anos para descobrir no Tarrafal, seu pai, que entretanto já tinha onze filhos... Nunca mais voltou e as suas referências reportam-se essencialmente à Guiné-Bissau. 

Não resistindo à continuada degradação da sua vida, num período pós-revolucionário, fixou-se em Portugal onde estão também dois filhos e quatro netos, sem que alguma vez se tenha desligado desta triologia feminina: a mãe e as duas irmãs. (..,)

[Excertos reproduzidos com a devida vénia]
_________

Notas do editor:

(*) Vd. poste de 9 de novembro de 2019 > Guiné 61/74 - P20328: Meu pai, meu velho, meu camarada (59): "Maria Bárbara, canta mais uma morna... / S’nhôr Tenente, ‘m câ pôdê cantá más... Uma morna imortal, numa homenagem à Morna, em vias de ser oficialmente consagrada como "património cultural imaterial da humanidade"

Vd. também 5 de dezembro de 019 > Guiné 61/74 - P20416: O que é feito de ti, camarada (8): Carlos Filipe Gonçalves, ex-fur mil amanuense, QG/CTIG, Bissau, 1973/74, membro da Tabanca Grande, com o nº 790; jornalista aposentado, vive na Praia, ilha de Santiago, Cabo Verde... Está a escrever dois livros, um sobre a história da morna; outro sobre as suas memórias dos anos de 1973/75... E precisa de duas fotos: uma do QG em Santa Luzia, e outra da messe de sargentos no QG...

(**) Vd. último poste da série "De)Caras"  > 14 de novembro de 2019 > Guiné 61/74 - P20343: (De)Caras )115): "Nha Maria Barba" ou Maria da Purificação Pinheiro (Boavista, 1900 - Bissau, 1975): expoente máximo da morna e da morabeza da Boavista, esteve no Porto, no Palácio de Cristal, em 1934, na 1ª Exposição Colonial Portuguesa: notas de leitura de um trabalho de pesquisa biográfica, feita por Antonio Germano Lima, da Universidade de Cabo Verde

Vd. também:

12 de dezembro de 2019 > Guiné 61/74 - P20443: E as nossas palmas vão para... (20): A morna, património imaterial da humanidade

11 de novembro de 2019 > Guiné 61/74 - P20332: Historiografia da Presença Portuguesa em África (184): O modelo (Maria Barba) e o fotógrafo (José Bacelar Bebiano)... A propósito de uma morna "imortal"...Resta saber quem era o "senhor tenente Serra"...evocado na letra "Mária Bárbara, canta mais uma morna... / S’nhôr Tenente, ‘m câ pôdê cantá más...

(***) Vd. poste de 9 de outubro de 2014 > Guiné 63/74 - P13713: Caderno de Poesias "Poilão" (Grupo Desportivo e Cultural dos Empregados do Banco Nacional Ultramarino, Bissau, Dezembro de 1973) (Albano de Matos) (6): Homenagem a Mário Lima e Aguinaldo de Almeida, já falecidos, meus colegas do BNU, em Bissau (António Medina, ex-fur mil inf, CART 527, Teixeira Pinto, Bachile, Calequisse, Cacheu, Pelundo, Jolmete e Caió, 1963/65; natural de Santo Antão, Cabo Verde, vive hoje nos EUA)

quinta-feira, 12 de dezembro de 2019

Guiné 61/74 - P20443: E as nossas palmas vão para... (20): A morna, património imaterial da humanidade



1. Foi assim que o "Expresso das Ilhas", na sua edição digiiaol, deu a notícia, ontem, às 16h21




"O meu país celebra a inscrição da sua alma na alma da Humanidade"."




(...) Agora é que é mesmo. A Morna foi hoje proclamada Património Imaterial da Humanidade. “Para todo o Cabo Verde, hoje é um dia feliz, em que nos sentimos felizes de ser cabo-verdianos”, destacou o Ministro da Cultura e Indústrias Criativas, Abraão Vicente, em língua cabo-verdiana, no discurso de celebração, perante o Comité do Património Cultural Imaterial da UNESCO.

No seu discurso, que prosseguiu em castelhano, Abraão Vicente congratulou a consagração desta prática musical que é a alma de Cabo Verde, agradecendo à UNESCO, aos peritos e a toda a comunidade.

“Hoje o meu país celebra! O meu pequeno país, formado por 10 ilhas no meio do Atlântico, meio milhão de habitantes residentes e um milhão em todo o mundo, o meu país celebra a inscrição da sua alma na alma da Humanidade”, disse.

O Ministro assumiu ainda que será cumprido “com honra o privilégio de ver reconhecido como património da Humanidade, o vínculo emocional mais importante do povo e nação de Cabo Verde: a Morna”.

E, em jeito de presente do povo de Cabo Verde, apresentou “dois músicos de referência que irão representar não somente os artistas e os compositores, mas a gente simples de Cabo Verde”.

“Porque a morna é a alma do nosso povo”.

