Mostrar mensagens com a etiqueta pilotos-aviadores. Mostrar todas as mensagens
Mostrar mensagens com a etiqueta pilotos-aviadores. Mostrar todas as mensagens

sábado, 19 de fevereiro de 2022

Guiné 61/74 - P23010: In Memoriam (427): Notícia do falecimento do nosso camarada Alberto Roxo Cruz, PilAv da BA 12 (Bissalanca, 1968/70 e 1972/74)

IN MEMORIAM

PilAv Alberto Roxo Cruz
BA 12 - Bissalanca, 1968/70 e 1972/74

********************


1. Mensagem do nosso camarada Mário Santos, ex-1.º Cabo Especialista MMA da BA 12, Bissalanca, 1967/69, com data de 18 de Fevereiro de 2022:

Caro Carlos Vinhal:

Envio-te desta vez uma notícia triste, uma vez que noticia o desaparecimento de um camarada que cumpriu duas Comissões de Serviço na antiga Província da Guiné.


Partiu o Pil/Aviador Alberto Roxo Cruz.

Cumpriu a 1.ª Comissão de 1968 a 1970 e a 2.ª entre 1972 e 1974.

Piloto de Fiat G-91, foi também Comandante da Esquadra de RONCOS (T-6).

Escapou a uma ejecção de Fiat, quando em voo de bombardeamento no Tancroal se soltou um dos Painéis de Metralhadoras. (*)

Foi um bom camarada, homem de grandes princípios, simples, e amigo do seu amigo.


Que a sua alma descanse em paz.

Agradeço a publicação. (**)
Abraço,
Mário Santos
********************

2. À família do nosso camarada Alberto Roxo Cruz, os editores e a tertúlia deste Blogue de antigos Combatentes da Guiné, enviam o seu mais sentido pesar pela perda do seu ente querido.

terça-feira, 15 de maio de 2018

Guiné 61/74 - P18636: Agenda cultural (637): Lançamento do livro "A Força Aérea no Fim do Império" (Lisboa, Âncora Editora, 2018, 480 pp.) (José Matos)

Capa do livro


1. Mensagem do nosso amigo José Matos, com data de 9 do corrente,

[Investigador independente em História Militar; tem feito investigação sobre as operações da Força Aérea na Guerra Colonial, principalmente na Guiné; é colaborador da Revista Mais Alto, da Força Aérea Portuguesa; tem publicado também o seu trabalho em revistas europeias de aviação militar, em França, Inglaterra e Itália; é membro da nossa Tabanca Grande desde 7 de setembro de 2015, tendo cerca de 3 dezenas referências no nosso blogue]

Olá,  Luís:

Pedia-te para divulgares no blogue a seguinte obra colectiva.

“A Força Aérea no Fim do Império” é um livro que acaba de sair na editora âncora sobre a forma como a Força Aérea actuou em África durante a guerra colonial. O livro tem textos de 24 autores que abordam diferentes aspectos da actuação da FAP nos antigos territórios ultramarinos.

O livro agora editado vai ser apresentado no dia 28 de Maio, em Lisboa, e incide exclusivamente sobre a acção da Força Aérea nas três ex-colónias. Como sabemos, foi uma força que teve um papel muito importante nas acções militares, mas também no apoio logístico levando comida, correio e outras coisas a quartéis muito isolados.

O livro tem 480 páginas e já está à venda nas livrarias e custa 24€. Para além das livrarias também pode ser encomendado directamente na própria editora. Ver o sítio aqui.

Ab,  Zé


2. Palavras do presidente da Liga dos Combatentes, sobre o livro:

 «Repito e reforço esta ideia, quantos combatentes, de Terra, Mar e Ar, estão vivos e devem a vida à ação da Força Aérea? Jamais se pode falar da História da Força Aérea, sem que se enalteça o período mais brilhante, como Ramo Independente das Forças Armadas Portuguesas: a sua ação na Guerra do Ultramar, antes, durante e depois dela ter terminado. 

"Por isso aqui estamos a enaltecer, sublinhar e agradecer em nome de todos os que direta ou indiretamente sentiram o que foi a ação da Força Aérea, nessa guerra, quer em ações independentes quer na extraordinária forma como conduziu, no seu âmbito, a Cooperação Aeroterrestre. A Força Aérea, sempre ao longo de toda a sua História, tem sabido evoluir de acordo com as circunstâncias e com os recursos disponíveis. Novos combatentes cumprem novas missões nas Operações de Paz e Humanitárias. A todos desejamos os maiores êxitos.»

Joaquim Chito Rodrigues
Presidente da Liga dos Combatentes


3. Sobre os 3 autores do livro, ver as seguintes notas biográficas: 

(i) Tenente-general piloto-aviador António de Jesus Bispo

Nasceu em 1938, em Abrantes. Serviu na Guiné, nos princípios de 1963, por cerca de três meses, como tenente; de agosto de 1964 a abril de 1966, como capitão com qualificação operacional em F86F, T6-HARVARD e DO27 e comandante de esquadrilha e de esquadra; e em nova comissão de serviço, de outubro de 1970 a novembro de 1971, como major com qualificação operacional em FIAT-G91, T6-HARVARD e DO27 e comandante do Centro de Operações Aerotácticas do Grupo Operacional.

Realizou cerca de 1100 horas de voo em acções operacionais do Aeródromo Base n.º 2, depois Base Aérea n.º 12, da Guiné.

É coautor do 9.º livro da coleção Fim do Império, "Olhares sobre Guiné e Cabo Verde".

(ii) Tenente-general piloto-aviador José Armando Vizela Cardoso

Nasceu em 1941, em Torres Novas, e em 1965 foi brevetado na BA1-Sintra, depois de ter frequentado a Curso de Aeronáutica na Academia Militar e concluído o tirocínio em T-37.

Frequentou de seguida, na BA2-Ota, o Curso de Instrução Complementar para Aviões de Caça e o Curso de Instrutor, em T-33. Em 1969 chegou a oferecer-se como voluntário para servir na Guiné, e em agosto de 1972 seguiu para Moçambique, para servir no AB7-Tete, depois de completar o Curso Operacional em F-86F e Fiat G-91, na BA5-Monte Real. 

Como Capitão, no AB7-Tete, exerceu em sobreposição, as funções de Comandante da ESQ702 «Escorpiões», Oficial de Operações do GO7001, Oficial de ligação da Força Aérea com o Exército, Oficial de Segurança de Voo da Unidade e, algumas vezes, foi Comandante do GO7001 e do próprio AB7. 

De regresso a Portugal, em outubro de 1974 foi colocado na BA5 onde, entre julho de 1975 e fevereiro de 1979, foi Oficial de Segurança de Voo e comandou a ESQ 103, voando T-33 e T-38. Entre 1979 e fevereiro de 1983, serviu na Divisão de Operações, do Estado-Maior da Força Aérea. 

Entre fevereiro de 1983 e agosto de 1985 serviu na BA6-Montijo, como Comandante Intº, Comandante do GO61 e 2.º Comandante. Serviu ainda na Divisão de Operações do SHAPE-Bélgica (1985-1988) e como Chefe de Divisão de Operações do EMFA. Em 1992/1993 comandou a BA5, qualificando-se em A-7P Corsair II e, já como Oficial General,  foi Adjunto para as Operações do CEMFA, Chefe de Gabinete do CEMFA e Director do IAEFA.

Deixou voluntariamente a Força Aérea em maio de 2000, com mais de 4000 horas de voo e quase 40 anos efectivos de serviço. Tem 12 condecorações (entre elas a Medalha de Serviços Distintos, com Palma) e 14 louvores.

(iii) Major-general piloto-aviador Ricardo Carvalho Cubas

Nasceu em Lisboa em 1936. Frequentou a Academia Militar tendo obtido o seu brevê depois de completar em T33, o curso complementar de aviões de combate. Foi instrutor de pilotagem no avião T6-HARVARD e fez três comissões em África. A primeira em Angola como piloto da Esquadra 94 em Luanda, a segunda na Guiné como comandante da Esquadra 122 na Bissalanca e a terceira em Angola como comandante da Esquadra 94 em Luanda. 

Para além de mais de cerca de 3 milhares de horas de voo em helicópteros (AL-III e SA330-PUMA) voou ainda, cumprindo muitas missões operacionais nos teatros de operações da Guiné e Angola em vários aviões, nomeadamente T6-HARVARD, DO27 e PV2-HARPOON.

Foi Diretor de Instrução da Força Aérea e delegado do Chefe do Estado Maior para a cooperação técnico-militar com os Países de Língua Oficial Portuguesa (PALOP), passando à situação de reserva em 1994 e posteriormente à situação de reforma.

segunda-feira, 14 de maio de 2018

Guiné 61/74 - P18632: (De)Caras (108): O "pilotaço" Mário Leitão, ex-fur mil farmácia (Luanda, 1971/73): tirou o brevê de piloto privado de avião (PPA) em 1977, tem 300 horas de voo e 800 aterragens... Além disso, é "cavaleiro do mar", mergulhador e instrutor de mergulho...


Monte Real > XIII Encontro Nacional da Tabanca Grande > 5 de maio de 2018 > A mesa dos "gloriosos malucos das máquinas voadoras"...   António Martins de Matos oferecendo o seu boné de piloto.aviador ao Mário Leitão... Dois "pilotaços"!

Foto (e legenda): © Mário Leitão (2018). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar; Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]

1. Mensagem de Antónioo Màrio Leitão, em resposta a um pedido do nosso editor Luís Graça para explicar melhor ou comentar a sua história de vida como "piloto privado de avião" (*)

Data: 14 de maio de 2018 às 01:59
Assunto: Pilotaços!

Boa noite, Luís! Ou boa madrugada!...

Estou a escrever sob pressão, porque a tipografia já anda atrás de mim! Por isso ando calado!...

Monte Real foi lindo! Parabéns pela organização e pela tua/vossa entrega a esta causa da conservação das nossas memórias guerreiras!

É estimulante e inspirador ver tantos Camaradas irmanados pelo mesmo sentimento de fraternidade e de preocupação pelo legado que vamos deixar aos vindouros!

Aquele gesto do nosso General [António Martins de Matos, ten gen pilav, reformado], ao oferecer-me o seu boné de piloto-aviador, foi um momento alto da minha vida, acredita!

