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quarta-feira, 23 de agosto de 2023

Guiné 61/74 - P24580: Historiografia da presença portuguesa em África (382): Um importante ensaio sobre a missionação franciscana na Guiné e Rios da Guiné, século XVIII na "Revista Itinerarium", ano LXVIII, n.º 228, julho-dezembro de 2022 (1) (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 19 de Janeiro de 2023:

Queridos amigos,
Esta revista Itinerarium está a revelar-se uma importante fonte de consulta sobre as missões católicas, são olhares que complementam a obra clássica do Padre Henrique Pinto Rema. Este investigador, Padre Manuel Pereira Gonçalves dá-nos um relato sobre a missionação dos franciscanos observantes em pleno século XVII, a partir de 1656. Convém recordar que D. João IV se viu a braços com a hostilidade espanhola na região, que também se manifestava na missionação, daí os esforços para robustecer a capitania de Cacheu e o apoio que deu à obra missionária, esta centrava.se na diocese de Cabo Verde e o autor aproveita para fazer uma síntese histórica que aqui se plasma por se lhe conferir bastante rigor. Ele irá falar sobre a Província da Soledade na missão de Cabo Verde e da Guiné, mas antes dá-nos uma apreciável nota do trabalho desenvolvido pela Província de Nossa Senhora da Piedade. Daremos seguimento ao trabalho do Padre Manuel Gonçalves fazendo depois uma recensão de um artigo publicado na mesma revista intitulado "Recordações da guerra civil de Bissau (1998/1999)" pelo então vigário geral da diocese, Padre João Dias Vicente.

Um abraço do
Mário



Um importante ensaio sobre a missionação franciscana na Guiné e Rios da Guiné, século XVIII (1)

Mário Beja Santos

Confesso que desconhecia por inteiro os trabalhos que o Padre Manuel Pereira Gonçalves tem dedicado à Guiné e este seu trabalho publicado na "Revista Itinerarium" (revista semestral de cultura publicada pelos Franciscanos de Portugal), ano LXVIII, n.º 228, julho-dezembro de 2022, como o leitor comprovará, introduz elementos novos face ao que já sabemos, sobretudo depois das incontornáveis investigações do Padre Henrique Pinto Rema.

O seu trabalho intitula-se "A Missionação dos Franciscanos Observantes (1656-1700), na Guiné ou nos Rios da Guiné". Começa por concordar com a opinião do Padre Henrique Pinto Rema quanto à área da diocese de Cabo Verde, limites traçados pela bula de ereção da diocese com data de 31 de janeiro de 1533: “A nossa diocese abrange o arquipélago de Cabo Verde e a terra firme da costa da Guiné, desde o rio Gâmbia, perto do promontório ou lugar do Cabo das Palmas até ao rio de Santo André. Segundo a Bula Pro Excellenti, os extremos Norte e Sul da nova Diocese distam 350 léguas, ou seja, cerca de 2100 quilómetros. O território para cima do rio Senegal pertencia à arquidiocese do Funchal.” Observa que a presença portuguesa na Guiné foi praticamente nula nos séculos XVIII e XIX e que para tal situação contribuiu a presença de países melhor apetrechados, económica e militarmente, e que punham permanentemente em causa a existência da nossa soberania. Os portugueses também se viram condicionados pela guerra de corso. No século XVII, os Rios da Guiné, apesar do sentido indefinido segundo os textos legais, faziam parte da área da jurisdição da capitania de Cabo Verde, cujo governador tinha poder sobre o Capitão-Mor de Cacheu.

Indo mais atrás, o autor fala do período entre 1432 e 1438 quando os Rios da Guiné eram sinónimo de Etiópia Menor. Cadamosto foi o primeiro a demandar esta baixa região da Etiópia e a contatar a população negra. Iniciou a sua primeira viagem em 22 de março de 1453, a segunda decorreu em 1456, terá sido nesta que descobriu quatro ilhas cabo-verdianas: Boavista, Santiago, Maio e Sal. Valentim Fernandes refere duas Etiópias, a primeira corre e estende-se pela costa do rio Senegal até ao Cabo da Boa Esperança. E do dito rio até este cabo são 1340 léguas. O outro nome da baixa Etiópia é Guiné. No seu roteiro, Valentim Fernandes fala das duas Etiópias, dizendo que a segunda, a Etópia Superior começa no rio Indo, além do grande reino da Pérsia, do qual a Índia este nome tomou. Mais tarde, Jerónimo Munzer, viajante e cientista alemão, manifestou interesse pelas navegações portuguesas e enviou por Martinho da Boémia uma carta dirigida a D. João II aconselhando-o a descobrir o caminho marítimo para a Índia pelo Ocidente. No ano seguinte, em 1494, ele próprio veio a Portugal, falou com D. João II, das conversas havidas e das suas impressões de viagens deixou o livro Itinerarium. O Padre Manuel Pereira Gonçalves refere também as viagens e trabalho do Padre Manuel Álvares, Jesuíta, que escreveu uma obra Etiópia Menor, o Padre Baltazar Barreira, que missionou na Guiné e que também deixou um precioso relato. Antes destes autores, também André Donelha deixou uma descrição da região, sabemos que esteve pelo menos três vezes na Guiné ao serviço da armada de António Velho Tinoco, provedor da fazenda real das ilhas de Cabo Verde.

