Mostrar mensagens com a etiqueta resistência. Mostrar todas as mensagens
Mostrar mensagens com a etiqueta resistência. Mostrar todas as mensagens

sexta-feira, 1 de outubro de 2021

Guiné 61/74 - P22586: Convite (15): Encontro de ex-militares milicianos e amigos que estiveram directa ou indirectamente ligados à contestação antimilitarista e anticolonialista, dia 7 de Outubro de 2021 na Casa do Alentejo



Lisboa, Casa do Alentejo > Taberna (Cortesia da página da Casa do Alenejo)

C O N V I T E

ALERTA, CAMARADA - Última chamada

1. No dia 7/10/21, quando se completam 50 anos do início do 4º turno/71 do COM em Mafra, que ficaria indelevelmente assinalado, vamos organizar um Encontro de ex-militares milicianos e amigos que estiveram directa ou indirectamente ligados à contestação antimilitarista e anticolonialista.

2. Às 16.00h juntamo-nos na Casa do Alentejo (taberna) para um convívio com petiscos alentejanos, animado com as cantigas do "Cancioneiro do Niassa", pelo João Maria Pinto (actor de teatro e recolector das canções), assinalando a influência importante que os milicianos tiveram na tomada de consciência dos militares de carreira.

3. Por volta das 18.00h, vamos para uma sala histórica da Casa do Alentejo para uma conversa sobre três temas:

A - Memórias e relatos da participação dos milicianos na tropa militarista e na guerra colonialista (projecto DA GUERRA NUNCA SE VOLTA)

B - A actualidade da temática das guerras (neo) colonialistas e do papel das intervenções militaristas e agressivas (Cabo Delgado- Moçambique, Afeganistão,Síria, Iraque, Líbia, etc.).

C - A participação organizada de ex-militares milicianos nas Comemorações dos 50 anos do 25 de Abril (2024) - Criação de uma Comissão ad-hoc.

Caros companheiros e amigos, para organizar a logística é necessário a confirmação definitiva da vossa participação.

Um abraço
Armando Teixeira
arsouteixeira@gmail.com


2. Nota do editor:

O Armando Sousa Teixeira apresenta-se como "ex-cadete , ex-furriel e ex-soldado do Exército Português, com o nº 09420870, mobilizado em Moçambique, 1972/74". É autor, entre outros,  dos livros editados sob a chancela da Editorial Avante, “Guerra colonial, a memória maior que o pensamento” e "Barreiro, Uma História de Trabalho Resistência e Luta (1926-1945)".
 
 ____________

quarta-feira, 23 de setembro de 2009

Guiné 63/74 - P4996: Controvérsias (35): O caso do Amílcar Ventura... Resistência ou colaboracionismo ? (Vitor Junqueira)

1. Texto do Vitor Junqueira (*), com data de 17 do corrente (Aqui, na foto à esquerda, a receber das mãos de outro senador do nosso blogue, o A. Marques Lopes, em 2007, no nosso II Encontro Nacional, em Pombal, mais de trinta anos depois, a condecoração que não lhe chegou a ser oficialmente dada em 10 de Junho de 1974, por causa das partidas da História):

Amigos Luís Graça e Carlos Vinhal,

O Texto que se segue está pronto há uns dias. Pela falta de oportunidade, estive numa de manda-não-manda até que hoje constatei que, embora de forma indirecta, se voltava ao tema. Decidi-me e agora é convosco. Se houver necessidade de poda, força! Peço a vossa atenção para os itálicos que agora, também na qualidade de editor (**), sei que não passam para o blog!

Um especial abraço para vocês,
VJ



2. Colaboracionismo (***)
por Vitor Junqueiro


Pessoal amigo, desta e doutras guerras, bloggers militantes, gente de sentimentos e coração ao pé da boca... e na ponta dos dedos.

Cheguei há pouco da Pérola do Atlântico que não visitava havia já duas legislaturas – é a nova medida do tempo na região – e nesta volta, em que esquadrinhei montes e vales, concluí: O Homem é um génio! Não sei quem pagou ou vai pagar. Algum do nosso, certamente já escorregou, mas o que vi deixou-me de boca aberta e acreditem que com a minha idade, uma pessoa já não se deixa deslumbrar facilmente. Rendo-me, e apesar da minha simpatia pela bola com o A lá dentro, até estava capaz de lhe oferecer uma cruzita se soubesse que ele se adaptava ao clima do Contnente.

Boca aberta, nem sempre significa iminência de disparate. Assim o espero, ao meter a colherada numa polémica que tem assanhado ânimos e desencadeado fúrias literárias e à qual, por uma questão de princípio, não poderia ficar alheio.

