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quarta-feira, 24 de junho de 2020

Guiné 61/74 - P21108: Pré-publicação: "Odisseia 'Magnífica': Uma Volta ao Mundo com Magalhães e Covid 19", de António Graça de Abreu - Excertos, parte II: Relembrando a viagem de circum-navegação do NRP Sagres (5/1/2020 - 10/1/2021), de homenagem a Fernão de Magalhães (1480-1521)


NRP Sagres > Partiu de Lisboa a 5 de janeiro de 2020 para a sua volta ao mundo, com 142 militares a bordo... Por causa da pandemia de COVID 19, a missão teve de ser cancelada, e o navio-escola teve de regressar à base naval do Alfeite... (Acima, magnífica foto dos/as nossos/as bravos/as marinheiros/as!)

Era esperado que a NRP Sagres servisse de "casa de Portugal" nos Jogos Olímpicos de Tóquio (, também foram adiados para 2021).

Deveriam ter sido 371 dias de viagem, em homenagem à viagem de circum-navegação de Fernão de Magalhães (1480-1521). Um português, injustiçado e durante muito tempo esquecido. 

O magnífico veleiro da nossa armada acabou por voltar a Portugal 126 dias depois da partida, . A ordem de cancelamento da missão foi recebida quando a Sagres se aproximava já da África do Sul.  Deveria chegar a Lisboa em 10 de janeiro de 2021,

(Foto do grupo do Facebook Volta ao Mundo do Navio-Escola Sagres, com a devida vénia...)


1. São 137 páginas do diário de bordo do nosso amigo e camarada António Graça de Abreu, na sua última viagem de volta ao mundo (janeiro - abril de 2020). Trata-se de uma pré-publicação: haverá, no dia 11 de setembro +róximo, o lançamento do livro que já tem editor, a Guerra & Paz, com sede em Lisboa. 

O António Graça de Abreu [ ex-alf mil, CAOP 1 (Teixeira Pinto, Mansoa e Cufar, 1972/74), membro sénior da Tabanca Grande, com cerca de 260 referências no nosso blogue] é poeta, escritor, tradutor, sinólogo, autor de livros de poesia (8), história (4), traduções (7), e viagens (3).

Por cortesia do autor,  vamos reproduzir aqui, nesta nova série, dois ou três dos momentos dessa viagem com mais interesse para os nossos leitores e para a história de Portugal no mundo. São excertos selecionados pelo nosso editor LG.(*).. A série será retomada depois do lançamento do livro, em 11 de setembro de 2020.


2. Pré-publicação: "Odisseia 'Magnífica': Uma Volta ao Mundo com Magalhães e Covid 19", de António Graça de Abreu - Excertos: parte II  (pp. 7-12)

Marselha, França, 6 de Janeiro

Xilogravura: o rinoceronte, de Durer (1515).  Museu Britânico, Londres.
Cortesia de Wikimedia Commons
Marselha, mais uma vez.  Da Senhora da Guarda no alto abençoando as boas e más almas.

Marselha da ilha de If, lugar onde foi confinado o rinoceronte que o nosso rei D. Manuel ofereceu ao Papa Leão X, em 1516.

Marselha da mesma ilha de If com a terrífica prisão onde Alexandre Dumas colocou o conde de Monte Cristo apodrecendo aos poucos durante dez anos.

Marselha com Hector Berlioz, depois das sinfonias fantásticas, reorquestrando La Marseillesse, um hino à emancipação e à liberdade humana.

Marselha do Vieux Port, atulhado de barquinhos e os pescadores regressando do mar, com peixe fresco para grelhar ou preparar uma colorida e apaladada bouillabaise, a caldeirada francesa capaz de rivalizar com as nossas de Peniche ou de Sesimbra. (...)


Barcelona, Espanha, 7 de Janeiro

A minha ligação a Barcelona começou há 54 anos atrás, no Verão de 1966. Eu conto.

Como era comum entre muitos jovens da década de sessenta do século passado, aí desde os meus quinze anos correspondia-me com umas tantas donzelas espalhadas pela Europa e anexos, em inglês, trocando fotos, postais, selos, entendimentos, ideias e sonhos.

Num tempo quase sem televisão, quando a Net nem sequer como miragem existia, as cartas eram uma espécie de envio de curiosidades e afectos, em palavras simples que aproximavam os jovens de diferentes países.

Seria, no entanto, improvável chegar um dia a conhecer em pessoa, ao vivo, qualquer uma das penfriends, ou penpals, mas nada era impossível debaixo do céu. Entre as amigas da escrita, a menina de quem eu mais gostava,  tinha nacionalidade alemã, vivia em Hamburgo, loira, de olho azul, Inge Balk, dezoito anos, linda de morrer na fotografia. (...)


Lisboa, Portugal, 9 de Janeiro

Sábado passado deixei Lisboa rumo a Roma, de avião, sob o comando do piloto Miguel Rodrigues, especialista nos mistérios do céu. Hoje, quinta-feira da semana seguinte, regressei à nossa capital num enorme navio, o Magnífica, sob o comando do siciliano Roberto Leotta, antigo capitão de petroleiros, dono de mil segredos do mar, de há uns anos para cá à frente de barcos de cruzeiro.

Em Lisboa, uma ida rápida a casa, sobre quatro rodas, para abraçar os filhos e trazer mais umas bugigangas para completar o enxoval necessário para a Volta ao Mundo.

A entrada em Lisboa, por mar, é sempre altura para originais encantamentos. Alarga-se o tamanho dos olhos, sente-se o borbulhar do coração. Estamos no Inverno, com um dia cinzento aberto por rasgões de luz, com algum sol a escorrer sobre o cabo Espichel, caindo sobre a encosta nebulosa que desce da serra de Sintra para o Guincho e Cascais. O navio a deslizar a seu modo, imponente, afectuoso, em busca dos braços do Tejo.

Leio que o nosso veleiro Sagres se lançou ao mar domingo passado, dia 5, para empreender exactamente uma viagem de circum-navegação bem mais demorada e extensa do que a que nos está destinada.

Para os marinheiros lusitanos preveem-se 371 dias de mar, 41.258 milhas náuticas e 6.782 horas de navegação. Tocarão 22 portos de 19 países que incluirão doze cidades da rede mundial das Cidades Magalhânicas.

A nossa Volta ao Mundo, no Atlântico, no Pacífico e no Índico, como iremos ver, irá cumprir grande parte do itinerário levado a cabo por Fernão de Magalhães entre 1519 e 1521. Temos 43 portos de mar a visitar em 23 países diferentes ao longo de 117 dias, uma jornada mais curta do que a da Sagres, mas não menos interessante. (...)

[Seleção, revisão e fixação de texto, para efeitos de reprodução neste blogue: LG]

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terça-feira, 23 de junho de 2020

Guiné 61/74 - P21102: Pré-publicação: "Odisseia 'Magnífica': Uma Volta ao Mundo com Magalhães e Covid 19", de António Graça de Abreu - Excertos, parte I: Civitavecchia, Itália, 4 de janeiro de 2020...


Três camaradas da Guiné, a bordo do MSC - Magnifica: da esquerda, para a direita, António Graça de Abreu, José Vinhas e Constantino Ferreira. Já convidámos o Vinhas a integrar a nossa Tabanca Grande...

Foto (e legenda): ©  Constantino Ferreira  (2020) Todos os direitos reservados.
[Edição e legendagem comlementar: Blogue Lu+is Graça & Camaradas da Guiné]


MCS - World Cruise > Itália, Genova> 5 de janeiro de 2020 > Uma réplica de um galeão espanhol do séc. XVII.