Se eu não fosse aviador, não valorizaria essa oferta para além de uma gentileza espontânea, mas como sou piloto senti muito mais do que isso! Hei-de um dia arranjar as palavras correctas para descrever a emoção que senti e o orgulho que sinto por aquele gesto!

Sim, sou piloto-aviador, embora já não voe há uns anos. Tirei o brevet no Aeroclube de Braga em 1977, pela Direcção-Geral de Aeronáutica Civil, na classe PPA [, Piloto Privado de Avião]. Voei em Cessna, Paulistinha,  Auster D5, e duas horas em DO-27.

Tenho umas trezentas horas, com umas 800 aterragens. Aterrei em Tires, Pedras Rubras, S. Jacinto, Bissaia Barreto, Palma de Maiorca, Suíça, Chaves, Vila Real, Espinho... e caí na  Serra do Alvão! (Mas continuei a voar!)

Chegou e sobrou, porque já não tinha tempo para o mergulho, de que sou instrutor por três agências internacionais, além de monitor nacional  pela Escola de Mergulhadores da Armada, e continuo "no activo".

Estou a escrever aventuras sobre isso, porque já mergulho há 42 anos e fui presidente da Assembelia Geral da FPAS [, Federação Portuguesa de Atividades Subaquáticas,]  uns 14 anos.

Um dia terás material engraçado para publicar, porque tenho várias aventuras aéreas e muitas subaquáticas, bem dramáticas. (**)

Já tenho os olhos a piscar, Camarada!
Boa noite! Um abraço amigo!
PS - Enviado do meu iPhone segue uma foto tirada em Monte Real, no nosso convívio do dia 5 de maio de 2018
_____________

Notas do editor:

(*) Vd. poste de 13 de maio de 2018 Guiné 61/74 - P18630: XIII Encontro Nacional da Tabanca Grande (26): a oportunidade do limiano Mário Leitão conhecer pessoalmente três nomes míticos da FAP que atuaram no TO da Guiné, em 1972/74: António Martins de Matos, Miguel Pessoa e Giselda Antunes Pessoa

(**) Último poste da série de 28 de abril de 2018 > Guiné 61/74 - P18573: (De)Caras (106): A minha guerra: o 'burro do mato' e como saí daqui vivo... Canquelifá, 3 de fevereiro de 1971 (Francsco Palma, ex-sold cond auto, CCAV 2748, 1970/72)

terça-feira, 22 de setembro de 2015

Guiné 63/74 - P15140: O nosso livro de visitas (185): O nosso leitor Lourenço Silveira Moreno Lemos Gomes sobrevoou Moçambique para honrar a memória de seu tio, Piloto-Aviador de Alloette 3, abatido em 24 de Setembro de 1972 perto de Mueda

1. Mensagem do nosso leitor Lourenço Silveira Moreno Lemos Gomes, com data de 10 de Setembro de 2015:

Caro Luís Graça
Tenho por vezes feito algumas buscas na internete sobre o meu falecido Tio. Era alferes piloto de Aloutte 3 em Mueda, tendo sido alvejado o seu aparelho e posteriormente despenhado já próximo do Aeródromo de Manobra 51 no dia 24 de Setembro de 1972.

Sendo eu também aviador, em 2007 aluguei um avião Cessna 172 em J'burg e pilotei por todo Moçambique até Mueda.
Durante essa viagem fui deixando crescer o bigode em memória do meu Tio (alcunha bigode de milho) acabando por cortar o mesmo já em Mueda (usando a água da chuva que pairava sob o capot do meu avião ) simbolizando o seu desaparecimento.

Junto algumas fotos do P1 1971 e dos seus colegas de armas.

Cumprimentos e parabéns pelo seu blog e esforço.
Lourenço Silveira Moreno Lemos Gomes








____________

 Nota do editor

Último poste da série de 26 de agosto de 2015 > Guiné 63/74 - P15042: O nosso livro de visitas (184): António Mário Leitão, natural de Ponte de Lima, ex-fur mil, Farmácia Militar de Luanda, delegação nº 11 do LMPQF - Laboratório Militar de Produtos Químicos e Farmacêuticos, Angola, 1971/73

terça-feira, 25 de agosto de 2015

Guiné 63/74 - P15038: FAP (83): Pedaços das Nossas Vidas: VI - Um ataque com "olhos azuis" - II Parte: Um ataque atípico no dia 6 de Janeiro de 1969 (José Nico, Gen PilAv)

1. Segunda parte do trabalho da autoria do General PilAv José Francisco Fernando Nico, versando a ajuda da Suécia aos Movimentos de Libertação africanos, durante a guerra colonial, enviado ao Blogue pelo nosso camarada Miguel Pessoa, Cor PilAv Ref (ex-Ten PilAv, BA 12, Bissalanca, 1972/74) em 22 de Agosto de 2015.

************

PEDAÇOS DAS NOSSAS VIDAS

Cumpri muitas missões durante a minha carreira na Força Aérea Portuguesa. A comissão na Guiné, porém, sobrepôs-se a todas as outras e marcou-me indelevelmente para o resto da vida. A mim e certamente a todos os que, de algum modo, partilharam a mesma experiência. É dela ou de acontecimentos com ela relacionados, que vos irei dando conta…
José Nico
Gen PilAv



VI – UM ATAQUE COM “OLHOS AZUIS” (2)

Um ataque atípico no dia 6 de Janeiro de 1969

Naquela segunda-feira, a notícia de um ataque com canhões, ao início da manhã, a Gadamael Porto, sede da CArt 2410 deu logo a ideia de que qualquer coisa estranha estava a acontecer. Não era nada normal o PAIGC desencadear flagelações àquela hora. O que era normal era atravessarem a fronteira durante o dia, estabelecer bases de fogos e depois esperar pelo fim do dia para desencadear os ataques. Podiam depois retirar a coberto da noite, em segurança, com a certeza que, nem o Exército tinha condições para os perseguir, nem a Força Aérea para os detectar e atacar.

Na Base 12 o dia de trabalho estava a começar e o pedido de apoio aéreo que chegou através do Comando-Chefe fez os dois pilotos da parelha de alerta largar o pequeno-almoço, apanhar rapidamente o equipamento e meterem-se no jeep de apoio em direcção à linha da frente. Lembro-me de ter ouvido o que se estava a passar mas tinha outras missões para esse dia e não cheguei a envolver-me no que aconteceu depois. No entanto, num cantinho da memória persiste uma sensação de choque associada à notícia porque fiquei com a perturbante impressão de que tínhamos entrado numa nova fase da guerra.

Dos G-91 prontos na linha da frente, os dois de alerta, como era normal naquela altura, estavam configurados com tanques de combustível externo, 8 foguetes 2,75 polegadas e as 4 metralhadoras 12,7mm19. Não havendo outras informações para ajuizar a situação no terreno o que a experiência ensinara era que a presença dos aviões faria o PAIGC “encolher as unhas” e terminar o ataque. Os dois pilotos procuraram, por isso, descolar e chegar o mais rapidamente possível a Gadamael Porto.

Apesar de andar empenhado na recuperação deste episódio há muito tempo, porque penso que deve ficar registado na nossa memória colectiva, não consegui identificar até agora um dos dois pilotos envolvidos. Por exclusão de partes e porque éramos muito poucos, penso que foi o Capitão Amílcar Barbosa20 o chefe da parelha de alerta, mas não tenho a certeza absoluta. O outro piloto está bem identificado e foi o então Tenente Balacó Moreira de quem obtive muita da informação sobre o que se passou.

Dos registos sobreviventes sabe-se que os aviões descolaram às 09H00, que a flagelação teria começado cerca de uma hora antes e visava objectivamente Ganturé, a curta distância de Gadamael Porto onde, para além de um pequeno núcleo populacional, estava destacado o 4.º grupo de combate da CArt 2410. Numa primeira fase os rebentamentos foram espaçados e compridos dando a impressão que o inimigo estava a regular o tiro21. De Ganturé a resposta estava a ser dada com o morteiro 81 operado pelo furriel miliciano Luís Guerreiro. Com o correr do tempo o PAIGC foi aumentando a frequência dos disparos até que a artilharia de Gadamael Porto também entrou em acção na tentativa de suster a flagelação mas sem resultado. O PAIGC disparava cada vez com mais intensidade mas, felizmente, as granadas passavam silvando sobre Ganturé e iam danificar o arvoredo que se estendia para lá da posição.

Em rota, a parelha de alerta conseguiu entrar em contacto rádio com Gadamael Porto que forneceu uma série de indicações sobre a direcção e distância a que entendiam estar a ser feito o ataque e até dispararam algumas granadas de fumo com o morteiro 81mm para tentar sinalizar esse local. Na carta 1:50.000 essas indicações apontavam para a antiga tabanca de Bricama a cerca de dois quilómetros a SW de Gadamael Porto. No entanto, quando os aviões chegaram à zona, ao passarem junto a Sangonhá, onde estivera instalada uma unidade do Exército até 29 de Julho de 196822, os pilotos foram surpreendidos com o que viram: o perímetro do antigo aquartelamento estava pejado de gente. Perceberam imediatamente que só podiam ser os guerrilheiros responsáveis pela flagelação a Ganturé. Mas o mais espantoso é que estavam ali, num espaço completamente aberto e sem qualquer espécie de camuflagem. Quase à vertical alguns detalhes tornaram-se então claramente perceptíveis como a presença de três armas com rodado. Uma delas, entre o perímetro do aquartelamento e a antiga pista, era uma anti-aérea ZPU-4 que abriu imediatamente fogo contra os aviões obrigando os pilotos a entrarem num circulo alargado para manter uma distância de segurança. Dentro do perímetro do aquartelamento, no meio dos destroços dos edifícios23, estavam duas peças de artilharia com um cano relativamente comprido e, na picada que saindo de Sangonhá se dirigia à Guiné-Conacri, viam-se algumas viaturas incluindo uma ambulância. Deviam ter vindo de Sansalé que era uma pequena aldeia da Guiné-Conacri muito utilizada pelo PAIGC nas suas movimentações junto à fronteira.

