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terça-feira, 5 de março de 2024

Guiné 61/74 - P25238: A 23ª hora: Memórias do consulado do Gen Inf Bettencourt Rodrigues, Governador-geral e Com-chefe do CTIG (21 de setembro de 1973-26 de abril de 1974) - Parte VII: Um adeus a Fulacunda (texto e fotos de Jorge Pinto, alf mil, 3ª C/BART 6520/72, Fulacunda, 1972/74)


Foto nº 2A


Fot0 nº 2


Foto nº 1A


Foto nº 1


Foto nº 3A


Foto nº 3

Guiné > Região de Quínara > Sector de Tite > Fulacunda > 3.ª CART / BART 6520/72 (Fulacunda, 1972/74) > Visita doo governador-geral e com-chefe gen Bettencourt Rodrigues, c. jan / fev 1974

Fotos (e legendas): © Jorge Pinto  (2014) . Todos os direitos reservados (Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné)



1. Fotos relacionadas com uma visita do general Bettencourt Rodrigues a Fulacunda, sector de Tite, em janeiro/fevereiro de 1974, enviadas em 28/1/2014 pelo nosso camarada e amigo Jorge Pinto (*):

[natural de Turquel, Alcobaça. é professor de história no ensino secundário, reformado, vive em Sintra; é membro da Tabanca Grande, desde 2012; tem 55 referências no blogue; foi alf mil, 3ª CART / BART 6520/72, Fulacunda, 1972/74; iremos falar mais vezes dele, proximamente, reeditando algumas das suas melhores fotos]


O adeus do general a Fulacunda,

por Jorge Pinto


(...) Lembro-me que esta visita foi curta e marcada por três pequenos discursos com conteúdo e tom adquados às características do grupo social a que o general se dirigia.

Num primeiro momento (Foto nº 1), logo à entrada, ainda junto à pista de aviação, dirigiu-se à população em geral, que se juntou para o saudar, com os mais novos à frente.

Lembro-me que, sem referir a palavra "Nação", salientou a necessidade de Portugal manter a unidade territorial e multirracial. Percebi nas suas palavras a intenção de que vinha a Fulacunda para transmitir aos guinéus ali residentes a confiança na sua capacidade de "autodefesa", em relação ao "inimigo", sem necessidade de haver uma permanente presença da tropa.

Lembro-me que alguns soldados ao ouvirem a palavra "autodefesa", algo confusos, me perguntaram o que queria dizer... Ficando incrédulos e com um sorriso cínico após a explicação.

No segundo discurso, em frente à casa do chefe de posto (foto nº 2 ), dirigiu-se exclusivamente à juventude masculina. Dirigiu-lhes, apenas algumas palavras em tom militarizado e paternal. Incentivou-os a unirem-se àqueles que combatem o "inimigo" e lutam por uma Guiné com um futuro melhor para todos.

Por fim o terceiro discurso (foto nº 3), teve lugar na parada do quartel e foi exclusivamente dirigido à 3ª Cart/Bart 6520/72. 

Neste discurso começou por referir o longo tempo de comissão que a companhia já tinha. Enalteceu o espirito de missão e sacrificio vivido durante esse tempo. Alertou para a necessidade de estarmos preparados para mais sacrificios.

Como foi o encerramento desta visita, sinceramente não me recordo... julgo que o nosso general e a sua pequena comitiva não chegaram a almoçar em Fulacunda.

Esta foi a última visita de um Governador Colonial da Guiné-Bissau a Fulacunda. O esperado "25 de Abril" ocorrerá dois ou três meses depois desta visita." (...)


(Revisão / fixação de texto, título, parênteses retos, negritos e itálicos,  reediçã
o das fotos: LG)


2. Nota do editor LG:

O gen Bettencourt Rodrigues deve ter feito escassas visitas a quartéis e destacamentos no mato (eram cerca de 225 as guarniçóes então). Até por falta de tempo. Mas o assunto não está devidamente documentado no nosso blogue. Daí a oportumidade da republicação destas fotos que, de facto, são raras. (**)

O BART 6520/72 cumpriu 26 meses de comissão (jun 72/ago74), o seu pessoal devia estar farto da Guiné até à ponta dos cabelos. Mas era preciso acalmar os ânimos e manter a um nível razoável o moral da tropa. 

Na longa entrevista que deu à investigadora Maria Manuela Cruzeiro, o Marechal Costa Gomes fala sempre com  rasgados elogios deste general, de quem era amigo pessoal. Diz dele: 

(...) "Foi o general que melhor serviu sob as minhas ordens ". (...) 

"Era meu amigo pessoal e também de Marcelo Caetano, aceitou o lugar de comandante e de governador da Guiné, mas sempre com a corda no pescoço. 

"Não concordava nada com Spínola e, como mo disse pessoalmente, considerava que a sua ação na Guiné, não tinha sido muito positiva".  

Além disso, era de lamentar  "o facto de Spínola ter montado uma impressionante máquina de propaganda. que dava uma ideia distorcida da nossa ação na Guiné,  do que lá se passava  realmente" (Fonte: "Costa Gomes, o último marechal entrevista de Maria Manuela Cruzeiro"- Lisboa, Editorial Notícias,  1998, pág. 151).
____________

Notas do editor:


(**)  Último poste da série > 7 de fevereiro de 2024 > Guiné 61/74 - P25220: 23ª hora: Memórias do consulado do Gen Inf Bettencourt Rodrigues, Governador-geral e Com-chefe do CTIG (21 de setembro de 1973-26 de abril de 1974) - Parte VI: Dois generais de escolas, perfis e personalidades muito diferentes

quarta-feira, 6 de dezembro de 2023

Guiné 61/74 - P24923: Excertos dos melhores escritos de António Eduardo Ferreira (1950-2023), ex-1º cabo cond auto, CART 3493 / BART 3873 (Mansambo, Cobumba e Bissau, 1972/74) - Parte VIII: do que a população sob controlo do PAIGC tinha mais medo era do "passarinho grande", o avião


Guiné > Região de Tombali > Sector S4 (Cadique) > Cobumba > CART 3493 (1972/74) > O António Eduardo Ferreira à porta do abrigo.

Foto (e legenda): © António Eduardo Ferreira (2013). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1.  Série com pequenos excertos dos melhores postes do António Eduardo Jerónimo Ferreira (1950-2023) (ex-1.º Cabo Condutor Auto da CART 3493 / BART 3873, Mansambo, Cobumba e Bissau, 1972/74) (*).

O nosso camarada era natural de Moleanos, Alcobaça. Na tropa e na guerra era mais conhecido por Jerónimo. Lutou quase 20 anos, desde 2004, contra um cancro. Criou o blogue Molianos, viajando no tempo, por volta de 2013 ou 2014.


Parte VIII -  Coitada da população de Cobumba que tinha de parecer estar bem com os dois lados, as NT e o PAIGC


(..) Foi difícil, a vida dos homens da CART 3493 em Cobumba, mas a daquela gente que por lá morava não foi melhor, deixaram de ser bombardeados pelos "tugas", passaram a ser por alguns dos seus que integravam as forças do PAIGC (uma mulher da população morreu,  vitima de uma flagelação).

Não deve de ter sido nada fácil de encaixar a mudança, o que eles de facto desejavam era a paz e não a continuação da guerra. (Muito tempo já passou e a esperança de muita daquela gente numa vida melhor parece continuar a ser uma miragem.)

Havia certos dias em que as poucas pessoas que por lá estavam a maior parte do dia passavam-no junto ao seu abrigo, que seria certamente mais seguro que os nossos, dado o sítio onde se localizavam (debaixo de um grande mangueiro) e a forma como eram construídos(apenas com cerca de um metro de largura). 

Era nossa convicção que eles estavam por ali porque tinham informações que nós não tínhamos… Algumas vezes o “arraial” acontecia mesmo e nesses momentos estar perto de um abrigo podia fazer toda a diferença (...).