Foto (e legenda): © António Graça de Abreu (2020) Todos os direitos reservados.
[Edição e legendagem comlementar: Blogue Lu+is Graça & Camaradas da Guiné]


1. São 137 páginas do diário de bordo do nosso amigo e camarada António Graça de Abreu, na sua última viagem de volta ao mundo (2020).

 O António Graça de Abreu [ ex-alf mil, CAOP 1 (Teixeira Pinto, Mansoa e Cufar, 1972/74), membro sénior da Tabanca Grande, com cerca de 260 referências no nosso blogue] é poeta, escritor, tradutor, sinólogo: autor de livros de poesia (8), história (4), traduções (7), e viagens (3).

Recorde-se que ele andou recentemente a fazer o MSC - World Cruise. Teve de regressar a  casa mais  cedo do que o previsto, por causa da pandemia de COVID-19.  Mas chegou,  são e salvo,  das peripécias da viagem de volta ao mundo, no MSC Magnifica.

Já aqui reproduzimos  alguns dos seus apontamentos dessa viagem, em que participou também outro nosso camarada, o  Constantino Ferreira d'Alva, ex-fur mil art da CART 2521 (Aldeia Formosa, Nhala Mampatá, 1969/71) (*).

Por cortesia do António Graça de Abreu, vamos reproduzir aqui, nesta nova série, alguns dos  momentos dessa viagem  com mais interesse para os nossos leitores. São excertos selecionados pelo nosso editor.

Haverá um lançamento do livro, em data oportunamente a anunciar... Não sabemos, entretanto, se o autor já tem editor (LG).


2. Pré-publicação: "Odisseia 'Magnífica': Uma Volta ao Mundo com Magalhães e Covid 19", de António Graça de Abreu  -  Excertos,  parte I (pp. 4-8)


Civitavecchia, Itália, 4 de Janeiro  (pp. 4-5)

Esta manhã em Lisboa, a jornada marítima, a minha segunda Volta ao Mundo, começou num Airbus 319, um avião rumo a Fiumicino, Roma. A aeronave subiu no céu baptizada com o emérito nome de Camilo Castelo Branco, engenhoso tecelão de inesquecíveis romances, fazedor de painéis de depuradas vidas, há dois séculos à solta pela pátria lusitana. (,,,)

O voo Lisboa-Roma, duas horas e quarenta e cinco minutos, é hoje tão simples de fazer como, no século XVI, seria zarpar numa falua do Cais do Sodré para Alcochete. Se os tempos mudam e as viagens também, permanece o gosto de cada um descobrir o mundo já descoberto, continua o prazer de nos desvendarmos.

Trouxe comigo, além da companheira chinesa de muitos anos, trouxe nos esconsos do bolso direito um senhor velhinho chamado Fernão de Magalhães. Vou navegar em mares e estreitos por ele desbravados, vamos entabular grandes conversas sulcando oceanos tempestuosos e pacíficos.

A Volta ao Mundo começa aqui, na noite de Civittavechia, cidade conhecida sobretudo como terminal ou escala de navios de cruzeiros que avançam pelo Mediterrâneo, de oeste para leste, de norte para sul, transportando turistas que usufruem de um vasto pacote de prazeres da vida, em barcos alindados, repletos de mordomias e conforto. (...)


Génova, Itália, 5 de Janeiro (pp. 6- 8)

Umas tantas passagens, há uns bons pares de anos, pelas margens de Génova, de automóvel, por túneis e viadutos encostados às montanhas da Ligúria, com a cidade lá em baixo, em rota para outros destinos italianos, jamais haviam dado para parar e assentar o pé no âmago do burgo.

Agora, vindo do mar, até foi possível encontrar a casa-museu de Cristóvão Colombo, junto ás portas Soprana, do sec. XIII, infelizmente fechada. Génova deu o nome de Colombo ao seu aeroporto e será que o navegador nasceu mesmo aqui, como quer quase toda a História, ou abriu pela primeira vez os olhos para o mundo, portuguesmente, na saudável e ensolarada vila alentejana de Cuba?

Até que ponto foi Fernão de Magalhães, 35 anos mais novo do que Colombo, beber informações às viagens do descobridor das américas? Ambos queriam chegar ao Oriente viajando para Ocidente, o que só Magalhães conseguiu.

 Em termos de prática da arte de marear, quer Colombo, quer Magalhães utilizaram o Almanaque coligido pelo judeu Abraão Zacuto (1450-1515), que eram, de algum modo, as tábuas de navegação da época. Certo, certo é que ao sair de Sanlucar de Barrameda, a 20 de Setembro de 1519, as cinco naus de Magalhães levavam 237 homens, 18 dos quais eram genoveses, gente bem habilitada para o domínio e exercício das coisas da navegação e do mar. (...)

Em 1298 e 1299, na sequência da guerra entre Veneza e Génova, aqui esteve preso o veneziano Marco Polo que, na cadeia, foi ditando as suas recordações e memórias ao mais ilustrado Rusticello de Pisa, companheiro de cela. Passadas ao papel, são o famoso Livro de Marco Polo que Cristóvão Colombo, leu, anotou e levou consigo na primeira viagem de descoberta da América, quando acreditou que ia ao encontro do Oriente e da China. (...)

Num cais, na zona baixa da cidade, surpreendeu-me a réplica impecável de um impressionante galeão espanhol do século XVII. Foi usado por Roman Polanski na rodagem do filme Os Piratas, de 1986, e impressiona o gigantismo da nau chamada Neptuno, o barroquismo da decoração, os canhões a espreitar por tudo quanto é sítio.

No entanto, o galeão é mais do que fake, uma imitação recente, e não me parece ser capaz de navegar mais de duzentos metros no porto da baía de Génova. Verdade é que os genoveses são excelentes construtores de navios. O Costa Luminosa, o barcalhão que em 2016 me levou na primeira viagem de Volta ao Mundo, foi parcialmente construído aqui perto, em 2009, nos estaleiros Fincatieri. (...)

(Continua)

[Seleção / revisão e fixação de texto para efeitos de edição neste blogue: LG]
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Nota do editor:

(*) Vd, último poste da série > 21 de abril de  2020 > Guiné 61/74 - P20883: Viagem de volta ao mundo: em plena pandemia de COVID 19, tentando regressar a casa (Constantino Ferreira & António Graça de Abreu) (12): os sítios que ficaram por visitar...

segunda-feira, 20 de abril de 2020

Guiné 61/74 - P20881: Viagem de volta ao mundo: em plena pandemia de COVID 19, tentando regressar a casa (Constantino Ferreira & António Graça de Abreu) (11): Enfim, Marselha, porto de abrigo, fim de um cruzeiro de sonho no "annus horribilis" de 2020




MSC - Magnífica > Cruzeiro de Volta ao Mundo >  20 de abril de 2020 > Chegada a Marselha, "porto de abrigo", fim de  cruzeiro...Amanhã dois autocarros trazem os  26 portugueses até casa... Entre eles, os nossos camaradas António Graça de Abreu, José Vinhas e Constantino Ferreira (1ª foto, de cima, da esquerda para a direita. Em baixo, o cartaz do MSC Magnífica a anunciar a chegada ao porto de Marselha, com uma belíssima citação do escritor chileno Luís Sepúlveda (1949-2020), que acaba de morrer, há 5 dias atrás, na cidade de Oviedo, vítima de COVID-19: "Somente sonhando e sendo fiéis aos sonhos, seremos melhores e, se formos melhores, o mundo será melhor"...