O que é que teria passado pela cabeça daquela gente para se expor daquela maneira? O PAIGC e os seus mentores cubanos vinham seguindo à risca a cartilha da guerra de guerrilha mantendo-se sempre encobertos e só atacando quando estavam em vantagem. Quando se sentiam em desvantagem furtavam-se ao contacto. No entanto, desta vez, estavam a fazer tudo ao contrário, de tal maneira que os dois pilotos dos G-91 tiveram dificuldade em assimilar a imagem que a vista lhes oferecia com toda a nitidez. Seria mesmo real o que estavam a ver? O ex-Tenente Balacó Moreira confessa que da sua experiência em operações quase diárias no teatro de operações da Guiné nunca tinha dado de caras com o inimigo numa situação tão vulnerável. No entanto, os aviões da parelha de alerta não estavam equipados para intervir naquele cenário. Quer os foguetes, quer as metralhadoras, para serem eficazes só podiam ser disparados a uma distância relativamente curta do alvo, bem dentro da densa e eficaz nuvem de projécteis cuspidos pelos canos da ZPU-4 à razão de 2400 tiros por minuto. Pela sua extensão e natureza aquele alvo exigia mais aviões e também munições mais capazes.

O comandante da parelha decidiu por isso abandonar a área e regressar imediatamente à BA12 para que a situação fosse ponderada e tomada uma decisão adequada às circunstâncias. Em qualquer caso, a partir desse momento era tudo urgente porque a guerrilha, tendo sido detectada, devia começar a desmobilizar e desapareceria rapidamente nas matas que rodeavam Sangonhá. Cada minuto de atraso na resposta aumentava exponencialmente as probabilidades de insucesso. Depois de informar Gadamael que iam regressar a Bissau o comandante da parelha entrou em contacto com o Centro Conjunto de Operações Aéreas (CCOA).
- Marte, Tigres chamam!
- Marte à escuta, transmita!
- Informe o Pirata24 que estamos a regressar a Bissau. A situação em Gadamael é a seguinte: flagelação a Ganturé continua a partir da pista de Sangonhá. Em Sangonhá vê-se muita gente no chão, uma quádrupla que abriu fogo quando os aviões se aproximaram, dois canhões com rodado, diversas viaturas e uma ambulância. Sugiro preparação de mais aviões com bombas. Diga se copiou.  - Afirmativo Tigres, tudo copiado vou já passar ao Pirata - respondeu o oficial de serviço.

Tinham passado trinta minutos depois da descolagem quando os dois aviões tocaram na pista de Bissalanca e iniciaram uma rolagem rápida para o estacionamento.

Furriel Miliciano Luís Guerreiro operando o morteiro de Ganturé
____________

Notas:

19 - Esta configuração “standard” permitia alcançar qualquer ponto do território, garantia algum tempo de permanência sobre o alvo mesmo no extremo Leste e dava alguma capacidade de intervenção se não existisse reacção AA.

20 - Cap PilAv Amílcar Barbosa, nascido em Cabo Verde e originário da Esquadra 51 de Monte Real que morreu no ano seguinte, no campo de tiro de Alcochete, ao lançar uma bomba equipada com uma espoleta experimental que funcionou mal.

21 - Não foi certeiro na fase de regulação, nem foi certeiro depois por razões que se explicam no texto.

22 - Na reestruturação do dispositivo ordenada pelo Brigadeiro António de Spínola depois de tomar posse como Governador e Comandante-Chefe, as posições de Sangonhá e Cacoca que ficavam entre Gadamael Porto e Cacine foram abandonadas.´

23 - Os edifícios foram destruídos pelo Exército quando a posição foi abandonada em 29 de Julho de 1968.

24 - Indicativo pessoal do Comandante do Grupo Operacional 1201 que na altura era o TCor PilAV Francisco Dias da Costa Gomes.

************

A decisão

Assim que foi informado do que se passava, o Tenente-Coronel Costa Gomes pôs o Comandante da Zona Aérea, Coronel PilAv Diogo Neto, ao corrente da situação. Minutos depois este entrava no gabinete do Comandante do Grupo já com a caldeira a toda a pressão o que nele se percebia facilmente pela veia que no pescoço inchava notoriamente quando a tensão arterial subia. A primeira ideia que lhes ocorreu foi lançar uma operação helitransportada mas rapidamente perceberam que não só era demasiado arriscado como ia demorar muito tempo. De facto, com o número de helicópteros prontos não seria possível transportar mais que trinta paraquedistas o que era muito pouco. Não haveria surpresa e, além disso, não havia uma zona de aterragem reconhecida nem havia ideia do perímetro defensivo do PAIGC à volta de Sangonhá. A aterragem dos helicópteros teria de ser feita numa clareira ad hoc e relativamente longe do alvo não só porque não se sabia por onde andavam os guerrilheiros mas também por causa da ZPU-4. Acresce que se esta não fosse eliminada pelos G-91, o que não podia ser garantido, o apoio de fogo aos paraquedistas não seria exequível. Era também preciso reunir e preparar os homens o que iria demorar pelo menos uns 45 minutos. Finalmente, a velocidade do AL III também não ajudava. Tudo somado, mas em especial o risco de lançar trinta homens num local pejado de guerrilheiros, sem informações adequadas, fê-los desistir imediatamente da ideia.

As hipóteses de acção ficaram assim reduzidas aos G-91 e a quatro pilotos. Os dois da parelha de alerta que estava a aterrar, o Comandante da Zona Aérea e o Comandante do Grupo Operacional. Os restantes pilotos de G-91 estavam empenhados noutras missões e não estavam disponíveis. Também não havia tempo para montar a carga máxima nos aviões porque era preciso retirar os tanques de combustível e as calhas dos foguetes dos aviões que tinham ido a Gadamael e montar os suportes que permitiam levar duas bombas de 50kg em cada asa, em quatro aviões. Tudo no mínimo tempo possível. Assim, em vez de um total de 8 bombas de 200kg mais 16 bombas de 50kg foi dada ordem ao pessoal de armamento para montar apenas 8 bombas de 200kg mais 8 bombas de 50kg.

Entretanto, o Comandante-Chefe já tinha sido informado do que se estava a passar e quis falar com o Coronel Diogo Neto. Este meteu-se na viatura e lá foi ao Forte da Amura explicar o que lhe parecia mais razoável e eficaz. Como era de esperar a preferência do Brigadeiro Spínola ia para o emprego dos paraquedistas mas depois de ouvir as explicações do coronel concordou e deu o seu aval ao “plano de acção”.

Na BA12 os mecânicos e o pessoal de armamento, cientes da urgência da missão, esforçavam-se para aprontar os aviões o mais rapidamente possível. Não conseguiram porém evitar que o Coronel e os outros três pilotos que entretanto tinham chegado à linha da frente, completassem as inspecções e ficassem à espera, já sentados no cockpit, que o processo de configurar os aviões com as bombas de “fins gerais” terminasse. Mal as pontas dos arames de armar as espoletas foram cortadas e o sinal de tudo pronto foi passado aos pilotos, começaram a ouvir-se, numa sequência um pouco desencontrada, os silvos dos cartuchos de arranque à medida que iam sendo disparados seguidos do ronco surdo das turbinas em aceleração.


Canhão Zis-2 AC 57 mm pronto para ser atrelado a uma viatura de reboque. Imagem provavelmente relacionada com o ataque a Ganturé cedida pela Fundação Mario Soares.



Situação geral no terreno na manhã de 6 de Janeiro de 1969

************

Era impossível falhar um alvo daquele tamanho

Os quatro aviões conseguiram descolar por volta das 11H00, três horas depois do início do ataque a Ganturé e hora e meia depois do regresso da parelha de alerta. A esperança de encontrar a guerrilha ainda em Sangonhá era já muito ténue e todos tinham consciência disso. À frente, no G-91 5408, o Coronel Diogo Neto subiu logo para os 8000 pés que era a altitude standard para iniciar o bombardeamento a picar (BOP) e acelerou para 400 KIAS apontado a Cacine. Os outros três seguiam-no numa formação de marcha bastante aberta.

A rota iria permitir que os aviões passassem Cacine já escalonados para o ataque e com Sangonhá a ficar na raiz da asa esquerda de modo a garantir uma picada com o sol mais ou menos “nas costas”. Sempre que tínhamos de enfrentar fogo anti-aéreo utilizávamos este procedimento para dificultar a pontaria aos apontadores e, neste caso, também a direcção do ataque ficava próxima do eixo maior do alvo.

Como seria de esperar os quatro pilotos estavam apreensivos e como acontecia sempre em acções mais complicadas o silêncio rádio foi completo. A única comunicação que o ex-Tenente Balacó Moreira, que voava a número dois no G-91 5412, se recorda foi a ordem para armar as bombas e passar a escalão pela direita quando passaram sobre o rio junto à povoação de Cacine. Logo a seguir cada um começou a tentar vislumbrar o alvo mas só no momento em que manobravam o respectivo avião para conseguir um “poleiro” que desse um bom angulo de picada é que foi possível perceber alguma coisa do que se passava “lá em baixo”. Balacó Moreira recorda-se que a quantidade de pessoas que avistou na zona do antigo aquartelamento era muito menor do que da primeira vez e que havia viaturas em movimento.
- Estão a retirar – pensou para consigo próprio.

A seguir viu o número um “pranchar” e voltar apertado pela esquerda subindo inicialmente acima da altitude inicial e depois, continuando a aumentar o pranchamento, mergulhar desaparecendo do seu lado esquerdo. Baixou a asa desse lado para tentar seguir a trajectória mas rapidamente o avião começou a ficar cada vez mais pequenino à medida que acelerava e se afastava em direcção ao solo. Naqueles escassos segundos não viu chamas à boca dos canos da ZPU-4. Quando o Coronel Diogo Neto avisou pelo rádio que tinha acabado de largar as bombas e estava em afastamento procurou efectuar uma última correcção à posição do seu avião. Naquele momento se a ZPU-4 disparava ou não já não lhe interessava para nada. A interpretação dos instrumentos de voo e o controlo da trajectória para posicionar o avião num ”poleiro” favorável não deixavam margem para se preocupar com o inimigo. Entrou então numa picada que lhe pareceu boa e depois foi corrigindo os desvios de modo a fazer o rectículo do visor caminhar progressivamente para um ponto atrás do rebentamento das bombas do avião da frente. O carrocel de ataque estava em marcha e com reacção ou sem reacção anti-aérea tinha era que acertar com as bombas no alvo, o maior de todos os alvos que atacou durante toda a comissão. Não falhou como não falharam os outros e ninguém foi atingido.