E a morna fez então ouvir, pela voz de Nancy Vieira e a viola de Manuel di Candinho, na reunião do Comité Intergovernamental para a Salvaguarda do Património Imaterial da Humanidade.


Caminho longe

A candidatura da Morna foi oficialmente apresentada no passado mês de Março e hoje, na cidade colombiana de Bogotá, foi confirmada como Património Imaterial da Humanidade.

Neste processo de candidatura, Cabo Verde contou com o apoio de Portugal tendo Paulo Lima, especialista na elaboração de processos de candidatura a Património Imaterial da Humanidade da UNESCO, estado no país para uma missão de assessoria técnica de apoio à instrução da candidatura.

A 27 de Fevereiro, o parlamento aprovou, por unanimidade, a data de 03 de Dezembro como Dia Nacional da Morna, dia em que nasceu Francisco Xavier da Cruz, mais conhecido por B. Léza (1905 - 1958), um dos maiores compositores do género musical.

A 7 de Novembro, Abraão Vicente já tinha dito que a nomeação era certa, no que foi, por muitos, considerado como uma "partida em falso" uma vez que ainda faltava a confirmação oficial do Comité Intergovernamental para a Salvaguarda do Património Imaterial da Humanidade. Esta acabou por surgir hoje durante a reunião que, se iniciou no dia 8 e termina dia 14." (...)



2. Neste dia de alegria e felicidade para os cabo-verdianos (*), a que se associam, seguramente, os demais povos lusófonos, e os amantes da morna, como eu (**), deixem-me aqui lembrar a letra (e a música) da morna talvez mais conhecida em todo o mundo, a mais emblemática, numa interpretação (imortal) da Cesária Évora, a "Sodade":


Quem mostra bo es caminho longe? [Quem te mostra esse caminho longo ?]
Quem mostra bo es caminho longe? [Quem te mostra esse caminho longo ?]
Es caminho pa São Tomé [Esse caminho para São Tomé ?]
Sodade, Sodade, Sodade [Saudade, saudade, saudade]
Des nha terra, São Nicolau [Da minha terra natal São Nicolau]

Si bo screve m', [ Se me escreveres, ]
M' ta screve bo [ Eu escrever-te-ei,]
Si bo squece m' [Se me esqueceres,
M' ta squece bo [Eu te esquecerei,]
Até dia qui bo volta [, Até ao dia em que voltares]
Sodade, Sodade, Sodade [Saudade, saudade, saudade]
Des nha terra, São Nicolau [Da minha terra natal São Nicolau]


A interpretação, na voz luminosa de Cesária Évora, pode ser ouvida aqui no aqui no You Tube, numa ficheiro áudio que tem de 18 milhões de visualizações. Este foi um (ou talvez o maior) dos  sucessos da carreira da cantora mindelense Cesária Èvora (1941-2011), mais conhecida por Cize, entre os amigos e fãs locais. Claro  que há outras mornas, que ficam para a eternidade, como o "Mar Azul" ou a "Miss Perfumado", interpretadas pela "diva de pés descalços"... Mas a morna não é só figura, uma artista, é uma criação coletiva de uma comunidade, de ula cultura,  tal como o fado, e é isso que a torna "património imaterial da humanidade"... E tal como o fado a morna canta a vida e a morte, o amor, o desejo e o ciúme, a alegria e a tristeza, a saudade da partida, a morabeza, a hospitalidade, a amizade, o quotidiano, enfim, a "petite histoire" das gentes das ilhas e da diáspora... E tudo começou na Boavista... onde as primeiras mulheres começaram a cantar a morna. E "os nossos, nossos velhos e nossos camaradas" trouxeram-nos, no sabor de regresso a casa, esse som incomfundível da morna...

Curiosamente a autoria desta morna, a "Sôdade",  ainda hoje é atribuída, indevidamente, nalguns sítios,  à dupla de Amândio Cabral / Luis Morais.

Na realidade, o autor da "Sôdade" foi Armando Zeferino Soares (1920-2007), compositor e comerciante na sua ilha natal, São Nicolau. Segundo declarações à Agência Lusa, sete anos antes de morrer,  ele explicou como esta morna nasceu quando, por volta de 1954,  foi  despedir-se de um grupo de conterrâneos, na situação infamante de "contratados" para trabalhar nas roças de cacau e café de São Tomé e Príncipe. Era  habitual , em Cabo Verde, os amigos e familiares irem-se despedir de quem ia partir, talvez para sempre. A emoção era  grande, dada a incerteza da viagem, da estadia e do regresso.

Os "contratados"  cabo-verdianos, a par de angolanos e moçambicanos, alimentavam a economia colonial local, basada na monocultura do cacau e do café.  enquanto a população local, os "forros" (descendentes de escravos), se recusavam a trabalhar nas roças.

Um ano anos, com início em 3 de fevereiro de 1953, tinha acontecido o "massacre de Batepá"  (, despoletado por um conflito laboral, tal como o massacre do Pidjiguiti, em Bissau, em 3 de agosto de 1959, que se tornou, desgraçadamenet, numa espiral de violência.)

