Mostrar mensagens com a etiqueta questões politicamente (in)correctas. Mostrar todas as mensagens
Mostrar mensagens com a etiqueta questões politicamente (in)correctas. Mostrar todas as mensagens

terça-feira, 8 de agosto de 2023

Guiné 61/74 - P24539: Questões politicamente (in)correctas (58): Ainda a própósito do eventual recurso ao "trabalho forçado" (teoricamente abolido em 1961, por Adriano Moreira) (Cherno Baldé)



Guiné > Zona Leste > Região de Bafatá > Sector L1 (Bambadinca) > Mansambo > CART 2339> Março / Maio de 1969 > Op Cabeça Rapada I.

Foto do álbum do Albano Gomes, que vive em Chaves, e que foi 1.º cabo op cripto, CART 2339 (Mansambo, 1968/69).

Foto (e legenda): © Albano Gomes (2008). Todos os direitos reservados.  [Edição e legendagem complemementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



Guiné > Zona Leste > Região de Bafatá > Sector L1 (Bambadinca) > Mansambo > CART 2339> Março / Maio de 1969 > Op Cabeça Rapada I > Milhares de nativos  (c. 7 mil) são requisitados pela administração do concelho de Bafatá para capinar a estrada de Bambadinca - Mansambo - Xitole (cerca de 30 km), de um lado e de outro, numa faixa (variável) de 100 a 200 metros.

Fotos do álbum de Torcato Mendonça (ex-alf mil, CART 2339, Mansambo, 1968/69) (1944-2021)

Fotos (e legendas): © Torcato Mendonça (2007). Todos os direitos reservados.  [Edição e legendagem complemementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



Guiné > Região do Oio > Sector 4 (Mansoa) >  BCAÇ 2885 (Mansoa, 1969/71) > Capinagem  

Foto (e legenda): © José Torres Neves (2023). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. É mais uma questão "politicamente incorreta" (*), aqui levantada pelo nosso arguto, sagaz e frontal  Cherno Baldé, a propósito do trabalho de capinagem ou desmatação (**): era ou não, "de jure et de facto", "trabalho forçado", teoricamente abolido em 1961 nas províncias ultramarinas portuguesas, no âmbito das reformas do ministro do ultramar Adriano Moreira (1922-2022)?

(i) Comentário de Cherno Baldé (**):

Voltando ao Poste do dia e sobre o fundo da questão, acho que estamos na presença de imagens que, na linguagem da época da Guiné portuguesa, se designava por "trabalho obrigatório" ou "trabalho forçado". 

Do ponto de vista oficial, era trabalho voluntário de limpeza das vias e arredores dos aquartelamentos, mas na realidade e para a população civil era um trabalho a que eram obrigados a fazer por ordens dos chefes de Postos e autoridades tradicionais legítimas ou impostas.

A presença dos individuos armados com mauseres e G3 no meio dos trabalhadores tanto poderia ser para a segurança assim como um meio de pressão psicológica e de intimidação, tratando-se sobretudo de jovens pertencentes a etnia Balanta de Cutia e arredores.

É a minha opinião à luz da realidade dos anos 60/70 de que fui testemunho e participante. No meio disso tudo, alguns elementos da tropa metropolitana, mal preparada previamente, sobre os reais objectivos e fundamentos da colonização, paradoxalmente, contrariavam estas linhas de orientação que muitas vezes não compreendiam e mal aceitavam excepção feita aos oficiais superiores que estavam melhor informados. 

Na fase final da guerra, o General Spínola tentou acabar com estas práticas, consideradas muito nocivas e que não se enquadravam na nova política "Por uma Guiné melhor" chocando-se fortemente com hábitos há muito estabelecidos e que davam jeito aos comandantes e chefes de Postos nos aquartelamentos do mato a braços com problemas de meios humanos, financeiros e materiais para todas as tarefas necessárias.

(ii) Comentário do editor LG (a propósito da Op Cabeça Rapada( (***):

É um número impressionante de trabalhadores de etnia fula e mandinga, mas também balanta, naturais dos regulados de Badora (e talvez do Corubal). Desconheço se foram recrutados "voluntariamente" e "devidamente pagos"... É muito provável que tenham sido apenas pagos em géneros: em alimentação e  mais um suplemento em arroz... A tradição da administração colonial, antes do início da guerra, e teoricamente até pelo menos a 1961, era a do "trabalho forçado", puro e duro (...).

Recorde-se que, segundo a História do BCAÇ 2852 (Bambadinca, 1968/70), "a população de um modo geral é-nos favorável [no sector L1], sendo de destacar o regulado de Badora que tem como Chefe/Régulo um homem de valor e considerado pela população como um Deus" (sic).

Tratava-se do tenente de 2ª linha Mamadu Bonco Sanhá ( que será fuzilado, sem julgamento,  pelo PAIGC a seguir à independência), "um homem (...) já conhecido no meio militar pelos seus feitos valorosos e dignos de exemplo. Da outra população [balantas, biafadas e mandingas...] fortes dúvidas se tem,  especialmente as dos Nhabijões, Xime e Mero" (História do BCAÇ 2852... Cap. II, pag. 1).

Conheci o tenente de 2ª classe, régulo e chefe máximo das milícias de Badora.O quer se dizia sobre ele era manifestamente exagerado: o tenente Mamadu Bonco Sanhá era respeitado e sobretudo temido pelos seus súbditos, mas é manifestamente grosseiro, etnocêntrico e até ofensivo dizer que a população, muçulmana, o "considerava como um Deus"... Convenhamos que é uma figura de estilo"... 

O administrador do concelho de Bafaté (Guerra Ribeiro) e o régulo de Badora eram, na altura, figuras poderosas, com capacidade para recrutar milhares de braços...

Recorde-se que, segundo a Convenção nº 29 da OIT - Organização Internacional do Trabalho (adotada em 1930, e ratificada por Portugal em... 1956)), trabalho forçado ou obrigatório é todo trabalho ou serviço exigido de uma pessoa sob a ameaça de uma sanção e para o qual a pessoa não se ofereceu espontaneamente (nº 1 do artº 2ª)... Mas depois havia as exceções do nº 2 do artº 2º...

(iii) Comentário do Torcato Mendonça (1944-2021) (vd. poste P9541) (****):


(...) Vou tentar contar-vos, sem grandes pormenores, a maior operação de Acção Psico Social – chamemos-lhe assim – a que assisti. Bem planeada e meticulosamente preparada por quem sabia.

Tudo com o aval do Comandante-chefe e teve o nome de “Operação Cabeça Rapada”. Desenrolou-se de finais de Março a meados de Maio de 69, talvez por seis fases ou seis operações [na realidade, quatro.]

O objectivo era capinar – cortar e desmatar – toda a vegetação numa faixa de trinta ou quarenta metros, talvez mais, para lá do arame que delimitava o perímetro de Mansambo e igualmente, em largura, uma faixa similar para lá das bermas das estradas (picadas) de Mansambo a Bambadinca e daqui até ao Xime. Só nas zonas mais propícias a emboscadas.

Outras desmatações menores,  à volta de algumas Tabancas, por exemplo Amedalai e outros locais, sofreram igual corte.

Estas Operações queriam vincar três pontos:

  • dizer que o IN tinha sido derrotado na Operação Lança Afiada [, 8.19 de março de 1969]; 
  • mostrar que as populações estavam com as NT;
  • fortalecer o slogan “Por uma Guiné Melhor”.

Análise despretensiosa e sem petulância minha. É uma não análise… talvez.