No final, os quatro aviões reencontraram-se à vertical do objectivo, circulando pela esquerda à altitude de ataque. Lá em baixo, Sangonhá ficara obscurecida pelo fumo e pelos detritos projectados pelas explosões dando a impressão que tudo tinha sido arrasado. Imagem bem enganadora que conheciam muito bem dos ataques aos “clusters” de armas AA que o PAIGC durante o ano de 1968 tinha tentado instalar em diversos pontos do Quitafine. Desfeita a poeirada constatava-se muitas vezes que as armas AA continuavam a disparar embora relativamente perto se avistassem as enormes crateras abertas pelas bombas. O que acontecia era que a combinação bomba/espoleta que utilizávamos penetrava demasiado no solo arenoso provocando crateras enormes que deflectiam os estilhaços para o ar sem causar danos significativos no plano horizontal.

Desta vez, o solo era certamente mais consistente porque as crateras pareciam pouco profundas, com uma assinalável concentração na zona onde estava o armamento pesado. Os quatro aviões ficaram ainda alguns minutos a circular observando a metralhadora AA que era a grande preocupação mas que parecia inactiva desde o início. Lá do alto constataram que nada parecia mexer. Nenhum dos aviões tinha sobreposto o tiro ao dos outros e as dezasseis bombas tinham produzido uma cobertura relativamente densa. Só não era possível era determinar se o ataque tinha sido eficaz em termos de baixas no inimigo.

Depois, sem armamento, nada mais havia a fazer e o comandante da formação deu ordem para abandonar a área e regressar à BA12.

************

O reconhecimento a Sangonhá

Três dias depois, a 9 de Janeiro de 1969, a Cart 2410 executou um reconhecimento a Sangonhá com cerca de 100 homens - militares, milícias e caçadores nativos (Gadamael e Ganturé ficaram reduzidos ao mínimo de pessoal para a sua defesa)25. A força foi comandada pelo ex-Alferes Miliciano Albino Rodrigues, que era o comandante do 1.º Grupo de Combate, ficando o Comandante da Companhia em Gadamael.

Saíram de Gadamael por volta das 6 horas da manhã, sem qualquer apoio de viaturas, normais ou blindadas. Às 08:30 descolou de Bissalanca o DO-27 3347, pilotado pelo Tenente Balacó Moreira, com a missão de apoiar a progressão no terreno e em particular coordenar o apoio de fogo se fosse necessário.

Em todo o percurso até Sangonhá não foram detectados trilhos novos, nem foram encontrados os habituais invólucros de granadas de morteiro ou de canhão S/R que os guerrilheiros normalmente deixavam espalhados no terreno após as flagelações.26

Após a passagem a vau do rio QUERUANE/AXE, e uns 200 ou 300 metros à frente, numa pequena elevação do terreno, foram encontrados os restos de uma fogueira (a noite de 5 para 6 tinha sido fria) junto a uma árvore alta com vestígios de ter sido utilizada como posto de observação, quer pelo aspecto do tronco, quer por alguns ramos partidos. Logo 3 ou 4 metros depois encontraram fio telefónico que foi seguido até ao respectivo carretel vazio. Concluíram por isso que naquela árvore teria estado um observador avançado munido de linha telefónica para orientar o tiro dos canhões A/C estacionados em Sangonhá.

Desde este local e numa extensão de cerca de 3 quilómetros, havia abrigos individuais de um lado e outro da estrada, e também resíduos de fogueiras. Logicamente, a defesa avançada do dispositivo instalado em Sangonhá estendera-se ao longo da estrada para Gadamael Porto.

Com a força já a meio caminho descolaram então de Bissalanca 2 T-6G armados com foguetes SNEB de 37mm e metralhadoras 7,7mm27. A missão era permanecer em espera um pouco a Norte de Sangonhá e actuar à ordem do PCV (DO-27) caso fosse necessário dar apoio de fogo. Depois, às 11:30, quando a força estava próximo de Sangonhá descolaram de Bissalanca dois G-91 armados com foguetes de 2,75 polegadas e quatro metralhadoras 12,7mm. Os dois T-6 foram nessa altura reabastecer tendo voltado a descolar novamente para acompanhar o resto da operação.

A primeira indicação de que estavam próximos do objectivo foi dada pela grande quantidade de abutres (os feiosos jagudis) pousados nas árvores ou voando em círculos. Ao mesmo tempo, o pessoal começou a sentir o cheiro nauseabundo de corpos em decomposição.

A força distribui-se então de modo a formar uma longa linha perpendicular à estrada e foi nessa formação que avançaram cautelosamente. O que descobriram a seguir ultrapassou todas as marcas e foi tão chocante que o pessoal descurou momentaneamente as regras de segurança que vinha a manter.

 O ex-Alferes Miliciano José Barros Rocha, comandante do 2.º grupo de combate, recorda desta maneira o que viu e sentiu:

“…na antiga pista [de Sangonhá], armas destruídas e pedaços de corpos de negros e brancos e 13 sepulturas. Uns dias depois tivemos a informação de 36 mortos confirmados e muitos feridos.
" O aspecto do local era medonho! A terra, cuja cor natural é avermelhada, tinha a cor cinza! O intenso cheiro a putrefacção! Os abutres (jagudis) às dezenas! As árvores queimadas! Enfim..." (...).
 …………………………………
“…recolhemos 3 carretéis carregados de fio telefónico e um vazio, uma mina A/P, uma ferramenta para aperto de rodas, invólucros de granada do canhão A/C 57mm, meia pistola, munições intactas da A/A de calibre 14,5mm, bonés, chapéus tipo colonial, uma bandeira, uma caixa de ferramenta, e mais algumas bugigangas..”.

A força permaneceu em Sangonhá cerca de duas horas tendo regressado a Gadamael entre as duas e as três da tarde. Quando já estavam perto do quartel o Tenente Balacó Moreira aterrou o DO-27 em Gadamael e ficou a aguardar a chegada da força. Foi ele que levou para a BA12, em primeira mão, os resultados provisórios do bombardeamento no qual tinha participado. Levou também a óptica do aparelho de pontaria da ZPU-4 que lhe foi oferecida pelo comandante do 2.º grupo de combate e que ele entregou depois ao Tenente Coronel Costa Gomes.

____________

Notas:

25 - Testemunho do ex Alferes Miliciano José Barros Rocha da Cart 2410. [In blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné > 23 de Fevereiro de 2008 > Guiné 63/74 - P2574: Estórias de Guileje (9): O massacre de Sangonhá, pela Força Aérea, em 6 de Janeiro de 1969 (José Rocha) b]

26 - Indicação muito forte de que a flagelação do dia 6 teria sido efectuada apenas com os canhões AC estacionados em Sangonhá.

27 - Esta configuração era muito eficaz para o apoio de fogo à forças terrestres. Cada avião estava municiado com 72 foguetes SNEB de 37mm e podia também utilizar as quatro metralhadoras 7,7mm.

************

A razão para o suicídio do PAIGC em Sangonhá

Depois do reconhecimento a Sangonhá ficou por decifrar o que teria levado o PAIGC a efectuar aquela acção suicida. A prática normal da guerrilha não se ajustava, de modo nenhum, ao que acontecera no dia 6 de Janeiro de 1969. Não tinha sido apenas a hora a que foi desencadeada a flagelação, de manhã em plena luz do dia, mas também o facto do armamento e o pessoal estarem em campo aberto e serem facilmente detectáveis pelos aviões. Era ainda o recurso às peças anticarro na flagelação como se fossem obuses ou morteiros28.

Havia certamente uma justificação para este comportamento anómalo mas nenhum de nós imaginava qual poderia ser.

No dia 19 de Janeiro de 1969 coube-me efectuar no DO-27 3341 ”o sector de Buba” o que me deu a oportunidade de falar com os oficiais da CArt 2410. Foi nessa ocasião, pelo testemunho dos que tinham, de facto, posto os pés no que fora o “nosso alvo”, que me apercebi pela primeira vez da dimensão do desastre que o PAIGC tinha sofrido. Foi também nessa ocasião que o Alferes Barros Rocha teve a gentileza de me oferecer quatro munições da ZPU-4 que estivera instalada em Sangonhá e que tinha feito fogo contra os dois primeiros (pelo menos) G-91 que descolaram para tentar suster a flagelação a Ganturé. Destas quatro munições, como referi no início, ainda guardo uma comigo e, por arrastamento, a memória deste episódio.

Por acaso tudo se aclarou alguns dias mais tarde ao ler um relatório da DGS que chegou ao gabinete do Comandante do Grupo Operacional 1201. Para mim foi uma espécie de relâmpago que tudo iluminou e desvendou, num instante, a lógica daquele comportamento estranho do PAIGC. Não consegui agora encontrar nenhum registo desse documento mas o facto é que me marcou tanto que nunca mais esqueci o essencial do que li. Resumidamente, a DGS dava conta de que o ataque se tinha enquadrado numa acção de propaganda promovida pela Suécia. Na minha opinião, muito provavelmente a pedido do próprio Amílcar Cabral, resolveram aproveitar o abandono de Sangonhá para simular a tomada do aquartelamento pela guerrilha. O cenário não podia ser mais perfeito. Antes de abandonar a posição, as instalações do aquartelamento tinham sido destruídas pelo Exército e essa imagem podia ser facilmente mostrada em fotografia e filme como sendo consequência dos ataques do PAIGC. Depois, a posição “acabada de conquistar” podia ser utilizada para mostrar o poder de fogo do PAIGC contra as posições que se preparavam para conquistar a seguir: Ganturé e Gadamael. Uma equipa de repórteres, incluindo fotógrafos e cineastas deslocou-se para esse efeito à Guiné-Conacri onde se juntou aos guerrilheiros. Um total de 400 pessoas terão estado envolvidas em toda a operação segundo as informações do régulo Abibo de Ganturé.

Ficou assim explicado porque razão o PAIGC se tinha exposto em pleno dia a levar com as bombas da aviação. É que não era possível fotografar nem filmar sem luz. Também não fazia sentido estarem escondidos quando tinham acabado de derrotar e afugentar o inimigo. Tinham, é claro, a noção de que iam correr um grande risco e por isso o terem levado a ZPU-4 para se defenderem. Mas cometeram um segundo erro, este gravíssimo. Foram detectados e em vez de embalarem a trouxa e rumarem novamente à Guiné-Conacri deixaram-se ficar. Pessoalmente penso que, como os dois primeiros aviões não abriram fogo, assumiram que, ou os tinham atingido, ou os tinham dissuadido e resolveram continuar a fazer a “fita”.