Apesar das poucas conversas que tínhamos com a população, por vezes lá íamos fazendo algumas perguntas a que eles normalmente respondiam (aqueles que nos entendiam)... Certo dia perguntei ao filho do chefe de tabanca de que é que eles tinham medo quando ainda não estava lá a tropa branca, ele respondeu que era do "passarinho grande" (o avião)... 

Quando o "passarinho" aparecia, se estavam na bolanha e esta tinha água, velhos e novos deitavam-se, ficando apenas com parte da cabeça de fora. Ele dizia: " só com um olho fora da água". 

Era um menino de doze ou treze anos (o Zé) que certos dias saía com uma pequena saca onde dizia levar os livros e que ia para a escola em Pericuto que ficava do lado de lá da bolanha mas onde nós não íamos, porque apesar de ser perto era arriscado… A haver escola ou coisa parecida, teria que ser da responsabilidade do PAIGC…

Um outro com quem falei dizia que tinha sido carregador do PAIGC, transportava material de guerra à cabeça (chamava-se Miranda) o sítio mais longe onde tinha chegado foi ao Xitole:  era um homem já de certa idade,  normalmente não saía lá da tabanca. 

Já perto do fim da nossa estadia naquele sítio as minas continuavam a causar-nos grandes preocupações, pois eram colocadas mesmo do lado de dentro do arame que nessa altura já circundava todos os abrigos e parte da picada.

Devido a essa situação foi exigido ao chefe da tabanca que nomeasse alguém que teria de andar todo o dia no carro ao lado do condutor, era uma forma de pressionar possíveis familiares que estavam do lado do PAIGC para não colocarem as minas, se é que isso poderia ter alguma influência nas ordens dimanadas do Partido.

Recordo-me do primeiro (e não sei se o único) que andou comigo,  foi o filho do chefe, o Zé, entre eles era quem falava melhor português. Também para os condutores era uma situação estranha, andarmos todo o dia com alguém a nosso lado,  coisa a que não estávamos habituados. Não sei se psicologicamente isso nos terá ajudado.

Não me recordo se foi detectada mais alguma mina depois dessa exigência (nem faço ideia com que vontade foi cumprida pelo chefe de tabanca). 

Também nunca soube se essa ordem foi pensada no Comando da Companhia ou veio de outro sítio, o certo é que aconteceu e chegou ao conhecimento do PAIGC, pois na rádio que transmitia em seu nome,  através da voz daquela a quem chamávamos a “Maria Turra”,  esse assunto foi muito falado.

 A esta distância no tempo dá para entender melhor como era difícil a vida daquela gente, que tinha de parecer estar bem com os dois lados (PAIGC e a Tropa Portuguesa), mas na verdade isso não era possível. (...) 

Cobumba era um local onde os homens novos durante dias não se viam e, quando estavam, com o aproximar da noite abalavam…

As pessoas mais velhas estavam sempre por ali, algumas delas tinham estado ao serviço do PAIGC como carregadores de material de guerra (caso do  Miranda). 

Havia várias crianças (caso do filho do chefe da tabanca) que  andavam na escola do PAIGC em Pericuto, povoação próxima de nós, não sei qual seria a frequência de alunos.

Pessoal novo, por lá, só estavam crianças, algumas que diziam ser oriundas de Bedanda. (...) Chegava a acontecer, em alguns dias, aparecerem por ali vários homens mais novos, não sabíamos de onde vinham, que passavam o tempo que lá estavam, a beber numa espécie de taberna que tinha sido feita depois de nós lá termos chegado, cujo dono servia de tradutor quando era necessário falar com alguma população que não conhecia a nossa língua. 

Quando chegava o fim da tarde iam todos embora, na maioria bêbados. Às vezes acontecia cenas de pancadaria entre eles em que nós agíamos como se nada estivesse a acontecer… era problema deles. (....) (**)

(Seleção / revisão e fixação de texto / negritos: LG)
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sexta-feira, 28 de julho de 2023

Guiné 61/74 - P24513: Álbum fotográfico do Padre José Torres Neves, ex-alf graduado capelão, CCS/BCAÇ 2885 (Mansoa, 1969/71) - Parte XI: Cutia, imagens diversas do quotidiano da tabanca e destacamento


Guiné > Região do Oio > Sector 4 (Mansoa) > BCAÇ 2885 (Mansoa, 1969/71) > Capinagem (1)


Guiné > Região do Oio > Sector 4 (Mansoa) > BCAÇ 2885 (Mansoa, 1969/71) > Capinagem (2)

Guiné > Região do Oio > Sector 4 (Mansoa) >  BCAÇ 2885 (Mansoa, 1969/71) > Capinagem (3)

Guiné > Região do Oio > Sector 4 (Mansoa) > BCAÇ 2885 (Mansoa, 1969/71) > Capinagem (4)


Guiné > Região do Oio > Sector 4 (Mansoa) > BCAÇ 2885 (Mansoa, 1969/71) > A caminho do poço

Guiné > Região do Oio > Sector 4 (Mansoa) > BCAÇ 2885 (Mansoa, 1969/71) > Crianças no poço (1)

Guiné > Região do Oio > Sector 4 (Mansoa) > BCAÇ 2885 (Mansoa, 1969/71) > Crianças no poço (2)

Guiné > Região do Oio > Sector 4 (Mansoa) > BCAÇ 2885 (Mansoa, 1969/71) >  Discussão de mulheres no poço (1)


Guiné > Região do Oio > Sector 4 (Mansoa) > BCAÇ 2885 (Mansoa, 1969/71) >  Discussão de mulheres no poço (2)


Guiné > Região do Oio > Sector 4 (Mansoa) > BCAÇ 2885 (Mansoa, 1969/71) >   Messe e... posto escolar e militar (1)


Guiné > Região do Oio > Sector 4 (Mansoa) > BCAÇ 2885 (Mansoa, 1969/71) >   Messe e... posto escolar militar (1)


Guiné > Região do Oio > Sector 4 (Mansoa) > BCAÇ 2885 (Mansoa, 1969/71) > Estrada... e eira.

Guiné > Região do Oio > Sector 4 (Mansoa) > BCAÇ 2885 (Mansoa, 1969/71) > Destacamento e tabanca de Cutia > Imagens diversas do quotidiano da tabanca

Fotos (e legendas): © José Torres Neves (2023). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Continuação da publicação do álbum fotográfico do Padre José Torres Neves, ex-alf graduado capelão, CCS/BCAÇ 2885 (Mansoa, 1969/71). Desta vez tendo por tema o destacamento e a tabanca de Cutia, que ficava a meio caminho entre Mansoa e Mansabá. (*)

Estas são as fotos  de um quarto lote sobre Cutia. Temos mais de 35 referências a Cutia. O Jorge Picado tem aqui, no poste P2881, uma excelente descrição do destacamento e tabanca de Cutia do seu tempo (1970/72) (**).

Na altura, havia em Cutia um Pelotão da CCAÇ 2589 / BCAÇ 2855 (Mansoa, 1969/71) e ainda o Pel Caç Nat 61 (ou Pel Caç Nat 57) e ainda um Esquadrão de um Pelotão de Morteiros.

A oganização e a seleção das fotos são feitas pelo seu amigo e nosso camarada, o médico Ernestino Caniço, ex-alf mil cav, cmdt do Pel Rec Daimler 2208 (Mansabá e Mansoa), tendo passado depois pela Rep ACAP - Repartição de Assuntos Civis e Ação Psicológica, (Bissau) (Fev 1970/Dez 1971).

O José Torres Neves é missionário da Consolata, ainda no ativo. Vai fazer, em 2023, os 87 anos. Vive num país africano de língua oficial portuguesa. Esteve no CTIG, como capelão de 7/5/1969 a 3/3/1971. Estamos-lhe muito gratos pela sua generosa partilha.