As populações envolveram-se fortemente depois do excelente planeamento. Muitas centenas, talvez um ou dois milhares de civis, muitos militares  [na realidade, 7 mil, na Op Cabeça Rapada I], e uma logística enorme: viaturas civis e militares, alimentação e uma bem montada segurança, próxima e afastada, para dissuadir ou minimizar o efeito de qualquer ataque e, também, colaborar activamente com apoio rápido à resolução de algum acidente e incidente.

Não seria difícil ao IN disparar umas morteiradas e provocar o pânico. Uma ou duas granadas eram suficientes. Não o fez e nós não sabíamos, quantos daqueles homens eram simpatizantes deles e trabalhavam naquela desmatação para obterem informações. Havia certamente.

Lembro-me da enorme confusão da manhã do primeiro dia. Eram muitas centenas e centenas de homens e suas catanas a chegarem a Mansambo. Organizar tudo seria tarefa difícil mas foi conseguido.

A nossa missão, a do meu Grupo, era outra e rapidamente saímos do aquartelamento para a segurança. No fim de toda esta Operação, faseada e por tanto tempo, quando acabou uma dúvida, em mim, se levantou:  "
Aquela desmatação não iria abrir o campo de tiro ao IN?".

Caí, em meados de Maio, numa forte emboscada no Pontão do Almami e, em inicio de Abril, já tinha havido outra no mesmo local. Felizmente as árvores que ladeavam a estrada foram poupadas.

No dia 28 de Maio de 1969 a sede do Batalhão, em Bambadinca, foi atacada pela primeira vez. As tabancas de Taibatá, Moricanhe e Amedalai, sofreram igualmente ataques.

Era a represália do IN. Teve auxílio vindo do Sul e do Norte? Certamente. Mas provava que estava vivo e não fora aniquilado na Lança Afiada e esta não respeitara certas regras básicas de contra guerrilha. O IN não foi aniquilado. Tanto assim que começou a bater forte, a tentar infiltrar-se e a exigir um esforço maior de contenção das NT. 

Só em meados de Agosto. o IN veio a sofrer um forte revés e ficou decapitado - como sinónimo de sem comando [, o comandante Mamadu Indjai, gravememte ferido em emboscada montada por forças da CART 2339].

Nada de relevante ou muito grave aconteceu até ao fim da nossa Comissão, em finais de Novembro de 1969. Emboscadas, ataques a tabancas e aquartelamento, umas baixas sempre lastimáveis e uma ou outra operação igual a tantas outras. A rotina habitual com ou sem desmatações. Embarcámos em 4 de Dezembro de 1969 [de regresso a casa]. (...)
____________

Notas do editor:

(*) Último poste da série > 16 de junho de 2022 Guiné 61/74 - P23355: Questões politicamente (in)correctas (57): O luso-tropicalismo e os seus mitos (José Belo, Suécia e EUA)

(**) Vd. poste de 30 de julho de 2023 Guiné 61/74 - P24519 Fotos à procura de... uma legenda (175): Capinadores e "homens armadas" em Cutia, tabanca e destacamento no setor de Mansoa, ao tempo do BCAÇ 2885 (1969/71) (José Torres Neves, capelão)


Vd.também postes de:




quinta-feira, 16 de junho de 2022

Guiné 61/74 - P23355: Questões politicamente (in)correctas (57): O luso-tropicalismo e os seus mitos (José Belo, Suécia e EUA)




Guiné  > Região de Tombali > Guileje > CART 1613 (1967/68) > O Dauda "Vigeas", "filho do vento" e "mascote da companhia" (*): (i) com outros meninos da Tabanca, a brincar numa poça de água, junto à capelinha; (ii) vivia praticamente com os militares, que o alimentavam e cuidavam dele; (iii) como os carimbos da secretaria da CART 1613, na testa e no braço; dizia-se, na caserna, que era a cara chapada do pai; morreu por volta de 2009,  com cerca de 45 anos; era casado e pai de duas filhas; a família vivia em Bissau (**)

(...) Como escreveu o nosso saudoso capitão SGE Zé Neto (1929 - 2007), "eram todos de etnia fula, de raça negra a população de Guiléle], com excepção de um menino mestiço. Este menino, na altura com onze, doze meses de idade, era filho da Sona, uma jovem de Cacine, comprada pelo alfaiate de Guileje para ser a sua terceira esposa. Tinha o nome de Dauda, mas era tratado por todos nós por Viegas, apelido do pai, capitão que comandara a companhia de Cacine [CCÇ 799, 1965/67]. Ainda hoje, quando revejo as dezenas de fotografias que fiz do garoto, acho que poderíamos anteceder Silva a Viegas [Silva Viegas]. Foi pela minha mão que o miúdo deu os primeiros passos. E foi por ele que, suponho, arrisquei a vida quando, num ataque bem apontado, as morteiradas atingiram a zona da cozinha, lenheiro e depósito de géneros. (...) (*)

O Dauda teve no Zé Neto um protetor. E, história espantosa, em janeiro de 2010, a Júlia Neto, viúva do cap ref José Neto (1929-2007), foi conhecer a esposa e as duas filhas do Dauda (entretanto falecido havia  pouco tempo), em Bissau

Fotos (e legendas): © José Neto (2005). Todos os direitos reservados, [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Mensagem do José Belo:


Data - 15 jun 2022, 13h45
Assunto - Discutir o Lusotropicalismo

Caro Luís

Na sequência dos textos “lusotropicais” do Camarada José Teixeira  (***) segue um texto em busca de passíveis… diálogos!

Um abraço, J. Belo

[José Belo, jurista, o nosso luso-sueco, cidadão do mundo, membro da Tabanca Grande, (i) tem repartido a sua vida agora entre a Lapónia (sueca), Estocolmo e os EUA (Key West, Florida; (ii) foi nomeado por nós régulo (vitalício) da Tabanca da Lapónia, recusando-se a jubilar-se do cargo: afinal todos os anos pela primavera, corre o boato de que a Tabanca da Lapónia morre para logo a seguir ressuscitar, como a Fénix Renascida; (iii) na outra vida, foi alf mil inf, CCAÇ 2391, "Os Maiorais", Ingoré, Buba, Aldeia Formosa, Mampatá e Empada, 1968/70); (iv) é cap inf ref (mas poderia e deveria ser corone) do exército português; (v) durante anos alimentou, no nosso blogue, a série "Da Suécia com Saudade"; (vi) tem 224 referências no nosso blogue.]
___________

O Lusotropicalismo visto "por dentro", analisado "desde fora": debate com cidadãos brasileiros de origem africana (****)


O termo Lusotropicalismo criado por Gilberto Freyre refere os elementos factuais, ideais, outros quase mitológicos, quanto a uma igualdade racial (quanto a ele procurada) pela cultura lusitana nos trópicos.

Uma política de miscigenação rácica, mais ou menos acentuada, tendo em conta variações locais de origem cultural, económica e social.

Nas colónias portuguesas esta política de miscigenação terá tido flutuações temporais em paralelo com flutuações políticas.

Todas estas condições, a somarem-se às demográficas, criaram disparidades bem representadas pelos exemplos de Goa, Brasil, Angola, Cabo Verde, Guiné.

Em muitos dos textos publicados neste blogue surge uma “fresca brisa“ de Lusotropicalismo.
Rico em detalhes de atentas observações, permeadas por sentimentalismos românticos, raiando os inatingíveis ideais da... poesia trovadoresca medieval!

Textos cuja importância surge de observações “in loco”.

O que emana destas descrições é o que se poderia referir como… Lusotropicalismo de dentro!
As especificidades criadas por uma envolvente situação de guerra obviamente que torna estas observações menos ricas na sua genuinidade. De qualquer modo seriam as únicas possíveis.

