Arsénio Chaves Puim, ex-alf graduado capelão,
CCS/BART 2917 (Bambadinca, maio 1970 / maio 1971)
Foto: © Gualberto Magno Passos Marques (2009). Todos os direitos reservados.
Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné].
Cópia do Ofício nº 589/71- GAB, da Direção Geral de Segurança, Delegação da Bissau, dirigida ao Director-Geral de Segurança, datado de Bissau, 20 de maio de 1971, e assinado por A. H. Matos Rodrigues, inspector-adjunto.
Fotocópia de uma das páginas do Diário do capelão Arsémio Puim, apreeendido pelas autoridades militares (comandoo do batalhão) e entregue à DGS - Direcção Geral de Segurança, delegação de Bissau.
Fonte: Sete Margems. Cortesia de António Marujo:
Sete Margens > António Marujo | 19 Mai 2023 > O capelão expulso por querer descalçar os dois sapatos à guerra
Transcrição (revisão e fixação de texto: LG):
"Bambadinca - 10/5/1971 (*)
Continuo a conversar com os "turras" presos. Tornei-me conhecido e amigo deles.
As mulheres disseram ao cipaio para me dizer que estão muito contentes comigo, porque eu sou amigo dos meninos. E à noite tornaram a dizer que vão pedir que Deus me dê tudo para a minha vida.
Respondi-lhes: "gatè" (obrigado, em balanta), ao que riram.
Sinto-me, porém, confuso. É que a minha actuação, não tendo nenhuma intenção de psico militar, poderá precisamente ter as mesmas consequências, o que não me interessa.
As condições em que esta gente vive continuam a ser miseráveis: dormir no chão, sem condições de higiene, nem (..)"
1. Mais dois documentos para apreciação dos nossos leitores, respeitantes ao caso do nosso amigo e tabanqueiro Arsénio Puim, que no CTIG foi alf graduado capelão, CCS/BART 2917 (Bambadinca, maio de 1970/maio de 1971). São documentos que nos ajudam eventualmente a perceber melhor, senao as razões, pelo menos as circunstancias, da sua expulsão do CTIG ao fim de um ano de comissão dé serviço.
Recentemente o jornalista António Marujo dedicou-lhe um extenso artigo, resultante de um trabalho de pesquisa, publicado na edição do semanário Expresso de 12 de maio de 1973 (*) e agora, com algumas correções, no jornal digital "Sete Margens" (19 de maio de 2023).
(...) É uma história conhecida de poucos: em 1971, houve um segundo capelão expulso do exército, depois do padre Mário de Oliveira. Além do então padre Arsénio Puim, que esteve um ano na Guiné, esta investigação permitiu ainda descobrir que pelo menos outros onze padres católicos se opuseram à Guerra Colonial e não quiseram ser capelães. Este texto foi publicado inicialmente na revista E do Expresso, do dia 12 de Maio de 2023. Em relação a essa versão inicial, foram corrigidos apenas dois pormenores, a partir de informações de Luís Graça. (...)
2. Dois comentários de LG (**)
(i) António Araújo escreveu na Revista do Expresso, edição de 12 de maio de 2023, a propósito do Arsénio Puim e dos prisioneiros de Bambadinca (que foram feitos na zona de Madina / Belel, sector L1, e não em Madina do Boé, sector L5, no decurso da Op TRiàngulo Veremelh), 4 e 5 de maio de 1971, como tive ocasião de esclarecer o jornalista) (***):
(...)“As pessoas ficaram ali vários dias, presas numa cerca ao ar livre” e da tabanca (aldeia) vizinha é que lhes levavam comida. “Eu também levava.” No diário, Puim registou as “condições miseráveis” em que o grupo estava, dormindo no chão e sem poder sair. “Ao fim de alguns dias, fui ter com o comandante, dizer-lhe que tinha de os mandar embora.” O sipaio traduzia-lhe a conversa das mulheres: estavam muito gratas pelo apoio que ele lhes dava, pela comida que lhes levava. A libertação, no dia seguinte ao pedido feito ao comandante, aumentou o sentimento e, antes de partirem, elas colocaram-se em fila para lhe agradecer, prometendo rezar pelo padre aos seus irãs, as divindades da sua etnia. (...)
Esta história foi depois tema da sua homilia dominical, de 9 de maio de 1971, na capela de Bambadinca, que era aberta a civis e militares...
18 de maio de 2023 às 19:20
(ii) Não sabemos se a intervenção do Puim junto dos prisioneiros e depois a homilia no domingo a seguir, foi apenas "a gota de água" que fez entornar o copo... Citando a mesma fonte, o jornalista António Araújo que leu os diários ou parte deles, do antigo capelão do BART 2917:
(...) Foi isto (a ordem de expulsão) no dia 17 de maio de 1971 — Puim fizera 35 anos dia 8 e estava a dias de completar, a 25, um ano na Guiné. Maio, maduro mês na sua vida, como se vê, de importantes colheitas. No seu processo militar, que hoje se pode consultar no Arquivo do Exército, consta apenas, nas “Ocorrências extraordinárias: Embarcou em Bissau de regresso à Metrópole, por não convir ao serviço do CTIG [Comando Territorial Independente da Guiné], em 21 de maio, desde quando deixa de contar 100% de aumento no tempo de serviço. Desembarcou em Lisboa em 22. Disponibilidade desde 19 maio 71.”
No arquivo da PIDE-DGS encontra-se o único documento que refere as causas da detenção: Puim “condenava a atividade das Nossas Tropas em defesa da integridade nacional” e “em relatórios que foram descobertos no seu quarto, descrevia-as, em pormenor, qualificando-as de crimes, torturas e massacres". (...)
18 de maio de 2023 às 19:37
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Notas do editor:
(*) Vd. poste de 15 de maio de 2023 > Guiné 61/74 - P24317: Recortes de imprensa (126): O caso do capelão militar Arsénio Puim, expulso do CTIG em 1971 (tal como o Mário de Oliveira em 1968) não foi excecional: o jornalista António Marujo descobriu mais 11 padres "contestatários" (10 da diocese do Porto e 1 de Viseu)... Destaque para o trabalho de investigação publicado na Revista do Expresso, de 12/5/2023
(**) Último poste da série > 12 de março de 2022 > Guiné 61/74 - P23073: Os nossos capelães (17): José Torres Neves, ex-alf graduado capelão, BCAÇ 2885 (Mansoa, 1969/71), ainda no ativo como
padre das Missões da Consolata
(***) Vd. poste de 8 de maio de2023 > Guiné 61/74 - P24325: História do BART 2917 (Bambadinca, 1970/72) (5): Op Triângulo Vermelho, a três agrupamentos (CART 2715, CCAÇ 12 e CCP 123 / BCP 12), em 4 e 5 de maio de 1971: a captura de população civil que depois é levada para Bambadinca e cujo tratamento causa a piedade e provoca a indignação do alf grad capelão Arsénio Puim