Uma pessoa vira as costas e é no que dá. Palavras desembainhadas, G3 na rua, (e as bazucas?), pelotões de fuzilamento! Parece que os camaradas não ficaram fartos. (****)

Como quem não quer a coisa, lá veio o patrão tentar meter ordem na caserna (post 4953, excitação 45). E não é que o homem escreve bem e explica-se ainda melhor!? Nunca entenderei porque é que dizem aquilo das pessoas da Lourinhã! (*****) Eu até gostava de encontrar um pintelhinho que desse para aquecer (ainda mais…) o debate, já que é disso que o meu povo gosta. Mas não, aquilo vai ao encontro da minha própria visão sobre a matéria e portanto, o Luís disse e está dito. E no entanto...

Eu gosto muito de contos da carochinha. Até já escrevi alguns que passaram no blog. Mas por natureza, prefiro os do Lobo Mau. Gosto especialmente daquela cena em que o dentuças pergunta ao capuchinho o que faz abaixada à beira do rio.
- Então não vê que estou a lavar a minha c…, senhor lobo?
Ao que o malino responde confuso:
- Ai porra, agora é que chegaste para mim. Eu não conheço essa versão da história …!

Neste palco, têm sido contadas muitas histórias, com maior ou menor brilho consoante a arte do narrador. Algumas deixam-me tão confuso como o pobre lobo. Como esta tanga do gasoil, que pura e simplesmente nunca aconteceu por flagrante impossibilidade material. Ou se calhar o meu cerbo está a ficar cansadito, com diz a minha paciente D. Joaquina!

De facto, já tinha lido uma resma de comentários ao post do Vasco da Gama, e atendendo à qualidade dos comentadores, nem deveria atrever-me a abrir o bico. Pois atrevo, e ainda por cima para dizer, “basta de porrada no ceguinho, chiça!”.

Brincadeira e ironias à parte, até nem seria má ideia abrir um canal novo para falar dessa questão tabu chamada colaboracionismo. No caso de Angola e Moçambique, parece não restarem muitas dúvidas de que existiram ajudas que podem configurar efectiva colaboração com o IN. Cantineiros isolados no mato, missões religiosas, empresas do ramo agro-industrial (madeireiras), possivelmente transportadores, colaboraram. Com dinheiro, géneros, informações, oferecendo guarida, tratando feridos etc. Uns, tê-lo-ão feito por convicção. Outros, assertivamente, compraram o sossego pagando um tributo.

Até aqui, não há qualquer novidade. Quem esteve atento ao recente trabalho do Joaquim Furtado sobre a Guerra de África, teve oportunidade de ouvir contados na primeira pessoa, relatos de antigos colaboradores. E na Guiné, o que é que se sabe para além dos casos conhecidos de deserção para o lado do PAIGC e algumas bem urdidas fugas de informação?

Durante a minha comissão, ouvia-se dizer que aqui ou acolá actuariam agentes infiltrados do IN, outros comiam dos dois lados e alguns até tinham nome. Ao meu conhecimento nunca chegou qualquer confirmação. Põe-se então a questão de avaliar, quem o quiser fazer, se as cervejolas, os cigarritos e tantas, mas tantas outras tentativas de chegar à fala com a guerrilha da respectiva ZA [, Zona de Acção], através da oferta de roncos, consubstanciam alguma forma de colaboracionismo. Não, segundo o meu critério. Eu próprio, em determinada altura, dactilografei uma carta mais ou menos nestes termos:

"Caros camaradas do PAIGC, sabemos que a guerra nos proíbe de sermos amigos. No entanto, nada nos impede de fazer um intervalo na missão que nos foi atribuída de nos liquidarmos mutuamente. Por isso, aguardo que me façam saber se estão dispostos a participar numa futebolada com a nossa malta e com a garantia de total segurança para o vosso regresso etc. e tal, despedidas e assinatura".


A cartinha foi deixada num trilho muito batido, andou por lá meses e reapareceu espetada num galho com uma alfarroba por perto. O caso teve como testemunhas, o ex-capitão Cupido, oficiais e sargentos da CCaç 2753. (Se necessário envio lista com endereços e números de telefone).

Uma curta história, da qual nada se pode concluir quanto às diferentes formas que o colaboracionismo pode assumir, esta não terá sido uma delas. A mim, importa-me sobretudo frisar que se tivesse aparecido alguém para uns toques na bola, nem num pêlo lhes teríamos tocado! No dia seguinte, se os céus me facilitassem tal desígnio, ter-lhes-ia limpo o sebo com a maior das satisfações. No mato, de canhota na mão.

Agora, que me responda quem sabe: quantas guarnições isoladas e sem qualquer hipótese de defesa, não se aguentaram mercê de um fechar de olhos a certos intercâmbios que se operavam nas suas redondezas? E quantas destas, não foram poupadas pelo facto de o próprio IN ter interesse na sua permanência em determinadas áreas? Que parte da nossa logística foi parar às mãos do PAIGC?