As fotos (de um álbum com cerca de 200 imagens) estão a ser enviadas, não por ordem cronológica, mas por localidade, aquartelamentos ou destacamentos do sector de Mansoa.
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(**) Vd. poste de 24 de maio de 2008 > Guiné 63/74 - P2881: Estórias de Jorge Picado (2): Cutia, I Parte (Jorge Picado)

sexta-feira, 7 de julho de 2023

Guiné 61/74 - P24457: Recordando o Amadu Bailo Djaló (Bafatá, 1940 - Lisboa, 2015), um luso-guineense com duas pátrias amadas, um valoroso combatente, um homem sábio, um bom muçulmano - Parte XXXI: Na ocupação da península de Gampará, com a farda do PAIGC, a G3 e um maço de cigarros "Português Suave"... (pp. 207-211)


Guiné > Brá >  c. 1965/66 > Mulheres a trabalho na bolanha. (Foto do álbum de Virgínio Briote, 2005) (Foto reproduzida na pág. 208, do livro do Amadu Dajló)


Guiné > Brá > c. 1973 > Batalhão de Comando dos da Guiné > Tenente graduado 'cmd' Zacarias Saiegh, à direita do Major 'cmd' Raul Folques Foto reproduzida na pág. 210, do livro)



Capa do livro do Amadu Bailo Djaló,
"Guineense, Comando, Português: I Volume:
Comandos Africanos, 1964 - 1974",
Lisboa, Associação de Comandos,
2010, 229 pp, + fotos, edição esgotada.



O autor, em Bafatá, sua terra natal,
por volta de meados de 1966.
(Foto reproduzida no livro, na pág. 149)


Síntese das partes anteriores:

(i) o autor, nascido em Bafatá, de pais oriundos da Guiné Conacri, começou a recruta, como voluntário, em 4 de janeiro de 1962, no Centro de Instrução Militar (CIM) de Bolama;

(ii) esteve depois no CICA/BAC, em Bissau, onde tirou a especialidade de soldado condutor autorrodas;

(iii) passou por Bedanda, 4ª CCaç (futura CCAÇ 6), e depois Farim, 1ª CCAÇ (futura CCAÇ 3), como sold cond auto;

(iv) regressou entretanto à CCS/QG, e alistou-se no Gr Cmds "Os Fantasmas", comandado pelo alf mil 'cmd' Maurício Saraiva, de outubro de 1964 a maio de 1965;

(v) em junho de 1965, fez a escola de cabos em Bissau, foi promovido a 1º cabo condutor, em 2 de janeiro de 1966;

(vi) voltou aos Comandos do CTIG, integrando-se desta vez no Gr Cmds "Os Centuriões", do alf mil 'cmd' Luís Rainha e do 1º cabo 'cmd' Júlio Costa Abreu (que vive atualmente em Amesterdão);

(vii) depois da última saída do Grupo, Op Virgínia, 24/25 de abril de 1966, na fronteira do Senegal, Amadu foi transferido, a seu pedido, por razões familitares, para Bafatá, sua terra natal, para o BCAV 757;

(viii) ficou em Bafatá até final de 1969, altura em que foi selecionado para integrar a 1ª CCmds Africanos, que será comandada pelo seu amigo João Bacar Djaló (Cacine, Catió, 1929 - Tite, 1971)

(ix) depois da formação da companhia (que terminou em meados de 1970), o Amadu Djaló, com 30 anos, integra uma das unidades de elite do CTIG; a 1ª CCmds Africanos, em julho, vai para a região de Gabu, Bajocunda e Pirada, fazendo incursões no Senegal e em setembro anda por Paunca: aqui ouve as previsões agoirentas de um adivinho;

(x) em finais de outubro de 1970, começam os preparativos da invasão anfíbia de Conacri (Op Mar Verde, 22 de novembro de 1970), na qual ele participaçou, com toda 1ª CCmds, sob o comando do cap graduado comando João Bacar Jaló (pp. 168-183);

(xi) a narrativa é retomada depois do regresso de Conacri, por pouco tempo, a Fá Mandinga, em dezembro de 1970; a companhia é destacada para Cacine [3 pelotões para reforço temporário das guarnições de Gandembel e Guileje, entre dez 1970 e jan 1971]; Amadu Djaló estava de licença de casamento (15 dias), para logo a seguir ser ferido em Jababá Biafada, sector de Tite, em fevereiro de 1971;

(xii) supersticioso, ouve a "profecia" de um velho adivinho que tem "um recado de Deus (...) para dar ao capitão João Bacar Jaló"; este sonha com a sua própria morte, que vai ocorrer no sector de Tite, perto da tabanca de Jufá, em 16 de abril de 1971 (versão contada ao autor pelo soldado 'comando' Abdulai Djaló Cula, texto em itálico no livro, pp.192-195) ,

(xiii) é entretanto transferido para a 2ª CCmds Africanos, agora em formação; 1ª fase de instrução, em Fá Mandinga , sector L1, de 24 de abril a fins de julho de 1971.

(xiv) o final da instrução realizou.se no subsector do Xitole, regulado do Corunal, cim uma incursão ao mítico Galo Corubal.

(xv) com a 2ª CCmds, comandada por Zacarias Saiegh, participa, em outubro e novembro de 1971, participa em duas acções, uma na zona de Bissum Naga e outra na área de Farim;

(xvi) em novembro de 1971, participa na ocupação da península de Gampará (Op  Satélite Dourado, de 11 a 15, e Pérola Amarela, de 24 a 28).


1. Continuação da publicação das memórias do Amadu Djaló (Bafatá, 1940-Lisboa, 2015), a partir do manuscrito, digital, do seu livro "Guineense, Comando, Português: I Volume: Comandos Africanos, 1964 - 1974" (Lisboa, Associação de Comandos, 2010, 229 pp, + fotos, edição esgotada) (*).

O nosso  camarada e amigo Virgínio Briote, o editor literário ou "copydesk" desta obra,  facultou-nos uma cópia digital. O Amadu Djaló, membro da Tabanca Grande, desde 2010, tem cerca de nove dezenas de referências no nosso blogue.


Guiné > Região de Quínara > Carta de Fulacunda (1955) (Escala: 1/50 mil) : Posição relativa de Gampará, rios Geba e Corubal, tabancas de Braia e Cubajal, bem como Uaná Porto.

Infografia: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2023)


Recordando o Amadu Bailo Djaló (Bafatá, 1940 - Lisboa, 2015), um luso-guineense com duas pátrias amadas, um valoroso combatente, um homem sábio, um bom muçulmano:

Parte XXXI:  Na ocupação da península de Gampará, com a farda do PAIGC, a G3 e um maço de cigarros "Portuguès Suave"... 
(pp. 207-211)

Na segunda quinzena de novembro[1] fomos para Quinara, na altura em que estava a decorrer a ocupação da península de Gampará. Armados com o nosso material, G-3 e respectivos equipamentos e fardados com roupa idêntica à do PAIGC, tomámos um barco em Bissau e navegámos na direcção de Quinara. 

Quando chegámos a um local adequado, o barco encostou à margem e começámos a desembarcar, amarrados aos ramos das árvores. Depois de reagrupados começámos a progressão rumo ao objectivo.

O sol estava a pôr-se e passámos a noite ali perto. De manhã, logo que o dia começou a clarear, retomámos a progressão até atingirmos uma bolanha, onde vimos mulheres[2] a fazerem as últimas colheitas.

Dirigimo-nos a elas, que ficaram muito surpreendidas com a nossa chegada. Dissemos-lhes que éramos do PAIGC e que tínhamos recebido G-3, para confundir os tugas. E que nos estávamos a deslocar para as proximidades de Tite, para atacarmos o aquartelamento nessa noite ou na próxima. Pareceu-me que ficaram convencidas, não sei se todas, e por volta das 16h00 despedimo-nos delas.

Quando estávamos a abandonar o local recebemos uma mensagem para arranjarmos um local para pernoitarmos, mas numa zona onde pudéssemos ser retirados por helicópteros.