Faltava explicar a utilização das peças anti-carro porque, como já foi dito, não eram, nem armas de guerrilha, nem adequadas às flagelações aos aquartelamentos. Não há mesmo conhecimento de terem sido utilizadas em qualquer outra ocasião.

Uma explicação muito credível ocorreu-me quando descobri algumas fotos dessas armas no arquivo Amílcar Cabral da Fundação Mário Soares. Fiquei até convencido que respeitam à acção do dia 6 de Janeiro de 1969. Passo a explicar.

O objectivo da operação era produzir propaganda, como referiu a DGS no seu relatório. Havia, por isso, necessidade de mostrar grande capacidade militar e poder de fogo, factores esses que estariam a determinar avanços do PAIGC no terreno nomeadamente a conquista de posições ocupadas pelos portugueses. Acontecia que aquelas peças anti-carro tinham um reparo longo, tinham rodas e um cano comprido. As eventuais audiências alvo da propaganda ficariam certamente muito mais impressionadas se o ataque fosse feito com estas peças de artilharia em vez dos tradicionais morteiros ou dos canhões sem recuo que eram armas relativamente pequenas. Só uma razão desta natureza os poderá ter levado a não utilizar o armamento tradicional nesta flagelação a Ganturé: nenhuma granada rebentou no perímetro do destacamento.

A título de curiosidade não devo terminar sem mencionar o único documento conhecido do PAIGC referente a este ataque. Trata-se de um bilhete enviado em 6 de Janeiro de 1969 por um dos mais celebrados comandantes do PAIGC, Pansau na Isna29, e dirigido a Aristides Pereira que estava na base mais próxima, Boké, na Guiné-Conacri. Na missiva para além de empolar a prestação da guerrilha, aparentemente para agradar ao chefe, solicita o envio de mais trezentas granadas para os canhões A/C e mais gasolina para continuar a atacar Ganturé “no duro”, o que não chegou a acontecer. Alguma coisa lhe terá quebrado o ânimo…

Bilhete enviado por Pansau na Isna a Aristides Pereira enquanto decorria o ataque a Ganturé. Documento cedido pela Fundação Mario Soares.

Concluindo, ironicamente pelo menos desta vez, a bondosa ajuda humanitária sueca cujo objectivo foi soprar “os ventos da história” contribuindo para a derrota militar dos portugueses não conseguiu infligir baixas às nossas forças. Ao invés, provocou um número substancial de mortos, feridos e incapacitados entre os guerrilheiros e, muito provavelmente, também entre os apoiantes cubanos, repórteres, fotógrafos e cineastas suecos. Que foram encontrados diversos despojos de pele branca é um facto mas nunca se conseguiu saber a quem teriam pertencido. O PAIGC e o governo sueco, em escrupulosa obediência às regras da propaganda nunca revelaram, nem durante a guerra, nem depois, este desastroso embate…
____________

Notas:

28 - As peças anticarro Zis-2, de 57mm, tinham sido projectadas para destruir os blindados alemães durante a II GG em tiro directo e mostraram-se tão desadequadas neste caso que nenhuma das dezenas de granadas disparadas caiu dentro do perímetro de Ganturé.

29 - Pansau na Isna não morreu em Sangonhá mas acabou por ser morto, no final do ano seguinte, pelos fuzileiros, a Norte de Bissau.

FIM
************
____________

Nota do editor

Vd. poste anterior de 24 de agosto de 2015 > Guiné 63/74 - P15035: FAP (82): Pedaços das Nossas Vidas: VI - Um ataque com "olhos azuis" - I Parte: "O ideal missionário do povo sueco" e "A escapatória ética da ajuda humanitária sueca" (José Nico, Gen PilAv)

segunda-feira, 24 de agosto de 2015

Guiné 63/74 - P15035: FAP (82): Pedaços das Nossas Vidas: VI - Um ataque com "olhos azuis" - I Parte: "O ideal missionário do povo sueco" e "A escapatória ética da ajuda humanitária sueca" (José Nico, Gen PilAv)

1. Em mensagem do dia 22 de Agosto de 2015, o nosso camarada Miguel Pessoa, Cor PilAv Ref (ex-Ten PilAv, BA 12, Bissalanca, 1972/74), enviou-nos um trabalho para publicação, da autoria do General PilAv José Francisco Fernando Nico, versando a ajuda da Suécia aos Movimentos de Libertação africanos, durante a guerra colonial.

Caros editores Luís Graça e Carlos Vinhal
Após a conversa que tive com o Luís sobre este assunto, envio para os dois o texto que originou este meu contacto, pois não sei quem está de serviço ao trabalho editorial.
O texto em questão, da autoria do General PilAv José Nico, tem circulado na Net e o assunto que versa é certamente do interesse de muitos dos seguidores deste blogue. Por um lado, por ser assunto que é do conhecimento de poucas pessoas, por outro, por relatar factos passados na "nossa" Guiné, no início do longínquo ano de 1969, matéria que justifica uma ampla divulgação. É esse o motivo que me leva a reencaminhar-vos o referido texto para publicação no blogue, tendo-me sido já transmitida a anuência do seu autor - Gen. Nico - à sua edição no blogue "Luís Graça & Camaradas da Guiné".

Um abraço.
Miguel Pessoa

************

PEDAÇOS DAS NOSSAS VIDAS

Cumpri muitas missões durante a minha carreira na Força Aérea Portuguesa. A comissão na Guiné, porém, sobrepôs-se a todas as outras e marcou-me indelevelmente para o resto da vida. A mim e certamente a todos os que, de algum modo, partilharam a mesma experiência. É dela ou de acontecimentos com ela relacionados, que vos irei dando conta…
José Nico
Gen PilAv


VI – UM ATAQUE COM “OLHOS AZUIS” (1)

Embora não tenha tomado parte directa na acção nunca esqueci o dia 6 de Janeiro de 1969. Há uma razão para isso: conservo ainda uma munição da metralhadora AA quádrupla ZPU-4 que nesse dia abriu fogo contra os G-91, a partir de Sangonhá, no Sul da Guiné, local que tinha sido até poucos meses antes uma posição do Exército Português. Sempre que olho para aquele pedaço de metal inerte imagino a chuva de projécteis iguais que em diversas situações sairam dos tubos dos famosos “quatro bocas”1 e nos passaram ao lado sem nunca nos conseguirem derrubar2. Como é que essa memorabile de uma arma AA que efectivamente disparou contra os nossos aviões veio parar às minhas mãos é a história que me proponho contar neste episódio dos “Pedaços das nossas vidas”.

ZPU-4. Desenho de Paulo Alegria

____________

Notas:
1 - “Quatro bocas”, designação que os cubanos davam às metralhadoras AA ZPU-4. Embora, por razões de “auto-estima” os guineenses nunca tenham admitido, existem grandes probabilidades dos dispositivos anti-aéreos do PAIGC e, em particular as ZPU e os canhões AA 37mm, terem sido operadas por cubanos. Os quatro canos da ZPU-4 debitavam 2400 tiros por minuto e as munições chegavam aos 15.000 pés de altura embora o alcance eficaz fosse de 4600 pés. Em qualquer caso o perigo maior para um alvo rápido como era o G-91 era a densidade de projécteis na trajectória do avião e menos a destreza do apontador.
2 - Houve aviões abatidos por outros tipos de armas AA e também pelos mísseis Strella mas nunca tivemos uma perda provocada, nem pelas ZPU-1-2 ou 4, nem pelos canhões de 37mm.

************

O ideal missionário do povo sueco 

Não é possível descrever este acontecimento sem primeiro tentar traçar as linhas mestras do apoio sueco aos movimentos de libertação, durante a guerra que nos foi imposta em África, pois está directamente implicado no que vos quero relatar. Além disso, estou convencido que poucos terão consciência da dimensão e importância das acções que os suecos moveram contra Portugal nesse desastroso período da nossa história em que abdicámos totalmente do projecto da nação pluricontinental e multirracial, independentemente da situação objectiva em cada território, e embarcámos revolucionariamente na infame descolonização. Em última análise, os suecos contribuíram também para os mortos, estropiados e feridos que sofremos durante a guerra. Esta é, por isso, também uma oportunidade para lançar alguma luz sobre a dimensão e natureza do sistema adversário que enfrentámos e a que conseguimos resistir durante treze anos, apesar do diminuto peso estratégico do país.

Trata-se de uma questão que merece naturalmente uma análise muito mais abrangente do que o espaço para o presente artigo permite. Irei, por isso, tentar sintetizar o essencial do que achei até agora sobre a “amizade e solidariedade” sueca em relação aos movimentos de libertação e, consequentemente, o seu papel de inimigo como parte do sistema adversário que nos moveu a guerra.

Comecemos então pelo conceito de sistema adversário, por contraposição com a ideia corrente de que os nossos inimigos foram apenas os movimentos de libertação. Na realidade, estes beneficiaram de promotores e de apoios externos que foram engrossando com o passar do tempo até atingirem uma escala quase global. Estes apoios e os próprios movimentos de libertação estavam interligados e actuavam de forma coordenada para alcançar o mesmo objectivo estratégico e por isso devem ser considerados como um sistema. Assim, todos os que contribuíram objectivamente, por qualquer forma, para desapossar Portugal dos seus territórios ultramarinos, promovendo a liberdade de acção e a capacidade dos movimentos de libertação, foram elementos desse sistema adversário e, portanto, foram também nossos inimigos na guerra.3

Numa listagem por defeito aponto os que me parecem os mais óbvios mas, muitos outros, incluindo a gama dos países amigos com comportamentos ambivalentes, ficam por mencionar: as oposições políticas internas, diversas individualidades espalhadas um pouco por todo o Mundo, a URSS, a China, a Coreia do Norte, Cuba, os países do Norte da Europa, Argélia, Tunísia, Egipto, Senegal, Guiné-Conacri, República do Congo, República Democrática do Congo, Zâmbia, Tanzânia, o Movimento dos Não-Alinhados, a Organização da Unidade Africana e a Organização das Nações Unidas.

No grupo dos países do Norte da Europa notabilizou-se sempre a Suécia que, após uma fase de apoio informal mas efectivo, acabou por dinamizar os restantes países nórdicos4 para actuarem também abertamente contra Portugal, a partir de 1969.

