Mostrar mensagens com a etiqueta pistola-metralhadora Uzi. Mostrar todas as mensagens
Mostrar mensagens com a etiqueta pistola-metralhadora Uzi. Mostrar todas as mensagens

quarta-feira, 29 de janeiro de 2020

Guiné 61/74 - P20606: Fotos à procura de... uma legenda (117): ainda a marca e o modelo da pistola-metralhadora do "Manel Djoquim", o homem do cinema ambulante que, mesmo em plena guerra, tinha fama de ir a todos os sítios...



Mapa da Guiné > s/d > c. 1975 > Povoações, assinaladas com um retãngulo onde o Manuel Joaquim dos Prazeres teria ido, uma ou mais vezes, com o seu cinema ambulante, ao longo de 3 décadas (entre 1943 e 1970). 

Perguntei à autora qual o "signifiacado" deste mapa da Guiné (, pós.independência, pela toponímia: Cachungo, Quebo, Gabu...). As principais povoações estão assinaladas com um retãngulo... A minha hipótese era  seren sítios por onde o "Nequinhas" tinha passado com a sua carrinha... Mas será que ele chegou mesmo a ir a Cabuca e a Madina do Boé ? Esta última parecia-me de todo improvável, no tempo da guerra... Até porque só particamente tropa e meia dúzia civis... A tropa não o deixaria lá ir... A estrada era um cemitério de viaturas destruídas por minas e emboscadas... Até Nova Lamego e daí até à fronteira norte (, Pirada, por ex.) ainda vá, até meados de 60...


Fonte: Adapt de Lucinda Aranha - O homem do cinema: a la Manel Djoquim i na bim. Alcochete: Alfarroba, 2018, pp. inumeradas [6-7].



Guiné > s/l > s/d > c. 1960 > Não há dúvida que se trata de uma "arma de guerra" e não de caça, uma pistola-metralhadora, talvez a portuguesa FBP m/948 ou m/963... Era uma arma para "defesa pessoal"...  Uma situação que a família desconhecia. De qualquer modo, as opiniões divergem sobre a marca e o modelo da arma:  a portuguesa FBP, as americanas M3 e Thompson, a belga Vigneron, a israelita Uzi... Já foram aventadas várias hipóteses... De qualquer modo, as fotos disponíveis, a cores, do arquivo da família não deixam ver a totalidade da arma e a sua resolução é fraca...

Foto (e legenda): © Lucinda Aranha (2014) . Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


Portugal > Caldas da Rainha > RI 5 > Janeiro de 1969 > Visita do então Presidente da República, Américo Tomás: na foto, passando revista a um guarda de ronda... Em primeiro plano, ao centro, o 1º cabo miliciano César Dias, membro da nossa Tabanca Grande, ex-fur  mil sap inf, CCS/ BCAÇ 2885 (Mansoa, 1969/71). Os cabos milicianos, Morais e Dias, empunham pistolas metralhadores Uzi, de fabrico israelita.

Foto (e legenda): © César Dias (2020). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné].


1. Comentários dos nossos leitores:

(i) Valdemar Queiroz (*):

(...) Tanto a FBP, a Uzi e a Vigneron com o percutor fixo na cabeça da culatra facilmente disparavam 'sozinhas'. Acontecia várias vezes, com um simples bater com a coronha numa mesa, haver rajadas descontroladas.

Na guerra da Guiné, julgo que não eram utilizadas em operações e apenas seriam utilizadas em desfiles militares.
´
Parece que estas armas, de pequeno porte e munições derrubantes,  de 9 mm, eram mais utilizadas por forças da polícia. (...)

(ii) César Dias (*):

Nas Caldas [, no RI 5,] os Cabos Milicianos usaram a UZI na guarda de honra ao Presidente da República [, Américo Tomás], em Janeiro de 69, mas não me lembro do modelo.


(iii) Luís Graça:

Aparentemente não há registo do mais pequeno "incidente", na estrada ou nas tabancas, com a velho Ford do Manel Djoquim nem com a sua pessoa... O Ford ostentava, nas portas, um dístico pintado, "Cine-Guiné" (, segundo o testemunho de Carlos Geraldes, carta de Pirada, 3/1/1965) (**).

Será que este "tuga" conseguiu passar incólume pela guerra ? Mas, é bom lembrar, as minas e as emboscadas não tinham "código postal"...