Hoje, dia de festa,  não é a  melhor ocasião para lembrar esta triste efeméride...Em todo caso, convém dizer que sobre o massacre de Batepá há um manto diáfano de efabulações e de silêncios que mascaram e escamoteiam uma realidade complexa e contraditória, em que os próprios "contratados" foram instrumentalizados pelo poder colonial, e pelos fazendeiros,  a responder a uma alegada  revolta dos "forros" (Fala-se em mais de mil mortos, segundo fontes são-tomenses, ou em 100 a 200, segundo as autoridades coloniais da época; continua a ser, em todo o caso, um trágico acontecimento da nossa história colonial, pouco ou nada conhecido tanto dos portugueses, como dos próprios são-tomenses e dos cabo-verdianos, nos seus contornos, antecedentes, causas imediatas, processo, protagonistas e consequências; em São Tomé, o 3 de fevereiro de 1953 é feriado nacional, o " Dia dos Mártires da Liberdade"; o governador geral de São Tomé e Príncipe, cor art Carlos Sousa Gorgulho, fica para sempre associado a esta página negra da história do colonialismo; não escrevo "colonialismo português", porque o colonialismo não tem... pátria!)

A letra e a música da morna "Sôdade" traduzem muito da idiossincrasia do cabo-verdiano, dividido entre o "ter de partir" (para fugir da fome e da miséria) e o "querer ficar" (por amor à terra). Entre 1922 e 1971, estima-se em 12 mil o número de cabo-verdianos que foram forçados a emigrar para São Tomé, numa altura de reto em que a economia são-tomense e o sistema dos "contratados" entravam em crise,,,

Por outro lado, com a descolonização e a independência de São Tomé e Príncipe, muitos destes cabo-verdianos não puderam voltar à sua terra e a situação de miséria, na sequência da decadência e encerramento  das roças de cacau e de café  (,com o regresso de dois mil brancos a Portugal),  ainda hoje é um problema social (e diplomático)  que está por resolver entre as três partes implicadas, São Tomé, Cabo-Verde e Portugal.

Oxalá esta consagração mundial da morna seja, tal como aconteceu com o fado, uma oportunidade  histórica para o renascimento deste género musical, com o aparecimento de novos temas, compositores, músicos, letristas e vozes. Também Cabo-Verde está a sofrer as consequências do "rolo compressor" da globalização que, a par de aspetos positivos, está a matar a diversidade cultural da humanidade (, além da biodiversidade, em consequências das alterações climáticas e dos impactos negativos do desenvolvimento económico e social nos ecossistemas).

PS - Pode ser ver-se aqui, na RTP Play, um excelente trabalho de reportagem sobre a Morna Património Mundial da Humanidade (vídeo: 50' 30''). Um dos entrevistados é o nosso camarada e membro da Tabanca Grande, Carlos Filipe Gonçalves (ex-fur mil amanuense, QG, Santa Luzia, Bissau, 1973/74, jornalista, escritor, estudioso da morna e de outras formas da música de Cabo Verde).

Sinopse: "A Morna é um género musical de Cabo Verde, tradicionalmente tocada com instrumentos acústicos. Reflete a realidade insular do povo crioulo e os seus sentimentos mais genuínos: a saudade; o amor; a morabeza; a chegada e a partida.Apesar das várias versões sobre a sua origem, acredita-se que a Morna terá nascido no século XIX da convergência entre os ritmos melancólicos trazidos pelos judeus do norte de África; da modinha brasileira; do lundum português e mais tarde (princípio do século XX) do fado.

"Tornou-se símbolo nacional, eternizado por vozes tão carismáticas como Bana; Ildo Lobo; Tito Paris; Mayra Andrade; Lura, Mário Lúcio.

"Mas seria Cesária Évora, o seu expoente máximo, a levar a Morna a todo o mundo. Cesária Évora, é, na verdade, um dos mais fortes argumentos do dossier de candidatura da morna a património mundial entregue à Unesco em março de 2018 e cujo desfecho será conhecido entre os dias 10 e 13 de dezembro.

"A confirmar-se o parecer positivo do Comité Científico da Unesco, a Morna será proclamada Património Imaterial da Humanidade." (Fonte: RTP, 5/12/2019).

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Notas do editor:

(*)  Último poste da série > 2 de abril de 2019 > Guiné 61/74 - P19642: E as nossas palmas vão para... (19): A. Marques Lopes, cor art ref, DFA, ex-alf mil, CART 1690 (Geba) e CCAÇ 3 (Barro) (1967/68) cujo livro "Cabra-Cega" vai ser publicado no Brasil, em edição revista e aumentada, com a chancela da Paperblur, de São Paulo

quinta-feira, 5 de dezembro de 2019

Guiné 61/74 - P20416: O que é feito de ti, camarada (8): Carlos Filipe Gonçalves, ex-fur mil amanuense, QG/CTIG, Bissau, 1973/74, membro da Tabanca Grande, com o nº 790; jornalista aposentado, vive na Praia, ilha de Santiago, Cabo Verde... Está a escrever dois livros, um sobre a história da morna; outro sobre as suas memórias dos anos de 1973/75... E precisa de duas fotos: uma do QG em Santa Luzia, e outra da messe de sargentos no QG...