Fotos (e legenda): © Constantino Ferreira (2020). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



1. Os nossos camaradas Constantino Ferreira d'Alva, ex-fur mil art da CART 2521 (Aldeia Formosa, Nhala Mampatá, 1969/71) e António Graça de Abreu ), ex-alf mil, CAOP 1 (Teixeira Pinto, Mansoa e Cufar, 1972/74), estão a escrever o seu "diário de bordo", nesta viagem de volta ao mundo. O MSC - Magnífica teve, entretanto, de apressar o seu regresso ao ponto de partida (, Marselha), devido à pandemia de COVID-19. O navio chegou hoje, estava programado só chegar a 1 de maio.

Com a devida vénia, reproduzimos aqui a última crónica do Constantino Ferreira, inserida na sua página do Facebook:


Segunda feira, 20 de abril de 2020, 9h26 > De novo  no porto de Marselha!

Cá estamos, de novo no porto de Marselha.

Foi daqui que partimos, no dia 6 de Janeiro deste Ano horribilíssimo de 2020.

Foi aqui, que acabámos de atracar ás seis horas da madrugada, neste mesmo porto de Marselha, neste dia de 20 de Abril de 2020, depois de meia volta ao mundo fantástica, pela Rota de Magalhães, até chegarmos á lha da Tasmânia na Austrália.

Pois aí, em Hobart o tristemente célebre “coronavirus” já lá tinha chegado, a seis pessoas.

A decisão do comandante e das autoridades da Austrália,foi de não visitarmos a cidade, e, assim perdemos a oportunidade de vermos ao vivo, o mamífero marsupial batizado com o nome de “Diabo da Tasmânia”!

A partir daí, parámos e atracamos em muitos portos, como: Sidney, Melbourne, Perth, Colombo e Suez, mas nunca mais fomos autorizados a pôr os pés em terra.

Mas hoje, vamos começar a sair; primeiro os Franceses que são cerca de mil, mais os Belgas, Holandeses, Alemães, Suecos e Dinamarqueses, enfim todos os do norte da Europa.

Amanhã dia 21, todos os restantes, incluindo nós, os Portugueses, que somos 26, e aqui teremos amanhã dois autocarros vindos de Portugal, alugados por nós, para nos levarem para a nossa Pátria Amada!

Por hoje, não digo mais nada, ou melhor! Não escrevo mais nada. Mas, mais tarde, escreverei o que falta contar.

Até lá temos que nos cuidar, para que esse “malvado” do coronavírus não se propague, por este nosso Mundo fóra!

Mas temos que acreditar na Ciência, que certamente irá conseguir lançar uma “vacina” antes deste próximo Outono.

A esperança não morre!

A primeira fotografia é já em Marselha, onde já estava atracado, mesmo aqui em frente, o navio Costa Smeralda.

As outras fotografias, são as últimas que publico desta Viagem de Volta ao Mundo, aqui concluída neste porto de Marselha.

[Publicaremos amanhã um texto do António Graça de Abreu, com as pequenas crónicas sobre os locais que não visitaram, desde 20 de março a 19 de abril de 2020]
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Guiné 61/74 - P20877: Viagem de volta ao mundo: em plena pandemia de COVID 19, tentando regressar a casa (Constantino Ferreira & António Graça de Abreu) (10): Em navegacao, Mediterrâneo Oriental, 16 de Abril de 2020


MSC - Magnífica > Cruzeiro de Volta ao Mundo > Em navegação, Mediterraneo Oriental, 16 de Abril de 2020

Foto (e legenda): © António Graça de Abreu (2020). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Os nossos camaradas Constantino Ferreira d'Alva, ex-fur mil art da CART 2521 (Aldeia Formosa, Nhala Mampatá, 1969/71) e  António Graça de Abreu ), ex-alf mil, CAOP 1 (Teixeira Pinto, Mansoa e Cufar, 1972/74), estão a escrever  o seu "diário de bordo", nesta viagem de volta ao mundo. O MSC - Magnífica teve, entretanto,  de apressar o seu regresso ao ponto de partida (, Marselha), devido à pandemia de COVID-19.  


Publicamos hoje a mensagem do António Graça de Abreu, enviada  em 17/04/2020 à(s) 21h38

Em navegação, Mediterrâneo Oriental, 16 de Abril de 2020

Ontem, saímos do Canal do Suez, em Port Said, já com o cair da noite, eu vim para o meu camarote e estranhei o facto de o navio ter praticamente parado durante quase uma hora, no meio de uns tantos petroleiros que aguarvam a entrada no Canal.

Que se passava? O barco retomou a navegação a boa velocidade, 20 nós, 38 kms por hora. Estranhei. No mapa do itinerário do Magnifica, que temos no ecrã dos televisores nos nossos quartos, e que fornecem estes dados, vi que o navio, em vez de seguir para oeste, em direcção a Marselha, avançaava para leste, rumo a Israel.

O que e que estava a acontecer? A resposta foi-nos dada pela instalação sonora, em mensagem do comandante. Tínhamos uma pessoa em perigo de vida a bordo, a necessitar de imediata hospitalização. Foi pedido às autoridades egípcias de Port Said, autorização para o desembarque do passageiro e encaminhamento para um hospital. Sem sucesso, recusaram. Foram os israelitas quem se mostraram dispostos a acolher o doente grave. O nosso navio rumava para Haifa, Israel, a fim de desembarcar o francês, companheiro de viagem, que lutava contra a morte.

No final da comunicação do comandante, somos informados que a doença do passageiro não tem a ver com a Covid-19. Sossegamos. Quarenta e cinco minutos depois, jáde noite, tínhamos um helicópetro israelita a voar por cima do Magnifica, a descer, a içar o doente numa maca, a levá-lo para um hospital em Israel.

Isto testemunhei eu, assisti a quase todo o processo. Uma hora depois ouço de novo o barulhão do helicópetro parado ao lado do navio. Permaneceu a roncar durante uns dez minutos e depois voou alto no céu negro, de regresso a Israel. Nao entendi o que veio outra vez cá fazer, não entrou ninguém no aparelho.

Hoje de manhã, um português que tem o camarote no 14º andar, mesmo ao lado do local onde içaram o passageiro francês para o heli israelita, deu-me uma explicação possível. Os israelitas vieram pela segunda vez buscar a esposa do francês, mas a senhora estava completamente embriagada, passeava-se pelos corredores dos camarotes do 14º andar tropeçaando em tudo o que encontrava pela frente, com uma garrafa de vinho, vazia, na mão. Nao quis entrar no helicópetro, nem era possível metê-la lá, à força. O heli foi embora.

A passageira francesa continua no Magnifica e dizem-me que hoje a viram, no 5º andar, na recepção, pálida, completamente apática, olhando o vazio. Que tera acontecido ao marido, ou ao companheiro de viagem?

A vida não está fácil para este velhinhos, as emoções fortes sucedem-se. O filme de suspense só terá fim daqui a mais alguns dias.

António Graça de Abreu
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Nota do editor:

Último poste da série > 16 de abril de  2020 > Guiné 61/74 - P20860: "Viagem de volta ao mundo: em plena pandemia de COVID 19, tentando regressar a casa (Constantino Ferreira & António Graça de Abreu) (9): Em navegação, no Mar Vermelho: "não acredites em nada antes de ver e, depois de ver, continua a não acreditar"... E um momento de grande emoção, na Sexta Feira Santa!...

quinta-feira, 16 de abril de 2020

Guiné 61/74 - P20860: "Viagem de volta ao mundo: em plena pandemia de COVID 19, tentando regressar a casa (Constantino Ferreira & António Graça de Abreu) (9): Em navegação, no Mar Vermelho: "não acredites em nada antes de ver e, depois de ver, continua a não acreditar"... E um momento de grande emoção, na Sexta Feira Santa!...