Há, naturalmente, algumas lendas e alguns mitos criados à sua volta... A verdade é que ele só baixou às "boxes" em 1971... Deve ter percebido que o seu tempo estava a chegar ao fim... Mas é um caso absolutamente notável de coragem física, de determinação, de resiliência, de amor à Guiné... Por isso lhe chamo o "último africanista".

Segundo os testemunhos dos amigos seu tempo e dos registos da família, em cerca de três décadas,  dos anos 40 a princípios de 70, o Manuel Joaquim dos Prazeres teria batido  toda a Guiné, de Norte a Sul e de Oeste a Leste... No mapa (adaptado) que a Lucinda Aranha publica, no seu livro, os sítios assinalados  (com um retângulo) vão de Varela a Campeane,  de Caió a Cabuca, de Pirada a Buba, de Bambadinca a Mansabá, de Farim  a Madina do Boé...

O nosso saudoso Carlos Geraldes (1941-2012), que conheceu em Pirada, na véspera do Natal de 1964, escreveu sobre ele:

(...) "Conhecia todos os trilhos da Guiné e tratava quase toda a gente por tu, completamente à vontade e com a maior franqueza. Numa época de guerra como esta que estamos agora a travar, cheia de emboscadas, minas e selvajaria, nada parece deter este velho descendente dos conquistadores de antanho. Não há recanto nenhum da Guiné que ele não conheça e vai a sítios onde a tropa até tem medo de passar ao lado." (...)

O Carlos Geraldes, alf mil da CART 676 (Pirada, Bajocunda e Paúnca, 1964/66), não fala em nenhuma pistola-metralhadora, que o Manuel Joaquim  deve ter adquirido (, mas não sabemos como...) na altura o início da guerra... (Enfim, uma questão que a Lucinda Aranha nos prometeu elucidar, recrrendo à memória de amigos do pai, do tempo da Guiné,  que ainda estão vivos...).

Mas pode perguntar-se: qual então o significado da exibição de uma arma de guerra, uma pistola-metralhadora, que não servia para caçar ?  Era também uma "insígnia" que podia  ter várias leituras: para a PIDE e a tropa e para o PAIGC... mas também para os amigos e até para a família em Lisboa..


2.Perguntei à autora qual o "signifiacado" deste mapa da Guiné (, pós-independência, pela toponímia: Cachungo, Quebo, Gabu, Boé...). 

As principais povoações estão assinaladas com um retãngulo... A minha hipótese era  serem sítios por onde o "Nequinhas"(, nomi ho ternurento pelo qual era tratado no seio da família em Lisboa...)  tinha passado com a sua carrinha...

Mas será que ele chegou mesmo a ir a Cabuca e a Madina do Boé ? Esta última parecia-me de todo improvável, no tempo da guerra... Até porque havia só particamente tropa e meia dúzia civis, até à sua retirada em 6/2/1969...

A tropa não o deixaria lá ir a sítios como Madina do Boé... A estrada era um cemitério de viaturas destruídas por minas e emboscadas... Até Nova Lamego e daí até à fronteira norte (, Pirada, por ex.) ainda vá lá, até meados de 60... A questão é que este mapa não aparece no livro com  uma legenda apropriada...

Resposta da Lucinda Aranha (15/1/2020):

(...) Luís, não sei se o meu pai ia, durante a guerra colonial , às localidades que mencionas mas várias testemunhas me disseram que ele até dava cinema aos guerrilheiros e, sobretudo, tenho o testemunho dele próprio segundo o qual podia andar por toda a Guiné que ninguém lhe fazia mal. Inclusivamente enfurecia-se com as diculdades que o governo da Guiné, militares, até a Pide, lhe punham no sentido de parar a sua actividade.

Quanto ao mapa, reconheço que é bastante impreciso até porque, por lapso da editora, saiu sem a legenda e confesso que não me apercebi atempadamente. Por outro lado, tive muita dificuldade em encontrar um mapa mais consentâneo com a época. Desconhecia então que a Tabanca Grande tem um bom acervo de mapas,  como me disse o Carlos Vinhal.


Efectivamente, os rectângulos assinalam os lugares por onde o meu pai andou, embora vários amigos pessoais- o próprio genro do Esteves, o sr Pereira - me tenham afiançado que praticamente eu devia assinalar todas as localidades do mapa. Optei por assinalar apenas as que me apercebi, pelos vários testemunhos, que eram fiáveis. (...).



domingo, 27 de janeiro de 2008

Guiné 63/74 - P2485: O nosso armamento no princípio da guerra: G-3, FN, Uzi (Santos Oliveira)

A espingarda automática FN, de origem belga [produzida pela Fabrique Nationale]

A pistola-metralhadora UZI, de origem israelita

A espingarda automática G-3, de origem alemã.