Verdadeiro privilégio dos que tiveram a oportunidade única de, através ampla “janela”, observar as realidades quotidianas na vida de isoladas Tabancas ainda não afectadas por profundas mudanças posteriores .

Os textos apresentados por José Teixeira, os saudosos Torcato Mendonça e “Alfero” Cabral, António Rosinha (com referências lusotropicais em Angola, Brasil e Guiné), entre tantos outros Camaradas com experiências semelhantes, todos nos levam ao tal lusotropicalismo visto…. por dentro!

Os textos, análises, descrições e debates, vindos “de fora”, espelham valores e critérios de outras culturas, sociedades, e não menos interesses, em tudo distintos do idealizado (!)
Lusotropicalismo.

Uma parcialidade acentuada pelas diferentes agendas políticas de alguns dos autores.
Algumas das legítimas críticas quanto ao trabalho forçado, impostos discricionários, e outros tipos de opressões a nível local, ficam quase obscurecidos quando isolados do todo orgânico que eram as realidades políticas das diversas potências coloniais.

A um nível eivado de subjetividades por pessoal, tive a oportunidade de participar em debates realizados na Suécia do início dos anos oitenta em que participavam estudantes universitários brasileiros, sendo a maioria de origem africana.

Mais tarde, no próprio Brasil, voltei a ter a oportunidade de debater o Lusotropicalismo, agora não só com jovens estudantes, mas com a participação de indivíduos que representavam de forma abrangente os mais diversos níveis culturais, sociais e políticos.

Tanto no Recife como em Manaus, São Salvador da Baía e Rio de Janeiro, as intervenções dos brasileiros de origem africana tinham em comum o facto de não aceitarem como verdadeiro o mito do mulato/mulata como um resultado de um relacionamento romântico, consentido, não violento na sua essência, entre o colonizador e a mulher africana escravizada.

Concordavam quanto a terem existido casos pontuais de tais romances mas, pelo seu número real em relação às violências exercidas pelo colono, não eram de modo algum justificativos de todo um mito criado por intelectuais privilegiados nas suas raízes europeias.

Como tantos de nós, recebi nos bancos escolares a tal ideia lusotropical a raiar o utópico.
Foi-me muito difícil, no início destes debates, aceitar no seu significado profundo estas descrições brasileiras em contraste total com tudo o que me fora “ensinado” nos verdes anos. 
Para mais, ensinado na forma paternalista tão normal nos tempos da ditadura.
Algumas das opiniões, e razões, apresentadas por estes brasileiros ainda hoje me provocam conflitos valorativos.

De qualquer modo, com todas as suas limitações, romantismos ingênuos e parcialidades analíticas, o Lusotropicalismo de Gilberto Freyre “sobreposto” às realidades sociais e raciais dos Estados Unidos do ano de 2022 torna muito difícil as graduações valorativas.

Um abraço do JBelo

2. Comentário do editor LG:

O Dicionário Priberam da Língua Portuguesa define assim o luso-tropicalismo:

luso-tropicalismo | n. m.

lu·so·tro·pi·ca·lis·mo
(luso- + tropicalismo)

nome masculino

[Sociologia] Ideia, desenvolvida por Gilberto Freyre (1900-1987, antropólogo, sociólogo e escritor brasileiro), que defende que a colonização portuguesa foi diferente das restantes colonizações europeias nos trópicos e que essa diferença se manifestou na miscigenação e na interpenetração cultural.

"luso-tropicalismo", in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [em linha], 2008-2021, https://dicionario.priberam.org/luso-tropicalismo [consultado em 16-06-2022].

Sobre o tema vd. também artigo da investigadora da UL/ICS, Cláudia Castelo (*****). Vd também no nosso blogue os postes P15468 e  P21297  (******)
_____________

Notas do editor:

(*) Vd. poste de 21 de janeiro de  2006  Guiné 63/74 - P446: Memórias de Guileje (1967/68) (Zé Neto) (3): Dauda, o Viegas



(****) 19 de outubro de 2021 > Guiné 61/74 - P22643: Questões politicamente (in)correctas (56): A caminhada para a... "descolonização exemplar" (José Belo, jurista, Suécia)

(*****) Buala > A Ler > 5 de maeço de 2013 > Cláudia Castelo (Universidade de Lisboa, ICS - Instituto de Ciências Sociais )  > O luso-tropicalismo e o colonialismo português tardio

(******) Vd. postes de:

9 de dezembro de  2015> Guiné 63/74 - P15468: Recortes de imprensa (78): O colonialismo (suave) nunca existiu... Leopoldo Amado, atual diretor do INEP - Instituto Nacional de Estudos e Pesquisa, entrevistado em Bissau por Joana Gorjão Henriques ("Público", 6/12/2015, série "Racismo em português")

terça-feira, 19 de outubro de 2021

Guiné 61/74 - P22643: Questões politicamente (in)correctas (56): A caminhada para a... "descolonização exemplar" (José Belo, jurista, Suécia)

1. Mensagem do Joseph Belo

Data - 13/10/2021, 19:20 e 20:41

Assunto -A caminhada para a... "descolonização exemplar" !


Em 1962 foi elaborado pela CIA  um plano denominado “Commonwealth  Plan”com vista a fazer aceitar ao governo português as inevitáveis independências das colónias. O plano estipulava a autodeterminação de Angola e Moçambique após um período de transição de oito anos.

O relacionamento futuro de Portugal com as ex -colónias seria resultante de um referendo efectuado durante o período. O planeamento propunha que em 1962 a NATO oferecesse a Portugal 
500 milhões de dólares para modernizar a sua economia.

Foto à esquerda: José Belo,  jurista, o nosso luso-sueco, cidadão do mundo, membro da Tabanca Grande, reparte a sua vida entre a Lapónia (sueca), Estocolmo e Key-West (Flórida, EUA); foi nomeado por nós régulo (vitalício) da Tabanca da Lapónia, agora jibilado; na outra vida, foi alf mil inf, CCAÇ 2391, "Os Maiorais", Ingoré, Buba, Aldeia Formosa, Mampatá e Empada, 1968/70); é cap inf ref do exército português;  durante anos alimentou, no nosso blogue, a série "Da Suécia com Saudade"; tem cerca de 210 referências no nosso blogue.


Um ano depois esta proposta foi ampliada pelo diplomata Chester Bowles duplicando a quantia. Estes novos 500 milhões seriam pagos durante um período de cinco anos.

Mil milhões de dólares era uma quantia enorme na época tendo-se em conta a verdadeira dimensão da economia portuguesa.

Esta proposta foi apresentada a Salazar em Agosto de 1963 pelo então Secretário do Estado adjunto norte-americano, George Ball, em nome da Administração do Presidente Kennedy.

Salazar recusa a oferta, do mesmo modo que recusara todas as ofertas de uma saída política, por parte dos aliados, aquando da queda (exemplar?) de Goa.

Curiosamente verifica-se a exatidão com que a CIA e vários diplomatas norte-americanos apresentam, com uma antecedência de muitos anos, a previsão da derrocada portuguesa em África a somar-se ao derrube da ditadura em Portugal.

“A ser permitido que as revoltas em África ganhem volume, a incapacidade de uma vitória militar será o resultado inevitável, agravado pela internacionalização dos conflitos.“

Questionava-se mesmo se “os Estados Unidos poderiam permitir que Portugal cometesse suicidio arrastando os seus aliados na mesma via.”