Em qualquer destas situações, nada houve que possa confundir-se com actos de colaboracionismo formal ou informal. Falta-lhes um elemento caracterizador, o desejo ou a vontade de ver o IN consagrar-se militarmente vitorioso.

E porque é que somos como somos, na Guiné, nos Balcãs ou em Timor? Desconheço, mas tenho uma ideia! Esta é a maneira de ser do soldado português desde há séculos, espírito prático, adaptável, filho de um povo de brandos costumes que colonizou continentes com a Bíblia numa mão e a espada na outra. Se for preciso, matamos o nosso irmão mas não o odiamos.

Quem passou pela experiência de caçar algum elemento da guerrilha à unha ou assistiu à sua entrega voluntária, sabe do que estou a falar. Não desconheço Wiriamu ou as façanhas de um tal alferes R. em Angola ou certas formas de destruir o inimigo na Guiné, que a maioria de nós, ex-combatentes, jamais aprovaria. Mas esses casos foram a excepção que confirma a regra. Acho eu, ou estarei tótó de todo?

Retomando o caso do nosso camarada que disse o que disse a propósito do bidonzito de gasoil, estou convencido de que ele não é ceguinho e também não será tonto nem mentiroso. A sua inteligência até lhe permitiu entender que neste palco onde todos têm podido dizer o que lhes vai na alma, parece e sublinho o parece, existir uma matriz ideológica prevalecente, que sempre se manifestou contra a guerra. A decisão de defender pelas armas o que pelos vistos, não muitos, consideravam territórios portugueses do ultramar, tem sido aqui profusamente criticada.

Não raras vezes, essas críticas têm-se feito acompanhar de considerações enaltecendo a razão histórica e a superioridade moral da luta do PAIGC contra as forças de ocupação – nós! Foram publicadas dezenas (centenas?) de páginas glorificando as acções do IN ou pelo menos gabando-lhe tanto a estratégia como a astúcia. Defendeu-se até à exaustão a versão da derrota militar das FA portuguesas, implicando nesse desfecho a ineficiência do dispositivo militar, a impreparação dos comandos, a desmotivação generalizada das tropas que não reconheciam ao regime legitimidade para envolver o país numa guerra injusta, assassina e contra os ventos da história, etc., etc., etc.

Foi tal a torrente de documentação carreada para o debate – citações de personalidades de indiscutível peso na política nacional e internacional de então, textos retirados de diversos livros e outras publicações, documentos, transcrições de discursos, reportagens e entrevistas –, que eu próprio, embora continue a afirmar que o retrato não condiz minimamente com a paisagem no espaço e no tempo em que lá estive, só por uma unha negra não fiquei também (con)vencido … quanto ao vencimento dessa tese!

O que eu acho, e estou-me nas tintas se o mundo inteiro se está cagando para aquilo que eu acho, é que o camarada Amílcar, a quem envio um abraço de solidariedade tertuliana, apenas terá querido ir ao encontro do que julgava ser “politicamente correcto”. Alinhar com essa corrente de pensamento supostamente dominante no seio da Tabanca, exigiria algum tipo de ritual, uma espécie de prova de fogo sem a qual o nosso iniciado acha que não apresenta as necessárias credenciais para ser admitido pelo grupo dos mais vanguardistas. E vai daí, como não desertou, não passou informações ao IN nem sabotou coisa alguma, resolveu oferecer-lhes um bidon de combustível, que era o que tinha à mão. Se bem que, ajudar materialmente o outro lado até pode ter justificação, em caso de catástrofe humanitária, por exemplo. O que nunca poderia ser o caso.

Na sua (minha) perspectiva, dar uma mãozinha à rapaziada da outra banda, teria apenas o significado de estar muito avançado para o seu tempo, ter o sentido da premonição e antecipar que daí a pouco … dá cá um abraço pá, e agora somos todos camaradas e amigos.

Ora uma coisa é a análise que podemos fazer deste conturbado período da história e das nossas vidas no plano político-filosófico, se assim o quisermos. Questão bem diferente é a da coesão do sistema baseada no pragmatismo das relações entre indivíduos, nas lealdades de sangue ou de grupo, na sobrevivência da matilha, onde qualquer traição se paga caro. E nem toda a gente possui as armas para fazer essa destrinça, se me faço entender, limitando-se a ensaiar o salto teórico para o outro lado da barreira e esperar ser aceite. E foi o que aconteceu, tratou-se apenas um ensaio e nada mais.

Naturalmente, não quis nem teria competência para desmontar um processo mental complexo, ainda para mais, desconhecendo o substrato psicológico do visado. O que sei, e disso tenho obrigação, é que em determinadas circunstâncias, a nossa cachimónia prega-nos partidas, levando-nos a acreditar em quimeras.