De forma algo diferente dos que agiram apenas por razões políticas de natureza institucional, na Suécia verificou-se sempre uma simbiose entre a sociedade civil e o Estado. Ambos foram actores proactivos e actuaram combinados. Em última análise, o comportamento de um grupo significativo de suecos e de algumas das suas instituições foi claramente um acto de guerra contra os portugueses, muito semelhante ao dos cubanos que enviaram militares e armamento em apoio directo das acções de guerrilha sem que Portugal alguma vez os tivesse atacado ou declarado a guerra. As razões que sustentam esta atitude são naturalmente diversas mas podem ser explicadas e decorrem do sucesso do estado social sueco e de outros factores que justificam os excelentes indicadores de qualidade de vida que entronizaram o país como uma referência de desenvolvimento a partir de finais dos anos vinte do século passado.

Anteriormente, a Suécia fora um país rural, economicamente relativamente débil, que só começou a industrializar-se em meados do século XIX, na cauda dos países europeus economicamente desenvolvidos. Todavia, já nesse período, os fundamentos do estado social que iria ser, no futuro, um pilar fundamental do sucesso do país há muito que estavam enraizados na cultura sueca5. Conseguiu então, a partir daí, começar a tirar dividendos da Revolução Industrial e a partir do final do século XIX e princípios do século XX a economia acelerou definitivamente dinamizada por numerosos inventores e empresários6. No entanto, o ambiente social era ainda tão frágil que, desde meados do século XIX até aos anos 30 do século XX, muitos suecos se viram forçados a engrossar o fluxo da emigração europeia para os Estados Unidos.

Com o desenvolvimento económico e a resultante segurança material, cresceu o bem-estar social que por sua vez influenciou a melhoria da estabilidade interna e externa do país e o incremento das liberdades civis. Foram estas conquistas, reconhecidas e elogiadas internacionalmente, que acabaram por incutir nos suecos a presunção de que tinham adquirido não só o direito mas também a obrigação moral de exportar o seu modelo civilizacional para os países menos desenvolvidos e áreas problemáticas. Foi uma atitude que derivou dos princípios luteranos inculcados há muito na sociedade e no Estado7, os quais exigem que seja feito sempre o melhor (a ética dos virtuosos)8 e nestes termos os suecos nunca admitem fazer menos que o melhor, em quaisquer circunstâncias. É por isso que mesmo perante um insucesso um sueco dificilmente reconhece que errou. Este singular comportamento pode ser retratado da seguinte maneira: basicamente “os suecos não têm perguntas sobre os problemas do Mundo mas apenas respostas, que julgam serem as melhores e universais, configurando-se como modelo. Presumidamente, esse modelo poderá conduzir o resto do mundo ao estádio a que eles chegaram, no pressuposto de que isso seria possível e bom para todos”9.

Por estas razões instalou-se um pendor missionário na cultura sueca que foi reforçado por altura da nomeação, em 1953, de Dag Hammarskjöl para Secretário-Geral das Nações Unidas. O povo sueco passou então a sentir a orientação política e os programas civis e militares da ONU como uma responsabilidade também sua, como foi o caso do programa de descolonização. Psicologicamente, terá sido um lema do tipo “a ONU somos nós” um dos factores que mais influenciaram, nessa altura, a motivação internacionalista da comunicação social, juventudes universitárias, sindicatos e partidos políticos suecos. A acção de Dag Hammarskjöld à frente das Nações Unidas foi avidamente assumida como uma extensão da política externa da Suécia a qual se considerava moralmente responsável por resolver os problemas do mundo, tal como a ONU10. Foi tão intensa essa motivação que a longínqua e pouco africana Suécia resolveu participar, logo em Dezembro de 1958, na I Conferência de Povos Africanos em Acra, no Gana, claramente em busca de oportunidades de realização. Foi nessa conferência que o Partido Social Democrata sueco, então no governo, estabeleceu os primeiros contactos com os movimentos de libertação africanos os quais constituíram os alicerces do subsequente apoio sob a eufemística capa de “ajuda humanitária”.

É claro que esse ideal de “olhos azuis”, como os suecos gostam de classificar as suas “boas intenções”, a “inocência” e aparente “ingenuidade” das suas iniciativas extra-muros, nunca deu ao Mundo novas Suécias pela simples razão de que o que sustenta o estado social e as liberdades suecas é o potencial económico. São tudo coisas muito caras que não são obtidas por ideologias, nem por pretensas boas intenções mas sim com recursos e esses só podem ser gerados por um estado eficaz, investimento, educação e trabalho. Nada disso alguma vez acabou por acontecer nos países seleccionados pela ajuda humanitária sueca e em particular na Guiné-Bissau11.

Outro aspecto marcante, já referido atrás, foi a clara cumplicidade entre o Estado e a sociedade civil. A explicação para isso parece decorrer do conceito de “solidariedade” que, em sueco, não só se refere à coesão social mas também ao empenhamento e responsabilidade (tanto na Suécia como externamente) quanto a questões humanitárias12 e desenvolvimentos de natureza política. Essa atitude contribuiu para reforçar a auto-identificação dos suecos como um povo tradicionalmente avançado moral e tecnologicamente e começou a ganhar visibilidade por altura da Segunda Guerra Mundial, período que colocou em risco os valores civilizados, cabendo à Suécia, acreditam eles, o papel de sua guardiã13.

É tudo isto que justifica a paranóia missionária do povo sueco e o fervor no apoio, logo a partir de 1961, através dos OCS, organizações estudantis e partidos políticos, numa altura em que o PAIGC ainda não tinha sequer iniciado as hostilidades (excepto a casca de banana no cais do Pindjiguiti em 3 de Agosto de 1959)14 e a política oficial do Estado ainda estava longe de acometer Portugal.
____________

Notas:
3 - Tor Sellström, Sweden and National Liberation in Southern Africa, pág 64: “...Cabral himself who was the chief architect behind the commodity programme. Supplied with arms from the Soviet Union and its allies, he had from the outset ruled out the idea of military support from Sweden, designing instead a programme of civilian cooperation that at the close of the 1960s was met by no other country”...“Sweden and the Soviet Union were the largest donors to PAIGC. While the former was predominant on the civilian side, the latter was the leading supplier to the military struggle.
4 - Noruega, Finlândia, Dinamarca, Holanda e Islândia.
5 - Tudo terá começado com a Igreja Luterana que, em 1734, lançou as primeiras pedras na construção do Estado Social sueco ao instituir a obrigação de cada paróquia ter um asilo para os mais desfavorecidos e economicamente carenciados - O mito do "socialismo sueco", João José Horta Nobre, Mestre em História Contemporânea, 07 maio 2014.
6 - Mises Daily, Stefan Karlsson, August 7, 2006.
7 - In the Swedish religious and political tradition, the connection between Lutheranism and Swedish national identity stayed relevant long after the disappearance of religion as an all-encompassing norm in daily life. Catholicism and the Idea of Public Legitimacy in Sweden, ACADEMIC JOURNAL ARTICLE By Harvard, Jonas, European Studies , No. 31 , January 1, 2013.
8 - Até ao ano 2000, a religião Luterana foi a religião oficial do Estado sueco. O luteranismo atribui significado religioso ao trabalho mundano do dia a dia, por meio do qual se pode expressar o amor ao próximo e, consequentemente, agradar a Deus.
9 - Why Swedes would talk about themselves?, Astréia Soares, Doutora em Sociologia pelo IFCS/UFRJ, professora da Universidade Fumec/MG.
10 - Gustafsson, 1964, pág. 115.
11 - Returning to Guinea-Bissau twenty years after his visit to PAIGC’s liberated areas, in 1993 Anders Ehnmark reflected upon liberation and liberty, independence and development, dreams and realities, in his essay ‘The Trip to Kilimanjaro’, concluding that “something which was not predicted has taken place” (Ehnmark (1993) op. cit., pág. 113).
12 - Brian Palmer (1996).
13 - Why Swedes would talk about themselves?, Astréia Soares, Doutora em Sociologia pelo IFCS/UFRJ, professora da Universidade Fumec/MG.
14 - O “massacre do Pindjiguiti” foi intencionalmente provocado especialmente pelo PAI (depois PAIGC) que se tinha organizado três anos antes sob a direcção de Amílcar Cabral. A título de exemplo, para mostrar a mistura explosiva então instalada em Bissau, alguns dos membros do PAI eram membros do PCP na clandestinidade (Elysée Turpin, Carlos Correia, Abílio Duarte e Rafael Barbosa), outros eram empregados da Casa Gouveia (Elysée Turpin e Carlos Correia estes com duplo chapéu e Luís Cabral). Existiam ainda outros grupos, alguns também dinamizados por Amílcar Cabral e Rafael Barbosa. Toda esta gente conspirava e andava em bicos dos pés para provocar os “colonialistas” e foram eles que manipularam os marinheiros manjacos até à confrontação com a polícia. Basicamente tratou-se de uma greve por razões salariais, que já tinha sido ensaiada antes, e que se foi exarcebando até que em 3 Agosto 1959 deu-se uma inevitável confrontação com a polícia. Nessa altura, os grevistas picados pelos agitadores quiseram assaltar a Casa Gouveia tendo atacado os polícias (papéis) com arpões, paus, barras de ferro e remos na tentativa de os desarmar. Obviamente isto resultou em mortes. A partir desse lamentável desfecho, o desejado “massacre” passou a ser, imediata e incessantemente, utilizado no estrangeiro e em particular na Suécia como bandeira para a luta de libertação. Os mortos do Pindjiguiti ficaram para a história da libertação como um crime dos colonialistas e aos companheiros de Amílcar Cabral nunca nada lhes pesou na consciência. Tudo se justificava na lógica marxista que os iluminava. Ver também “Sweden and National Liberation in Southern Africa: Solidarity and assistance”, Tor Sellström, pág. 45.