No meio de todas estas análises o então embaixador norte-americano em Portugal, Burke Elbrick, enviou em 1963 um telegrama para Washington, salientando o facto de Portugal se encontrar frente a escolhas muito difíceis: “Não suficientemente forte, nem rico, para enfrentar uma prolongada guerra em três frentes.“

Advertiu ainda que “as guerras de África viriam a significar o fim do império Lusitano e do regime de Salazar. Fim de regime que poderia levar ao poder um governo consideravelmente mais esquerdista ou neutral.”

Um ano depois (1964), dez anos antes de Abril/74, a CIA advertiu que as guerras de África levariam a um aumento do descontentamento interno que poderia vir a convencer os militares da necessidade de substituir Salazar.

Em 1964 o então Presidente Johnson foi advertido pelo Conselho de Segurança Nacional que as perspectivas das guerras de Portugal em África não eram boas a longo prazo. “Já não se tratava de saber se as colónias se tornariam independentementes, mas antes de saber quando e como.”

Tinham como certeza que, quanto mais as lutas se prolongassem, mais violentas, racistas e infiltradas por comunistas se tornariam. Estes prolongamentos levariam a que a crise final a ser enfrentada pelos Estados Unidos seria mais caótica, radical e anti-ocidental (Angola é usada como exemplo).

O governo da ditadura mais uma vez procurou enfrentar a onda em vez de inteligentemente a “cavalgar”. Teriam havido oportunidades de “alinhamentos” diplomáticos passíveis de trazer benefícios nacionais… dentro de parâmetros realistas e dimensionados. Porque “alinhamentos” já os havia então,tanto transatlânticos como europeus.

As características do governo português não o tornariam atraente em muitos “salões” ocidentais. Mas convergências de interesses fazem milagres, principalmente quando os necessitados sabem realisticamente manobrar.

O ditador escolheu o “Orgulhosamente sós“ com êxito (mais uma vez exemplar?) experimentado frente à União Indiana.

Partiu-se do grandioso princípio que tanto os Estados Unidos como os outros aliados ocidentais iriam “acertar passo” por uma política ao revés dos seus interesses (!), porque referirem-se ideais nas relações internacionais seria... despropositado!

Em bicos de pés ditatoriais, que afinal eram de barro, olhando sobre o ombro para Áfricas do Sul e Rodésias que ninguém hoje sabe por onde andam, abriu-se a ampla via que terminou como terminou. Exemplarmente.

Um abraço, J. Belo
__________

Bibliografia:

— Documentos da Secretaria do Estado Norte-Americana para os assuntos africanos.

—Livro de Witney Schneider (Secretário de Estado Adjunto para os assuntos africanos durante a Administração do Presidente Clinton)

—Documentação de Paul Sakwa (Assistente do Diretor Adjunto da CIA  em 1962)

—Memórias do Secretário de Estado Adjunto George Ball.

—Jormal Público/2004


2. Uma adenda ao texto anterior, enviada em 17 do corrente, às 22:35, pelo J. Belo

Spínola e a Comissão Coordenadora do MFA tinham em mente soluções bem distintas para as colónias.

Para a Federação de Estados Lusófonos sob a égide de Portugal já era tarde. 
A situação político-social tinha tomado um rumo de tal modo acelerado que não permitia soluções políticas apoiadas em forças militares com uma coesão, disciplina e vontade, necessárias para tal missão.

“Nem mais um soldado para as colónias “ era então uma onda de fundo, criada na sociedade
civil mas que se fazia sentir dentro da instituição militar limitando-a nas suas capacidades.

Autocolante do PCP (ML).

Fonte: Ephemera - Biblioteca e Arquivo
de José Pacheco Pereira

(com a devida vénia...)


A solução spinolista para ser viável necessitaria de um apoio vigoroso por parte dos Estados Unidos. O resultado do encontro com Nixon a tal não levou.

Ficou demonstrado que o tempo criado pela resistência portuguesa, que poderia ter sido utilizado pelo governo da ditadura para encontrar soluções políticas, fora em vão perante esta nova dinâmica interna e internacional.

O Ocidente já há muito tinha compreendido, e posto em prática, toda uma forma de exploração neo-colonial adaptada às novas realidades e interesses das antigas potências coloniais.

Colhiam-se agora os frutos económicos das ex-colónias sem os custos em vidas e fazenda de todo um retrógrado aparelho colonial.

Portugal não dispunha (como fora reconhecido por Salazar) nem de poder político, económico, industrial, militar ou sequer demográfico, para participar nesta luta.

As colónias não se venderam, na perspectiva do ditador, para mais tarde acabarem por ser dadas ao… desbarato!

Que complexos de culpa, ou de inferioridade internacional, terão levado à afirmação comissieiras….” descolonização exemplar?"

Nenhum dos aliados tradicionais de Portugal se poderia considerar “exemplar” nas suas políticas de descolonização. Não o foram nem nunca sentiram necessidade “moral” de o ser.

Exemplar perante as duas super potências da época? Os Estados Unidos com intervenções continuas, nem sempre pacíficas, nos novos países quando estes não favoreciam os seus interesses económicos ou políticos? A União Soviética com um dos maiores impérios coloniais dos tempos modernos, mas dispondo sempre, segundo alguns, do monopólio da “exemplaridade?" Exemplar perante uma China que já então caminhava, lenta mas consequentemente, para a China de hoje que ocupa em África muitos dos “vazios” exemplarmente criados?

Curiosamente, enquanto muitos apontam algumas figuras “de cartaz”, tanto militares como políticas, a responsabilidade coletiva dos elementos da Comissão Coordenadora do MFA tem sempre passado… ”entre os pingos da chuva", independentemente das violentas cambalhotas políticas que alguns deles fizeram posteriormente.

A descolonização era imprescindível e historicamente irreversível. Delegados às negociações, baseadas nos interesses nacionais e não em agendas partidárias ou complexos internacionais,  não estiveram presentes. Exemplarmente.

Um abraço do J. Belo
______________

terça-feira, 5 de outubro de 2021

Guiné 61/74 - P22599: Questões politicamente (in)correctas (55): Na hipótese de terem aceitado vir para Portugal os ex-comandos guineenses, pergunta-se: que tipo de país os iria receber ao aeroporto de Figo Maduro? (José Belo, jurista, Suécia)


O contexto é outro, completamente diferente... Como curiosidade aqui segue foto do Rei sueco a entregar um Guião ao regimento de tropas especiais sediado na Lapónia. Se o leitor se der ao trabalho de olhar um pouco mais atentamente, lá descobrirá a "minha rena" estampada no guião...


1. Texto e fotos enviados pelo Joseph Belo, régulo jubilado da Tabanca da Lapónia:


Data - segunda-feira, 4 out 2021, 12:26  

Assunto - O idealismo fácil fora dos contextos envolventes ou inda os Comandos Africanos como arma de arremesso para alguns

Ao procurar-se analisar a triste sorte dos Comandos Africanos da Guiné tem-se vindo a cair numa forma abstrata de análise que, artificialmente, acaba por quase isolar o sucedido de todo um contexto, tanto guinéu como... português!