Mais precisa que a descrição de André Donelha é a obra "Duas Descrições Seiscentistas da Guiné deixada por Francisco de Lemos Coelho, no século XVII. Como realça o autor, trata-se de uma obra indispensável para um levantamento geográfico e etnográfico desta Etiópia Menor. A documentação histórica subsequente refere de forma indiferenciada os Rios da Guiné ou os Rios da Guiné e Cabo Verde. Lembra também o autor que as ilhas dos Bijagós aparecessem no trabalho do Padre Manuel Álvares. Outros relatos vão conferir importância ao Rio Nuno, não muito longe do Rio Tombali. A importância do Rio Nuno para os portugueses reside na história do seu nome e ainda na abundância de marfim e tintas. Navegando em direção a Sul chega-se ao Rio Verga, próximo está o cabo que tem o mesmo nome. Por fim, temos a Serra Leoa, há testemunhos desse itinerário através dos escritos do Padre Fernão Guerreiro e do Padre Manuel Álvares. Para o autor é absolutamente certo que a descoberta da Serra Leoa se deve ao navegador Pedro de Sintra que foi um pouco mais além do atual território, chegando mesmo à Libéria. O navegador Luís Cadamosto faz referência em pormenor a esta viagem. Em 1462, Pedro de Sintra iniciou uma nova viagem com apenas duas caravelas e desembarcou numa das ilhas dos Bijagós. E prosseguiu viagem, passou pela montanha da Serra Leoa (está-se em crer que este nome deriva do grande rugido que ali se faz sentir por causa das trovoadas). E chegou ao Cabo das Palmas e Rio de Santo André, limite da diocese de Cabo Verde e Guiné, recorde-se que este cabo foi descoberto no reinado de D. Afonso V, em 1469, a mando de Fernão Gomes.

E o autor começa a sua exposição sobre a Província de Nossa Senhora da Piedade, o apoio dado pelo rei D. João IV à Missão de Cabo Verde. É neste apostolado em Cabo Verde que dois franciscanos vão à Guiné: Frei Paulo do Lordelo e Frei Sebastião de S. Vicente, eram portadores de um projeto muito específico, lançar os alicerces do hospício de Cacheu. Na povoação de Cacheu, no século XVI, viviam 800 cristãos ou assim considerados. Os dois religiosos estiveram alguns meses no ensino da região cristã e depois seguiram para o reino dos Banhuns. Foram muito bem recebidos pelo rei da terra, ali ergueram uma pequena capela. E depois estes dois franciscanos fizeram uma longa viagem, tinham como meta a Serra Leoa, passaram por Bissau e o Rio Nuno. Esta missão franciscana entusiasmou outros religiosos. Surgiu uma segunda leva de missionários, em 1662, 12 religiosos capuchos da Província da Piedade marcam presença. E em 1663, Frei André de Faro e Frei Salvador de Taveiro chegam a Cacheu e daqui partem para o território dos Banhuns. Mas o autor não deixa de nos advertir que por volta de 1670 a evangelização do continente não era nada brilhante. E depois de nos ter falado sobre esta Província de Nossa Senhora da Piedade vai referenciar a Província da Soledade na missão de Cabo Verde e da Guiné.

O que será importante reter? A Guiné e a missão de Cabo Verde nos finais do século XVII e durante o século XVIII não atraíram vocações. Só um iluminado era capaz de partir para locais tão difíceis sem saber o que de bom iria encontrar.

Mapa da Costa da Guiné (adaptado de Nuno da Silva Gonçalves, Os Jesuítas e a missão de Cabo Verde (1604-1642), Lisboa, ed. Brotéria, 1996.)

Peregrinação Mariana em Geba, 2013
(continua)
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Nota do editor

Último poste da série de 16 DE AGOSTO DE 2023 > Guiné 61/74 - P24557: Historiografia da presença portuguesa em África (381): 1.ª Exposição Colonial Portuguesa, Porto, 1934, os memoráveis clichés fotográficos de Domingos Alvão (Mário Beja Santos)

segunda-feira, 21 de agosto de 2023

Guiné 61/74 - P24574: Notas de leitura (1608): "Os Portugueses nos Rios de Guiné (1500-1900)", por António Carreira; edição de autor, Lisboa, 1984 (2) (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 17 de Setembro de 2021:

Queridos amigos,
António Carreira foi bastante ousado neste seu ensaio, não lhe faltou ambição, alerta o leitor, procura pôr à sua disposição informações sobre as principais causas da escassa presença portuguesa na região da chamada Senegâmbia Meridional, disseca as incúrias que incorreram para este fracasso, e desmonta a teoria da conquista da região cuja posse efetiva não ultrapassou cerca de 60 anos. Não foge à polémica e dá mesmo as suas razões para dizer que o crioulo que se fala na Guiné é visceralmente herdeiro do crioulo cabo-verdiano, é língua veicular recente, começou a titubear na década de 1920 e confirmou-se como língua franca na década de 1960. Benjamim Pinto Bull não concordaria com esta opinião e talvez outros estudiosos da génese do crioulo guineense. Estamos perante um ensaio que remexe nas entranhas da ocupação portuguesa, das relações comerciais, mantém-se atento àqueles grupos de judeus que se fixaram à volta do rio Senegal, estuda o comércio em torno do Casamansa, do Cacheu, do estuário do Geba, do Rio Grande de Buba; mostra o esforço desenvolvido na Restauração para se conseguir fixação no território. Enquanto tudo isto se passa, os guineenses vivem fora da economia de mercado, tudo se alterará com o cultivo em larga escala da mancarra e do arroz. Obra incontornável, não se percebe como se ficou numa edição modesta, é mais do que credora de uma nova edição para quem estuda a Guiné com bases no rigor dos dados e na desmontagem de mitos e falácias.

Um abraço do
Mário



Os Portugueses nos Rios de Guiné (1500-1900) – 2:
Leitura indispensável


Mário Beja Santos

António Carreira (1905-1988) foi um administrador colonial que deixou um impressionante legado historiográfico, a Guiné foi o centro dos seus trabalhos. Os Portugueses nos Rios de Guiné (1500-1900), edição de autor, Lisboa, 1984, é uma obra de leitura obrigatória, insere uma síntese admirável sobre diferentes incursões do autor nos campos da etnografia, da economia, do tráfico negreiro e o histórico da presença portuguesa na Senegâmbia meridional. Inevitavelmente, disserta sobre a questão do tráfico negreiro, fazia parte da permuta de mercadorias e bens por escravos, chamava-se resgate. A moeda surge mais tarde, no último quartel do século XVII, ganha então importância a pataca espanhola, em prata. Carreira observa que a difusão da prata amoedada deve-se quase exclusivamente aos espanhóis, a pataca impôs-se a todas as outras moedas no mercado do setor.