************

A escapatória ética da ajuda humanitária sueca

Os suecos podem querer convencer o Mundo de que, eticamente, são “de olhos azuis” mas todos sabemos que o estado de desenvolvimento e bem-estar que conseguiram15 são indicadores que não permitem outra interpretação das suas atitudes que não seja a da intencionalidade fundamentada e objectiva. Tinham certamente consciência de que todas as formas de apoio aos movimentos de libertação e em particular ao PAIGC que, dentre eles foi o mais beneficiado, eram letais e redundavam em mortos, feridos e destruição quer entre as forças portuguesas, incluindo as de recrutamento local e ainda as populações civis. De facto, não interessava que a ajuda sueca apenas fosse direccionada para a propaganda, para melhorar e manter as bases no Senegal e na Guiné-Conacri, para fornecer meios de transporte, para o tratamento de doentes e feridos, para financiar deslocações dos dirigentes, etc. Toda a ajuda contribuía para a capacitação do movimento cujo objectivo último era fazer a guerra e acabar com a presença portuguesa pela força. Não pode ter sido, nem foi outra, a motivação dos suecos.

Ciosos do seu estatuto como país de referência viram-se, por isso, obrigados a arranjar uma forma subtil de conferir uma aura de bondade às suas acções de modo a conservar as consciências impolutas e, em particular, não pôr em causa os preceitos que exigiam não patrocinar ou promover nada que implicasse perda de vidas ou mais sofrimento. Apresentando-se como “um país muito escrupuloso quanto aos princípios”, a ajuda aos movimentos de libertação e em particular ao PAIGC teve que ser justificada de modo a encobrir a sua finalidade última e as respectivas consequências.

Atentemos por isso no termo escolhido para designar esse apoio, precisamente o de “ajuda humanitária”. Efectivamente, esta designação não só dava a ideia de inocuidade como soava bem (para os pouco avisados que eram a generalidade dentro e fora de portas) e transpirava bondade. Outro factor muito utilizado foi a classificação do regime português como sendo uma ditadura fascista e portanto tudo o que dele emanasse estava automaticamente condenado. Por politicamente correcta validava todo o tipo de iniciativas contra Portugal, promovia a unidade de esforço com as oposições ao regime português e com a comunidade internacional democrática e, também com a não democrática, desde que não fosse ocidental ou, por exemplo, pertencesse ao bloco soviético. O problema é que o que estava em jogo era o projecto e futuro de uma sociedade pluricontinental e multirracial e não a sobrevivência do regime que transitoriamente a governava. A Suécia justificava assim a “ajuda humanitária” aos movimentos de libertação fazendo de conta que estava a combater um regime político quando, na realidade, estava a influenciar decisivamente o futuro de uma comunidade que em termos humanos se projectava muito mais avançada que as que hoje temos. As pessoas não contavam, o que importava eram os “amanhãs que cantam” das ideologias em voga16 com consequências terríveis como a conflitualidade, a ingovernabilidade ou as actuais avalanches emigratórias. Também eles, suecos, sopraram os ventos da história contra Portugal e condicionaram a seu belo prazer o futuro dos povos que habitavam os territórios então portugueses. É por isso que entre as características já inventariadas na mentalidade sueca não tenho dúvidas em acrescentar mais uma e esta bem negativa: a hipocrisia, nua e crua.

Mas não eram apenas estes os argumentos falaciosos que os suecos coligiram para justificar a sua “ajuda humanitária”. Outros que pareceriam “não ter pernas para andar” mas foram prontamente validados pelo imaculado povo “dos olhos azuis” foram a invocação do atraso português em termos económicos e o facto da colonização estar a ser feita com pessoas de baixa ou média condição social. Tanto o primeiro como o segundo argumento queriam apenas dizer que os povos africanos de Angola, Moçambique e Guiné-Bissau mereciam colonos mais ricos, mais educados e de mais elevada condição social. Presumivelmente, se esses colonos fossem suecos então estaria tudo bem e esses territórios já seriam uma espécie de Suécias dos Trópicos. No entanto, enquanto nós sentíamos que as características da população portuguesa presente em África nos aproximavam mais das populações autóctones e por isso conferiam melhores condições de entrosamento, convivência e uma evolução comum mais equilibrada e eficaz, para os nossos detractores era tudo negativo e justificava a guerra que promoviam.

Para além destas considerações é no relato escrito por Tör Sellström, em 200817, que se pode perceber melhor grande parte do racional sueco para justificar o apoio aos movimentos de libertação anti-Portugal:

Declarava-se que essa ajuda não poderia entrar em conflito com o primado do direito internacional, no âmbito do qual se define que nenhum estado tem o direito de interferir nos assuntos internos de outro. Contudo, relativamente aos movimentos de libertação em África, a ajuda humanitária e o apoio à formação académica não devem ser interpretados como estando em conflito com as referidas normas internacionais nos casos em que as Nações Unidas tenham tomado uma posição inequívoca contra a opressão dos povos que lutam pela liberdade nacional. Considera-se que a África Austral ocidental, a Rodésia e os territórios africanos sob suserania portuguesa estão abarcados por essa definição.

Passaremos a seguir a explicar o processo que levou a esta decisão. Entretanto, é de notar que poucos países ocidentais eram tão diferentes entre si como Portugal e a Suécia no período pós-guerra e que as ligações económicas eram inicialmente fracas.

Apesar de ambos os países terem passado à margem da segunda guerra mundial, o fosso, que separava a ditadura fascista do Portugal católico da social-democracia da Suécia protestante, era abissal. Na arena internacional, Portugal via-se como um importante portador do estandarte do destino imperial e tinha aderido à OTAN, enquanto a Suécia fazia gala do seu passado não-colonial. Em termos nacionais, o regime de Lisboa seguia uma via ultra-proteccionista, que administrava uma economia retrógrada e estagnada, baseada no sector primário, enquanto que o governo social democrata da Suécia registava um crescimento económico acelerado e era um país cada vez mais exportador, em resultado directo duma política de transformação industrial assente na qualificação. No prisma social, as políticas elitistas praticadas em Portugal criaram taxas de analfabetismo e má saúde pública que colocavam o país mais no terceiro mundo, enquanto as práticas igualitárias do "modelo sueco" colocavam este país na vanguarda da educação e da saúde. 

As relações comerciais entre Suécia e Portugal eram bastante marginais até meados dos anos 60. Em 1950, o valor das exportações suecas para Portugal chegava a 28,3 milhões de coroas suecas, ou seja 0,5 por cento do total de exportações. Os números correspondentes para as importações suecas feitas por Portugal representavam nesse mesmo ano 25,1 milhões de coroas suecas, ou seja 0,4 por cento. Dez anos mais tarde o valor das exportações suecas tinha aumentado para 60,9 milhões de coroas suecas, mas a parte de Portugal no total de exportações ficou estável, enquanto a proporção relativa das importações de Portugal diminuiu para 0,3 por cento. Era fácil de ver que o comércio externo que a Suécia tinha com Portugal era muito menos relevante do que o que tinha com a antiga colónia portuguesa, o Brasil. Os investimentos directos em Portugal foram, durante muito tempo, apenas de relevância marginal. Apenas algumas empresas suecas, como a SKF e a Electrolux tinham estabelecido sucursais em Portugal nos anos 20, ao passo que algumas empresas têxteis viriam, mais tarde, a fazer investimentos directos. Por junto, havia apenas cerca de cinco empresas suecas em Portugal em 1960 e os seus produtos combinados eram bastante reduzidos.

Esta é uma pequena amostra do convencimento e arrogância sueca em relação a Portugal. A construção ética apenas visou dar cobertura ao que desejavam fazer a todo o custo e que tinha começado a ganhar momento ao tempo de Dag Hammarskjöl nas Nações Unidas. Sentiram-se, assim, com base em análises claramente preconceituosas, auto-mandatados a dar-nos uma lição. Todavia, tudo o que acima se transcreveu pode agora, que a guerra acabou há muito, ser contra-argumentado. Para não me alongar demasiado limitar-me-ei a comentar a invocação da virgindade sueca em relação ao colonialismo e ao facto do Estado-Novo “criar taxas de analfabetismo e má saúde pública que colocavam o país mais no terceiro mundo”. Em relação ao primeiro ponto é preciso frisar que, no passado, os interesses da Suécia assentaram no comércio marítimo e na indústria do ferro. Por essa razão nunca estiveram muito interessados em ocupar território mas sim em garantir o acesso dos seus navios a pontos de carga e descarga em África e em vender ferro trabalhado. Para além disso, estabeleceram, embora por um curto período, diversos entrepostos na costa do Ghana destinados à aquisição e trânsito de escravos com destino às Américas. Em paralelo com esse comércio avultava o fornecimento das barras de ferro para lastro dos navios negreiros e as argolas e grilhetas com que os escravos eram sujeitos a bordo e nos pontos de embarque e desembarque. Também mantiveram uma colónia de escravos em Saint-Berthélemy desde 1787 até Outubro de 184718. Por último, em finais do Séc XIX a Suécia participou na Conferência de Berlin com o mesmo estatuto e as mesmas intenções das restantes potências europeias. Não parece por tudo isto que a Suécia se possa distanciar agora, em termos morais, nem dos portugueses nem dos outros países que colonizaram África.