1. Mensagem do nosso editor Luís Graça , dirigida ao Carlos Filipe Gonçalves, ex-fur mil amanuense, QG/CTIG, Bissau, 1973/74 ), foto à esquerda), membro da Tabanca Grande, com o nº 790; jornalista aposentado, vive na Praia, ilha de Santiago, Cabo Verde (*)

Data - quinta, 14/11/2019, 15:01

Assunto - A morna imortal "Maria Barba"



Carlos: Como vais ? Não tens dado notícias... Mas imagino que, como bom cabo-verdiano, deves estar muito feliz com a perspetiva de, em dezembro próximo, termos a tua/nossa morna como "patrimonio imaterial da Humanidade"...

Eu estou feliz, sou fã da vossa música, e não só da morna, desde há muito tempo. E tenho dedicado aqui, no blogue, alguns postes à Maria Barba, nome mítico da morna da Boavista... Talvez possas e queiras fazer aqui uma mãozinha...

Não sei se chegaste a conhecer a Nha Maria Barba, em Bissau, na rua eng Sá Carneiro (hoje, rua Eduardo Mondlane).  Era morava em frente à messe sargentos da FAP, e era vizinha da família do Nelson Herbert Lopes. O Nelson diz que cresceu com os netos.

O pai do Nelson e o meu, Luís Henriques, ambos futebolistas, ainda estiveram no Mindelo, em 1943, no mesmo regimento, o RI 23. O meu regressou em setembro, esteve 30 meses em São Vicente. E cantarolava-me esse morna, a "Maria Barba", razão por que me é tão querida, a letra e a música... Só agora vim a saber quem era esta mulher da Boavista...

Dá notícias. Um alfabravo, Luís


2. Resposta do Carlos Filipe Gonçalves, com data de 14/11/2019, 18:24


Olá, caro amigo:

Acabo de receber com muito prazer esta tua mensagem e sobretudo estas informações sobre a Maria Barba. Vem tudo a calhar, pois, estou em vias de edição de um livro sobre a Morna que justamente traz informações sobre as «cantadeiras» de que Maria Barba é uma das últimas representantes. O livro – que sairá por ocasião da proclamação da Morna Património Mundial em Dezembro próximo – traz uma biografia e a história dessa cantadeira e a história da Morna que leva o seu nome… e claro muito mais informações sobre a Morna. 

Agora, informação precisa sobre ela e local onde morava na Guiné, tenho é de agradecer: MUITO OBRIGADO. O livro chama-se «Capítulos da Morna» do qual constam excertos de outro livro meu – "Kab Verd Band AZ Dicionário da Música de Cabo Verde", com edição prevista para 2020. 

Quando o livro sobre a Morna sair, envio-te por email as história da Maria Barba e da Morna que dele constam… Portanto lembra-me disso com um email… OK?!

Bem, outra notícia é que já finalizei a parte sobre a Guiné, daquele meu livro de memórias (1973-1975). Estou a agora a escrever a parte sobre Cabo Verde para onde vim em Agosto de 1975… Olha, para ilustrar o livro, preciso de uma foto do QG em Santa Luzia e,  se possível, também uma foto da messe de sargentos em Santa Luzia… A verdade é que eu tirei algumas fotos logo depois da minha chegada a Bissau em 1973 – como aquelas que publiquei no blogue  – mas depressa deixei de utilizar a minha máquina fotográfica… Se os camaradas do Blogue puderem ajudar ficaria muito grato… Já fiz pesquisas tanto no Blogue como no Google, mas não encontro nada…

Bem.  o que te posso adiantar sobre este novo livro: é o depoimento de um militar que sou eu (e de outras pessoas, nomeadamente o Nelson Herbert)… e eu na qualidade de homem da rádio, dou importância ao que acontece ao nível da rádio e também outros acontecimentos… até que, depois do 25 de Abril, acabo por ingressar na Rádio Libertação, depois de passar à disponibilidade no mês de Setembro de 1974. 

Assisto então ao conturbado processo que decorreu na Guiné depois da saída da tropa e administração portuguesa… No ano seguinte acabo por ser destacado na equipa de reportagem que cobre a Independência de Cabo Verde em 5 de Julho de 1975… Destacado para um nova missão em Cabo Verde em Agosto de 1975,  acabo por ficar e não regresso mais a Bissau. Em Cabo Verde no seio da Revolução em curso, continuo o trabalho na rádio…

Bem, terminei já os capítulos sobre a Guiné… estou agora a recolher depoimentos para a parte sobre Cabo Verde de 1975 a 1980… quando vou estudar em Paris. Curioso sobre o titulo? Aqui vai: "Heróis do Mar – Bombolom – Cimboa"… depois de ser ler o livro, entende-se o porquê do título…

Carlos Filipe Gonçalves (**)

Jornalista Aposentado

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Notas do editor:

(*) Vd. postes de:

14 de maio de 2019 > Guiné 61/74 - P19783: O nosso blogue como fonte de informação e conhecimento (65): Pedido de autorização para citações a inserir no livro sobre a guerra colonial, de Carlos Filipe Gonçalves, jornalista, cabo-verdiano, que foi fur mil, na chefia da Intendência em Bissau, de março de 1973 a agosto de 1974

quinta-feira, 14 de novembro de 2019

Guiné 61/74 - P20343: (De)Caras (141): "Nha Maria Barba" ou Maria da Purificação Pinheiro (Boavista, 1900 - Bissau, 1975): expoente máximo da morna e da morabeza da Boavista, esteve no Porto, no Palácio de Cristal, em 1934, na 1ª Exposição Colonial Portuguesa: notas de leitura de um trabalho de pesquisa biográfica, feita por Antonio Germano Lima, da Universidade de Cabo Verde




Porto > 1934 > 1ª Exposição Colonial Portuguesa  > Cantadeiras da Boavista. Maria Barba (Maria da Purificação Pinheiro) é a primeira da esquerda, de pé, segundo indicação do nosso amigo Nelson Herbert, que nos enviou esta foto, sem citação de fonte. Usa o lenço típico da sua ilha. As restantes cantadeiras eram as seguintes (, não sabemos a ordem): Maria Rodrigues Pereira, Vitória Santos Brito, Luisa Benvinda Santos e Maria Basília Ramos.



Porto > 1934 > 1ª Exposição Colonial Portuguesa  > Cantadeiras da Boavista, Cabo Verde, com homem da Boavista, de pé em segundo plano; há um homem de óculos, no primeiro plano, e por detrás uma senhora, de fato claro, que deviam pertencer à organização. Maria Barba é a primeira da esquerda, de pé. A representação de Cabo Verde, composta por 19 elementos, tinha como delegado "o sr. Machado Saldanha, colonial distintíssimo" ("Ultramar", nº 11, 1 de junho de 1934, p. 4).

Nota de António Germano Lima: Foto emprestada de "Les métis des îles du Cap Vert" [Os mestiços de Cabo Verde], Stuttgart : Ferdinand Enke Verlag, 1937. - [9] p., il. Autoria de António Augusto Mendes Correia (Porto, 1888 . Lisboa, 1960), antropólogo, professor da Universidade do Porto. A foto foi tirada no Porto, Portugal, por ocasião da Exposição Colonial de 1934.





Cabeçalho do "Ultramar - Orgão Oficial da I Exposição Colonial", Porto, nº 11, 1 de junho de 1934 (Diretor: Henrique Galvão). Cortesia de Hemeroteca Digital, CM Lisboa.


nome próprio da Maria Barba era Maria da Purificação Pinheiro, de acordo com o jornal "Ultramar", orgão oficial da Exposição Colonial, dirigido por Henrique Galvão,  n º 11, Porto, 1 de junho de 1934.

"A representação da colónia de Cabo Verde"(título da notícia na pág. 4) era composta por 19 elementos, entre cantadeiras e dançarinas (todas da Boavista), músicos e artesãos.  Facto notável, o jornal referia que desse grupo de 19, "17 sabiam ler e escrever", um proporção de longe superior à média da população metropolitana.

Segundo Germano Lima, na sua página do Facebook, Maria Barba morreu em Bissau, em 2 de julho de 1975, com 70 anos. "Estive cerca de dois meses em Bissau a investigar, fui ao cemitério onde supostamente terá sido enterrada, mas o guia não conseguiu-me ajudar a localizar a sua cova!". 


1. Por mão do nosso amigo Nelson Herbert, guineense com raízes cabo-verdianas, jornalista da VOA - Voice of America,  chegámos a este texto sobre Maria Barba, expoente máximo da Morna da ilha da Boavista,  que viveu (a partir do início da década de 1949 e morreu em Bissau, em 1975) (*), texto esse que é da  autoria do investigador e escritor António Germano Lima. 

O texto original remonta a 1990, mas vamos fazer referência à versão que ele publicou na sua página do Facebook, em 6 de junho de 2012.  Ainda não temos autorização do autor para o reproduzir na íntegra. Nem vamos reproduzi-lo na íntegra, dado o excesso de referências locais bem como ds notas de pé de página. 

Vamos, isso, sim, com a devida vénia,  destacar o interesse do texto para um melhor conhecimento desta cantadeira, esquecida (**), que viveu a última metade da sua vida em Bissau, na antiga Rua Engº Sá Carneiro (hoje, Rua Eduardo Mondlane), sendo a sua família vizinha da família do Nelson Herbert, membro da nossa Tabanca Grande.


2. Breve nota curricular sobre o autor, António Germano Lima:

(i) nasceu na Vila das Pombas, Paul, Santo Antão, Cabo Verde, em 30 de janeiro de 1952.