1. Mensagem do Santos Oliveira (1), de 20 do corrente, dirigida ao Mário Dias, com conhecimento aos editores do blogue:

Amigo caríssimo Mário:


Afinal, parece que sou bem mais azelha que o que pensava, pois não conseguia comunicar contigo devido a um simples til.

Mas, já agora, acerca do assunto em esclarecimento (das estrias da G3), não há um Camarada ilustre, o Victor Condeço, que era Mecânico de Armamento? Suponho que é dos anos seguintes aos nossos, mas deve ter documentação mais completa que a minha e da minha curiosidade daquela época me ter guiado para o fresado. Mas, cá vai o que sei e o que penso estar certo.

Mais uma vez, mil perdões por interferir.

Um imenso abraço, do
Santos Oliveira

2. Mensagem enviada ao Mário Dias e ao Virgínio Briote:

Caros Amigos:

Sem criar polémicas, entendo que é um mau exemplo o meu Alferes ter, um dia, transportado a arma naquela posição (2). Eu pregar-lhe-ia uma porrada se fosse da minha competência. Razão, muita razão tinha o nosso Furriel em condenar e censurar.

O Mário Dias ouviu, certamente, o meu desabafo acerca dos equipamentos com que ambos os lados iniciaram a Guerra. Eu disse que a nossa G3 (FBP) não conseguia fazer tiro útil, em determinadas condições de terreno, como, por exemplo, se se molhassem; mas também afirmei que a minha G3 (original Mauser) nunca se encravou.

O ponto de que o Mário fala, as estrias, é o ponto fulcral. Efectivamente só haviam 4 estrias longitudinais, mas cuja diferença era, tão-somente, o tipo de fresado que as diferenciava. Enquanto que o fresado das originais (da minha, por ex.) tinha um ângulo de uns 30 graus (??) as de origem em Braço de Prata eram perpendiculares (90 graus), o que facilitava a acumulação de poeiras e pólvora, que depois de humedecida…

De resto a minha G3 e a minha UZI foram fabulosas, embora a minha função não fosse igual, nem semelhante, àquela que vocês tiveram.

Essa G3, eu também defendo. Ainda deve estar aí para as curvas…

No manual que vos anexo, não há nenhuma referência às estrias do cartucho. Na época, também não se sabia qual arma que viria ser aprovada (se a G3 ou se a FN) e por isso a sua produção, em Portugal, nem sequer era equacionada (3).

Espero ter dado o meu contributo.

A ambos, com admiração, o meu abraço

Santos Oliveira

_____________

Notas dos editores

(1) Vd. poste de 24 de Novembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2301: Tabanca Grande (41): Santos Oliveira, 2.º Sarg Mil de Armas Pesadas Inf (Como, Cufar e Tite, 1964/66)

(2) vd.postes de:

19 de Janeiro de 2008 > Guiné 63/74 - P2458: Os sulcos... e as estrias da G3 (Mário Dias / Virgínio Briote)

17 de Janeiro de 2008 > Guiné 63/74 - P2445: Em louvor da G3, no duelo com a AK47 (Mário Dias)

(3) Sobre armamento usado pelo Exército Português no início da guerra colonial / guerra do ultramar, vd. sítio do Centro de Documentação 25 de Abril, da Universidade de Coimbra


(...)
Espingardas: O desencadear das hostilidades revelou, logo de início, em qualquer dos três teatros, a falta de uma arma automática de base: em Angola, os ataques em massa não podiam ser eficazmente contrariados com espingardas de repetição; na Guiné e em Moçambique, os guerrilheiros dispuseram, desde o princípio, de armas automáticas que lhes davam nítida vantagem sobre algumas das tropas portuguesas (caso das unidades de guarnição normal).

Assim, a prioridade, em 1961, foi a obtenção imediata de armas automáticas, mas tendo em atenção a necessidade de garantir o fluxo de abastecimento de munições e sobressalentes, o que só poderia ser plenamente conseguido através do fabrico nacional. Duas armas pareciam corresponder aos desideratos operacionais então formulados: a FN, de origem belga, e a G-3, de origem alemã. Quanto às munições, não havia problema, porquanto o cartucho de 7,62 mm era já fabricado em Portugal e exportado em larga escala, sobretudo para a RFA [República Federqal Alemã].