Escolhemos uma grande bolanha de lavra de arroz onde os helis podiam aterrar à vontade. Nessa madrugada adormeci por uns momentos e estava a sonhar que um avião, um Dakota, cheio de passageiros, se estava a dirigir na nossa direcção, a baixar, a baixar, até que acabou por cair com um grande estrondo. Gritei bem alto e acordei sobressaltado, com os companheiros a perguntarem o que estava a acontecer.

De manhã voltámos a encontrar as mulheres, que ficaram surpreendidas quando nos viram. Uma começou a falar muito à vontade connosco e, a certa altura perguntou-nos:

– Vocês não disseram ontem que iam atacar Tite?

O tenente Saiegh respondeu que tínhamos recebido ordem para esperarmos aqui nesta zona, que os aviões nos vinham buscar.

A mulher perguntou se os aviões podiam aterrar neste local. Que sim, que podiam, respondeu. No meio desta conversa, ouvimos o ruído de uma avioneta que pediu a nossa localização.

Localizados facilmente, pouco tempo depois chegaram os helis que pousaram na bolanha e não demorou muito estávamos todos no ar. Entregaram-nos novas cartas topográficas, a missão tinha sido alterada.

Fomos largados junto a uma tabanca, na roda do rio Geba. Andámos um pouco, cortámos à direita e entrámos num carreiro com muitas marcas de pegadas. Ia direito a Cubajal. No trajecto encontrámos um velhote que nos disse que ia para a tabanca, onde tínhamos acabado de ser largados, e que vinha de Cubajal.

Perguntámos-lhe se nos podia acompanhar. Respondeu que tinha medo de estar na tabanca, que um avião andava lá em cima desde manhã. Saiegh garantiu-lhe que não ia acontecer nada e ele foi connosco. Enquanto caminhávamos ia conversando com o velhote e a certa altura disse que era o chefe da tabanca de Cubajara, informação que transmiti ao Saiegh.

Quando chegámos reunimos a população da tabanca. Era muita gente. Dissemos-lhes que éramos do PAIGC, que já tínhamos G-3 para confundirmos os tugas. E que tínhamos a informação que Gampará tinha sido ocupada pela tropa. Responderam que sim, que tinha sido ocupada. Estava ali o chefe da tabanca de Gampará que se levantou para se apresentar.

Continuámos a reunião dizendo-lhes que tínhamos vindo com uma missão, falar sobre mantimentos.

 Vocês sabem perfeitamente que nada nos falta na República da Guiné-Conakry. Mas não podíamos trazer connosco tudo o que precisávamos, por isso, têm que ter paciência, tem que nos reabastecer durante o cumprimento da nossa missão.

Foi assim que nos dirigimos à população da tabanca de Cubajal.

Foram rápidos a responder. Que podíamos contar com eles, que tinham arroz em quantidade suficiente para sustentar todos os combatentes pela Liberdade da Pátria que passassem em Cubajal.

O tenente Saiegh voltou a tomar a palavra para dizer que brevemente o quartel de Gampará iria cair nas nossas mãos, do PAICG, claro. Quando acabou de falar começaram a ouvir-se palmas e de um momento para o outro toda a gente aplaudia. Foi uma salva de palmas da população para o comandante da 1ª companhia de Comandos. O almoço ficou pronto e convidaram-nos a comer à vontade.

Perguntei a um rapaz que estava próximo se todos os chefes das famílias estavam ali connosco. Não, havia, ali em frente, uma família, respondeu-me.

Peguei na minha arma, chamei um soldado para me acompanhar e fui ao encontro de um homem que estava a comer com os filhos ao lado. Depois dos cumprimentos e do convite para almoçarmos com eles, perguntou-me de onde tínhamos vindo.

– De Conakry  respondi.

– De Conakry, com G-3?

   É por isso mesmo – comecei a responder    que estamos a convocar reuniões para toda a população saber que nós também temos G-3 para confundir os tugas.

Ele levantou-se e disse aos filhos para continuarem a comer.

 
– Também podes continuar a comer à vontade    disse eu. 

Que não estava bem, via-se na cara e na expressão,  que estava desconfiado.

Eu estava a fumar um cigarro, um Português Suave, e ele pediu-me um. Meti-lhe um cigarro na boca para o acender mas ele disse que primeiro gostava de lavar a boca. Pegou no cigarro, virou-o até à marca e depois meteu-o na boca, abanando a cabeça. Peguei-lhe num braço, levei-o até ao local da reunião, mandei-o sentar-se ao pé de mim e disse-lhe que não fizesse qualquer sinal às outras pessoas da tabanca.

Um dizia que desde o começo da guerra nunca a tropa lá tinha posto os pés, que tinha havido um ataque da aviação que tinha causado apenas um ferido ligeiro. Outro dizia que Cubajal era um local sagrado. Estava toda a gente a falar quando vimos uma avioneta aproximar-se. Quando estava quase em cima de nós, com todos a olhar para o ar, alguns disseram que era melhor afastarmo-nos e escondermo-nos.

Então dissemos quem éramos. Que os aviões não lhes iam fazer mal. Uma pessoa perguntou se aquele, o Saiegh, que estava ali com um aparelho estava a falar com o avião.

   Está – respondeu alguém. – Nós somos dos Comandos da Guiné, que alguns de vocês chamam criminosos. Estivemos convosco de manhã até agora, não matámos nem batemos em ninguém. Se formos atacados respondemos, isso é verdade. Quando há guerra é assim e tem que ser encarada com seriedade, não é brincadeira.

Toda a gente da tabanca estava surpreendida, menos um, o que eu tinha ido buscar. Ele sabia perfeitamente que não éramos do PAIGC.
Não falou nem uma vez, manteve-se sempre calado. Quando uma pessoa se levantou para falar, reparei que o homem fixava o olhar no orador, como se quisesse fazer um sinal, mas eu também nunca tirei os olhos dele. O erro do Português Suave não me saía da cabeça.



Português Suave" é uma marca de cigarros portuguesa, produzida e comercializada pela Tabaqueira a partir de 1929,, tendo passado a pertencente ao grupo Philip Morris International, desde 1997.  A imagem que se reproduz deve ser de 1975 ou data posterior, quando a Tabaqueria era E.P. (Cortesia da página, de Iana Peiu (Paris) >  "Peiuana", 23 de dezembro de 2013)

A reunião terminou com a avioneta em cima de nós. Foi-nos dada ordem de abandonarmos o local e levar connosco os chefes das tabancas de Cubajal e Gampará para a tabanca de Braia, que ficava junto ao rio, a cerca de uma hora de marcha. Ficámos com eles em nosso poder até de manhã. Depois demos a cada um cerca de 50 folhas de tabaco e um quilo de noz de cola e mandámo-los embora, de regresso a Cubajal.

Cerca de uma hora mais tarde recebemos ordem para nos dirigirmos para o porto de Uanazinho. Uma marcha de um dia inteiro, sem nada para comer. Tínhamos começado a andar às 08h00 da manhã e chegámos por volta das 18h30. Depois de ter comunicado a nossa chegada, o tenente Saiegh recebeu ordem para seguirmos para Gampará.

Dormimos um pouco, iniciámos a caminhada às 06h00 até que, por volta das 10h00, encontrámos uma tabanca com muitas cabras amarradas. Saiegh deu instruções para reunir a população da tabanca e para um grupo ficar de vigilância. Deu também ordem para se matarem três cabras, para as assarmos, porque já não víamos comida há muitas horas.

Na caminhada de regresso vimos manchas de sangue no caminho. Era sangue de páras que por ali tinham passado, viemos a saber depois. Nessa mesma operação tinham acabado de passar por ali, mesmo antes de nós. Já traziam um ferido e um deles pisou uma mina, que atingiu mais dois companheiros. (**)

Em Gampará soube que em vez de três tinham sido mortas quatro cabras, embora só nos tivessem apresentado três. A outra, pelo que vim a saber, era para levarem para Bissau. Mandei chamar o soldado e dei-lhe ordem para me trazer a cabra. Nem disse uma palavra, foi buscá-la e trouxe-a inteira.