(ii) frequentou o ensino secundário no antigo Liceu Gil Eanes, no Mindelo, São Vicente, a ilha em frente da sua terra natal;

(iii) em 1980 licenciou-se em Pedagogia (,na especialidade de Administração Escolar), pela Universidade de Brasília;

(iv) exerceu em Cabo Verde vários cargos de direção ligados à Educação e ao Desporto;

(v) dos seus trabalhos de investigação, publicou vários artigos em jornais e revistas especializadas, nacionais e estrangeiros;

(vi) editou, em 1997, o livro “Boavista: Ilha de Capitães (História e Sociedade)” e, em 2002, “Boavista, Ilha da Morna e do Landú”.

Fonte: Adapt. de Cabo Verde Info



3. Notas de leitura, por Luís Graça

"Maria Barba não é ficção nem criação figurativa dos boavistenses; foi uma existência real"  


por António Germano Lima


[Docente da Universidade de Cabo Verde, Praia, 6 de Junho de 2012, Página do Facebook de António Germano Lima; originalmente publicado no Jornal Voz di Povo na década de 90 do século passado.]

O autor aborda três tópicos, relevantes para a história da morna, género musical por excelência da cultura cabo-verdiana, em vias de ser oficialmente classificada pela UNESCO, no próximo mês de dezembro, como "património imaterial da humanidade" (**):

(i) As cantadeiras de Morna da Boavista;

(ii) Maria Barba: símbolo da morabeza boavistense;

(iii) Maria Barba na 1ª Exposição Colonial Portuguesa (Porto, 1934)

Nos excertos que faremos do texto, vamos respeitar a ortografia usada pelo autor. Por outro lado, não vamos sobrecarregar o poste com pesadas referências bibliográficas nem notas desnecessárias,



(i) As cantadeiras de Morna 
da Boavista


A Ilha da Boavista sempre foi terra de cantadeiras, poetas e músicos. E é considerada o "berço da morna".  E mais: era uma terra de cantadeiras-compositoras, como foi o caso, talvez mais notável, da Maria Barba. 

(...) "Dos queixumes e lamentações, típicos da morna antiga boavistense, produziram-se a kantadeira de diante (1ª voz) e o grupo de kantadeiras de baxon (coro),  provavelmente originárias dos trabalhos colectivos livremente realizados na Ilha da Boavista, tais como pastorícia, lavoura, apanha do sal, da urzela e da semente de purgueira, lavagem de roupa e apanha da água nas ribeiras e nas fontes, etc." 

Explica-se depois,  em nota de rodapé que as cantadeiras eram "mulheres que antigamente cantavam em salas de baile", (...) "regressando a casa após um dia de trabalho no campo ou nas ribeira": a  "cantadeira de diante" era a mulher que cantava a morna a solo (1ª voz),  sendo seguida e acompanhada, no "baxon" (coro), por um grupo de outras que vinham  imediatamente atrás.  

Como fonte principal de informação, o autor cita Désiré Bonnaffoux ("Música Popular Antiga de Cabo Verde"), que diz o seguinte: "quantas vezes, até aos anos 1930, as moças da vila de Sal-Rei, Boa Vista, que à tarde iam buscar água à fonte, voltavam ao cair da noite cantando uma Morna muito singela,  composta por algumas delas naquela tarde!"...

Não havia bailes nem salas de bailes sem a imprescindível presença destas cantadeiras: 

Baltazar Lopes, segundo Germano Lima, "informa que as kantadeiras boavistenses tiveram um papel importante não só na composição de mornas como na sua difusão para as outras ilhas". 

Recorde-se que há 3 variantes da morna, a da Boa Vista, a mais antiga, remontando ao séc. XIX; a da Brava, do início do séc. XX, com Eugénio Tavares; e de São Vicente, dos anos 30/40, com B.Leza. Bana (1932-2013) e Cesária Évora (1941-2011), naturais de São Vicente, são nomes maiores da morna, mas já de outra geração. 

Aliás, a Cesária ainda não tinha nascido quando "o meu pai, meu velho, meu camarada", Luís Henriques (1920-2012), ex-1º cabo inf nº 188/41, 1º Pelotão, 3ª Companhia, 1º Batalhão, Regimento de Infantaria nº 5 (Caldas da Rainha), chegou ao Mindelo, em julho de 1941. Mas são do mesmo signo, o Leão, o meu pai nasceu a 19 de agosto de 1920, a Césaria a 21 de agosto de 1941.

Por essa altura, a Maria Barba ou estava a partir para a Guiné ou já lá estava. Mas a sua criação, a morna "Maria Barba", era ainda popular no Mindelo, e ficou no ouvido dos expedicionários... O meu pai, pelo menos, ainda a contarolava, muitos anos depois. Bana, por sua vez, só começa a sua carreira nos anos 60, e acaba por ser responsável por manter viva a memória de Maria Barba, que vive esquecida em Bissau.

O autor, Germano Lima, cita depois um extensa lista de cantadeiras que ficaram na Boavista, do princípio do séc. XX até fim da década de 60,  lista essa em que vêm logo a cabeça dois nomes maiores: Benvinda Santos Livramento e a Maria Barba, mas também Vitória Brito, representantes de uma geração da morna boavistense que se extinguiu.