Foram assim adquiridas (com dificuldades, como veremos), dois lotes destas duas armas:
- FN: 3835 sem bipé (s/b) e 970 com bipé (c/b);
- G-3: 2400 sem bipé (s/b) e 425 com bipé (c/b).

Estas armas foram testadas em operações, “a quente”, tendo-se concluído, de modo genérico, que as FN eram de mais fácil transporte, mas o sistema de regulação de gases levantava problemas com pessoal pouco instruído; quanto às G-3, tinham mais precisão, mas o sistema de travamento de roletes revelava tendência para quebrar. No entanto, ambas foram consideradas como satisfazendo os requisitos operacionais. (...)


Sobre as dificuldades de abastecimento com que se deparou o Exército Português no início da década de 1960, no quadro da guerra colonial / guerra do ultramar:

(...) Na época, qualquer fornecimento de material militar a Portugal era extremamente melindroso, não sendo de admirar as dificuldades encontradas. No tocante ao fabrico, a decisão tenderia naturalmente para a opção alemã, mais que não fosse pelo grande volume de transacções já existente entre a RFA e Portugal (dezenas de milhões de cartuchos 7,62 e centenas de milhares de granadas de artilharia eram fabricadas nas FBP [Fábrica Braço de Prata] e FNMAL [Fábrica Nacional de Munições de Armas Ligeiras ] e vendidas à Alemanha). O fabrico nacional ficou decidido ainda em 1961, saindo as primeiras armas 15 meses depois (fins de 1962), para o que foi determinante a transferência de tecnologia e a assistência à produção, que permitiram, a partir de 1962, o fabrico de canos e carregadores.

Para acorrer às necessidades imediatas, a RFA [República Federal Alemã] prontificou-se a ceder, dos seus stocks, 15 000 espingardas FN usadas, sem restrições de emprego, que deveriam ser devolvidas depois de beneficiadas e à medida que fossem fabricadas as G-3. De facto, foram recebidas 14 867 FN por esta via, mas quanto à devolução, parece não ter havido pressa, porquanto, em 1965, havia já cerca de 140 000 G-3 de fabrico nacional e estas FN continuavam em Portugal.

Ainda quanto às espingardas FN, foram também adquiridas directamente à fábrica, ou através de outros utilizadores (África do Sul). Mais concretamente, dado o carácter de urgência, houve um lote de armas cedido por este país dos seus próprios stocks, posteriormente repostos pela fábrica belga. No total seriam fornecidas cerca de 12 500 destas armas.

Antes da adopção da G-3, a distribuição prevista de armas automáticas era a de FN para Moçambique e de G-3 para Angola, mas problemas políticos levaram a que, em certo período, a G-3 fosse mantida “fora de vistas” nesta última. O total de armas adquiridas, antes do fabrico nacional, foi de 8000 G-3, 12 500 FN belgas e de 14 500 FN alemãs, repartidas pela metrópole, Guiné, Angola, Moçambique e Timor.

A produção julgada necessária em Junho de 1961 era de 105 000 armas, sendo 75 000 para a metrópole e 30 000 para o ultramar. O conceito inicial era de manter na metrópole o número de armas destinadas à instrução e ter em depósito as necessárias para equipar as unidades mobilizadas, mas o futuro se encarregaria de inverter esta distribuição. É curioso notar que só por despacho de 18/9/65 do CEMGFA a G-3 foi considerada “arma regulamentar”. (...)


Quanto às pistolas-metralhadoras (PM):

(...) a orgânica anterior a 1960, as pistolas-metralhadoras (PM) tinham uma distribuição relativamente elevada (uma por secção de atiradores). Existia mesmo uma PM de concepção nacional, a FBP de 9 mm m/947, que tinha o inconveniente de só fazer tiro automático, problema resolvido com o novo modelo (m/961), que podia fazer também tiro semi-automático.

A adopção de uma espingarda automática relegou as PM para segundo plano, porquanto obrigavam a dois calibres nas unidades elementares e identificavam os comandantes a quem estavam normalmente distribuídas. Apesar disso, foram adquiridas PM, quer importadas (UZI de concepção israelita), quer de produção nacional (FBP m/961), empregues essencialmente na defesa de instalações e nas forças de segurança e de autodefesa. (...)