Sobre “as políticas elitistas praticadas em Portugal que criaram taxas de analfabetismo e má saúde pública” este argumento difundido na opinião pública sueca era claramente mal intencionado. Dava a impressão que o regime era tão mau que estava a fazer o país “andar para trás”. A verdade é que o regime português, apesar de tudo, fazia o que podia depois do descalabro da 1.ª República e havia evolução. Não tão rápida como seria desejável, ou não tão rápida como a da Suécia, mas isso decorria do que se pudesse considerar como a situação de referência para efeitos de comparação, por exemplo, à data da instauração do Estado Novo. Também resulta claro, bastando para isso olhar para as fotografias da época, que o país de 1926 era completamente diferente do país de 1960. Este alegado retrocesso invocado pelos suecos parece ser resultado da propaganda dos opositores ao regime e dos líderes dos movimentos de libertação, em particular de Amílcar Cabral, Eduardo Mondlane e Holden Roberto, que foi de quem os suecos se aproximaram mais. Outra coisa não seria de esperar.
____________

Notas:
15 - A admissão de que a ingenuidade seja um traço da cultura sueca contrasta com a imagem da Suécia moderna, secular e tecnologicamente avançada e com um alto índice de informação sobre questões internacionais (Why Swedes would talk about themselves?, Astréia Soares, Doutora em Sociologia pelo IFCS/UFRJ, professora da Universidade Fumec/MG).16 - Nada mais elucidativo do que comparar as projecções de liberdade e desenvolvimento de Amílcar Cabral para a Guiné-Bissau e a situação real do país após quarenta anos de independência.
17 - A Suécia e as lutas de libertação nacional em Angola, Moçambique e Guiné-Bissau, Tor Sellström, Nordiska Afrikainstitutet, Uppsala 2008
18 - Up until the 9th of October 1847 Sweden had a colony in the West Indies called Saint-Berthélemy where there were thousands of slaves. When Gustav III was asked to end slavery in the beginning of the 19th century by Great Britain where the abolitionist movement had grown strong the Swedish king firmly neglected that Sweden had had any participation in having slaves. This denial has lived to our days in Sweden as well on the former Swedish colony Saint-Berthélemy, Pan African Visions » Afro-Swedish Perspectives, Blogs » Living in Denial: Sweden and the slave trade, October 16th, 2012

(Continua)

************
____________

Nota do editor

Poste anterior da série de 29 de julho de 2014 > Guiné 63/74 - P13443: FAP (81): A propósito do voo MH17 das linhas aéreas da Malásia atingido por um míssil, em 17/7/2014, sob o céu da Ucrânia... Deus nos livre da antiaérea amiga, que da inimiga livramo-nos nós (António Martins de Matos, ex-ten pilav, BA 12, Bissalanca, 1972/74)

quinta-feira, 20 de junho de 2013

Guiné 63/74 - P11737: FAP (74): A instrução do AL III no meu tempo: em Janeiro de 68, eu e mais cinco pilotos do P1 de 67, juntamente com quatro pilotos da Academia Militar e o Senhor Dom Duarte de Bragança, iniciamos com o Al II o curso de helis... Saí de Tancos com um total de 291 horas de voo, e no dia 1 de Outubro de 68 fazia uma evacuação (TEVS) em Cabuca.... (Jorge Félix)



Guiné > Região de Tombali > Guileje > CCAÇ 726 (Out 64 / Jul 66) > O pessoal em operações militares: na foto, acima, transporte às costas de um ferido, evacuado para o HM 241, em Bissau, por um helicóptero Alouette II (versão anterior do Alouette III, que nos era mais familiar, sobretudo para aqueles que chegaram à Guiné a partir de 1968). Foto do Alberto Pires, editada pelo Jorge Félix.

Fotos: © Alberto Pires (Teco) / AD - Acção para o Desenvolvimento, Bissau (2007) / Jorge Félix (2009). Direitos reservados.



Tancos > Base Aérea nº3 > 1967 > 1º Curso de Pilotos de Helicópteros, onde pela 1ª vez também foram incorporados milicianos, segundo informação do Jorge Félix, aqui, junto a um Allouette II, no meio dos seus camaradas, onde se inclui o Duarte Nuno de Bragança.

Os primeiros pilotos milicianos de helicópetros da FAP > 14 de Março de 2008 > "Éramos oito milicianos (Eu, Antolin, Cavadas, Melo, Baeta, Pinto e Duarte) e três da Academia Militar (Braga, Afonso e Costa). O Pinto faleceu em Outubro de 2007, em Lisboa, vítima de doença. O Oliveira faleceu no acidente de aviação em Tancos, em 72 ou 73. Estes dois companheiros estiveram comigo na Guiné. O Melo anda em sítio incerto na Venezuela (vou saber pormenores da 'chatice' que foi a vida dele por lhe terem roubado um Allouette III da FAP). O Baeta faleceu em Gago Coutinho, Angola, Março de 1969, num acidente, voo nocturno, Heli. O Cavadas também já faleceu em acidente de Heli, andava nas pulverizações, no Alentejo. O Antolin está de perfeita saúde, Comandante da TAP reformado, a viver em Lisboa. O Duarte é... Sua Alteza D. Duarte Nuno de Bragança, esteve em Moçambique [ou Angola ?]  e vive em Lisboa. O Pinto, também reformado da TAP, faleceu há quatro meses. Do Braga, Afonso e Costa, sei muito pouco (...). Jorge Félix".

Foto (e legenda): © Jorge Félix. Todos os direitos reservados  [Cortesia de: Blogue do Victor Barata > Especialistas da BA 12, Guiné 1965/74.]



Guiné > Algures > Jorge Félix, allf mil pil heli Al III (BA 12, BA 12, Bissalanca, 1968/70) e António Spínola (Com-Chefe e Governador Geral, CTIG, 1968/73)... O tratamento por "pilav" era reservado aos pilotos-aviadores que vinham da Academia Militar.

Foto: © Jorge Félix (2010). Todos os direitos reservados



1. Mensagem do Jorge Félix [, ex-alf mil pil, AL III, Esq 122, BA 12, Bissalanca, 1968/70,], com data de ontem, em resposta ao nosso convite para nos contar como se tornou um valoroso e glorioso "maluco" do heli AL III que faz agora 50 anos na nossa querida FAP (*)


Meu Caro Luis Graça: 

já tinha respondido a este mail, quando me apercebi que seria para os "50 anos do AL III", e como isso aconteceu no dia 20 de Abril, em Beja, onde eu estive, apaguei tudo, por pensar estar fora de tempo. Como voltas "à carga", vou tentar ser útil.

Desde já um abraço ao Pardete Ferreira pelas simpatiquissimas palavras.

Caro Fernando Leitão:

Aproveito para contar algo que será desconhecido da maioria. No ínicio da FAP, os primeiros pilotos vieram da arma de Cavalaria, razão existirem tantos termo da sua gíria:

(i) O "pilão", par de coices - afocinhamento do avião; 

(ii) "borrego", nega ao saltar um obstaculo - aterragem não conseguida; 

(iii) "cavalo de pau",  instrumento que dá o equilibrio do avião - ...

No meu tempo, as idades para concorrer, eram os 17 e 21 anos. Fazia parte das condições ser solteiro, ter autorização do pai.... Centenas de "mancebos" concorriam, uns para "andarem mais perto de Deus", outros para fugirem do "diabo"...

Depois de apertados exames medicos aparecem em São Jacinto (Fevereiro 67), BA7, meia centena de alunos para iniciar as "voadelas". Recordo que  havia um Alferes, um Aspirante e um Cabo, portanto ,recrutados das FT.

O avião de inicio de instrução foi o CHIPMUNK, onde aprendíamos os pequenos segredos de voo.
Fui largado depois de 15 horas,  no dia 21 de Abril de 67 no 1635.[ não sentir o instrutor a corrigir, a emendar, a ajudar ... (o silencio dos Deuses) foi a alegria plena]. 

 Depois da aterragem, na placa, o instrutor esperava-nos para o "caldaço no pescoço e o pontapé no traseiro". Quem estivesse por perto e já fosse Pilav também "molhava a sopa". 

O banho na Ria,  ao fim da tarde,  fazia parte da praxe dos "recém-largados". Fazia-se coincidir com a partida da lancha da Marinha, assim, os que estivessem sobre a ponte de atracagem também poderiam ir ao banho .

Era também tradição oferecer uma garrafa de "whisky" ao instrutor e fazia~se um jantar de confraternização, alunos e instrutores.

Depois desta fase, passava-se para o T-6...

No dia 28 de Junho fui largado no T-6 (1656) com 13 horas de voo. Com 170 horas de voo, acabei em São Jacinto e obtimha  o tão desejado Brevet, "as asas no peito". (Das centenas de recrutas, restaram 20 pilotos;  a seleção natural diminuiu para metade este número).

Nas 150 horas de T-6, Maio de 67 a Dezembro de 67, aprendeu-se tudo que o avião "deve "fazer": o rolar, descolar, voltas de pista, formação, navegação, voo por instrumentos, acrobacia, voo noturno, "rapadelas", tiro , ... e crescia~se ou não, no Bar dos especialistas, dos "marinheiros, nas escapadelas a Aveiro, no "Gato Preto" ....

Aqui chegados era a partida para o Ultramar.

Nesse ano a FAP abriu o primeiro curso de Helicópeteros para pilotos que não eram do quadro. Ofereci-me como voluntário e ao mesmo tempo ofereci-me para a Guiné. (a razão de me oferecer para a Guiné, teve a ver com o tempo da comissão).

Consta na minha caderneta: (Dezembro de 67) Encerra-se a presente caderneta em virtude do seu titular marchar para a Base Aérea nº 3, a fim de frequentar o Curso complementar de Helicópeteros nos termos do rádio BP...

Em Janeiro de 68, eu e mais cinco pilotos do P1 de 67, juntamente com quatro pilotos da Academia Militar e um  Sr Duarte de Bragança, iniciamos com o Al II ,o curso de helis.

Tenho registado 60 horas de AL II até junho de 68, quando comecei com o AL III. Fiz 30 horas de AL III antes de embarcar para a Guiné.

Sobre as modalidades de voo que  "referem" no questionário, naquele tempo, estou convencido que fizemos tudo. Salvamento de guincho e voo de montanha, na altura, forma para mim estranha por pensar que não iria usar isso na "Guerra ", o que veio a acontecer. O Guincho foi utilizado por mim só para manutenção ...

O voo noturno, com os instrumentos que à época existiam, seria o modo de voo a que requeria mais atenção.

Estou convencido que no final do curso que me foi ministrado, estava bem preparado para seguir para o "teatro das operações".

Saí de Tancos com 291 horas, na totalidade, e no dia 1 de Outubro de 68, fazia uma evacuação (TEVS) em Cabuca.

O meu nº da FAP era (é ?) o 114/66.

Estou a perder-me a ficar longo e maçador...
Se mais houver em que possa ajudar, ficarei ao dispor.

Abraço, Luís Graça e Fernado Leitão.

Jorge Félix

2.  Troca de mensagens com o ten cor pilav F. Leitão, com data de ontem:

(i) Caro camarada da FAP, ten cor F. pilav Leitão:

Aqui vai, em primeira mão, mais um contribuição, a do nosso querido amigo, Jorge Félix, experimentado alf mil pil, que voou, como poucos,  aos comandos do AL III no TO da Guiné, em 1968/70... Um Alfa Bravo. Luis Graça

(ii) Luís Graça, Jorge Félix:

Muito obrigado por este testemunho valioso! Vou incorporar a informação transmitida.

Um respeitoso abraço,

Fernando Leitão
Tenente-Coronel Piloto Aviador
Área de Ensino Específico da Força Aérea
Instituto de Estudos Superiores Militares
Rua de Pedrouços 1449-027 LISBOA
Tel: 213002143 / Tel mil: 226140