(ii) Maria Barba: símbolo 
da morabeza boavistense


"Uma das provas do espírito acolhedor, de convivência sadia, alegre e amiga da gente boavistense, genericamente alcunhada de kabreiro, é a morna Maria Barba, cuja origem e conteúdo decorrem de um diálogo de despedida entre a célebre kantadeira Maria Bárbara, conhecida por Maria Barba, e o Tenente Serra (...) da Marinha Portuguesa, de passagem pela Ilha em missão de serviço geodésico."

O ten Serra morou, inclusive, na ilha, havendo ainda, em meados dos anos 90, restos da sua casa. 

Mss quem era a Maria Barba ?

Era natural da Povoação-Velha, onde nasceu entre 1895 e 1900 (, segundo um informante local, António Lima, conterrâneo da Maria Barba, e que " teve a sorte de conviver com [ela], já de idade avançada, na Guiné-Bissau". O autor apurou depois que a cantadeira morreu em Bissau, em  2/7/1975, com 70 anos, pelo que terá nascido em 1905. 

(...) "Era filha de Nhâ Barba da Povoação-Velha; seu pai era João de Deus Vitória, natural da Vila de Sal-Rei; era irmã do tocador de viola conhecido por Ti Pó, e de Sátiro, naturais da Vila de Sal-Rei. " (...)O pai era considerado um "proprietário abastado", segundo os padrões locais.

Diz o autor que Maria Barba teve duas filhas, Lixinha e Txutxa, que "emigraram para a Argentina, de onde nunca mais regressaram" (sic)...Não diz se são filhas de um 1º casamento. Nelson Herbert conviveu com os seus netos em Bissau... Filhos de quem ? De rapazes, de outro casamento ? Um ponto  a esclarecer...

Sobre o tenente Serra, que ficou imortalizado pela letra da Maria Barba, sabe-se que "conviveu maritalmente com a kantadeira Vitória Brito, com a qual teve duas filhas: Linda, nascida por volta de 1928, e Djina, mais tarde" (...), as quais emigraram e se casaram no Senegal e nos EUA, respetivamente. (Vitória Santos Brito também fará parte da representação de Cabo Verde na 1ª Exposição Colonial Portugesa, de 1934, no Porto.)

O autor, Germano Lima,  não tem dúvidas sobre a existência real de Maria Barba e da sua importância para a história da morna que, diga-se de passagem, não é só canção, mas também dança:

(...) "De todas as kantadeiras de sala de baile da Boavista, é consenso geral que a Maria Barba, kantadeira de diante, foi a maior de todos os tempos. Ela ficou a ser conhecida para além das fronteiras da Ilha, ao cantar numa sala de baile, para o Tenente Serra, uma das mornas mais antigas da Boavista. Do diálogo então entabulado entre os dois, por um lado, ficaram decalcadas, sobre a melodia dessa morna antiga, novas letras e, por outro, a morna foi rebaptizada com o nome de Maria Barba, perdendo-se as letras e o nome da morna que se pensa original" (...).

E continua Germano Lima:


"O informante João Santos Ramalho (...)  que viveu a cena, conta que, contrariamente ao que se tem dito, Maria Barba não foi espreitar à janela ou à porta da sala do baile onde se entabulou o diálogo entre ela e o Tenente Serra, mas era uma das damas da noite nesse baile: no momento do diálogo, de madrugada, Maria Barba fazia par com o Tenente Serra, querendo, entretanto, deixar de dançar pois tinha de partir, naquela madrugada, para a Manga [, zona extensa e de muita pastagem, quando chove, explica-se em rodapé],para a matança de gafanhoto".

O Cabo Chefe da Povoação-Velha incumbira o Cabo de Polícia de intimar Maria Barba, no dia do baile, para, no dia seguinte, ir trabalhar na matança de gafanhoto, no âmbito da "paga kabesa" (, cada família destacava um elemento para a realização de trabalhos coletivos ou comunitários).


O informante Ramalho, ele próprio, "acompanhava, ao violão, o violinista da noite quando o diálogo entre o Tenente Serra e a Maria Barba se deu, produzindo uma nova poética da morna". 

O autor reproduz depois  extratos das letras da morna Maria Barba, "recuperadas por Eutrópio Lima da Cruz":

TS-Maria Barba, canta mais uma morna
para a despedida do Senhor Tenente Serra. (Bis)

MB-Ó Senhor Tenente, N ka ta kantâ mais
pamô N ta ta bai pa Manga pa matansa de kafanhote.
Ó Senhor Tenente, ali Kóbe de plisa dja bem b’skó-me.
Ai se N ka bai, el ta mandó-me preza pa Porte, oi, oi.

TS-Quem é o Chefe desta povoação?,
porque, Maria Barba, tu não vais ainda.
Quem é o Chefe desta povoação?,
porque, Maria Barba, tu não vais ainda.
...........................................