Se esta é uma forma simplista de desvalorizar uma história que a ter fundamento, seria um acto muito grave só comparável à prática de espionagem a favor do inimigo, não deixa também de ser um apelo à razoabilidade e um lembrete acerca do perigo dos julgamentos serôdios.

E aqui volto à velha questão da legitimidade para aferir comportamentos passados correlacionados com matérias acerca das quais, a sociedade portuguesa continua tão profundamente dividida.

Quanto aos reparos, foram no mínimo oportunos, se não mesmo pedagógicos! Vão certamente ter o mérito de arrefecer certas derivas para a confabulação. A seriedade do Blog deve ser um valor para nós que o fazemos, e para os milhares que lá vão beber a informação de que necessitam. Assumir a possibilidade de a qualquer momento se ser confrontado com a crítica severa ou o contraditório, é um excelente estímulo para cultivar a objectividade, penso eu de que. Relativamente à explicação do Luís, achei-a fundamental para que todos percebam que determinadas matérias (textos), pela sua forma ou conteúdo, necessitam mesmo de nota prévia e da perguntinha à Fernando Mendes: Fica assim mesmo ou quer pensar melhor?

E agora venha a porrada!

Paletes de abraços,

V. Junqueira

PS (não é esse!)- Falei em histórias da carochinha e do lobo mau. Quis dizer que as aprecio imenso, mas de vez em quando necessitamos de um prato de substância capaz de provocar uma certa agitação das águas. Tenho reparado que são publicadas páginas e páginas de muito interesse, sem dúvida, mas que não suscitam uma singela observação. Já quando o tema é fracturante – está na moda, o fracturante! – logo aparecem os comentadores de serviço e os outros. Por isso, faço um apelo à querida cambada para que não se fique pelo comentarizito de postagem directa. Simples e curto, não é, malandragem?

[ Revisão / fixação de texto / bold a cor: L.G.]


2. Nota de L.G. enviada ao autor, no dia seguinte

Muy preciosa... a prosa. Fica a aboborar. Talvez saia mais logo ou sábado... Tenho tido pouco tempo esta semana, estou em júris de selecção de candidatos aos nossos cursos...

Vitor, fazes sempre muita falta cá na caserna... Dás pica e sabes temperar as tuas intervenções com um sentido de humor, muito especial, que eu aprecio de sobremaneira...

Só não concordo contigo quando dás a entender que há um main stream , uma corrente de fundo, na Tabanca Grande, pró-PAIGC... A maior parte dos textos que publicámos sobre o PAIGC até são de fontes nossas... Outros são documentos com interesse historiográfico (PAIGC Actualités, por ex.)... Pessoalmente gostaria de triangular a informação, como fazem os historiadores... Infelizmente são raros os depoimentos do outro lado... Ficaram de me arranjar histórias de vida de guerrilheiros... Espero um dia poder também inseri-las aqui, para serem objecto de análise crítica da nossa parte... como foi a história (mal contada, também concordo...) do Amílcar Ventura (Ele prometeu responder dentro de dias a algumas críticas, não fugiu...).

Aquele abraço. Luís

3. Resposta do Vitor:

Luís,

A tua apreciação sobre o meu trabalho é que é preciosa para mim. Estimulante e encorajadora.

Permite-me desfazer um equívoco de que serei, eventualmente, o primeiro responsável. No blog existe de facto um main stream anti-guerra e não pró-PAIGC. Uma coisa não tem forçosamente que ver com a outra. De outra forma o que é que eu estaria a fazer no seio desta tertúlia? Se ando por aqui, é porque me sinto confortável e muito bem acompanhado!

Abraço,
VJ

__________

Notas de L.G.:

(*) Vitor Junqueira, ex-alferes miliciano da CCAÇ 2753 - Os Barões (Madina Fula, Bironque, Saliquinhedim/K3, Mansabá , 1970/72), médico, residente em Pombal, membro da nossa Tabanca Grande, organizador do nosso II Encontro Nacional (Pombal, 2007).

(**) Referência ao seu blogue pessoal, "Kurt" - Amizade, Viagens, Aventura e muito mais!... ("O Blog onde se ligam amigos e companheiros de viagem para 'curtir' o que a vida tem de melhor. Porque só temos uma, há que aproveitá-la!"). Um blogue andarilho...onde também colabora o nosso Paulo Santiago, de Águeda.