E refere os itinerários da escravatura:
“As carregações de escravos eram encaminhadas (pelo menos de 1468 a 1645/47) em regra para a ilha de Santiago e dali com destino a Portugal, Cádis, Sanlúcar de Barrameda, Canárias, Índias de Castela, Antilhas, Santo Domingo, Cartagena, Nova Espanha (México), Barbados, norte do Brasil. E o autor também elenca os géneros de origem africana movimentados em exclusivo na costa, caso do algodão e respetivos panos, âmbar, anil vegetal, nozes de cola".

De 1700 a meados de 1800, observa o autor, iremos assistir à desorganização das trocas comerciais, era grande a pressão dos régulos para fazer transações fora das alfândegas, a desorganização abriu as portas à desagregação – ruínas das fortificações, insuficiência das guarnições militares, recessão comercial, ausência de navios de longo curso, falta de rendimentos para as mais elementares despesas, assistiu-se a um apagamento de Cacheu, Farim e Ziguinchor. E tudo foi agravado pelas constantes lutas intestinas entre etnias e fações de uma mesma etnia, passaram a ser endémicas.

Tenta-se uma resposta, é criada a Companhia de Grão-Pará e Maranhão, entidade que teve no encargo, em exclusivo, a governação e a exploração económica das ilhas de Cabo Verde e dos presídios da Guiné, de 1755 a janeiro de 1758 – a empresa administrou os presídios, cobrou receitas públicas e pagou despesas com a manutenção desses organismos, adquiriu géneros de produção africana e, acima de tudo, escravos. Carreira dá-nos o contexto para a panaria cabo-verdiana e depois a guineense, os chamados “panos da terra”.

Todo o seu notável ensaio sobre quatro séculos de presença portuguesa nos rios de Guiné tem um cunho profundamente didático. Veja-se um exemplo:
“Capitania e suas dependências é a designação usada para definir o governo de Cabo Verde, sob cuja jurisdição estava a parte continental conhecida por ‘Rios de Guiné’. O esquema que podemos chamar divisão territorial baseou-se nas praças, presídios, pontos ou postos e feitorias. O número de praças, de presídios e postos manteve-se quase sempre o mesmo e nos mesmos locais até 1831, quando por razões ligadas à penetração francesa no rio Casamansa, se criaram dois postos militares, o de Bolor, na margem direita do Cacheu, e o de Gonzo, na margem esquerda do Casamansa".

Um outro dado importante que Carreira põe em destaque é o fim da supremacia Mandinga e a invasão dos Fulas. Tudo começa com a invasão do Cabu. Em 1850/1851 teve lugar o recontro mais violento conhecido por batalha de Bérécolom e cerca de 1853/1854 cresceu a intervenção dos Futa-Fulas. E dá-se a batalha de Turuban em que foram derrotados e submetidos os Mandingas, assim como os outros povos das regiões periféricas. O mesmo aconteceu com os Manjacos da Costa de Baixo que se sublevaram e se independentizaram do poder central. A presença portuguesa entrara num vespeiro. Com um novo poder do Cabu, com os Fulas-Pretos a libertarem-se dos Fulas-Forros e a encaminharem-se para o Sul, deu-se o confronto entre estes Fulas e os Beafadas. Todo o território do Cabu foi invadido por uma expedição procedente do Casamansa, dirigida por Mussá Mõló que se declarou porta-bandeira da libertação dos Fulas cativos ou Fulas-Pretos do domínio de outras etnias. Eclodiu um tipo de guerra de libertação acompanhado de pilhagens e escravização.

Foi uma guerra que se prolongou até cerca de 1899 e que teve aspetos desastrosos para a presença portuguesa, impotente para intervir numa autêntica Guerra Santa do Islão, o suserano do Cabu decretara em 1874 a anexação do território de Bolola, os derrotados eram escravizados pelos grupos islamizados dominantes, Fulas-Forros e Futa-Fulas. Todos os regulados à volta viviam em estado de terror. Quando acabaram as guerras, o Islamismo vingou, quase todo o Forreá aceitou o Islão, embora o povo tenha permanecido animista. Com toda a dificuldade da falta de recursos, foi nos presídios de Geba e Buba que se reagiu recorrendo a tratados de paz. Em 1881, assinou-se em Bolama, com certo aparato, o tratado de paz com os régulos Fulas, Futa-Fulas do Forreá e do Futa-Djalon. O tratado nunca foi cumprido, representou para Portugal um processo dilatório, um compasso de espera para permitir o rearmamento.

Chegada a hora de proceder às conclusões, Carreira é muito frontal quanto a tudo o que apreciou no seu trabalho:
“Parece lícito afirmar que até à segunda metade do século XIX a evolução do processo histórico da Guiné mostra que o território viveu quase fechado a culturas estranhas, com a sua economia de subsistência, esta auxiliada um tanto pela comercialização, em modesta escala, de couros, cera, algum marfim, panos e bandas de algodão. E escravos.
O comércio das praças cingia-se à troca de mercadorias importadas por géneros de cultivo ou de realização africanos. A moeda praticamente não funcionava.

A mancarra será cultivada em apreciável escala em 1919-1920. Os couros que se exportavam não provinham do território da Guiné. Pode dizer-se que só a partir daí as populações guineenses entraram na economia de mercado. As praças e presídios serviam de pontos de apoio para fins meramente mercantis – a europeus, mestiços e cristãos da terra. A convivência dos ocupantes das praças e presídios com as populações em derredor dependia da vontade das autoridades tradicionais.

Em nossa opinião, não se criou nenhum crioulo na área conhecida por Guiné. O que se deu foi a difusão dos rios da Guiné do crioulo nado em Cabo Verde. Havia elementos de ligação (os Línguas) que falavam o proto crioulo, o Pidgin. O crioulo cabo-verdiano só se transformou com intensidade em língua franca acessível a todas as etnias nos anos 1920 e seguintes e de forma rápida nos anos de 1960”
.