MSC - Magnífica > Cruzeiro de Volta ao Mundo > Em navegação, a caminho do Mar Vermelho e do "Mare Nostrum", o Mediterrâneo. > Sexta Feira Santa, 10 de abril de 2020 > Fotos de um espetáculo a bordo, alusivo à Paixão de Cristo... "Há mais de um mês, sobre mil oceanos e mares, tocando terra ao de leve, temos a ameaça da morte à nossa volta."

Fotos (e legenda): © António Graça de Abreu (2020). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



Elsa e Comstantino Ferreira, Wellington, capital da Nova Zelândia, 15 de março de 2020.
Foto: Cortesia da página do faceboook de Constantino Ferreira. Foto reeditada pelo Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné

1. Constantino Ferreira d'Alva, eex-fur mil art da CART 2521 (Aldeia Formosa, Nhala Mampatá, 1969/71), membro da nossa Tabanca Grande desde 16 de fevereiro de 2016. Vai a bordo do MSC -Magnífica, que teve de apressar o seu regresso ao ponto de partida, devido à pandemia de COVID-19. 

Está a escrever o seu diário de bordo, desde 23 de janeiro de 2020, disponível na sua página do Facebook, agora a "quatro mãos", com o António Graça de Abreu, de quem hoje se publica duas pequenas crónicas.

2. AS duas últimas mensagens,   que nos chegaram, por email, do António Graça de Abreu [, ex-alf mil, CAOP 1 8Teixeira Pinto, Mansoa e Cufar, 1972/74), membro sénior da Tabanca Grande, com mais de 250 referências no nosso blogue]


(i) Em navegação, Oceano Ìndico, 7 de Abril de 2020

Tenho repetido a mim próprio, inúmeras vezes, que não devo acreditar em nada antes de ver, tal e qual como aprendi com o não muito sábio S. Tomé. Só que, normalmente me esqueco da continuação da frase que há muitos anos decorei na China, que diz que "depois de ver, devemos continuar a não acreditar."

Ontem vi, com estes olhos que a terra, ou o crematório, há de comer, vi, claramente visto, no imenso mar diante de Colombo, Sri Lanka, vi (ate tirei fotografias!) uma passageira do Magnífica ser retirada do nosso navio numa maca e levada para um rebocador cingalês, e assisti à saída de um tripulante nosso, tambem entrando para dentro do rebocador, no meio de um enorme aparato de pessoas com máscaras e fatos anti-coronavírus, quer no barco do Sri Lanka, quer no Magnifica.

No nosso, as medidas tomadas iam no sentido de o nosso pessoal se proteger contra qualquer contágio do pessoal cingalês que quase entrava no nosso navio. Como expliquei ontem, à noite o nosso capitão informou que se tratava de uma passageira que necessitou de mais tratamentos médicos. Hoje tivemos a continuação das informações. Dentro do nosso navio sabe-se que a senhora alemã, de 75 anos de idade, teve uma apendecite aguda e precisou de ser operada, com urgência.

Entretanto, o tripulante, o único de nacionalidade cingalesa a trabalhar no Magnifica, aproveitou a paragem no mar de Colombo para terminar o seu contrato com a MSC. Fez muito bem e regressou a casa.

Há pouco vieram mostrar-me num telemóvel as notícias publicadas no jornal Colombo News, a propósito deste acontecimento, que já estão na Net e que metem o Presidente da República do Sri Lanka, e tudo. Mais ou menos nos seguintes termos:

Historiaram, mal, a viagem de Volta ao Mundo do Magnifica, informaram que o nosso navio, por suspeitas de casos de coronavírus a bordo,  estava proibido de acostar a qualquer porto do mundo. Mas o povo do Sri Lanka era simpático e hospitaleiro, e Sua Excelência Gotabaya Rajapksao, o Presidente da Republica,  autorizou que a passageira do navio italiano, que tivera um ataque cardíaco e podia ter sintomas de outras doenças, desembarcasse e entrasse num hospital em Colombo. 

O tripulante, de nacionalidade cingalesa, agradecia, comovido, ao Presidente da República por ter podido sair do barco e regressar à pátria com saúde, agradecimento extensivo ao ministro da Marinha, Pyal De Silva (por certo, descendente de portugueses!), que, numa situação tão difícil, tão bem defendeu e zelou pelos interesses do povo do Sri Lanka, unido em volta do seu presidente Gotabaya Rajapksao.

Como diria o nosso Gil Vicente, há quase seis séculos atrás, "assim se fazem as cousas." E, como digo eu, caá por estas bandas do Oriente, "não acredite em nada antes de ver, depois de ver continue a não acreditar."

António Graça de Abreu

(ii) Em navegacao, Golfo de Aden, 10 de Abril de 2020

Hoje, Sexta-feira Santa, houve, às duas da tarde, um minuto de silêncio, simples homenagem a todos os que faleceram vítimas de coronavírus 19.

Depois, às três horas, com o teatro quase cheio, o coro improvisado dos velhinhos do navio, criado no decorrer da viagem, com o pomposo nome de Schola Cantorum Magnifica, interpretou, com vozes afinadas e claras, dois espirituais negros norte-americanos associados à Pascoa, dois gospels, o segundo dos quais Amazing Grace  recordando as situações de vida e de morte que temos vivido .  tinha as seguintes palavras, capazes de humedecer os olhos de qualquer um de nos, crente ou não crente.

Through many dangers, toils and snares
We have already come.
T'was grace that brought us safe thus far
And grace will lead us home,
And grace will lead us home. (#)



Três tripulantes do Magnifica procederam, em seguida, a leitura de excertos do Novo Testamento, do Evangelho Segundo Sao João, com os passos da crucificação e da morte de Jesus. Uns quinze passageiros, três deles portugueses, leram entao, em várias linguas, textos breves, quase orações de saudação a Deus, homenageando os que faleceram, agradecendo por o vírus não ter chegado ao nosso seio, expressando também o desejo de regressarmos todos com saúde e paz aos nossos lares.

Rezou-se um Pai Nosso e, por fim, os músicos e cantores italianos do Musica en Mascara, todos vestidos de preto, tocaram e interpretaram um excerto do Requiem, de Giuseppe Verdi.
Enorme dignidade na homenagem a Deus, nesta Sexta-feira Santa.

Antonio Graça de Abreu

PS - Meu caro Luís: Agradeço-te, por todos os deuses, que ponhas estas duas fotos junto ao texto que escrevi esta sexta-feira santa. Talvez porque me emocionei. Há mais de um mês, sobre mil oceanos e mares, tocando terra ao de leve, temos a ameaça da morte à nossa volta.


[Revisão / fixação de texto para efeitos de edição neste blogue: LG]

# Tradução livre:

Graça maravilhosa: 

(...) Por muitos perigos, duros trabalhos e armadilhas 
Nós já passámos. 
Foi a graça de Deus que nos trouxe sãos e salvos até agora. 
E a graça de Deus  nos levará para casa, 
E a graça de Deus nos levará para casa. (...)

segunda-feira, 13 de abril de 2020

Guiné 61/74 - P20852: Viagem de volta ao mundo: em plena pandemia de COVID 19, tentando regressar a casa (Constantino Ferreira & António Graça de Abreu) (8): 11 de abril de 2020, a caminho do Mar Vermelho e, a seguir, do "Mare Nostrum", o Mediterrâneo...