MB-Saúde Senhor Tenente, saúde, Senhor Engenheiro!
Um muito obrigada de Maria Bárbara.
Ó Senhor Tenente, óra ke busé bai pa Lisboa
ai ka busé skesé de nos, oi, oi.
...........................................


(iii) Maria Barba na 
1ª Exposição Colonial Portuguesa 
(Porto, Palácio de Cristal, 1934)

Maria Barba e outras cantadeiras da Boavista não ficaram conhecidas apenas na sua ilha.A sua fama ultrapassou mesmo as fronteiras de  Cabo Verde, tendo, por exemplo,  participado, um grupo delas,   na 1ª Exposição Colonial Portuguesa (Porto, Palácio de Cristal,  1934). A sua presença está documentada nos jornais da época. 

(...) "Durante este evento, Maria Barba, Luísa Benvinda Santos (Pantxa de Benvinda) e Vitória Brito, todas de Povoação-Velha, Lusy de Totó, da Vila de Sal-Rei, e Marí Jíjí, da Bufareira, cantaram no Palácio de Cristal, no Porto" (...).

As  cantadeiras foram acompanhadas por uma "orquestra" (conjunto tradicional) composta por 4 instrumentos (violino, violão, viola e cavaquinho) e 8 tocadores (dois por instrumento. 



Nha Maria Barba, com um dos netos ao colo,  em Bissau, c. anos 50, na sua casa em Bissau,  na Rua Eng Sá Carneiro (hoje, Rua  Eduardo Mondlane)... Nos anos 60/70,  em frente da casa ficava a messe de sargentos  da FAP.

Foto (e legenda): © Nelson Herbert (2019).  Todos os direitos reservados. [Edição elegendagem  complementar. Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


E remata o autor:

(...) "Muitos outros dados poderíamos aqui avançar sobre esta figura, a Maria Barba, que tanto contribuiu, no seu tempo, para a divulgação da morna, em Cabo Verde, em Portugal e na Guiné-Bissau. Os seus ossos repousam, hoje, num dos cemitérios da Guiné-Bissau, para onde emigrara, já de meia-idade [, no início dos anos 40].

"Quando a saudade apertava o seu peito e cantava a morna que leva o seu nome, no fim acrescentava o seguinte dístico: - Oi toda vez ke N ta kantâ ese morna / el ta faze-me lenbrâ Bubista, nha téra (...).  

(...) "Por isso, pensamos que a memória da Maria Barba merece, não só uma melhor referência mas também, e sobretudo, um pouco mais de atenção por parte das autoridades competentes: que tal a transladação dos seus ossos para a sua querida Boavista (Governo de Cabo Verde, em colaboração com o Governo da Guiné-Bissau) e a elevação de um busto na Povoação-Velha (Câmara Municipal, com ajuda das forças vivas da Boavista)? 

"Desta forma, a kantadeira Maria Barba ficaria solidamente na nossa memória colectiva e, assim, ninguém mais ousaria atentar contra a sua existência real."

Mantenhas para o autor, a quem agradecemos a informação e o conhecimento que quis partilhar connosco, bem como para o Nelson Herbert, bom amigo que, afinal, ainda está em Washington, esperando reformar-se "nos próximos 2 a 3 anos e passar mais tempo no Mindelo".

[Notas de leitura elaboradas por L.G] [***]

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Notas do editor:

(*) 11 de outubro de 2014 > Guiné 63/74 - P13718: Recuerdos de uma infância: a Nha Maria Barba, a avó Barba, cantadeira de mornas, da Boavista, minha viziinha de Bissau (Nelson Herbert, VOA - Voice of America)

(**) Vd. postes de:


9 de novembro de 2019 > Guiné 61/74 - P20328: Meu pai, meu velho, meu camarada (59): "Maria Bárbara, canta mais uma morna... / S’nhôr Tenente, ‘m câ pôdê cantá más... Uma morna imortal, numa homenagem à Morna, em vias de ser oficialmente consagrada como "património cultural imaterial da humanidade"

11 de novembro de 2019 > Guiné 61/74 - P20332: Historiografia da Presença Portuguesa em África (184): O modelo (Maria Barba) e o fotógrafo (José Bacelar Bebiano)... A propósito de uma morna "imortal"...Resta saber quem era o "senhor tenente Serra"...evocado na letra "Mária Bárbara, canta mais uma morna... / S’nhôr Tenente, ‘m câ pôdê cantá más...

12 de novembro de 2019 > Guiné 61/74 - P20335: O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande (112): Nha Maria Barba, ou avó Barba, a grande cantadeira de mornas da ilha da Boa Vista, foi minha vizinha, em Bissau: morávamos na antiga Rua Engenheiro Sá Carneiro, a dos serviços metereológicos e da messe de sargentos da FAP... (Nelson Herbert, Mindelo, Cabo Verde)

(***) Último poste da série > 2 de novembro de 2019 > Guiné 61/74 - P20303: (De)Caras (114): Ainda o comerciante António Augusto Esteves, transmontano, fundador da Casa Esteves, falecido em Lisboa em 1976 (Lucinda Aranha)