A terem aceite a oferta apresentada de uma nova vida (militar!) em Portugal pergunta-se:

  • Que tipo de país os iria receber no aeroporto de Lisboa? 
  • Que jogadas político-militares se iriam desde logo suceder à volta destes militares altamente treinados e motivados? 
  • Para mais, num período em que grupos extremistas com boas economias de apoio exerciam uma influência muito acima das suas possibilidades reais, não menos junto de alguns militares?
  • Dentro das escolhas políticas que começavam a “extremar-se” dentro das Forças Armadas, e seus representantes de “cartaz”, quais seriam desde logo os debates, as acusações, os plenários, tudo numa procura de “instrumentalizar” estes militares no que significavam?
  • E, a não conseguirem usá-los para os seus fins políticos, lá viriam oportunas formas de os destruir.(**)

Neste caso, como em muitos outros, não se pode esquecer que o caos (!), mais ou menos navegado por alguns, era uma realidade subjacente a este período. A situação criada por este “desembarque” seria demasiado complicada para ser desejada por muitos.

Os com melhor memória recordarão o mais tarde(!) passado com outro contingente numerosos de tropas especiais, neste caso paraquedistas que, antes e desde o seu desembarque em Lisboa, foram de imediato envolvidos por manobras político-militares com vista à sua instrumentalização futura.

E este exemplo passou-se bem depois da independência da Guiné.

Um outro exemplo, este pontual, mas não menos representativo de toda uma “situação” envolvente, teve lugar no RALIS.

Ainda “a quente “ dos acontecimentos do 11 de Março,  o Comando Africano Marcelino da Mata, ao apresentar-se neste Regimento, acabou por aí ficar detido por um grupo de badamecos fardados.

Estes elementos agrediram e torturaram demoradamente Marcelino da Mata, figura para eles representativa de um criminoso da guerra colonial.

Não fora o facto de três Oficiais, ao terem conhecimento do que se estava a passar, de imediato se terem dirigido a este Regimento, e, depois de enormes dificuldades, terem conseguido que este Comando guineense fosse encaminhado para a autoridade competente de analisar o seu “caso”, as coisas poderiam ter terminado mal.

Voltando a salientar tratar-se de um caso pontual, mostra no entanto um “certo estado de espírito” em relação ao Comando Africano, existente no período em… alguns meios!

Um abraço do J.Belo
____________

Notas do editor:

(*) Vd. postes de:



(**) Último poste da série > 23 de setembro de 2021 > Guiné 61/74 - P22568: Questões politicamente (in)correctas (54): Heróis... e heróis: um debate necessário, quando, numa guerra, estão em causa os direitos humanos (José Belo, jurista, Suécia)

quinta-feira, 23 de setembro de 2021

Guiné 61/74 - P22568: Questões politicamente (in)correctas (54): Heróis... e heróis: um debate necessário, quando, numa guerra, estão em causa os direitos humanos (José Belo, jurista, Suécia)


Guiné > Região do Cacheu > Barro > CCAÇ 3 >  1968> Um "suspeito" do PAIGC..."Turra" não era "prisioneiro de guerra", à luz do entendimento das autoridades político-militares do território...

Foto (e legenda): © A. Marques Lopes (2005). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Mensagem de José Belo, jurista, o nosso luso-sueco, cidadão do mundo, membro da Tabanca Grande, que reparte a sua vida entre a Lapónia (sueca), Estocolmo e Key-West (Flórida, EUA). Foi nomeado por nós régulo (vitalício) da Tabanca da Lapónia. (Na outra vida, foi alf mil inf, CCAÇ 2391, "Os Maiorais", Ingoré, Buba, Aldeia Formosa, Mampatá e Empada, 1968/70); é cap inf ref; durante anos alimentou, no nosso blogue, a série "Da Suécia com Saudade"; tem mais de duas centenas de referências no nosso blogue.)


Data - quarta, 22/09/2021, 23:39 
Assunto - Heróis e heróis: um texto que busca debate



Tendo em conta a duração da guerra e o número de militares nela envolvidos nos três teatros de operações, foram muitos os actos de heroísmo nela praticados.

Como em todas as guerras, alguns procedimentos criminosos terão existido mas, pelo seu número e frequência, não foram representativos.

No caso da Guiné, elementos nativos integrados nas forças militares portuguesas salientaram-se pela sua extraordinária coragem pessoal e dedicação no cumprimento das missões que lhes foram atribuídas. São inúmeros os militares portugueses que a eles devem a vida.

Infelizmente entre alguns dos medalhados, ações do maior heroísmo são acompanhadas por frequentes procedimentos dentro de uma área que legalmente se pode considerar abrangida por sevícias ou mesmo crimes de guerra.

Não só sevícias, a seu modo justificáveis por praticadas no calor dos combates, como também praticadas a “frio” e em situações “resguardadas”.

O contraste com a generalidade do procedimento do PAIGC para com os prisioneiros portugueses foi marcante. Considerados pelo PAIGC como prisioneiros de guerra, foram tratados de acordo com as Convenções Internacionais.

O governo português não crendo caracterizar a situação na Guiné como uma situação de guerra,  recusava-se a aplicar tais Convenções aos seus prisioneiros o que permitiu uma impunidade quanto ao tratamento dos mesmos.

Impunidade que levou ao “desaparecimento” da maioria deles às mãos da polícia política, das milícias e tropas especiais formadas por naturais da Guiné.

O facto de estes actos serem praticados por naturais da Guiné ao serviço de Portugal sobre outros guinéus, não deverá levar a considerá-los menos graves, sob o perigo de uma “graduação” não aceitável por profundamente racista nos seus fundamentos.

No contexto do Direito Internacional referente aos conflitos armados, englobando as leis das Convenções de Haia e Genebra, Portugal sempre se referenciou como um país respeitador das mesmas.

Especificamente, a Convenção de Genebra define normas para as leis internacionais relativas ao Direito Humanitário Internacional que mais não são que um conjunto de normas que procuram limitar os efeitos dos conflitos armados tanto no respeitante a indivíduos como às populações não combatentes.

Tendo em conta as numerosas violações destas regras por alguns dos mais representativos (e díspares) países da cena internacional, alguns mais “pragmáticos” têm dificuldade em aceitar a existência de uma “moral internacional” apoiada em princípios jurídicos.

Mas, e com todas as reconhecidas limitações, é a única forma de defesa dos verdadeiramente mais desprotegidos, sejam eles prisioneiros de guerra, populações civis em áreas de combates,ou refugiados.

Uma nítida demarcação entre valores civilizacionais e a lei do mais forte.
Um abraço do J.Belo
___________

Nota do editor:

Último poste da série > 6 de outubro de 2020 > Guiné 61/74 - P21422: Questões politicamente (in)correctas (53): Doação / colheita de órgãos para transplante em Portugal: esclarecimento para tranquilizar o nosso amigo Cherno Baldé, que está em Bissau, bem como os guineenses muçulmanos que utilizam (ou podem vir a utilizar) os nossos hospitais públicos ou privados

terça-feira, 6 de outubro de 2020

Guiné 61/74 - P21422: Questões politicamente (in)correctas (53): Doação / colheita de órgãos para transplante em Portugal: esclarecimento para tranquilizar o nosso amigo Cherno Baldé, que está em Bissau, bem como os guineenses muçulmanos que utilizam (ou podem vir a utilizar) os nossos hospitais públicos ou privados

 
Imagem reproduzido, com a devida vénia, de SNS 24 > Transplante de órgãos (Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné)



1. O nosso querido amigo e colaborador permanente Cherno Baldé (Bissau) levantou aqui, a propósito do aproveitamento energético dos fornos crematórios na Suécia (*), uma questão muito delicada e sensível mas muito importante, sobre a colheita de órgãos (e tecidos) para transplante em Portugal...


Para que não restem  quaisquer dúvidas sobre a legislação, a ética e a prática da colheita de órgãos (e tecidos), nomeadamente em dador cadáver, aqui fica, a seguir, um pequeno texto de esclarecimento da Sociedade Portuguesa de Transplantação.