(***) O colaboracionismo dos guineenses (que estiveram do nosso lado), foi já aqui - no Blogue, I Série - objecto de debate... vd. postes de:

27 de Maio de 2006 > Guiné 63/74 - DCCCVI: O colaboracionismo sempre teve uma paga (6) (João Parreira)

26 de Maio de 2006 > Guiné 63/74 - DCCC: O colaboracionismo sempre teve uma paga ( 5) (Carlos Vinhal)

26 de Maio de 2006 > Guiné 63/74 - DCCXCIX: O colaboracionismo sempre teve uma paga (4) (Pepito)

26 de Maio de 2006 > Guiné 63/74 - DCCXCVIII: O colaboracionismo sempre teve uma paga (3): Paulo Raposo

26 de Maio de 2006 > Guiné 63/74 - DCCXCVI: O colaboracionismo sempre teve uma paga (2) (Zé Teixeirq)

25 de Maio de 2006 > Guiné 63/74 - DCCXCV: O colaboracionismo sempre teve uma paga (1) (A. Marques Lopes)

(...) Notas de L.G.:

(...) Colaboracionismo: Actividade, comportamento, atitude ou interesse de colaboracionista, ou seja, de pessoa que colabora com ou apoia o inimigo que ocupa, total ou parcialmente, o território do seu país (Dicionário Houaiss da Lígua Portuguesa, 2002).

O termo fancês collaborationniste surgiu em 1940, na sequência da ocupação da França pelo exército alemão e a constituição do Governo de Vichy, presidido pelo Marechal Pétain (1851-1951), o herói de Verdun na I Guerra Mundial. Depois da libertação, Pétain foi condenado à morte por alta traição, sentença comutada em prisão perpétua. Houve outros governos colaboracionistas durante a II Guerra Mundial: Bélgica, Holanda, Noruega (com o famigerado Vidkun Quisling, abertamente favorável aos nazis), Croácia, Hungria bem como noutras partes da Europa de Leste...

Ao colaboracismo contrapõe-se a resistência: por exemplo, a resistência francesa, La Résistance (1940-1944) à ocupação nazi e ao regime de Vichy... Em Portugal, também se fala de Oposição ou Resistência à Ditadura (leia-se: Ditadura Militar, instaurada em 28 de Maio de 1926 e depois, a partir de 1933, Estado Novo, deposto em 25 de Abril de 1974).

(****) Vd. postes de:

15 de Setembro de 2009 >Guiné 63/74 - P4953: (Ex)citações (45): Resposta ao Mário Fitas: Luís, deixa sair de vez em quando as G3...(Luís Graça)


11 de Setembro de 2009 > Guiné 63/74 - P4939: Banalidades do Mondego (Vasco da Gama) (IV): A minha guerra foi outra, camarada Amílcar Ventura


11 de Setembro de 2009 > Guiné 63/74 - P4936: O segredo de... (6): Amílcar Ventura: a bomba de gasóleo do PAIGC em Bajocunda...

(****) Sobre este tópico, vd. A HISTÓRIA DA LOBA (excerto, com a devida vénia, de Papagovas > Página pessoal de Fernando Silva)

“Pensas que sou da Lourinhã???”

Eis uma expressão por muitos sobejamente conhecida, e que significa: “Julgas que sou estúpido?”, mas a maioria desconhece a sua origem.

No seu livro "A Extremadura Portuguesa”, Alberto Pimentel escreveu o seguinte:

"O Diccionario ’Popular, de Pinheiro Chagas, remata o seu ligeiro artigo sobre a Lourinhã, dizendo : 'Não sabemos qual a origem do proloquio vulgar, que faz com que se diga de um homem lorpa e que tudo ignora: Parece que veio da Lourinhã.' Este proloquio tem ainda outras modalidades, taes como : – E’ da Lourinhã! – Não se faça da Lourinhã! todas ellas batendo no mesmo sentido. E’ provavel que alguma anecdota explique a procedencia do proloquio, como synthese da boçalidade do camponez da Lourinhã. Ignoramol-a. Mas o que sabemos é que o povo d’este concelho conserva uma rudeza primitiva e aquella ignorancia tradicional que os saloios herdaram dos seus antepassados. Assim nos affirmam pessoas que de perto o conhecem."

Na década de 1930, Dona Amélia do Perdigão tinha, na sua quinta, um corpulento animalejo de raça canina que metia respeito e mantinha à distância quem ousasse aproximar-se do palacete ou do trem onde se fazia transportar.

Um dia o animal desapareceu da Quinta do Perdigão e a partir daí, deu muito que falar na região devido ás muitas histórias que sobre ele foram inventadas.

Uns chamavam-lhe LOBA, outros RAPOSA, e que esta devorava animais com as suas garras, dizimava rebanhos, coelhos, galinhas, matava vitelos, e havia quem dissesse que, no Vale Côvo (Conselho do Bombarral), chegou a matar um burro.

Formaram-se grupos populares, Milícias e até chegaram reforços Militares de Lisboa, com o intuito de abaterem a Loba. Chegou-se mesmo a pensar em evacuar a Vila, tal era o pânico da população.