MSC - Magnífica > Cruzeiro de Volta ao Mundo > Em navegação,   a caminho do Mar Vermelho e do "Mare Nostrum", o Mediterrâneo. >  11 de abril de 2020 >

Cortesia da página do faceboook de Constantino Ferreira. Foto reeditada pelo Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné


1. Constantino Ferreira d'Alva, ex-fur mil art da CART 2521 (Aldeia Formosa, Nhala e Mampatá, 1969/71), membro da nossa Tabanca Grande desde 16 de fevereiro de 2016. Vai a bordo do MSC -Magnífica, que teve de apressar o seu regresso ao ponto de partida, devido à pandemia de COVID-19. Está a escrever o seu diário de bordo, desde 23 de janeiro de 2020, disponível na sua página do Facebook. A ele junta-se o António Graça de Abreu, que também, está a escrever o seu diário de bordo...


Excertos do diário de bordo de Constantino Ferreira

Sábado, 11 de abril de 2020, 11h27

Ontem, Sexta-feira Santa, todo o navio, passageiros e tripulantes, cumpriram 1 Minuto de silêncio, em memória das vítimas no Mundo, da Covid-19.

Eram 14 Horas locais, ainda estávamos á mesa do almoço. O silêncio foi total, ninguém se mexia, apenas o navio
NAVEGAVA !

Depois, pelas 15 horas, no Royal Theatre, tempos de reflexão, com leituras e representação do Julgamento de Jesus da Nazaré, frente a Pilatos e Sacerdotes Judeus. De que resultou a sua morte cruel por crucificação, por equívoco do “povo” e, desleixo de Pilatos.

As intervenções foram feitas voluntariamente em todas as línguas. Terminou com um concerto dirigido pelo nosso Maestro Manfrini, que toda a assistência aplaudiu de pé, em silêncio!

Hoje, Sábado de Páscoa, navegamos no fim do Golfo de Áden, já com vista de terra a Bombordo e a Estibordo, que aqui coloco fotos respectivamente, as duas primeiras fotografias que acabei agora mesmo de tirar !

Mais à frente, a bombordo, iremos ver Djibuti, onde está a Base Naval Francesa, que se ofereceu para nos receber e, reabastecer, caso fosse necessário!

Depois, será navegar Mar Vermelho acima ,..... até à Cidade de Suez, onde entraremos no Canal, para chegarmos ao “Mare Nostrum”! ...Até lá !!!


Excertos do diário de bordo do António Graça de Abreu 


Excerto enviado pelo António Graça de Abreu, com data de 10/4/2020, 19h02
[ ex-alf mil, CAOP 1 (Teixeira Pinto, Mansoa e Cufar, 1972/74), membro sénior da Tabanca Grande, com 250 referências no nosso blogue; temos recebido as suas mensagens por correio eletrónico]


Taiti, Polinésia Francesa, 27 de Fevereito de 2020

Ontem, no regresso da ilha de Morea, ainda tivemos tempo para um extenso passeio a pé por Papeete, a cidadezinha capital de Tahiti. De criação recente, só em 1817,  Papeete passou a sede do muito limitado poder britânico sobre uma ilha que entãoo os ingleses disputavam com a Françaa.

Foram os franceses, com tropas mais numerosas, quem conseguiu impor o seu protectorado a Taiti, de 1842 até hoje.A ilha tem 185 mil habitantes, a capital conta com 30 mil pessoas, predominantemente polinésios, gente simpática e educada, alguma dela diz com orgulho que frequentou universidades, em Françaa. 

Papeete é uma cidade limpa e organizada, com um mercado central onde rivalizam as cores das flores, da roupa e da comida. Em Taiti, as mulheres costumam colocar uma flor nos cabelos, presa, ou por cima da orelha esquerda ou da orelha direita. A flor na cabeça, a direita, significa que a mulher ja é casada ou comprometida, a flor, à esquerda, corresponde a uma donzela, ou senhora, livre de compromissos, aberta a qualquer tentativa de namoro. 

Quando me contaram esta história, não acreditei nas flores de esquerda e de direita, mas bastou vir para as ruas de Tahiti para comprovar que nesta formosa ilha, esquerda e direita, em flor, são duas opções indiscutíveis . Era bom que fosse assim em todo o mundo.

Em Pappete há jardins impecavelmente tratados suspensos sobre o porto de onde se parte em velozes catamarãs para outras ilhas, outras aventuras. Disseram-me que 9% da população é de etnia chinesa, detentora de grande poder económico. Os filhos do Império do Meio são resultado da emigração massiva, a partir de meados do século XIX, quando milhões e milhõees de chineses fugiram do centro e sul da China durante a tremenda rebelião do Reino Celestial dos Taiping que se prolongou de 1850 a 1864 e tera provocado cinquenta milhões de mortos. Deixando para trás a guerra, registou-se o maior êxodo de sempre de chineses que pocuraram trabalho e paz nas ilhas do sudeste asiático, Malasia, Singapura, Tailândia, nas ilhas mais distante do Pacífico e até no Peru e em Cuba. 

Em Havana, o consul de Portugal, um senhor chamado Eca de Queiros, haveria de defender e ajudar milhares de chineses que chegavam a Cuba com documentos de emigração passados em Macau e que sofriam as prepotências e impiedosa exploração dos fazendeiros e autoridades espanholas. Os culies chineses substituiam os escravos negros nas grandes plantações de cana-do-acúcar. Mas isso são outros continentes e outras histórias.

As praias de Taiti, em cenário natural de grande beleza, contam quase sempre com tapetes de areia negra. Estive em Point Venus, com um antigo farol e uma perfeita baía onde os primeiros europeus desembarcaram, em 1767, e só não fui ao banho na belíssima praia de areia preta, porque estava alinhado na excursão do navio, com tempo muito limitado. Foi nesta baía que a Bounty, com o capitão William Bligh, chegou em 1789 e os seus marinheiros. Logo depois, como ja vimos, ficaram fascinados com os encantos de Taiti.

A ilha tem uma superficie de 1.042 km 2, um pouco maior do que a nossa Madeira, e como não podia deixar de ser também a circundei, no autocarro público, com paragem em Taravao. Foi no segundo dia de estadia em Tahiti e, como o navio partia as 19 horas, tivemos de programar o dia quase ao minuto. 

A vila de Taravao, a mais importante do sul da ilha e a entrada para a península de Tahiti Iti, ou seja a "pequena Taiti", com mais baias, enseadas, lagunas e praias de areia branca que só visitarei numa proxima reencarnação quando aproveitar um fim de semana para descer do c+eu e nadar num mar esmeralda e me por a tostar ao sol deste paraíso na Terra.

Perto de Taravao, na aldeia de Mataiea, fica o Museu Paulo Gaugin, perto da última casa onde o pintor viveu em Taiti, ante do seu exilio definitivo e morte em Hiva Oa, nas ilhas Marquesas. Por aqui pintou Gaugin algumas das suas obras primas, como as lânguidas mulheres polinésias que soube, ou não soube amar. 