Sobre esta questão da colheita e doação de órgãos e tecidos para transplante já houve, de resto, mais inyervenções dos nossos leitores (Valdemar Queiroz, C. Martins, José Belo, entre outros). É uma questão, por outro lado, que nos interessa a todos porque todos somos potenciais dadores, em vida ou post mortem.


2. Comentários de Cherno Baldé:

(i) Caro José Belo,


Uma técnica muito eficiente que corresponde, também, a uma sociedade muito "avançada" e despida de dogmas religiosos.

Tenho um vizinho, antigo emigrante em Portugal, que regressou definitivamente, porque, segundo ele, não queria ser desposado dos seus órgãos internos depois da sua morte. As razões de fundo, a crença na ressurreição após a morte. Diz-me ele:

- No dia da grande chamada, em que estaremos diante do Senhor, não quero apresentar-me deficiente, incompleto, compreendes? Claro que eu o compreendia. O que compreendo menos é a mentalidade do ocidental que, todos os 100 anos muda de filosofia de vida. (*)


(ii) Caro amigo Luís,

Cada vez mais os nossos emigrantes desconfiam que estejam a "roubar" alguns orgãos aos parentes falecidos em hospitais na capital portuguesa com a justificação de fazer autópsias geralmente não solicitadas.


Há uma vaga de medo em crescendo, sobretudo entre os muçulmanos que vivem com o dilema do medo de morrer em Portugal e a falta de condições de tratamento médico no país de origem.

Em relação aos médicos nos tais hospitais com necessidades gritantes de órgãos para transplante, faz lembrar a história da relação entre os vagomestres e os fulas criadores de gado, durante a guerra na Guiné, que eram sempre muito relutantes a vender o seu gado a tropa. Logo nunca matavam para comer e também não vendiam.

Mas, ainda assim, antes roubados do que cremados. (**)

3. Esclarecimento da Sociedade Portuguesa de Transplantação sobre o conceito de Dador Cadáver (Reproduzido com a devida vénia) (***)

Dador Cadáver

Qualquer pessoa, ao falecer, é um potencial dador de órgãos ou tecidos para transplante, desde que, em vida, não se tenha manifestado contra esta possibilidade, nomeadamente através de inscrição no Registo Nacional de Não-Dadores. 

(No caso de se tratar de uma pessoa menor de idade ou mentalmente incapaz, é válida a vontade de quem detenha o poder paternal). 

No entanto, para que possa haver doação de órgãos têm que reunir-se um conjunto de circunstâncias:

● o dador tem que falecer num Hospital;

●  depois de se verificar a paragem irreversível das funções cerebrais ou cardio-respiratórias, o corpo tem que ser mantido artificialmente, desde o momento da morte até ao momento da extracção dos órgãos,

● é necessário que se conheça, com exactidão, a causa da morte.

Não são aceites como dadores indivíduos que sejam, na altura da morte, portadores de uma doença infecto-contagiosa, de um tumor maligno ou de uma doença com repercussão nos órgãos a transplantar. 

Também são contra-indicações, embora relativas, para a doação, uma história clínica de Hipertensão Arterial, de Diabetes ou a idade avançada.

No que respeita à idade, os dadores mais desejáveis são os que têm entre 15 e 55 anos, mas a idade é valorizada caso a caso, de acordo com o tipo de órgão a utilizar e com o conhecimento da história clínica do dador.

Uma vez certificada a morte, e se o cadáver tiver características adequadas à doação (ou seja, se os seus órgãos puderem ser úteis para curar ou melhorar a saúde de outras pessoas), o coordenador hospitalar para a transplantação tem a obrigação de se informar, por todos os meios ao seu alcance, sobre a vontade expressa em vida por aquele indivíduo em relação à doação. Para este efeito, são consultados o Registo nacional de Não-Dadores e, sobretudo, os familiares próximos do falecido.

No caso de não existirem objecções, prosseguir-se-á com o procedimento de colheita. O que acontece depois da extracção de órgãos ou tecidos de um cadáver? 

Não há qualquer diferença em relação a outra morte em contexto hospitalar. A extracção de órgãos ou tecidos é feita num Bloco Operatório, em condições de assepsia, e consiste numa intervenção cirúrgica realizada por uma equipa médica e de enfermagem especializada.

O corpo não fica desfigurado e é sempre tratado com o máximo respeito. Depois desta intervenção, o cadáver é transferido para a morgue do hospital, como qualquer outro cadáver. 

Quanto aos órgãos colhidos, são mergulhados num líquido de preservação e enviados para o hospital onde irá ser feito o transplante.

[Revisão / fixação de texto para efeitos de edição neste blogue: LG]


4. Segundo notícia do SNS, de 16/7/2020, e com base em d
ados divulgados pelo IPST - Instituto Português do Sangue Transplantação,  "o número de órgãos transplantados atingiu os 878 em 2019, mais 49 (5,9%) face ao ano anterior, tendo o transplante pulmonar registado o maior aumento de sempre". 

(...) “Os resultados da atividade nacional de doação e transplantação de órgãos em 2019 foram globalmente positivos, seguindo a tendência crescente dos últimos cinco anos”, refere o IPST em comunicado.

“A doação de órgãos (total de 430 dadores) manteve a sua tendência ascendente, com uma subida de 3,4%”, adiantam os dados da Coordenação Nacional da Transplantação, adiantando que as causas de morte, no dador falecido, foram em 80% dos casos por doença médica e destas, 82% por acidente vascular cerebral.

O IPST observa que, em 2019, se atingiu um novo limite com o dador mais idoso, com 90 anos, que foi dador de fígado e o órgão foi transplantado com sucesso. (...).

domingo, 13 de setembro de 2020

Guiné 61/74 - P21354: Questões politicamente (in)correctas (52): Chinesices que podem ser ofensivas para os alunos... afro-americanos (José Belo, régulo da Tabanca da Lapónia)


J. Belo, em Key West, Florida, EUA (2018)


1. Mensagem do nosso amigo e camarada José Belo, régulo da Tabanca da Lapónia, presumivelmente neste momento a apanhar um tufão tropical em Key West, Florida, EUA:

Data: sexta, 11/09, 09:07 (há 2 dias)

Assunto: Académicos, as controvérsias, o humor lusitano.


Caro Luís

O uso de palavra chinesa que soa a expressão racial em inglês está a criar controvérsia na UCS - Universidade da Califórnia do Sul.

Veio de imediato à memória o Camarada, Amigo, membro deste Blogue, António Graça de Abreu.
Docente Académico, Escritor, Poeta, e não menos, conhecedor de referência da Cultura e Língua Chinesa; quem melhor que ele nos poderia dar uma análise explicativa?

A controvérsia:

O Professor Greg Patton tentava salientar, em aula sobre “ A comunicação e os negócios “,  o uso de palavras de pausa intercalando frases.

Usou como exemplo o equivalente em chinês ao inglês “that”. Segundo ele, muito usado na China na sua forma “nei ge”.

De imediato a Reitoria da Universidade recebeu um abaixo assinado por numerosos alunos, no qual se salientava que a fonética do termo chinês lembrava a palavra inglesa... negro. O Prof. Patton, no uso repetitivo da mesma, tinha-se tornado fortemente ofensivo para com os alunos... afro-americanos.

Depois de mais de quarenta anos sob outras bandeiras, confesso desconhecer quanto estes pequenos-grandes detalhes de racismo,  procurado ou real, possam estar a permear a sociedade portuguesa de hoje.

Mas controvérsias deste tipo tornam-se difíceis de compreender (mesmo com o humor lusitano!), no CAOS actual da sociedade norte-americana, aparentemente com outros gravíssimos problemas para resolver ou...meditar!