Quando finalmente o animal foi abatido, verificou-se tratar-se “apenas” de uma cadela assustada e esfomeada.

Daí surgir a expressão: 'Pensas que sou da Lourinhã???', devido a este infeliz incidente. (...)".

Felizmente, meu caro Vitor, a minha terra deixou há 25 anos de ser a Terra da Loba, para se tornar a Capital dos Dinossauros... No Oeste estremenho, há outras terras que continuam a ser objecto de troça (ou até de insulto), por causa de anedotas históricas como esta... É o caso de Peniche ("Amigos de Peniche"...), de Rio Maior ("O Leão de Rio Maior")... Tu próprio fazes questão de sublinhar que és de Pombal, ou vives em Pombal (e não do Pombal, no Pombal)... Preciosismos literários ? De modo algum... É como os alentejanos de Cuba: não se vai a Cuba, vai-se à Cuba... Cada terra e cada povo tem a sua idiossincrasia... e as suas susceptibilidades...

quinta-feira, 26 de abril de 2007

Guiné 63/74 - P1700: Bambadinca: Quando a cantiga... era uma arma (Gabriel Gonçalves)

Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Bambadinca > 1971 > O memorial da CCAÇ 2590, erguido na parada do quartel de Bambadinca, no final da comissão dos quadros e especialistas da CCAÇ 2590 (Maio de 1969/Março de 1971) que deram origem à CCAÇ 12, constituída por praças do recrutamento local.

Foto: © Gabriel Gonçalves (2006). Direitos reservados.


Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Bambadinca > Nhabijões > 1970 > Pessoal da CCAÇ 12, destacada no reordenamento de Nhabijões. Em todas as unidades havia gente que sabia tocar e/ou cantar. E fazia-se jus ao ditado popular: "Quem canta, seu mal espanta"... Na CCAÇ 12, lembro-me do Gabriel Conçalves, o Zé Soua, e o Tavares (o nosso escriturário). Na foto, o furriel José Sousa, madeirense, é o primeiro da direita, seguido dos furriéis Reis e Henriques. O tocador de acordeão era o nosso 1º cabo escriturário, o Tavares, se não me engano. Baladeiros e tocadores de viola de outras unidades, lembro-me muito bem do ex-Alf Mil Cav Vacas de Carvalho, do Pelotão de Reconhecimento Daimler 2206 (1969/71), e do ex-Alf Mil da CCS do BART 2917 (1970/72)... Outro tocador de viola, soube-o há dois anos, era o nosso David Guimarães (CART 2716, Xitole, 1970/72). (LG)

Foto: © Humberto Reis (2006). Direitos reservados.

Mensagem do GG (Gabriel Gonçalves), o viola e o baladeiro da CCAÇ 12 que, por sinal, também era, na tropa 1º Cabo Operador Cripto (1), o que na prática o impedia de sair do arame farpado, fazendo dele uma espécie de refém da grande caserna de Bambadinca...
Curiosamente, não me lembro de alguma vez o ter visto de G3 em punho; em contrapartida da, lembro-me bem dele a entrar, amiudadas vezes, no nosso bar e messe de sargentos com a viola debaixo do braço... Hoje sei que uma das suas grandes paixões é a pesca... Infelizmente, também nunca o vi a pescar num rio da Guiné, ali por perto: o Udunduma, o Geba... Ele, de facto, vivia - ele e os outros criptos - numa espécie de prisão que tinha muito pouco de dourada: é um facto que nunca teve um ataque a Bambadinca, que nunca saiu para o mato... Mas imagino como é que um gajo pode ficar apanhado dentro do arame farpado.... Como uma desgraça nunca vem só, o GG terá o último de nós a ter direito a um periquito, ou mesmo é dizer, passaporte para poder voltar a casa... Ele já contou essas peripécias aqui, no nosso blogue (2) (LG)

Henriques:

A pouco e pouco as recordações vão chegando, apoderando-se de mim uma certa nostalgia, pois na verdade passámos bons momentos lá em Bambadinca.

Recordo que uma ocasião, estava eu na cantina das praças, entrou a ordenança do comandante e dirigindo-se a mim, intimou-me por ordem do comandante a comparecer na messe dos oficiais e que levasse a viola; claro que tive que obedecer à ordem, mas bastante contrariado, pois eu gostava de cantar, como sabes, mas na companhia da malta porreira.

Quando lá cheguei, ao passar o guarda-vento, pus-me em sentido com a viola do meu lado direito, qual G3, e bradei:
- O meu comandante dá licença?
- Está à vontade, disse ele, podes entrar e começa lá a cantar!

Adivinha tu qual foi a primeira canção que eu cantei? Pois claro "ISTO É TÃO BERA" (3). Foi a forma que arranjei para me vingar. Resta-me acrescentar que no refrão fui secundado brilhantemente por alguns oficiais milicianos, como por exemplo: Machado, Abel, Rodrigues (este último, que Deus o tenha, de tanto berrar até ficou vermelho).