Perguntei aos soldados o que é que pretendiam que se fizesse à cabra. Cozinhá-la, responderam. Que um tinha arroz e outro óleo de palma, acrescentou outro.

Dirigi-me em seguida para o aquartelamento e fui procurar o Saiegh para saber o que íamos fazer a seguir. Regressar a casa, missão terminada. Amanhã vem um barco que nos vai levar de regresso.

Avisei os meus soldados e aproveitei para lhes dizer que podemos roubar para matar a fome, não para levar para casa. Roubar e levar para casa é um crime e um mau vício.

Antes de embarcarmos, chegou um heli com o General Spínola. À frente da nossa companhia e da dos páras fez um pequeno discurso.
_____________

Notas do autor e/ou editor literário:

[1] Nota do editor: as CCmds participaram nas operações da instalação do COP7 na península de Gampará, designadamente a “Satélite Dourado”, entre 11/15Nov71, e a “Pérola Amarela”, entre 24 e 28 Novembro 1971. 

A criação do Comando Operacional nº 7, em 24/11/1971, tinha como finalidade concretização a execução de um reordenamento da população de Ganjauará / península de Gampará, e limitar a atividade IN na região de Quínara. (Nota do editor LG)

[2] Biafadas.

[Seleção / Revisão e fixação de texto / Subtítulo / Negritos: LG]
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Notas do editor:

(*) Último poste da série > 19 de junho de 2023 > Guiné 61/74 - P24414: Recordando o Amadu Bailo Djaló (Bafatá, 1940 - Lisboa, 2015), um luso-guineense com duas pátrias amadas, um valoroso combatente, um homem sábio, um bom muçulmano; Parte XXX: A guerra pela população (pp. 204-206)

(**) O Amadu Djaló não terá feito confusão com outra data ?

Vd. poste de 21 de fevereiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1540: Os pára-quedistas também choram: Operação Pato Azul ou a tragédia de Gampará, em 4 de Março de 1972 (Victor Tavares, CCP 121)

(...) Desta tragédia para a família pára-quedista, que jamais esquecerá este dia , resultaram:

(i) seis mortes, Alf Mil Paraquedista Abreu, Furriel Pára-quedista Cardiga Pinto, PCB/Pára-quedista 47/68 Santos , PCB/Pára-quedista 129/69 Almeida , Sol/Pára-quedista 318/69 Jesus , PCB/Pára-quedista 412/69 Sousa;

(ii) 2 feridos graves e nove com menos gravidade , Furriel Pára-quedista Casalta (Comandante da 1ª secção do 2º Pelotão) , Sol Pára-quedista Inês (evacuado para a metrópole ), Ferreira , Tavares, Ventura, e 1º Cabo Pára-quedista Figueiredo, todos do 2º Pelotão, e o Sold Pára-quedista Salgado - Estilhaço de alcunha - do 1º Pelotão, faltando três por identificar pois, passado todos estes anos, já não me recordo, e ficará para sempre uma saudade enorme D’AQUELES EM QUEM PODER NÃO TEVE A MORTE. (...) 

terça-feira, 13 de junho de 2023

Guiné 61/74 - P24394: Recordando o Amadu Bailo Djaló (Bafatá, 1940 - Lisboa, 2015), um luso-guineense com duas pátrias amadas, um valoroso combatente, um homem sábio, um bom muçulmano - Parte XXIX Na 1ª fase da instrução da 2ª CCmds Africanos, fomos atacados em Candamã como se fôssemos do PAIGC...


Guiné > Zona Leste > Região de Bafatá  > Sector L1 (Bambadinca) > Carta do Xime (1961) (1/50 mil) > Excerto > A posição relativa de parte dos subsectores de Mansambo e Xime, com destaque para a península de Galo Corubal - Satecuta - Seco Braima (ou Darsalame), na margem direita do Rio Corubal, à direita da estrada Mansambo - Ponte do Rio Jagarajá - Ponte dos Fulas - Xitole... 

Da ponte do Rio Jagarajá até Satecuta, junto ao Rio Corubal não são mais do que 8 quilómetros em linha recta... Em geral, as NT  iam uma vez por ano a esta península, na época seca, e com efectivos entre 200 a 250 homens (3 destacamentos, ou seja,  a nível de batalhão ), além de apoio da FAP e da artilharia (Mansambo, o obus 10.5).

Ao tempo do BART 2917 (Bambadinca, 1979/72),  a população controlada pelo IN, no Sector L1,  era estimada   em "5400 pessoas na sua maioria de etnia Balanta, Beafada ou Mandinga", dividida pelos seguintes núcleos:

(i)  1900, a NW do Sector espalhada pelos Regulados do Enxalé e Cuor;  

(ii) 2000, no Regulado do Xime, ao longo do Rio Corunbal e a sul da Ponta do Inglês;  

(iii) 1500, no Regulado do Corubal, ao longo deste rio e para jusante da foz do Rio Pulon

Infografia: Blogiue Luís Graça & Camaradaas da Guiné (2011)


1. Continuação da publicação das memórias do 
Amadu Djaló (Bafatá, 1940-Lisboa, 2015), a partir do manuscrito, digital, do seu livro "Guineense, Comando, Português: I Volume: Comandos Africanos, 1964 - 1974" (Lisboa, Associação de Comandos, 2010, 229 pp, + fotos, edição esgotada) (*).

O nosso  camarada e amigo Virgínio Briote, o editor literário ou "copydesk" desta obra,  facultou-nos uma cópia digital. O Amadu Djaló, membro da Tabanca Grande, desde 2010, tem cerca de nove dezenas de referências no nosso blogue.



Capa do livro do Amadu Bailo Djaló,
"Guineense, Comando, Português: I Volume:
Comandos Africanos, 1964 - 1974",
Lisboa, Associação de Comandos,
2010, 229 pp, + fotos, edição esgotada.


O autor, em Bafatá, sua terra natal,
por volta de meados de 1966.
(Foto reproduzida no livro, na pág. 149


Síntese das partes anteriores:

(i) o autor, nascido em Bafatá, de pais oriundos da Guiné Conacri, começou a recruta, como voluntário, em 4 de janeiro de 1962, no Centro de Instrução Militar (CIM) de Bolama;

(ii) esteve depois no CICA/BAC, em Bissau, onde tirou a especialidade de soldado condutor autorrodas;

(iii) passou por Bedanda, 4ª CCaç (futura CCAÇ 6), e depois Farim, 1ª CCAÇ (futura CCAÇ 3), como sold cond auto;

(iv) regressou entretanto à CCS/QG, e alistou-se no Gr Cmds "Os Fantasmas", comandado pelo alf mil 'cmd' Maurício Saraiva, de outubro de 1964 a maio de 1965;

(v) em junho de 1965, fez a escola de cabos em Bissau, foi promovido a 1º cabo condutor, em 2 de janeiro de 1966;

(vi) voltou aos Comandos do CTIG, integrando-se desta vez no Gr Cmds "Os Centuriões", do alf mil 'cmd' Luís Rainha e do 1º cabo 'cmd' Júlio Costa Abreu (que vive atualmente em Amesterdão);

(vii) depois da última saída do Grupo, Op Virgínia, 24/25 de abril de 1966, na fronteira do Senegal, Amadu foi transferido, a seu pedido, por razões familitares, para Bafatá, sua terra natal, para o BCAV 757;

(viii) ficou em Bafatá até final de 1969, altura em que foi selecionado para integrar a 1ª CCmds Africanos, que será comandada pelo seu amigo João Bacar Djaló (Cacine, Catió, 1929 - Tite, 1971)