Joseph Belo
___________

Nota do editor:

Guiné 61/74 - P21353: Questões politicamente (in)correctas (51): “Homem, acalme-se. Ninguém lhe vai fazer mal, você não vai morrer, precisamos é de homens bem vivos como você para acabar com os filhos da puta que nos mandam para a Guiné!” (António Graça de Abreu, Cufar, 7 de setembro de 1973)


António Graça de Abreu, alf mil, CAOP (Teixeira Pinto, Mansoa, Cufar, 1972/74), autor de Diário da Guiné: Lama, Sangue e Água Pura (Lisboa: Guerra & Paz Editores, 2007, 220 pp), de que já publicámos no nosso bogue dezenas e dezenas de excertos

1. Transcrito, com a devida vánia, da página do Facebook do nosso camarada António Graça de Abreu, de 23 de agosto de 2020:

"Para falar de racismo não precisamos de estudar tempos imemoriais, séculos atrás, crueldades antigas. O país presente e gerações atuais viveram a guerra colonial, epítome e corolário do racismo. Quase todos a fizeram, quase todos pactuaram ou se calaram."

São palavras do hoje politicamente correcto, insultar quase todos os homens que passaram pelas guerras de África, 1961/1974, desta vez da pena de um escriba inteligente, Ferreira Fernandes, nas páginas do Público, de ontem, 22 de Agosto. Eu não pactuei, nem me calei, tenho orgulho em tudo o que escrevi, neste caso no meu Diário da Guiné, Lisboa, Guerra e Paz, 2007, pag.145. É por isso que me apetece mandar algumas pessoas para um sítio feio.

No meu Diário da Guiné, texto em Cufar, sul da Guiné, no fogo da guerra, a 7 de Setembro de 1973:

"Joaquim Gomes dos Santos, nome simples de homem do povo, filho do Ribatejo, 1º. cabo cripto, CAOP 1, Guiné 1973.

Ontem há noite assisti a um violento manifesto contra a guerra.


O Santos, vinte e dois anos nervosos e puros, nosso cabo nas Transmissões, foi-se embebedando numa pequena farra de soldados. Aconteceu aqui ao lado da minha tabanca e vieram-me chamar para acalmar o rapaz, o álcool subira-lhe à cabeça e ele estava fora de si. O vinho e a cerveja haviam tornado mais claras, mais ousadas umas tantas verdades recalcadas que o Santos guardava lá pelos recantos da memória. Estivera a cantar ao desafio umas quadras de pé quebrado, a beber litros de cerveja e depois começou a despejar os odores da revolta. Fervia por todo o lado. O raciocínio do bêbado é contundente, incisivo. O Santos gritava que odiava a guerra, queria fuzilar quem nos manda morrer e matar, rebelava-se contra os seus camaradas de armas, “um rebanho de carneiros sem cornos” que não protestavam e aceitavam a humilhação de fazer esta guerra. Descontrolado, insultava, queria destruir tudo o que lhe aparecia pela frente, dava pontapés nas malas, queria rasgar a pobre roupa dos outros soldados.

Em braços, trouxemos o Santos até à enfermaria, à procura de um calmante. O médico diagnosticou-lhe simplesmente a necessidade de cozer a bebedeira. À vista do clínico, o Santos libertou um pavor rubro, absoluto, irracional. Acreditou que o médico lhe ia dar uma injecção para o matar, teve consciência de que gritara algumas verdades, e pôs na boca de Salazar a frase “Se se revoltarem, serão mortos!” Onde é que a soturna figurinha, o figurão de Santa Comba disse uma frase destas?

Fiz de alferes, de pai e de amigo. Fui no jogo dele e gritei-lhe mais ou menos isto: “Homem, acalme-se. Ninguém lhe vai fazer mal, você não vai morrer, precisamos é de homens bem vivos como você para acabar com os filhos da puta que nos mandam para a Guiné!”

O discurso fez efeito. Trôpego, arrotando cerveja, cambaleando, trouxemos o Santos para o meu quarto. Deitámo-lo na cama que foi do alferes Lourenço, chorou convulsivamente, por fim serenou e adormeceu. Acordou esta manhã, como novo."

António Graça de Abreu



Capa do livro Diário da Guiné (2007)

_____________


Os últimos cinco postes anteriores:

12 de janeiro de  2020 > Guiné 61/74 - P20551: Questões politicamente (in)corretas (49): no 1º ano do consulado de Spínola, ainda havia ou não indícios da prática de trabalho forçado (, extinto por decreto, em 1961), por parte da administração e até do exército ?

9 de janeiro de 2020 > Guiné 61/74 - P20541: Questões politicamente (in)correctas (48): Op Cabeça Rapada I, II, III e IV, no setor L1 (Bambadinca), março-maio de 1969: mobilizados milhares de civis, recrutados pela administração do concelho de Bafatá... Não sabemos se foram "voluntários" e "devidamente remunerados"... (Luís Graça / Torcato Mendonça / Albano Gomes / Carlos Marques Santos)

15 de fevereiro de 2016 > Guiné 63/74 - P15750: Questões politicamente (in)correctas (47): o menino guineense, fumador passivo, o militar, inveterado fumador, e o neto holandês que quer que o avô chegue aos 100 anos: "Oh opa, was je in de oolog in Guinee. Wie waas in Guinee leven tot 100 jaar" (Valdemar Queiroz, ex-fur mil, CART 2479 / CART 11, Contuboel, Nova Lamego, Canquelifá, Paunca, Guiro Iero Bocari, 1969/70)

15 de maio de 2015 > Guiné 63/74 - P14617: Questões politicamente (in)correctas (46): "Não sou 'tuga', sou português"... (António J. Pereira da Costa) / "Confesso que nunca me chocou como português e patriota ser chamado por 'tuga' pelos guineenses" (Francisco Baptista)...

24 de julho de 2013 > Guiné 63/74 - P11864: Questões politicamente (in)correctas (45): Os dois príncipes: o filho de Kate Middleton e o filho da Fatwa de Catió... (Luís Mourato Oliveira, o último comandante do Pel Caç Nat 52)

segunda-feira, 13 de janeiro de 2020

Guiné 61/74 - P20554: Questões politicamente (in)correctas (50): as grandes desmatações à volta de aquartelamentos construídos de raiz como Mansambo, e ao longo da rede viária, com o apoio das populações às NT (Torcato Mendonça, ex-alf mil, CART 2339, Mansambo, 1968/69)


Guiné > Zona Leste > Região de Bafatá > Sector L1 (Bambadinca( > Mansambo > CART 2339 > Março / Maio de 1969 > Op Cabeça Rapada > Concentração de pessoal e viaturas no quartel de Mansambo. Não sabemos que são os tipos de chapéu colonial, assinalados com um círculo a vermelho: os da direita, junto a militar de Mansambo em tronco nu, podem ser ser cipaios, da polícia administrativa ou até adjuntos do régulo de Badora... Junto à viatura, de calção, pode ser o condutor... Foto do álbum de Torcato Mendonça (ex-alf mil, CART 2339, Mansambo, 1968/69)



Guiné > Zona Leste > Região de Bafatá > Sector L1 (Bambadinca( > Mansambo > CART 2339 > Março / Maio de 1969 > Op Cabeça Rapada >  Tropas, a montar segurança,  e civis, capinadores, na estrada Mansambo - Bambadinc. À esquerda, um homem, ocm cabeça colonal, que pode estar a enquadrar os civis e que poderia ser um "cipaio" (polícia administrativa).