A historiografia possui poucas sínteses deste valor, é deplorável que este trabalho não tenha vindo a ser reeditado, atendendo ao papel incontornável que ocupa nos estudos portugueses e guineenses.

Mapa de África (1689), de Van Schagen
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Nota do editor

Último poste da série de 18 DE AGOSTO DE 2023 > Guiné 61/74 - P24565: Notas de leitura (1607): "Os Portugueses nos Rios de Guiné (1500-1900)", por António Carreira; edição de autor, Lisboa, 1984 (1) (Mário Beja Santos)

sexta-feira, 18 de agosto de 2023

Guiné 61/74 - P24565: Notas de leitura (1607): "Os Portugueses nos Rios de Guiné (1500-1900)", por António Carreira; edição de autor, Lisboa, 1984 (1) (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 14 de Setembro de 2021:

Queridos amigos,
António Carreira continua a ser um nome sonante da historiografia guineense. Poucos anos antes do seu falecimento tomou a iniciativa de publicar um estudo que se revela ainda hoje incontornável para quem queira organizar a história da presença portuguesa na região, procura responder a questões basilares para as quais infelizmente continua a não haver uma sequência cronológica consolidada: o fracasso dessa presença, as razões por que se limitavam os portugueses a terem de se contentar com um território eufemisticamente designado por Senegâmbia Meridional, e desmontando ou desmistificando a teoria da conquista de uma região, que, como ele diz, terá tido posse efetiva uns 60 anos, e daí se compreender como tudo foi tão duro e tão difícil, e por vezes tão sangrento, nas chamadas operações de pacificação, sobretudo após a definição de fronteiras, em 1886.

Um abraço do
Mário



Os Portugueses nos Rios de Guiné (1500-1900) – 1:
Leitura indispensável


Mário Beja Santos

António Carreira (1905-1988) foi um administrador colonial que deixou um impressionante legado historiográfico, a Guiné foi o centro dos seus trabalhos. "Os Portugueses nos Rios de Guiné (1500-1900)", edição de autor, Lisboa, 1984, é uma obra de leitura obrigatória, insere uma síntese admirável sobre diferentes incursões do autor nos campos da etnografia, da economia, do tráfico negreiro e o histórico da presença portuguesa na Senegâmbia meridional. Em jeito introdutório, Carreira diz-se interessado em compreender as razões do fracasso da fixação dos portugueses na Costa Ocidental Africana, na área geográfica compreendida entre o rio Senegal e o norte da Serra Leoa. Adianta que as relações comerciais com os povos da costa, de Arguim ao Cabo Verde continental tiveram algum incremento nas primeiras décadas de 1500; e mais tarde tal relacionamento intensificou-se de Cabo Verde à Serra Leoa. Mas irrompeu a concorrência e esta fez decair a presença portuguesa a partir da segunda metade do século XVI, é hoje assunto alvo de consenso de que a União Ibérica lesou seriamente tal presença em detrimento espanhol, francês, holandês e inglês. O autor lembra-nos que a região era conhecida por Rios de Guiné de Cabo Verde por este período.

E dá como móbil do seu trabalho, pôr à disposição informação do seguinte teor: a) as principais causas da perda pelos portugueses das posições que pretendiam assegurar; b) as fraquezas, as misérias e as incúrias que concorreram para o fracasso; c) as razões por que os portugueses tiveram de se contentar com o território compreendido entre o Cabo Roxo e a Ponta Cajé; d) desmontar/desmistificar a teoria de conquista de uma região que terá tido posse efetiva uns 60 anos.

Discorre sobre a toponímia da Costa Ocidental Africana nos séculos XV a XVII, isto para nos alertar a existência de profundos desconhecimentos da geografia. Cadamosto deu à Costa Ocidental Africana a designação de Baixa Etiópia e à população chamou-lhes Negros da Etiópia. Jerónimo Münzer, no Itinerarium (1494), alude que os etíopes andam sempre em guerra uns com os outros, fazem-se mutuamente prisioneiros e vendem-se por uma bagatela. Duarte Pacheco Pereira fala em Etiópia Inferior ou Etiópia Baixa Ocidental que iria do rio Senegal até ao Cabo da Boa Esperança, dando-lhe o nome de Guiné, e o nome de Etiópia Oriental era conferido à Abissínia. Todos estes viajantes falavam de um amplo espaço de Nigrícia. Quando a expressão de rios de Guiné de Cabo Verde começou a cair em desuso o nome então em voga era Senegâmbia, reservando-se para a área onde era mais notória a presença portuguesa a Senegâmbia Meridional. Carreira repertoria os principais grupos étnicos do Senegal, da Gâmbia e da Guiné.

E questiona algumas das causas do fracasso da ocupação dos rios da Guiné pelos portugueses. Para Carreira era o interesse comercial que predominava, devido à falta de recursos a necessidade de ocupação só começou em meados do século XVIII e por força da concorrência. Até lá, a política régia era arrendar, foi assim que nasceu o contrato com Fernão Gomes numa fase dinâmica em que era preciso ir conhecendo mais da Costa Ocidental Africana. Não deixa de referenciar o fenómeno dos lançados e define as zonas de comércio dos portugueses – escala sempre muito temporária, contratos acidentais – pagava-se aos régulos para estacionamento nos portos (as daxas), a penetração nas comunidades africanas acabou por ficar reservada a um número muito restrito de europeus (cristãos, judeus e cristãos-novos) e mestiços de Cabo Verde. A Coroa bem procurou reprimir o fenómeno dos lançados, tomaram-se disposições régias para combater o aventureirismo comercial, com resultados praticamente nulos.

Carreira regista figuras que acabaram por ter significado como presença portuguesa, caso dos judeus de origem portuguesa: o judeu João Ferreira, natural do Crato, a quem foi dada a alcunha de Gana Goga (homem que fala todas as línguas) que penetrou no reino dos Fulas e o grumete de apelido Gomes que deixou a sua presença no que é hoje a Guiné Conacri (Gomissia).