(ix) depois da formação da companhia (que terminou em meados de 1970), o Amadu Djaló, com 30 anos, integra uma das unidades de elite do CTIG; a 1ª CCmds Africanos, em julho, vai para a região de Gabu, Bajocunda e Pirada, fazendo incursões no Senegal e em setembro anda por Paunca: aqui ouve as previsões agoirentas de um adivinho;

(x) em finais de outubro de 1970, começam os preparativos da invasão anfíbia de Conacri (Op Mar Verde, 22 de novembro de 1970), na qual ele participaçou, com toda 1ª CCmds, sob o comando do cap graduado comando João Bacar Jaló (pp. 168-183);

(xi) a narrativa é retomada depois do regresso de Conacri, por pouco tempo, a Fá Mandinga, em dezembro de 1970; a companhia é destacada para Cacine [3 pelotões para reforço temporário das guarnições de Gandembel e Guileje, entre dez 1970 e jan 1971]; Amadu Djaló estava de licença de casamento (15 dias), para logo a seguir ser ferido em Jababá Biafada, sector de Tite, em fevereiro de 1971;

(xii) supersticioso, ouve a "profecia" de um velho adivinho que tem "um recado de Deus (...) para dar ao capitão João Bacar Jaló"; este sonha com a sua própria morte, que vai ocorrer no sector de Tite, perto da tabanca de Jufá, em 16 de abril de 1971 (versão contada ao autor pelo soldado 'comando' Abdulai Djaló Cula, texto em itálico no livro, pp.192-195) ,

(xiii) é entretanto transferido para a 2ª CCmds Africanos, agora em formação; 1ª fase de instrução, em Fá Mandinga , sector L1, de 24 de abril a fins de julho de 1971.

(xiv) o final da instrução realizou.se no subsector do Xitole, regulado do Corunal, cim uma incursão ao mítico Galo Corubal.


Recordando o Amadu Bailo Djaló (Bafatá, 1940 - Lisboa, 2015), um luso-guineense com duas pátrias amadas, um valoroso combatente, um homem sábio, um bom muçulmano; 

Parte XXIX:  fase final da instruçáo da 2ª CCmds Africanos, com uma incursão  ao mítico Galo Corubal


Três grupos, o meu, o do Sada Candé e o do Carolino Barbosa. A minha missão era ir ao objectivo e os outros dois iam para outros locais, na mesma zona.

Em Galo Corubal, não havia companhia que lá entrasse que não pedisse apoio na retirada. Na reunião antes da saída,  um capitão, que já lá tinha ido três ou quatro vezes, recomendou-me que levasse, pelo menos, um guia. Um major ou um tenente-coronel, já não me lembro da patente, que estava a dirigir a reunião, não quis ouvir o capitão, não sei porquê.

–  É o grupo dele que vai, nosso capitão  cortou o major ou tenente-coronel.

Saímos da reunião com a decisão do meu grupo ir ao objectivo, enquanto os outros dois se emboscavam no outro lado do mesmo local.

Partimos em viaturas até Jagraje 
[erro: trata-se de Jagarajá [1], apeámo-nos, e o meu grupo seguiu à beira do ribeiro de Jagraje  [rio agarajá],  voltado para poente, até ao local onde desagua no Corubal [2]. Aí voltámos à esquerda e seguimos junto ao Corubal, até a uma linha de água que vem de cima, em frente à tabanca abandonada de Galo Corubal. 

Daqui, sempre junto à linha de água fomos dar a um local, que me pareceu suspeito. Tinha uma mata redonda com um grupo de palmeiras misturadas com outras árvores frondosas. Dentro dessa mata não se devia ver o sol e qualquer pessoa tinha forçosamente que pensar que a mata devia albergar a guerrilha.

Continuámos até lá e, quando chegámos, resolvemos esperar a avioneta e aguardar instruções. Procedi conforme a carta topográfica. Entre as 13 e as 14h00, surgiu a Dornier a pedir a nossa localização. Respondi que tinham acabado de passar por cima de nós.

Que estendêssemos uma tela, foi a ordem. O capim estava quase do dobro da minha altura. Tivemos que partir capim e fazer um pequeno campo, para podermos estender a tela. No objectivo, nem mais e nem menos.

– Já vi tela, já vi tela  ouvimos da avioneta.

Deram-nos ordem para seguir a trajectória da Dornier e que do PCV iam contactar o nosso bigrupo para entrarem em contacto comigo, a fim de combinarmos o mesmo local para passar a noite.

A avioneta baixou e voou em direcção a leste. Não esperei, segui na trajectória indicada e ouvi a chamada para o bigrupo entrar em contacto comigo. Quando acabaram de falar, o bigrupo chamou-me pela rádio, andámos uns minutos e voltámos a contactar. Esta alegria não durou muito, falámos pouco tempo, porque deixaram de responder às minhas chamadas.

Agora, a minha preocupação era evitar qualquer contacto com o IN. Já era tarde, passavam das 16h30. Se tivéssemos algum ferido, não havia possibilidade de o evacuar. Tinha que sair daquele local e dirigir-me para outro lado, onde o meu grupo pudesse retirar com mais segurança, se houvesse contacto com a guerrilha.

Caminhámos das 17 às 18h30 na direcção ao outro lado da estrada que ligava Bambadinca ao Xitole. Fizemos um alto, o céu estava muito escuro e víamos relâmpagos a cruzar o céu e logo a seguir o barulho de trovoada. A chuva caiu torrencialmente durante mais de duas horas. Quando parou, mudámos de local e passámos para uma área onde só havia capim. Foi aqui que passámos o resto da noite.

Quando estávamos a mudar de local, eram para aí 23h00, comecei a pensar que esta saída estava contra mim, não sabia o que era. Sabia sim, é que em Galo Corubal, qualquer companhia que entrasse, não conseguia sair sem auxílio.

Como é que o meu grupo vai sair sozinho daqui? Como é que me mandaram para aqui, com soldados no final do curso, que ainda não tinham tido prova de fogo? Eu tinha confiança neles, mas faltava-lhes experiência de combate. Quando estávamos a sair daquele local,  recomendei o máximo silêncio.

Tinha havido movimento das viaturas na estrada, quando nos levaram e depois quando regressaram, e ninguém podia deixar de ter ouvido o ruído de tantos motores. Claro que o IN sabia que havia tropa na zona.

Ainda por cima, a avioneta que andou a sobrevoar a zona de Galo Corubal, durante largos minutos, dava-lhes a certeza de que tropa andava por ali. 

Por isso, pensei que era melhor mudar de local, para o lado da estrada, porque ali era mais fácil o meu grupo retirar, no caso de haver confronto. De apoio não estava à espera, ninguém voltou a responder às minhas chamadas, nem ninguém mais voltou a contactar-me.

A saída correu bem. Os meus Comandos estavam bem preparados. Durante o trajecto, caminharam sem ruído, embora o piso estivesse molhado. Nem os macacos.cães assinalaram a nossa presença. A melhor arma é o silêncio e a disciplina é decisiva nestas missões.

Mantive-me com o grupo no local até de manhã. A partir das 06h00, comecei a chamar o bigrupo. Tentei várias vezes, sempre sem resposta. Mudámos para outro local, onde dava o sol, para nos aquecermos. A partir das 07h00, voltei a chamar, tentei todos os indicativos, Bambadinca, Xime, Fá Mandinga, Xitole. Nada, nenhuma resposta.

Depois de muitas tentativas, respondeu-me um posto, mas como eu desconhecia o indicativo dele, não o tinha contactado antes. Fiquei a saber que era de um destacamento[3] no rio Pulon, que mantinha a segurança à ponte. Disseram que nos tinham ouvido na tarde anterior, quando fiz várias tentativas para entrar em contacto com a companhia a que eles pertenciam e que era por isso que estavam agora a tentar entrar em contacto comigo. Perguntavam quem eu era. Respondi que era uma patrulha de combate e dei o indicativo do batalhão[4] de Bambadinca.

– Mantenha-se em escuta, vamos contactar para o batalhão para entrar em ligação consigo.