Foto (e legenda): © Torcato Mendonça (2007). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complemementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]




Guiné > Zona Leste >  Região de Bafatá Sector L1 (Bmabadinca) > Mansambo > 1970 > Vista aérea do aquartelamento, que foi construído de raíz pela CART 2339 (Mansambo, 1968/69).  À volta foi tudo desmatado. Ao fundo, da esquerda para a direita, a estrada Bambadinca-Xitole. Foto do arquivo de Humberto Reis (ex-furriel miliciano de operações especiais, CCAÇ 12, Bambadinca, 1969/71)

"Quanto à foto de Mansambo, a vista aérea – que é espectacular e que pessoalmente agradeço - gostava de saber de que ano é, se o Humberto tiver esses dados. A zona está totalmente nua, só com uma grande árvore ao fundo que se encontra à entrada do aquartelamento, pois vê-se a bifurcação para a estrada Bambadinca-Xitole (esquerda-direita. Falta ali uma árvore, a tal de referência para o IN, e que os nossos soldados chamavam a árvore dos 17 passarinhos, tal era a quantidade deles, que se situava na parte mais afastada da entrada. A mancha branca de maior dimensão seria o heliporto. 

"Faltam os obuses, um de cada lado à esquerda e à direita. Ao lado dessa árvore ficava o depósito, que era uma palhota, de géneros e munições, que ardeu a 20 de Janeiro de 1969 (nesse dia chegaram os 2 Obuses 105 mm). Era véspera do aniversário da CART 2339. Ao fundo vê-se uma mancha à esquerda do trilho de entrada que era a tabanca dos picadores. À direita no triângulo de trilhos, ficava a nossa horta. A fonte ficava à direita da foto onde se vêem 3 trilhos, na mancha mais negra em baixo. Se confrontares com um mapa da zona vê-se aí uma linha de água" ( Carlos Marques dos Santos, 1943-2019)

Foto (e legenda): © Humberto Reis (2006). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complemementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]© 



1. Excerto do poste P9541 (*), da autoria do nosso colaborador permanente Torcato Mendonça (ex-Alf Mil da CART 2339 Mansambo, 1968/69), que participou tanto na Op Lança Afiada como na Cabeça Rapada. e que infelizmente por razões de saúde tem estado afastado do nosso blogue e do nosso convívio:


Não é de assuntos de barbearia que venho falar. Não. Vou tentar contar-vos, sem grandes pormenores, a maior operação de Acção Psico Social – chamemos-lhe assim – a que assisti. Bem planeada e meticulosamente preparada por quem sabia.

Tudo com o aval do Comandante-chefe e teve o nome de “Operação Cabeça Rapada”. Desenrolou-se de finais de Março a meados de Maio de 69, talvez por seis fases ou seis operações [, na realidade, quatro.]

O objectivo era capinar – cortar e desmatar – toda a vegetação numa faixa de trinta ou quarenta metros, talvez mais, para lá do arame que delimitava o perímetro de Mansambo e igualmente, em largura, uma faixa similar para lá das bermas das estradas (picadas) de Mansambo a Bambadinca e daqui até ao Xime. Só nas zonas mais propícias a emboscadas.

Outras desmatações menores,  à volta de algumas Tabancas, por exemplo Amedalai e outros locais, sofreram igual corte.

Estas Operações queriam vincar três pontos:

(i) dizer que o IN tinha sido derrotado na Operação Lança Afiada [, 8.19 de março de 1969];

(ii) mostrar que as populações estavam com as NT;

(iii) fortalecer o slogan “Por uma Guiné Melhor”.

Análise despretensiosa e sem petulância minha. É uma não análise… talvez.

As populações envolveram-se fortemente depois do excelente planeamento. Muitas centenas, talvez um ou dois milhares de civis, muitos militares  [na realidade, 7 mil, na Op Cabeça Rapada I], e uma logística enorme: viaturas civis e militares, alimentação e uma bem montada segurança, próxima e afastada, para dissuadir ou minimizar o efeito de qualquer ataque e, também, colaborar activamente com apoio rápido à resolução de algum acidente e incidente.

Não seria difícil ao IN disparar umas morteiradas e provocar o pânico. Uma ou duas granadas eram suficientes. Não o fez e nós não sabíamos, quantos daqueles homens eram simpatizantes deles e trabalhavam naquela desmatação para obterem informações. Havia certamente.

Lembro-me da enorme confusão da manhã do primeiro dia. Eram muitas centenas e centenas de homens e suas catanas a chegarem a Mansambo. Organizar tudo seria tarefa difícil mas foi conseguido.

A nossa missão, a do meu Grupo, era outra e rapidamente saímos do aquartelamento para a segurança. No fim de toda esta Operação, faseada e por tanto tempo, quando acabou uma dúvida, em mim, se levantou: 
- Aquela desmatação não iria abrir o campo de tiro ao IN?

Caí, em meados de Maio, numa forte emboscada no Pontão do Almami e, em inicio de Abril, já tinha havido outra no mesmo local. Felizmente as árvores que ladeavam a estrada foram poupadas.

No dia 28 de Maio de 1969 a sede do Batalhão, em Bambadinca, foi atacada pela primeira vez. As tabancas de Taibatá, Moricanhe e Amedalai, sofreram igualmente ataques.

Era a represália do IN. Teve auxílio vindo do Sul e do Norte? Certamente. Mas provava que estava vivo e não fora aniquilado na Lança Afiada e esta não respeitara certas regras básicas de contra guerrilha. O IN não foi aniquilado. Tanto assim que começou a bater forte, a tentar infiltrar-se e a exigir um esforço maior de contenção das NT. 

Só em meados de Agosto. o IN veio a sofrer um forte revés e ficou decapitado - como sinónimo de sem comando [, o comandante Mamadu Indjai, gravememte ferido em emboscada montada por forças da CART 2339].

Nada de relevante ou muito grave aconteceu até ao fim da nossa Comissão, em finais de Novembro de 1969. Emboscadas, ataques a tabancas e aquartelamento, umas baixas sempre lastimáveis e uma ou outra operação igual a tantas outras. A rotina habitual com ou sem desmatações.

Embarcamos em 4 de Dezembro de 1969 [, de regresso a casa].

2. Em comentário ao poste P9541 (*) , o nosso amigo e camarada Henrique Cerqueira [, ex-fur mil, 3.ª CCAÇ/BCAÇ4610/72, e CCAÇ 13, Biambe  e Bissorã, 1972/74; vive no Porto] disse o seguinte:

Camarada Torcato:

A simplicidade do tema é na realidade um grande aglutinador das nossas lembranças.

Tambem participei em proteções a grandes grupos de capinadores na região de Bissorã. E apareciam civis aos magotes, pois pudera, o dia era pago pelo Estado Português.embora que em géneros (arroz).

Na realidade a capinagem dava segurança quando estavámos no quartel e quando regressavamos. Mas, quando tínhamos que sair em patrulhamentos,  que era quase sempre ao caír da noite, eu só me achava seguro depois de nos embrenharmos no mato.

______________

Notas do editor:

(*) Vd. poste de 27 de fevereiro de 2012 > Guiné 63/74 - P9541: Nós da memória (Torcato Mendonça) (12): Cabeça Rapada - Fotos falantes IV

(**)  Último poste da série > 12 de janeiro de 2020 > Guiné 61/74 - P20551: Questões politicamente (in)corretas (49): no 1º ano do consulado de Spínola, ainda havia ou não indícios da prática de trabalho forçado (, extinto por decreto, em 1961), por parte da administração e até do exército ?