Mas é facto que se começou a registar um comércio a partir de meados de 1600 nos rios Casamansa, Cacheu, estuário do Geba (Bissau, Geba e Fá), rio de Buba ou Biguba. Regista igualmente as posições até final do século XVII de aldeias de judeus portugueses, caso de Porto Dale ou Portudal, Rufisque, com judeus estrangeiros, Joala, com filhos da terra, bem como posições nos rios Gâmbia e Cantor. Mas não deixa de acentuar que a proclamada soberania portuguesa não passava de um mito. E deixa-nos depois notas sobre portos e rios de tratos e resgate, o tipo de praças e presídios.

A Restauração obrigou o rei D. João IV a dar mais atenção aos problemas desta costa africana. Os castelhanos, no intuito de manter o fornecimento regular de escravos para as suas possessões nas Antilhas e na América Central, tentaram assenhorear-se dos rios da Guiné, entre o rio Gâmbia e o estuário do Geba. Eram apoiados por negociantes portugueses residentes em Sevilha que por sua vez possuíam agentes de confiança em Cacheu (o patriotismo dos portugueses erodia-se perante o prestígio das patacas das Índias…). Houve, pois, que aumentar encargos e trazer soldadesca para Cacheu, Bissau e Farim. Começa a aparecer documentação que explica claramente a concorrência comercial de estrangeiros e a agressividade das populações locais; o comércio circunscrevia-se à compra de escravos, cera, cola e algum marfim, vendendo-se tecidos, ferro, adornos, aguardente, etc.; a indisciplina reinante no povoado de Cacheu entre portugueses e lançados é facto comprovado; como comprovado se encontra a total impossibilidade de fixação de brancos nos Bijagós, face à oposição sistemática das populações. Em pleno século XVII, a presença portuguesa estava condicionada a Cacheu, Farim, Geba, Bissau e Rio Grande de Buba.

E diz Carreira:
“A precariedade da ocupação por europeus nos rios em geral, demonstra toda uma atividade puramente mercantil e de ocasião. Não tendo sido possível o conseguimento de condições de segurança para a montagem de rede de comércio fixo em cada ponto, todo o sistema obedecia à movimentação dos negociantes, consoante o que permitiam as populações nativas”. E termina estas considerações sobre mercadorias usadas no comércio negreiro, vão desde a aguardente aos tecidos, balas de espingarda, contas e conchas, espingardas, missanga diversa, pedreneira, sal, bebidas capitosas e vinho – o rol de tecidos é muito grande. Os produtos de origem africana enviados para a Europa e Américas passavam por dentes de elefante e de cavalo-marinho, cera e couros. As maiores quantidades destes produtos saíam (cera e marfim) dos rios Senegal, Gâmbia, Casamansa e Cacheu.

Mais adiante vamos falar do comércio negreiro.

(continua)
Mapa de África (1689), de van Schagen
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Nota do editor

Último poste da série de 14 DE AGOSTO DE 2023 > Guiné 61/74 - P24554: Notas de leitura (1606): "Um cripto na terra vermelha da Guiné", por Humberto Costa; 2.ª edição, 2020, Eudito (Mário Beja Santos)

quarta-feira, 21 de junho de 2023

Guiné 61/74 - P24421: Historiografia da presença portuguesa em África (373): O problema dos transportes na Guiné, um olhar e sugestões de um engenheiro de pontes, princípio da década de 1950 (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 9 de Novembro de 2022:

Queridos amigos,
Nada me fora dado ler nesta visão de articular transportes rodoviários com marítimos, o engenheiro Barahona de Lemos trabalhou na Guiné e a mim deixou-me uma recordação do seu trabalho, as pontes que ligam Bambadinca a Amedalai, que aqui se mostram. Quando o PAIGC flagelou Bambadinca em 28 de maio de 1969, tentou dinamitar um dos pontões, abriu brecha mas continuou ao serviço. Bem me surpreendeu a imagem de Bissalanca no início da década de 1950, neste tempo a TAP ainda não chegava a Bissau, a viagem para o interior da Guiné exigia ir a Paris e daqui apanhar avião para Dacar, e depois de automóvel para o interior da colónia. Foi o trajeto que utilizei no meu romance "Mulher Grande", ela vai casar a Varela exatamente neste tempo e bem se agoniou entre Paris e Dacar. A outra surpresa são as imagens de Bolama anteriores a 1935, nunca tinha visto tais imagens, é para mim gratificante que fiquem no nosso indispensável histórico acervo fotográfico, para uso de quem ama a Guiné, poder olhar para um passado e para um património que ficou derruído.

Um abraço do
Mário



O problema dos transportes na Guiné, um olhar e sugestões de um engenheiro de pontes, princípio da década de 1950

Mário Beja Santos

Consultando a publicação Estudos Coloniais, Revista da Escola Superior Colonial, volume III, 1952, fascículo n.º 3, encontrei um artigo do engenheiro Humberto Luís Barahona de Lemos intitulado "O problema dos transportes na Guiné – Sua importância". Na administração colonial, a década de 1920 corresponde ao período em que houve um intenso debate acerca da questão fundamental de que a ocupação e a exploração de riquezas exigiam infraestruturas rodoviárias e portuárias. Não escapámos à pertinência dessa discussão, embora no caso vertente da Guiné não houve impacto, o orçamento da colónia contemplava expressamente arranjos portuários, na generalidade dos casos de pouca monta e a conservação das estradas de terra batida.

Sarmento Rodrigues é o governador que lança empreendimentos de maior gabarito e o seu continuador, Raimundo Serrão, concluiu diferentes iniciativas e pôs em marcha outras. Encontrei na revista "Ecos da Guiné" imagens como a ponte entre Bambadinca e Xime, que acabou por ter uma importância crucial no decurso da guerra, houve a tentativa de a fazer explodir, em 1968, e então, para sua conservação, criou-se um posto de vigilância que tinha o nome pomposo do destacamento da ponte sobre o rio de Undunduma, o Luís Graça também por lá penou.