Resta-me acrescentar que o major BB [, da CART 2917], ficou fulo da vida e ameaçou-me que se eu não cantasse outra coisa de jeito, mandava-me cortar o bigode!

Um abraço, GG

__________

Notas de L.G.:

(1) Vd. posts de:

18 de Dezembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1377: CCAÇ 2590/CCAÇ 12: Apresenta-se o 1º Cabo Operador Cripto Gabriel Gonçalves
26 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1464: Oficiais, sargentos e praças: tropa é tropa, uísque é uísque (Gabriel Gonçalves / Luís Graça)
(2) Vd. post de 2 de Fevereiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1485: Bambadinca revisitada... ou os azares de um operador cripto em fim de carreira (Gabriel Gonçalves, CCAÇ 12)
(...) "Como tu dizes, realmente eu estive trancado no quartel, mas foi durante 22 meses, porque o meu periquito não chegou e, segundo me constou, o rapaz era sobrinho de um tenente-coronel e deu baixa ao hospital. Quando deram nota da ocorrência para a repartição de sargentos e praças, o responsável que recepcionou a nota esqueceu-se de nomear um substituto e lá fiquei eu a ver-vos partir e a gramar mais dois meses daquela merda.
"Aqueles dois meses foram os piores da minha vida... de tal maneira que em dada altura resolvi deixar de alinhar na escala de serviço, com a anuência dos meus superiores, passando apenas a dar apoio aos periquitos. Como tinha mais tempo disponível passei estupidamente a dedicar-me às bazucas [, garrafas de cerveja de 0,6 ], e dessa forma andava anestesiado o que me trouxe alguns dissabores" (...).
(3) Vd. post de 24 de Abril de 2007 > Guiné 63/74 - P1695: Cancioneiro de Bambadinca: Isto é tão bera (Gabriel Gonçalves)

segunda-feira, 5 de junho de 2006

Guiné 63/74 - P849: Os que lutaram contra a guerra, mesmo fazendo-a, também fazem parte da nossa história (João Tunes)

Texto do João Tunes, com data de 1 de Junho de 2006:

Caro Luís,


Este blogue é, também, uma caixa de surpresas. Não só pelo que vamos recordando e sabendo, também pela forma viva e fraternal como reconstruímos a camaradagem forjada nos tempos de guerra (agora mais alargada, vencendo as barreiras da quadrícula ou das épocas diferentes em que por lá passámos). E as surpresas não ficam por aqui, pois, entre tantos que fomos, acabamos por nos reencontrar de outros caminhos, outras ocupações, o que, provavelmente, não aconteceria sem este ciber-quartel.

Já disse da minha surpresa no (re)encontro com um antigo colega profissional (o camarada António Levezinho). Estivemos em simultâneo a trabalhar na mesma empresa para aí uns trinta anos, julgo que nunca nos cruzámos, não nos supúnhamos ex-combatentes no mesmo tempo e na mesma guerra e até fomos embarcados no mesmo Cruzeiro conhecido como Niassa. E acabámos por repor este laço comum, via blogue, permitindo-me sabê-lo de boa saúde e disposição no seu retiro algarvio. O que muito me alegra.

Agora, fiquei banzado ao ler o Post nº 823 do camarada Jorge Cabral. Não pelo seu conteúdo, que assino por baixo. Sem espinhas. Mas porque ele disse que me conhecia da recruta na EPI em Mafra e alude a um amigo comum, também recruta, o João Resende. Primeiro, o Jorge mostra ter muito melhor memória que eu (o que não é difícil, diga-se). É que depois de dar voltas e mais voltas quer às suas fotografias publicadas do tempo na Guiné (talvez por causa dos disfarces com os roncos fulas ou mandingas) quer às da actualidade (talvez pela marca do tempo passado), não consigo reconstituir a sua esbelta e marcial figura nos tempos em que convivemos (esporadicamente) no casarão de pedra onde aprendemos a marcar passo. Talvez numa qualquer oportunidade de abraço ao vivo, a minha memória se recomponha.

Mas o Jorge Cabral, falando de nós e do nosso camarada Resende, acaba por trazer a lume um aspecto que julgo ainda não abordado e que falta na história da guerra para ela ficar composta. Ou seja, da luta anticolonial desenvolvida no interior das Forças Armadas por militares antifascistas (sobretudo, entre milicianos) e que acabariam por contaminar os oficiais do quadro de média e baixa patente que, depois, deu no que se sabe.