O museu está fechado desde 2013 "para obras". Paulo Gaugin, aos cinquenta e muitos anos, manteve relacionamentos sexuais e tomou por companheiras raparigas polinésias com quinze ou dezasseis anos de idade, e não deixou de as retratar em quadros plenos de sensualidade. Será por isso que o "politicamente correcto" mandou fechar o Museu Gaugin, em Taiti e procedeu a uma limpeza do seu nome em todos os folhetos turísticos que promovem a ilha. 

Eu entendo. Contudo, Paulo Gaugin deixa a todos nós um legado mágico, intemporal e louco, é um dos grandes mestres da pintura universal. Basta olhar os seus quadros sobre Taiti, esfuziantes de cor, alegria e tristeza, basta beber os seus verdes intensos das folhas das palmeiras, os azuis acariciando o ondular do mar, os amarelos aquecidos pelo grito do por-do-sol. O seu amigo Van Gogh, logo após uma zanga com Gaugin na casa de Arles, no sul de França, decidiu cortar uma orelha, embrulhá-la em papel de jornal e ir entrega-la num bordel que ambos tinham frequentado, na pequena cidade francesa. Os homens e mulheres de excepção não tem juizo, entenda-os cada um como muito bem achar.

Em Taravao fui a um grande supermercado impecavelmente abastecido. Dizem-me que o salário minimo em Taiti ronda os 1.250 dólares, que o ordenado medio é de 2.250 dolares, O nivel de vida eéelevado, superior ao de Portugal, creio, o que acontecerá também em algumas outras ilhas do Pacífico.
Os preços também me pareceram caros. Comprei sabonetes e óleos corporais fabricados com óleo de coco e com monoi , uma mistura de tiaras, flores raras existentes em Taiti. Numa loja do supermercado descobri uma t-shirt muito bonita,, preta, estampada com o pequeno desenho de uma beldade tahitiana, de corpo inteiro, sentada de lado, com uma flor no cabelo, ataviada com um pequeno vestido vermelho que lhe modelava o corpo. Tinha escrito Hinano e 1955. Hinano parecia-me ser o nome de uma das ilhas da Polinésia Francesa e 1955 deveria ser o ano em que essa ilha se autonomizou, em relação ao poder politico francês. Comprei-a por sete ou oito euros. 

De regresso ao navio, consultei a pequena brochura que trouxe de Papeete e lá encontrei a figura da elegante tahitiana da minha t-shirt, e a explicaça: " The brand of Hinano beer, sold since 1955 by the Brasserie of Tahiti, has become a real institution present everywhere in Polinesya. Recognized by its famous logo, a sitting vahine ( jovem mulher em polinesio) often brought as a souvenir by tourists."

Antonio Graca de Abreu



MSC - Magnífica > Cruzeiro de Volta ao Mundo > Em navegação, oceano Pacífico  >  Fevereiro de 2020 > Um "recuerdo" do Taiti

Foto (e legenda): © A ntónio Graça de Abreu (2020) Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


sexta-feira, 10 de abril de 2020

Guiné 61/74 - P20837: Viagem de volta ao mundo: em plena pandemia de COVID 19, tentando regressar a casa (Constantino Ferreira & António Graça de Abreu) (7): a navegar agora no perigoso Mar Arábico, já no Golfo de Aden, com o Corno de África lá ao fundo à esquerda e o fantasma dos piratas da Somália a acrescentar às preocupações dos passageiros e tripulantes...


MSC - Magnífica > Cruzeiro de Volta ao Mundo >  Em navegação, oceano Índico > 10 de abril de 2020 ,sexta feira santa para os cristãos > Um rota perigosa...

Cortesia da página do faceboook de Constantino Ferreira. Foto reeditada pelo Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné


Oeiras >Algés > Restaurante Caravela de Ouro > Tabanca da Linha > 42º Convívio > 21 de março de 2019 > À mesa, o Constantino Ferreira d'Alva e o António Graça de Abreu.

Fotos (e legenda): © Luís Graça (2019). Todos os direitos reservados [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Constantino Ferreira d'Alva, ex-fur mil art da CART 2521 (Aldeia Formosa, Nhala e Mampatá, 1969/71), membro da nossa Tabanca Grande desde 16 de fevereiro de 2016. Vai a bordo do MSC -Magnífica, que teve de apressar o seu regresso ao ponto de partida, devido à pandemia de COVID-19. Está a escrever o seu diário de bordo,  desde 23 de janeiro de 2020, disponível na sua página do Facebook. A ele junta-se o António Graça de Abreu, que também, está a escrever o seu diário de bordo...


Excertos do diário de bordo de Constantino Ferreira 

Sexta-feira, 10 de abril de 2020, 5h39


Estou a pensar, que a vida continua. Hoje, é Sexta-feira Santa e, vivemos a angústia do presente, pensando no passado.

Esse passado longínquo, que marcou estes últimos 2.020 anos. Um Homem-Bom, foi morto cruelmente em Jerusalém, por equívoco do povo e desleixo do “poder”!

Hoje, recordamos esse “equívoco”, com o pensamento contido na revolta. Mas, esse exemplo de compaixão e perdão, fica para sempre no pensamento da Humanidade.

Certamente que houve outro exemplos no Mundo, devemos olhar todos esses exemplos, com fé, nesta nossa Humanidade que hoje luta contra “esta” calamidade !

Hoje, a navegar aqui no Mar Arábico, já no Golfo de Aden, com o Corno de África lá ao fundo á esquerda, penso no futuro da Humanidade, na pessoa do meu neto Francisco, que nasceu ontem em Lisboa.

Um grande abraço, do tamanho do Mundo.


Quinta-feira, 9 de abril de 2020, 7h17

Alô!

Aqui Mar Arábico. Vamos praí a meio!

Mas, já vamos em alerta total contra os piratas da Somália, que com as suas boas lanchas rápidas, podem querer um bom resgate, destes 2.800 navegantes!

Mas também vamos a navegar uma rota sob vigilância das forças de Marinha Internacionais e, vigilância via Satélite!

Os desgraçados dos piratas, têm que ser muito “corajosos” ou muito parvos para nos atacarem !

Bom, o que eu estou em alerta é para assistir á entrada no Mar Vermelho e ver as duas margens !

Mas não vou deixar de olhar o Corno de África! Depois conto como foi !


Excertos do diário de bordo do  António Graça de Abreu 

[ ex-alf mil, CAOP 1 (Teixeira Pinto, Mansoa e Cufar, 1972/74), membro sénior da Tabanca Grande, com 250 referências no nosso blogue; temos recebido as suas mensagens por correio eletrónico]

Oceano Índico, Golfo de Aden, 10 de Abril de 2020

Desde ontem e por mais dois dias, esquecemos o coronavírus, o problema serão os piratas. Estamos a navegar perto da ilha de Socotora, no Golfo de Aden, à entrada do Mar Vermelho. De um lado temos o Yemen, sempre em guerra, do outro a Somália, o corno de Africa, terras pobres habitadas por algumas gentes que utilizam todos os meios possiveis e quase mpossíveis para sobreviver. Um deles e o ataque a navios, pirataria pura e dura, com assaltos sobretudo a cargueiros, com a tomada de reféns e do próprio barco, e a exigência de avultados resgates.

Recebemos ontem um comunicado no camarote avisando-nos das medidas que o navio está a tomar para escapar aos piratas: luzes meio apagadas durante a noite, janelas dos camarotes com cortinados corridos, todo o conves do 7º andar que rodeia o Magnifica, e é excelente para caminhadas e passeios a pé,  estará fechado, com seguranças em lugares estratégicos, com binóculos perscrutando o mar que se mantem deslumbrantemente azul e prata, sereno e calmo. 