O engenheiro Barahona de Lemos andou pela Guiné a fazer o estudo de pontes, agradece o apoio que recebeu do engenheiro Carlos Krus Abecassis, alto funcionário público, espraia-se sobre considerações genéricas, diz que a Guiné portuguesa é do ponto de vista agrícola fértil e rica, fala sobre as suas principais produções, as oleaginosas e entra na questão das comunicações, começa pelos rios navegáveis, observa que há uma navegação a barcos de alto-mar, é o caso do rio Cacheu que é navegável numa extensão aproximável de 160 quilómetros, desde a sua foz até ao porto fluvial de Binta. E adverte-nos que o problema que aqui pretende pôr tem a ver com o estudo do aproveitamento dos transportes fluviais conjugados com uma rede de boas estradas. Fala na existência de 3 mil quilómetros de estradas, quase todas de terra batida, sendo permanente o mau estado dos pavimentos. Considera que a causa mais importante que dificulta a formação de uma mais densa rede de estradas é o facto da Guiné estar retalhada por vias aquáticas que na época das chuvas inunda extensas planícies.

Observando o material flutuante, diz que este, para permitir um bom rendimento, com as consequentes vantagens económicas, exige a utilização de embarcações de calado tão reduzido quanto possível e comenta que as barcas e batelões existentes na Guiné não pertencem a este tipo, são de boca estreita e com grandes exigências de tirante de água. A utilização das jangadas motorizadas ou de ferryboats, estima ele, não só oferece rápida ligação entre as margens como garante as indispensáveis condições de segurança nas travessias. Procura dar-nos um quadro das vias navegáveis principais na Guiné, assim: rio Cacheu, estuário do rio Mansoa, rio Geba, estuário do Rio Grande de Buba ou Bolola, estuário do rio Tombali, estuário do rio Cumbijã, estuário do rio Cacine. Sugere dar-se prioridade às obras no Cacheu, até por motivos de soberania, está-se perto do rio Casamansa e da Senegâmbia francesa. Considera que o volume das dragagens a fazer é até 2 milhões de metros cúbicos e assim, feito este encargo, ficaria o rio Cacheu navegável numa extensão de mais 13 quilómetros.

Falando do estuário do rio Mansoa, parece-lhe de grande interesse a ligação rodoviária de Bissau com o norte da colónia, atravessando o estuário do Mansoa na Ponte de Safim. Quanto ao estuário do Geba, refere que o rio oferece boas condições de navegabilidade entre Bissau e Bambadinca e sugere a retificação do leito do rio entre Bambadinca e Bafatá, observando que o rio Corubal dispõe boas condições de navegação até ao porto de Xitole. Passando para o estuário do Rio Grande de Buba observar que se trata de um grande braço de mar que tem a sua embocadura junto à ilha de Bolama e que tinha sido nas margens deste grande estuário que de início se estabeleceram feitorias e centros comerciais, contudo a região fora abandonada pelas guerras entre etnias e por ser pouco saudável. Passando para o estuário do Cumbijã observa que dos braços do sul da Guiné é o único que tem atualmente importância económica, em virtude de ser a via de acesso ao importante centro arrozeiro de Catió, pois é através deste braço de mar que é transportado o arroz que por via marítima é levado para Bissau e para Bolama, existem, contudo, dificuldades na travessia da barra do estuário, onde afloram recifes perigosos. E escreve: “Quando se fizer o levantamento hidrográfico da barra deste rio, poderão estudar-se as obras a fazer para melhorar o acesso a Catió”.

Escreve seguidamente as vias rodoviárias primárias da Guiné, hei o seu elenco:

- Bissau, Safim, Nhacra, Mansoa, Mansabá, Bafatá, Nova Lamego e Pitche;
- Bissau, Ponta de Safim, João Landim, Bula, Teixeira Pinto, Caió, Cacheu, S. Domingos, Praia Varela;
- S. Domingos, Sedengal, Bigene, Binta, Farim, Mansabá;
- Bula, Bissorã, Mansabá;
- Bissau, Enxudé, Tite, Bolama;
- Bolama, Fulacunda, Bula, Catió;
- Mansoa, Gole, Canturé, Fulacunda (em meu ponto de vista, fora da realidade da época, de Canturé subia-se até Gambiel, daqui até Geba e de Geba até Bafatá).

Vai dando sugestões para a melhoria das estradas, reconhece a necessidade de se vir a utilizar ferryboats ou jangadas metálicas acionadas por motores, para dar continuidade às estradas interrompidas junto dos grandes rios. Refere detalhadamente as melhorias que ele propõe. Logo na estrada entre Bissau e Pitche diz que o Plano de Fomento do Ultramar reserva verba para a ponte que liga as duas margens do Geba, próximo de Bafatá. Observa que a Ponte de Ensalma liga a ilha de Bissau ao continente atravessando o canal do Impernal. Da argumentação usada, fica-se com a quase certeza que Barahona de Lemos projetou a ponte sobre o Geba. Entre Bissau e Varela, a ligação que propõe seria feita pela Ponte de Safim onde a travessia do estuário de Mansoa iria utilizar um ferryboat ligando a João Landim. E daí havia rodoviária que conduziria a Bula, Teixeira Pinto, Caió e Cacheu. Reconhece a necessidade de se fazer a travessia do estuário do rio Cacheu em dois pontos, utilizando jangadas metálicas motorizadas e diz que o percurso referido encurtaria em 70 quilómetros a distância entre Bissau e S. Domingos. Se assim se fizesse, as comunicações de Bissau com a Senegâmbia francesa, por Ziguinchor, ficariam assim gradualmente facilitadas, o que contribuiria para evitar o isolamento e a atrofia económica e social dos territórios a norte do grande estuário do Cacheu. Falando da estrada de S. Domingos, Sedengal, Bigene, Binta, Farim, Mansabá observa que dada a circunstância do Cacheu apresentar no seu leito fundos rochosos, é de pensar na possibilidade de se construir uma ponte na vizinhança de Farim; esta ponte traria a Farim uma possível compensação caso se encarasse a vantagem de se deslocar em definitivo o entreposto marítimo para Binta, e assim seria evitada a realização de trabalhos de correção do Cacheu desde Binta a Farim.