Soube depois, que o destacamento contactou o batalhão em Bambadinca e que este tinha dito que não me conseguiam contactar desde a tarde do dia anterior.

Finalmente, o batalhão ligou. Perguntei pelos outros companheiros e a resposta que ouvi foi que não sabiam nada deles. Pediram para me manter em escuta, enquanto iam tentar contactá-los. Depois de conseguida a ligação, o bigrupo chamou-nos e, confirmado o indicativo, estabelecemos o contacto rádio.

Andavam perto de nós, a uma distância entre os 300 e os 400 metros. Estávamos em contacto através dos rádios Racal e eu pedi para mudarmos para o AVP 1. Ouvíamos muito bem. Pedi que disparassem um tiro para o ar, para facilitar a localização e respondemos também com um tiro. Depois foi fácil encontrarmo-nos. Juntos iniciámos a retirada, em direcção à estrada para Bambadinca. Depois, já não houve história para contar.

Apanhámos as viaturas, que vinham ao nosso encontro e, pouco tempo depois, estávamos no nosso aquartelamento de Fá Mandinga.
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Notas do autor ou do editor literário:

[1] Nota do editor: no itinerário entre Mansambo e o Xitole.

[2] Corubal foi o nome que os fulas lhe deram. Os Futa-Fulas chamam-lhe Coli.

[3] Nota do editor: da CArt 2714.

[4] Nota do editor: BArt 2917.

[Seleção / Revisão e fixação de texto /  Subtítulo / Parentes retos com notas:  LG]
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sexta-feira, 13 de janeiro de 2023

Guiné 61/74 - P23977: "Una rivoluzione...fotogenica" (6): Roel Coutinho, médico neerlandês, de origem portuguesa sefardita, cooperante, que esteve ao lado do PAIGC, em 1973/74 - Parte V: os "hospitais" do mato e o pessoal de saúde cubano

 

Guiné-Bissau > Região do Oio > Sara > Março-abril de 1974 > Médico do PAIGC,  cubano, o dr. António,  auscultando uma idosa/ Foto: ASC Leiden - Coutinho Collection - B 17 - Infirmary in Sara, Guinea-Bissau - Cuban doctor Antonio checking up heartbeat - 1974 (Nesta altura havia mais um cirurgião e um enfermeiro cubanos, cujos nomes não são conyecidos, na base de Sara, para além do dr. António, de apelido também desconhecido.)



Guiné-Bissau > Região do Oio > Sara > Março-abril de 1974 > Médico do PAIGC,  cubano, o dr. António auscultando uma criança ao colo da mãe  / Foto: ASC Leiden - Coutinho Collection - B 18 - Infirmary in Sara, Guinea-Bissau - Cuban doctor Antonio checking up heartbeat - 1974



Guiné-Bissau > Região do Oio > Sara > Março-abril de 1974 > Médico do PAIGC,  cubano, o dr. António auscultando uma rapariga / Foto ASC Leiden - Coutinho Collection - B 20 - Infirmary in Sara, Guinea-Bissau - Heartbeat check up by doctor Antonio - 1974



Guiné-Bissau > Região do Oio > Sara > Março-abril de 1974 > Médico do PAIGC, cubano, o dr. António,  auscultando uma jovem mulher / Foto: ASC Leiden - Coutinho Collection - B 21 - Infirmary in Sara, Guinea-Bissau - Heartbeat check up by doctor Antonio - 1974



Guiné-Bissau > Região do Oio > Sara > Março-abril de 1974 > Médico do PAIGC, cubano, o dr. António,  falando doentes, sempre na presença de um intérpetre (ao centro)  / Foto: ASC Leiden - Coutinho Collection - B 22 - Infirmary in Sara, Guinea-Bissau - Heartbeat check up by doctor Antonio - 1974.



Guiné-Bissau > Região do Oio > Sara > Março-abril de 1974 > PAIGC: uma enfermaria no mato.  Doenets acamados.  / Foto: ASC Leiden - Coutinho Collection - B 14 - Infirmary in Sara, Guinea-Bissau - Patients in infirmary - 1974



Guiné-Bissau > Região do Oio > Sara > Março-abril de 1974 > PAIGC: uma enfermaria no mato. Cama com rede mosquiteira. / Foto : ASC Leiden - Coutinho Collection - B 16 - Infirmary in Sara, Guinea-Bissau - Patients in infirmary - 1974



G
uiné-Bissau > Região do Oio > Sara > Março-abril de 1974 >: PAIGC: Enfermaria ou posto médico : "sala de espera" ao ar livre / Foto: ASC Leiden - Coutinho Collection - B 19 - Infirmary in Sara, Guinea-Bissau - “Waiting room” - 1974






Fonte: Wikimedia Commons > Guinea-Bissau and Senegal_1973-1974 (Coutinho Collection) (Com a devida vénia...) . Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2023)


1. O PAIGC munca controlou 2/3 do território da antiga Guiné Portuguesa, na altura da luta armada pela independência. Foi um mito habilmente fabricado e explorado por Amílcar Cabral.   Nem nunca teve "hospitais" no interior do território, em zonas como a base de Sara, a sudeste do Morés e a nordeste de Mansoa. Teve, isso sim, pequenas enfermarias do mato, guarnecidas por um ou outro médico cubano e enfermeira local, formada "ad hoc"... As condições de higiene, segurança, assepsia e antissepsia, eram deploráveis. Fazia-se, excecionalmente, alguma pequena cirurgia ambulatória (sem banco de sangue, anestesia geral,  gerador elétrico, ou simples material  para desinfeção e esterilização, ou até simples água potável, etc.) e consultas, "públicas", de clínica geral, como as fotos de Roel Coutinho (*) documentam. 

O médico holandês deve ter passado por aqui  algumas semanas, pelo menos fotografou os seus colegas cubanos a trabalhar em condições inacreditáveis...  O arsenal terapêutico era extremamente rudimentar. Em casos mais graves mas excecionais,  os doentes podiam ser  transportados até à fronteira do Senegal, de padiola (operação que levava 4 dias), e depois   em viatura automóvel até ao hospital de Ziguinchor.

Estas fotos também fazem, de algum modo, parte daquilo a que chamos uma "estética da guerra de libertação"... A saúde, a educação, os "armazéns do povo", etc., foram temas bastante focados pelos fotojornalistas e outros visitantes das "regiões libertadas" do PAIGC (***)... 

Sabemos, de resto, que "não há revoluções sem propaganda".  Sem mitos, rituais,  "folclore", "mentiras piedosas",  etc.  Mas, no caso do médico Roel Coutinho, acreditamos na sua boa fé. As suas fotos (mais de 700) pretendem documentar uma realidade, exótica para ele, mas sobre a qual não parece fazer juízos de valor. As suas fotos só foram doadas à ASC Leiden e tornadas públicas na Net quando a "revolução...fotogénica" de Amílcar Cabral e do seu PAIGC já há muito tinha passado de moda...


2. Já aqui transcrevemos em tempos o depoimento de um médico-cirurgião cubano,  Domingo Diaz Delgado (n.1936), respeitante à sua  passagem, no segundo semestre de 1966, pelas bases de Sambuiá, Maqué, Morés e Sará, na Frente Norte (**).



[…] "Luís Cabral levou-me até Ziguinchor. Aí permaneci dois ou três dias, tendo-me encontrado com os chefes militares mais importantes que actuavam no Norte da Guiné, entre eles Osvaldo Vieira (1938-1974) porque, como era o primeiro cubano que ali chegava, estavam à minha espera.

Despediram-se de mim [6 de julho de 1966] e saí com um grupo de combatentes. Era noite quando cruzei a fronteira por essa zona escoltado por uns quantos. A caminhada, feita por um terreno acidentado, para mim foi terrível. Demorei quatro a cinco horas até chegar à primeira base guerrilheira que se chamava Sambuiá. Passei a noite nessa base, já com os pés bastante maltratados.