Talvez estas medidas sejam um exagero. Creio que nenhum navio foi atacado, nos últimos tempos. As grandes potências prepararam as respostas a estes actos de pirataria, franceses, norte-americaos, até chineses estão estacionados no Djibuti onde controlam, via satélite, o movimento das grandes e pequenas embarcacões que cruzam estas vastas regiões. 

Dizem-me que os norte-americanos tem drones militares que se deslocam a grande velocidade, carregados de potentes explosivos que podem, com toda a facilidade rebentar com os frágeis barcos utilizados pela pirataria. 

A vida tambem não está fácil para os piratas da Somalia e do mar Vermelho.

Colombo, Sri Lanka, 6 de Abril de 2020

Chegamos frente a Colombo, o navio parou, os arranha-ceus recentes, construidos com capitais chineses, alinhavam-se nsa tira do horizonte. Nós permanecemos no Magnifica, claro, de onde não saimos quase há um mes.

Estamos ancorados no mar, a uns quinze quilómetros da capital do Sri Lanka. Fui lá acima, ao 14. andar, tirar umas fotografias. Um rebocador aproximava-se. Calculei que trazia o piloto local. Não era verdade. Sete ou oito tripulantes do barco de apoio cingales vinham cobertos de largos fatos brancos, mascaras de plastico, luvas e botas estanques. Na plataforma lancada a estibordo pelo Magnifica, três ou quatro tripulantes do nosso navio vestiam tambem roupa de assustar, fatos completos em tons de azul, cobrindo totalmente o corpo, sobressaindo as máscaras e as luvas. Uma maca com uma senhora idosa deitada, ligada a uma botija de oxigénio entre as suas pernas, em cima do cobertor, era transportada com todo o cuidado desde o Magnifica para o rebocador. 

Um tripulante do nosso navio passou também para o barco cingalês e foi imediatamente desinfectado com um spray. Eles trouxeram uma equipe de televisão com um camaraman, todo equipado e artilhado como os restantes tripulantes, que filmou cuidadosamente o processo de evacuação. O rebocador acabou por acelerar os motores, deu meia volta e rumou em direcção ao porto de Colombo. 

Tera a velha senhora, nossa companheira de viagem, contraído coronavirus? Como vai ser tratada, o que lhe acontecera sozinha num hospital de Colombo?

Há pouco, já noite e com o navio a navegar para norte, o capitão Roberto Leotta informou, pela instalação sonora, que se procedera ao reabastecimento de gasóleo, que seguimos para o canal do Suez e que foi preciso evacuar uma passageira, a "necessitar de cuidados médicos urgentes." 

Não creio que a senhora tivesse coronavírus porque, se tal acontecesse teriamos o navio infectado, o que seria uma catástrofe para todos nós, mas o aparato da sua saída para um hospital na capital do Sri Lanka, foi um sufoco, um enorme susto.

terça-feira, 7 de abril de 2020

Guiné 61/74 - P20824: Viagem de volta ao mundo: em plena pandemia de COVID 19, tentando regressar a casa (Constantino Ferreira & António Graça de Abreu) (6). em Colombo, Sri Lanca, paragem para reabastecimento e partida para o Canal do Sul (percurso de c. 3500 milhas náuticas até ao dia 24 de abril)


MSC - Magnífica > Cruzeiro de Volta ao Mundo > Colombo, Sri Lanca [, antigo Ceilão] >  6 de abril de 2020 >  Paragem técnica para reabastecimento... Próxima etapa: Canal Suez, a 3456 milhas náuticas de distância. Data prevista de chegada: 24 de abril.

Cortesia da página do faceboook de Constantino Ferreira. Foto reeditada pelo Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné.


1. Constantino Ferreira d'Alva, ex-fur mil art da
Constantino Ferreira, Melbourne, 
Austrália, 19 de março de 2020.
 Vai a bordo com a esposa,
 Elsa Ferreira
 CART 2521 (Aldeia Formosa, Nhala e Mampatá, 1969/71), membro da nossa Tabanca Grande desde 16 de fevereiro de 2016... Trabalhou 30 anos na TAP, como tripulante de cabine; começou a escrever o seu diário de bordo, em 23 de janeiro de 2020, na sua página do Facebook, Viagens no Tempo. A ele junta-se, desde o poste anterior, o António Graça de Abreu; vão escrever, a quatro mãos, o diário de bordo...

Ora cá estamos ! Em Colombo,  no Sri Lanca

Foram sete dias de navegação contínua, desde Fremantle-Perth na Austrália até aqui, à Ilha de Taprobana, nos dizeres de Camões.

Chegámos de madrugada, na aproximação fui contando os navios cargueiros, petroleiros, graneleiros e os gigantes porta-contentores, que por aqui estavam fundeados, frente a Colombo! Contei primeiro dez, depois quinze, mas afinal eram mais de vinte, “plantados” por estas águas frente a Colombo.

Ao ver o perfil desta cidade, na contra luz do seu perfil moderno, de prédios futuristas, com uma das torres modernista, com um perfil que de torre esguia redonda, com uma grande “bola” lá nas alturas, seguida por uma antena gigante, que me fez lembrar o perfil da moderna Xangai na China, com idêntica torre, mas ainda maior!

Tivemos assistência, da emergência médica, eficiente e rápida que resolveu a assistência em poucos minutos.

Depois, foi a procura do local para fundear, nesta Baia frente À cidade e porto de Colombo, com o piloto que posicionou esta enorme “nave”, para ser reabastecida, por um pequeno petroleiro, que aqui se encostou, e se vai manter a fazer a trasfega do combustível, durante estas largas horas, que aqui passamos frente a uma cidade de perfil moderno, como me surpreendeu esta velha Colombo, onde os portugueses se lmantiveram mais de cento e cinquenta anos, nos Séculos XVI e XVII.

Aqui nesta ilha, a Sul da Índia, o clima é quente e húmido. Desde as 6 Horas da manhã, que tenho andado pelos convés a passear e a tirar umas fotografias, mas antes de almoço, fui fazer um tempinho na piscina exterior para refrescar.

Ao almoço resolvemos ir ao restaurante, em vez de irmos ao Buffet, como muitos dias fazemos ao almoço. Mas à noite, marcamos sempre presença num dos três enormes e requintados restaurantes de bordo.

É quase Sol posto, o petroleiro continua a dar continuidade ao reabastecimento, por uma mangueira, onde passam várias toneladas de combustível à hora. Mesmo agora fui á varanda do camarote e, a mangueira lá estava, a dar “mama” a este navio- “bébé” gigante !

O pôr do sol vai ser pelas 17h45, vou subir do 12º para 15º piso, que é o convés da piscina interior, para ver esse espectáculo diário, que é o pôr do Sol, por estas bandas tropicais, neste caso, mesmo Equatorial!

Depois será a largada, para uma nova etapa, desta vez de 3.456 milhas náuticas, distância entre Colombo e o Canal de Suez, onde chegaremos a 24 de Abril.

São mais 8 dias de prisão, neste cruzeiro de Volta ao Mundo, que se transformou “quase” num pesadelo, apenas com o receio,  de todos nós, de esse coronavírus também poder “entrar” aqui a bordo.

Mas com os cuidados de higiene praticados a bordo, desde a Tasmânia, que a vigilância é mantida, já lá vão umas largas semanas!

Assim continuamos, presos neste conforto de bordo, onde mantemos todas as actividades, desde a ginástica aos espectáculos diários, de grande qualidade, com uma plêiade de artistas que são do melhor que eu já vi, em espectáculos diários, de alta qualidade!