Muito mais escreve neste trabalho, nunca me fora dado ler algo de tão bem articulado sobre a ligação entre os transportes terrestres e marítimos, era uma fase de grande construção, como se disse tudo começara com Sarmento Rodrigues e Raimundo Serrão continuou. Reconheça-se que as propostas de Barahona de Lemos exigiriam um orçamento avultado. Quem leu este trabalho, terá reconhecido o valor e o entusiasmo do autor, mas o decisor político passou adiante.

Estas três imagens foram retiradas da revista Ecos da Guiné, as duas primeiras têm valor sentimental para mim e para o Luís Graça, e seguramente para todos aqueles que faziam o itinerário entre Bambadinca e Xime; quanto à terceira imagem, ela permite avaliar a indigência do campo de aviação em Bissalanca, quem queria chegar à Guiné não aterrava em Bissalanca, o itinerário mais frequentado era ir a Paris e daqui seguir para Dacar, daqui seguia-se de automóvel até Ziguinchor e depois escolhia-se o ponto de chegada. Este era o aeroporto no início da década de 1950.
Quero compartilhar com o leitor a alegria de ter encontrado num documento aparentemente inócuo, datado de 1935, imagens que até hoje não tinha encontrado sobre a capital da Guiné. Espero que estas imagens surpreendam portugueses e guineenses, e fico muito contente porque vejo o nosso histórico arquivo recheado de preciosidades.
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Nota do editor

Último poste da série de 14 DE JUNHO DE 2023 > Guiné 61/74 - P24398: Historiografia da presença portuguesa em África (372): Revista de História, n.º 13, Janeiro-Março, Ano IV, 1953 - Um texto fundamental para o estudo da História da Guiné: Fontes quatrocentistas para a geografia e economia do Saara e da Guiné (Mário Beja Santos)

quarta-feira, 1 de março de 2023

Guiné 61/74 - P24111: Historiografia da presença portuguesa em África (357): História das Ilhas de Cabo Verde e “Rios de Guiné” (séculos XVII e XVIII), por António Carreira; Edição do Autor, 1983 (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 8 de Abril de 2022:

Queridos amigos,
Das suas andanças pelo Arquivo Histórico Ultramarino, António Carreira catou alguns documentos que haviam escapado ao grande pesquisador que foi o Padre António Brásio, autor de uma notável coletânea (5 volumes, de 1342 a 1650) dos melhores repositórios sobre a área dos rios de Guiné e Cabo Verde. "Estudados detidamente, pensei logo em divulgá-los, com anotações e comentários, alguns deles em edição fac-similada. Só que nenhuma instituição cultural e/ou científica se mostrou interessada em fazê-lo. Não é de estranhar. É a eterna contradição que caracteriza a sociedade portuguesa designadamente no campo da cultura. Apregoa-se insistentemente a existência de Centro de Estudos Africanos destinados a apoiar e a orientar este tipo de investigação; mas salvo uma ou outra exceção não o podem fazer dada a posição de apagada e vil tristeza em que vivem. Daí que a investigação de campo e o estudo e a publicação dos seus resultados se confine, em regra, a tarefas individuais de uns tantos maduros e destituída de apoios das instituições estatais e privadas". E António Carreira fez edição de autor, temos hoje livro raríssimo, obra que faz falta em qualquer desses Centros de Estudos Africanos, pôs na capa um dragoeiro, cuja goma ou resina foi utilizada durante largos anos na farmacopeia. Como ele escreveu: "Como se fala agora com tanta insistência na proteção da natureza, parece que ela deve ser objeto de medidas especiais que impeçam a sua destruição".

Um abraço do
Mário



O dom de investigar, o dom de saber comentar:
António Carreira, aquele historiador sempre indispensável


Mário Beja Santos

A obra intitula-se Documentos para a História das Ilhas de Cabo Verde e “Rios de Guiné” (séculos XVII e XVIII), por António Carreira, Edição do Autor, 1983. Explica a razão da publicação: “Divulgação de documentos de grande interesse para o conhecimento da ação dos portugueses na costa ocidental africana nos anos de 1600 até final de 1700. Eles mostram as vicissitudes por que passaram os contratos de arrendamento de tratos e resgates, e as falcatruas cometidas pelos contratadores, falcatruas essas facilitadas pela impossibilidade do Governo controlar os negócios; e de outro lado, o contrabando de escravos e a desenfreada concorrência comercial de Franceses, Ingleses e Holandeses, por vezes apoiada na guerra de corso, visando pôr termo às atividades dos portugueses na costa a partir do Cabo Verde até à Serra Leoa”. É uma documentação úbere de informações de tempos e lugares em que a presença portuguesa esteve permanentemente em causa, tanto pela hostilidade de estrangeiros como pela guerrilha dos autóctones. O estudioso tem acesso a relatórios, cartas, pareceres, regimentos, despachos que permitem conhecer a agressividade dos régulos em torno da Praça de Bissau, os problemas alfandegários, a situação comercial na região, contratos de arrendamento, regimento do presídio e alfândega de Farim, reclamações dos comerciantes contra as taxas de direitos.

António Carreira foi um investigador modelar, encontrava nos arquivos manuscritos e sabia comentá-los como ninguém. Veja-se como ele introduz a questão do termo Rios da Guiné, que era a expressão mais utilizada na documentação antiga, precedeu o uso da expressão Guiné, mas sempre com sentido indefinido, fazia parte da área da jurisdição da Capitania de Cabo Verde, cujo governador entregava regimento ao capitão mor de Cacheu, o regimento de 1614 recomendava: a difusão da religião católica através da catequização dos gentios; a fiscalização da navegação e do comércio de e com os estrangeiros, impedindo a venda de escravos, de cera, de marfim e de ouro; impedir por todas as formas a entrada em Cacheu de algodão proveniente da Gâmbia e de outros pontos; exercer o controlo dos preços de compra dos escravos. Carreira comenta que os princípios de que os capitães mores, feitores e ouvidores dos rios de Guiné de estarem subordinados ao Governador das ilhas de Cabo Verde não tinha significado efetivo e real.