Como se sabe, muitos cadetes milicianos iam para Mafra depois de terem enfrentado o regime nas lutas estudantis e alguns deles estavam ali precocemente, sem os deixarem concluir os seus cursos, por terem sido punidos com a expulsão da Universidade. Daí que, quando fui enfiado em Mafra, em 1968, a maioria esmagadora dos cadetes tinha já convicções mais ou menos consolidadas contra o regime e contra a guerra colonial. Claro que havia os apolíticos e um ou outro que até aderia ao militarismo. Mas patriotas convictos e convencidos da justeza da guerra, contavam-se pelos dedos e acabavam por fazer figuras algo excêntricas nos sentimentos dominantes e nas conversas. Eram os que chamávamos de chicos e fachos que, por regra, acabavam por ficar isolados. E alguns mudaram posteriormente de posição quando da experiência concreta na guerra, o que pude também constatar em diversos casos.

A chegada do João Resende (referido pelo Jorge Cabral) a Mafra mudou muito as coisas. Ele foi com o curso concluído de engenharia química e tinha sido o líder estudantil no Porto (onde o conhecera e onde com ele acamaradara nas brigas contra os fachos). Era, pois, um veterano e organizado militante contra o regime, com grande capacidade de organização e bom conhecedor das regras conspirativas, mais um grande poder carismático aliado a uma profunda modéstia. Com ele, muito mudou em Mafra. A oposição à guerra evoluiu, entre os cadetes, dos desabafos soltos para uma organização estruturada de denúncia e combate à guerra colonial.

Se, desse grupo, não lembro o Jorge Cabral, lembro-me de outros antigos dirigentes e activistas estudantis, nomeadamente o engenheiro António Redol (filho do escritor Alves Redol) que havia sido Presidente da Associação de Estudantes do Técnico e o Miranda Ferreira, economista e activista nas lutas de Económicas. Éramos um grupo restrito, como se impunha, mas lá fomos mexendo. Nos fins-de-semana, tínhamos as nossas reuniões conspirativas em Lisboa, em casa da mãe do Redol, durante a semana fazia-se o que se podia - contactos com quem revelasse consciência anticolonial, umas tarjetas contra a guerra espalhadas à noite pelas casernas, pinchagens nos corredores ("Abaixo a Guerra Colonial!"), apelo a que se ouvissem as emissões da Rádio Voz da Liberdade (em Argel), etc.

Entretanto, eu saí de Mafra (quando o Resende lá chegou eu já tinha feito a recruta e estava a tirar a especialidade) e o Resende por lá continuou por mais tempo. E com bons resultados, pois num dos posteriores juramentos de bandeira deu-se o célebre protesto dos cadetes milicianos através de, no momento do juramento, perante a generalada e as famílias dos cadetes, ter havido um colectivo, alargado e simultâneo descuido de se carregar na patilha e deixar cair os carregadores da G3 no chão, coisa que foi uma realíssima bronca.

[O João Resende foi, mais tarde, parar ao quartel de Chaves e depois mobilizado para Moçambique. Então, desertou mas não saiu do país, passou à luta como militante clandestino. No meu regresso da Guiné, ele bateu-me à porta diversas vezes, irreconhecível no seu disfarce de clandestino (ele actuava na região de Lisboa), ficávamos noite fora a conversar e conspirar, depois dormia em minha casa e abalava cedo na manhã seguinte até uma próxima visita, deixando-me boas molhadas de material clandestino para ler e distribuir. E foi, graças a ele, que li bem cedo o Rumo à Vitória de Álvaro Cunhal, numa edição integral e clandestina. Assim como uma versão a stencil do Luuanda do Luandino Vieira, então preso no Tarrafal e com os livros proibidos. Poucos meses antes do 25 de Abril, foi apanhado pela PIDE e selvaticamente torturado (imagine-se o que era a PIDE caçar um desertor e militante clandestino!), não tendo passado muito tempo de prisão nem sido julgado porque, entretanto, deu-se o golpe. Por isso, desde a sua prisão até ao 25 de Abril, claro que eu, quando me deitava, sabia da alta probabilidade de ser acordado a meio da noite com visitas inesperadas e desagradáveis.]

Julgo, caro Luís, que esta parte, a luta contra a guerra pelos militares antifascistas e anticolonialistas, é uma parte não pouco importante na nossa história e na história da guerra. Pouco ou nada conhecida, para mais. Outros camaradas de muito mais saberão e talvez se disponham a ajudar a abrir o livro.

Quanto ao camarada Jorge Cabral, o reconhecimento fica para quando da oportunidade do estudo visual e ao vivo. Vamos lá ver como funciona a minha fraquíssima memória. Um grande abraço, entretanto.

Outro abraço para ti, camarada e amigo Luís, outros tantos para todos os estimados tertulianos. Com os pedidos de desculpa por tanto me aturarem (calma, eu prometo já uma pausa mais ou menos prolongada!).


João Tunes