Essa caminhada que fiz em quatro ou cinco horas, quando regressei fi-la em cinquenta minutos, porque tinha menos trinta quilos e levava já um ano caminhando naquele terreno.

Passada a noite nesse lugar, de madrugada retomámos a caminhada até à próxima base da guerrilha, penetrando profundamente no território da Guiné (Bissau).

À volta de quarenta minutos caminhámos com uma vegetação que nos protegia da aviação, mas para alcançar o rio Farim, que teríamos de atravessar para chegar à base de Maqué, faltava ainda percorrer sete quilómetros muito planos, e sem qualquer protecção natural".

(...) "Pouco habituado a estas tarefas, caminhava lentamente face ao estado em que estavam os meus pés e todo o corpo. O meu estado de desespero também começou a dar sinais e que não me deixava ficar tranquilo, e não dava conta que olhavam para o céu, uma vez que naquele lugar os helicópteros armados e os jactos (aviões de guerra), metralhavam e matavam quem fosse detectado. Os guerrilheiros estavam desesperados porque tinham que zelar pela minha segurança, pois era o primeiro médico que ali chegava.

Finalmente chegámos ao rio Farim, onde o abundante caudal tornava difícil a sua travessia nas pequenas canoas que eles fabricavam com troncos de árvores. Atravessámos o rio e chegámos pela noite à base de Maqué, onde levava dois dias a andar e estava bastante mal.

No trajecto tivemos de beber água em más condições. Ali a água potável era a dos rios, e eles habituaram-se a fazer uns buracos na terra, bem localizados e escondidos para encherem quando chovia. Ao longo do itinerário realizado sabiam onde tinham os buracos para tirar a água com terra e era a que, a partir desse momento, comecei a beber.

Como era o primeiro grupo cubano na Guiné (Bissau), não tínhamos antecedentes. Quando cheguei à base de Maqué já as diarreias começavam a fazer estragos, mas nem por isso deixámos de comer o que encontrávamos pelo caminho. No dia seguinte, antes de amanhecer, reiniciámos a caminhada, avançando pelo país até alcançar a base de Morés. Nesse lugar estivemos um dia, seguindo, depois, uma nova caminhada até chegar à base onde permaneci cerca de seis meses: Sará". […]





Guiné - Bisssu > Região do Oio > Base de Sará > 1966 > Cubanos:  da esquerda para a direita, o instrutor militar tenente Alfonso Pérez Morales (Pina); o ortopedista Tendy Ojeda Suárez; o cirurgião Domingo Diaz Delgado e o médico de clínica-geral Pedro Labarrere. (In: Hedelberto López Blanchi - "Historias Secretas de Médicos Cubanos", La Habana, Ediciones "La Memoria", Centro Cultural "Pablo de la Torriente Brau", 2005, 237 pp. Com a devida vénia...)

Acrescente-se que o Domingo Dias Delgado, nome de guerra Demétrio (passou dois anos na Guiné=, escreveu ainda recentemente um livro de memórias (2018): "Memorias de Demetrio : un médico guerrillero en Guinea Bissau" (La Habana, Cuba : Editorial Capitán San Luis, 2018, 189 pp,, + ilustrações)




(...) "A base de Sará estava praticamente no centro do território. Aqui já estavam dois companheiros médicos do meu grupo, dos três que saíram de Cuba em avião, o ortopedista Teudi Ojeda e o médico Pedro Labarrere, e os três fomos os únicos que naquele tempo [1966] estivemos na Zona Norte. De Sará, estávamos a quatro dias de distância da fronteira [Senegal] e não era fácil transportar coisas para lá.

Tínhamos um pequeno arsenal de medicamentos, instrumentos cirúrgicos, mas muito rudimentar, para resolver problemas que se apresentassem naquele tipo de conflito. A possibilidade de enviar feridos até à fronteira era muito escassa, pela distância e a maneira de os transportar, e a forma como se movimentava o inimigo.

O acampamento mudava de lugar em certas ocasiões, pois apesar de que nesse tempo era uma base guerrilheira, não se podia permanecer fixo e havia que mudá-lo constantemente para maior segurança. Chegou o momento em que detectaram a base, e a aviação a atacou e a metralhou em várias ocasiões.

De qualquer maneira, nós permanecemos cerca de seis meses nessa base [até dezembro de 66] e depois de vários bombardeamentos vimo-nos na obrigação de mudar o hospital [enfermaria no mato] para outro lugar que ficava a hora e meia dessa base". […]




Mapa da Frente Norte – região do Oio – assinalando-se as bases por onde passou o médico Domingo Diaz Delgado, no 2º semestre de 1966: Sambuiá, Maqué, Morés, Sará.

Infografia: Jorge Araújo (2018)



Guiné > PAIGC > 1970 > Algures, numa "área libertada" >  "Dzsungel lakók", em húngaro, gente do mato...  A guerra de libertação teve muito pouco de romântico. Os militares portugueses que combateram o PAIGC na Guiné, sabem quão duras eram as condições de vida, tanto dos seus combatentes como da população sob o seu controlo, dentro das fronteiras do território da antiga província portuguesa da Guiné ... A foto é do fotojornalista húngaro Bara István (n. 1942) que visitou, a partir de Conacri, algumas dessas regiões, no sul, em 1970, embebbed nas fileiras do PAIGC.

Foto: Foto Bara (http://www.fotobara.hu/galeria.htm)  
(já não está disponível "on line", a não ser no Arquivo.pt: https://arquivo.pt/wayback/20090707123742/http://www.fotobara.hu/galeria.htm)


3. Escreveu o António Graça de Abreu ("Diário da Guiné: Lama, Sangue e Água Pura". Lisboa: Guerra e Paz, Editores, SA, 2007, p. 94):

Mansoa, 3 de Maio de 1973

Na região de Mansoa, as NT capturam mais elementos IN, ou aparentados com os guerrilheiros, do que em Canchungo. Normalmente chegam ao nosso CAOP com um aspecto lastimável, a subnutrição, as doenças, a miséria têm tomado conta deste pobre povo que vive nas regiões libertadas.

Os prisioneiros são quase sempre mulheres que se deslocam às povoações controladas pelas NT, a fim de venderem por exemplo mancarra (amendoim), óleo ou vinho de palma, e são capturadas nas estradas ou nos caminhos em volta dos nossos aquartelamentos.

Chegam descalças, andrajosas, às vezes com filhos pequenos às costas a chupar os peitos secos e mirrados. Dói, só de olhar. 

São interrogadas, é-lhes pedido todo o tipo de informações sobre os acampamentos, o armamento, as aldeias controladas pelo IN onde vivem os seus maridos, os seus familiares. 

Como é natural, estas mulheres falam muito pouco e também magoa o coração ver como são tratadas. É minha tarefa comprar-lhes uns trapinhos novos para tapar o corpo, umas sandálias de plástico para protegerem os pés.

Também se capturam elementos IN dos sexo masculino. Há dias um deles, que gozava de um regime de semi-liberdade, foi apanhado a fugir do quartel, já do outro lado do arame farpado, Deu a desculpa de que ia cagar.

Alguns prisioneiros são utilizados como guias nas operações das NT contra os santuários IN. Quando começa o tiroteiro, têm o hábito de escapar e de se refugiar na mata, por isso, às vezes seguem à frente das NT levando uma corda grande amarrada em volta da cintura. Se tentam a fuga,  procurando desligar-se da corda, são por norma abatidos.(...)

(Seleção e negritos: LG)

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(***) Vd. poste de 4 de janeiro de 2023 > Guiné 61/74 - P23947: "Una rivoluzione... fotogenica" (1): Uma reportagem e um livro decisivos, e que consagram a estética da "guerra de libertação", "Guinea-Bissau: una rivoluzione africana" (Milano, Vangelista, 1970, 200 pp.), dos italianos Bruno Crimi (1940-2006) e Uliano Lucas (n. 1942)