Aborda depois o investigador topónimo Guiné que designava uma larga zona sem limites compreensíveis. E recorda que o Padre Baltazar Barreira em carta escrita em Santiago a 1 de agosto de 1606 procurou esclarecer assim os limites da Guiné: “Esta parte de África que os portugueses propriamente chamam Guiné começa no rio Senegal e corre pela costa até a Serra Leoa, obra de 180 léguas de norte a sul”. Viajando no tempo, Carreira dá-nos conta dos ciclos económicos enquanto se apertava o cerco à presença portuguesa até que se chegou a uma situação, que precede as decisões da Conferência de Berlim em que a nossa presença na Senegâmbia era constituída por as praças e presídios de Ziguinchor, Cacheu, Farim, Geba, Fá, Bissau e Guinala. Estas praças e presídios, também designadas por feitorias, estavam instaladas nas margens dos rios, em limitados espaços formando pequenos povoados de comerciantes europeus, filhos da terra (grumetes) e mestiços cabo-verdianos, espaços ocupados mediante licença das autoridades tradicionais, contra o pagamento de renda anual (a daxa). Refere o autor a história destas feitorias, o aparecimento da primeira Fortaleza de Bissau, construída em 1696, a história das diferentes companhias comerciais de vida breve, a gradual presença portuguesa a partir do século XIX, observando Carreira que da soberania portuguesa só se deve falar a partir de 1915, dando-nos o contexto das turbulências vividas no solo continental por quase todo o século XIX: em 1840 eclodiu um conflito entre Fulas e Mandigas, que levou à derrota destes últimos e as guerras sucessivas que assolaram o Alto Geba, no Gabu e no Forreá. Lançara-se entre 1842 e 1845, no Quínara, a cultura da mancarra, que se mostrou florescente, mas com a guerrilha que se intensificou a partir de 1876, tudo se perdeu. E o autor não deixa de enfatizar que a chamada Guiné portuguesa é uma figura política e jurídica surgida da Convenção Luso-francesa de 1886.

Temos depois o rol dos documentos do século XVII, o autor chama à atenção para a incapacidade organizativa da Coroa em afastar ou punir a concorrência, limitava-se a estabelecer contratos de exploração por administração direta por vários anos; mostra igualmente o autor a existência de conflitos entre o Governador de Cabo Verde e os agentes do rei nos rios; e assim chegamos ao relato do feitor da Fazenda Real, em Bissau, José António Pinto, caminhamos para o final do século XVIII, dá-nos conta da situação nas praças e presídios, veja-se a pungente descrição que ele faz do presídio de Geba:
“O pequeno número de que se compunha a sua guarnição são negros, pardos e alguns brancos, tanto uns como outros ali são mandados degredados por tremendos crimes, os quais são brancos já não conservam sentimentos alguns da sua cor nem de costumes europeus vendo que ali são degradados por toda a vida, continuam em dar exercícios aos seus diabólicos costumes, roubando armazéns de noite. Sargentos, furriéis e cabos são da mesma natureza, brancos, negros, pardos, ladrões e facínoras, de forma que como sequazes dos soldados não só não há respeito, mas quando o pretendem ter, opõem-se-lhe e rebelam-se os culpados que ficam sem castigo (…)”. É extensa a denúncia, dá-nos depois a descrição do porto de Bissau, das ilhas de Cabo Verde e sua guarnição militar, refere a Fazenda e o negócio da panaria e da purgueira, refere as ilhas e as forças militares.

A obra de António Carreira faz-se acompanhar de muito texto em fac-simile, dos documentos aludidos dá por inteiro o regimento da Alfândega de Cacheu de 1797, temos igualmente um apenso documental com requerimentos, nota de emolumentos, reclamações, lista de navios chegados a Bissau no final do século XVIII.

Obra de indiscutível interesse para quem pretende estudar estes séculos da nossa precária presença naqueles pontos da costa ocidental africana.

Fortaleza do Cacheu
Planta da Praça de S. José, Bissau, 1864
Interior da Fortaleza de S. José da Amura, cerca de 1925
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Nota do editor

Último poste da série de 22 DE FEVEREIRO DE 2023 > Guiné 61/74 - P24089: Historiografia da presença portuguesa em África (356): Actas do Conselho do Governo da Colónia/Província da Guiné: Uma fonte documental que não se deve ignorar (10) (Mário Beja Santos)

domingo, 21 de agosto de 2016

Guiné 63/74 - P16407: Álbum fotográfico de Francisco Gamelas, ex-alf mil cav, cmdt do Pel Rec Daimler 3089, ao tempo do BCAÇ 3863 (Teixeira Pinto, 1971/73) - Parte X: A faixa litoral, de Teixeira Pinto a Bissau, vista "by air", em fevereiro de 1972


Foto nº 42


Foto nº 41


Foto nº 43


Foto nº 44



Guiné > Região do Cacheu > Fevereiro de 1972 > Vistas aéreas da faixa litoral entre Teixeira Pinto e Bissau. Fotos, n~s de 41 a 44).


Fotos (e legenda): © Francisco Gamelas (2016). Todos os direitos reservados [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



1. Continuação da publicação do álbum fotográfico do Francisco Gamelas, ex-alf mil cav, cmdt do Pel Rec Daimler 3089 (Teixeira Pinto, 1971/73), adido ao BCAÇ 3863 (1971/73) (*).

Francisco Gamelas, que é engenheiro eletrotécnico de formação, quadro superior da PT Inovação reformado, vive em Aveiro, e publicou recentemente "Outro olhar - Guiné 1971-1973" (Aveiro, 2016, ed. de autor, 127 pp. + ilust; preço de capa 12,50 €). Os interessados podem encomendá-lo ao autor através do seu email pessoalfranciscogamelas@sapo.pt. O design é da arquiteta Beatriz Ribau Pimenta, a partir da foto. nº 29. Tiragem: 150 exemplares. Impressão e acabamento: Grafigamelas, Lda, Esgueira, Aveiro.


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