A Companhia, MSC,  e o nosso Comandante Roberto Leotta, têm feito tudo, o possível e o impossível, para que esta “Odisseia”, chegue ao fim sem incidentes de maior!

Somos cerca de 2.000 passageiros e 800 tripulantes, a fazer tudo “bem”, para que antes do fim de Abril, possamos ser bem recebidos, possivelmente em Marselha.

Dizem que; “a sorte protege os audazes”! Creio que aqui a bordo, todos temos sido “audazes”, a cumprir as regras de segurança sanitária e de bom convívio, acrescentando agora uma boae de “sorte”...  a nossa “Odisseia” terminará bem, para todos; passageiros, tripulantes, e MSC-Magnifica!

[Revisão e fixação de texto para efeitos de edição neste blogue: LG]


Chile > Oceano Pacífico > Ilha da Páscoa > 21 de fevereiro de 2020 > Os famosos "moais", as gigantescas estátuas de pedra

Foto (e legenda): © António Graça de Abreu (2020). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


2. Mensagem de António Graça de Abreu, 
Hai Yuan e António Graça de Abreu
numa praia numa das  ilhas de Tonga,
Polinésia (2017)
que viajou até Sidney com a esposa, Hai Yuan:

[O nosso camarada e amigo António Graça de Abreu [ ex-alf mil SGE, CAOP 1 (Teixeira Pinto, Mansoa e Cufar, 1972/74), membro sénior da Tabanca Grande, com 250 referências no nosso blogue], que também  vaia bordo, só começou a "dar sinais de vida" em 22 de março passado...

Até então sabíamos apenas que ele andava "embarcado"... Agora sabemos que também está "confinado", no MSC- Magnifica, não podendo ele e os demais passageiros e tripulantes sair a terra, nos portos onde o luxuoso paquete tem que aportar para se reabastecer...]

Data - 05/04/2020, 06:41
Assunto - Ilha da Pascoa, definitivíssimo


Ilha da Páscoa, Chile, Oceano Pacífico Sul, 21 de Fevereiro de 2020

Imagine-se uma praia deslumbrante, num mar de águas transparentes, cor de turqueza, cujas ondas terminam suavemente na areia branca e fina, rodeada por uma desafogada floresta de palmeiras e coroada por um ahu com sete moais. Falo da praia de Anakena, ilha da Páscoa.

Rolando Pires Teixeira (#)


Foram quatro dias de navegação e 3.920 quilómetros de mar, desde o Peru, para se chegar à ilha da Páscoa, Quase nada sabia sobre estas paragens envoltas em muitos mitos, mistérios e fantasias, perdidas no Oceano Pacífico, o pedaço de terra mais isolado do mundo, mais longe de qualquer outro lugar habitado. Para oeste, Tahiti fica a 4.213 quilómetros. 

A ilha da Páscoa tem apenas 16 por 24 quilómetros, o que dá uma superficie de 110 km2. Fernão de Magalhães, há 499 anos atrás, na sua impressionante cavalgada marítima atravessando o Pacifico em busca das ilhas das especiarias, as Molucas, não passou longe desta ilha. Infelizmente não deu pela sua existência, a descoberta só aconteceria duzentos anos depois quando o holandês Jacob Roggeveen aqui aportou, no ano de 1722, no domingo de Páscoa, daí o nome da ilha. 

Mas o lugar já era conhecido e habitado por polinésios que viajavam por enormes distâncias nas suas pirogas tipo catamarã, com dois cascos acoplados, o que garantia grande estabilidade e segurança à embarcações. 

Esses polinésios, provenientes das ilhas Marquesas, terão chegado a Rapa Nui  - a ilha da Pedra, o nome em polinésio da ilha da Páscoa -, no século XI. Existem várias teses divergentes sobre o que realmente aconteceu. Terão sido esses os primeiros colonizadores da ilha e os construtores dos moais, os grandes bonecos de pedra vulcânica de diferentes tamanhos, todas identificáveis pelos seus rostos aquilinos, boca saliente e olhos fundos. Moai significa, na língua polinésia, "rosto" ou "face" e a construção das estátuas parou no séc. XVII. 

Os bonecos levantavam-se apoiados em bases de pedra, tipo altares, denominados ahu e estarão associados a homenagens aos antepassados falecidos. Cada figura representa um ente querido que não era enterrado, mas cujo corpo permanecia envolto em panos, depositado em esteiras sobre os ahus até o cadáver se decompor e desfazer, atérestarem apenas ossos. Levantava-se então, em frente, uma grande estátua, em honra do defunto. 

Existem quase mil estátuas espalhadas pela ilha, a mais pequena tem apenas 2,5 metros de altura, as maiores chegam aos 10 metros e podem pesar 80 toneladas. Era tempo de as ir conhecer.

Acabo de ler no guia do visitante que me deram logo ao pôr o pé na ilha, ao procurar o Parque Nacional de Rapa Nui, tudo Património Mundial pela Unesco, que aqui a precipitação anual é baixa, concentrando-se a chuva sobretudo no mês de Maio. Dizem-me que os deuses andam um bocado desorientados, talvez por influência de um poderoso senhor norte-americano chamado Donald Trump e resolveram presentear-nos, desde as seis horas da manhã, até à noite, neste dia de meados de Fevereiro, com um glorioso tempo de chuva, água que não pára de cair, há cem mil torneirinhas abertas suspensas no céu. E a imtemperie estende-se ao mar.

A ilha da Páscoa não tem um cais onde um grande navio possa acostar, por isso o Magnifica ancorou no mar, a uns dois quilómetros de terra. Os passageiros fizeram filas compactas para entrar nos botes salva-vidas que nos levavam, na viagem de ida e volta até ao pequeno cais de desembarque, na ilha. 

O mar estava alteroso, ondas de três metros batiam fortes nas chalupas encostadas à plataforma de saída do navio que balançava, subiam e desciam ao sabor das ondas, transformando-se a entrada e saída de cada velhote, ou cidadão mais jovem, numa odisseia. Tivemos de esperar quase duas horas para podermos sair porque havia duas mil pessoas a avançar lentamente, uma a uma, muitos deles desciam agarrados, suspensos nos braços do pessoal do navio que os levantava no ar e depositava de sopetão ora nas chalupas, ora, no regresso, na plataforma de entrada no Magnifica.

Quando, ainda no navio, fui tentar comprar uma excursão na ilha da Pascoa, já não havia. As excursões eram realizadas em mini-bus, com limitação  no número de passageiros.Era coisa aí para 4 horas, com visita a alguns moais e a passagem por uma praia. Custava a módica quantia de 260 euros. O preço estava inflacionado pelos 80 dólares que cada turista era obrigado a pagar para entrar na ilha. 

Estava meio preocupado. Com tanta chuva, com ausência de transporte como me iria desenrascar e conhecer os moais? Afinal acabou tudo por ser tudo pontualmente fácil, abrangente, divertido e muito mais barato. A Hai Yuan e eu saímos do porto, a chuva não parava de cair, mas estávamos protegidos por guarda-chuvas e casacos de plástico. Caminhamos em direção ao centro da cidade de Huanga Roa, se cidade se pode chamar a capital de uma ilha que conta apenas com 7 mil habitantes. Baias pequenas, rochas batidas pelas ondas, praias recatadas, casas de madeira bonitas e bem construídas. 

Fui ao posto de turismo buscar um bom mapa e perguntei ao rapaz de serviço como era para dar a volta à ilha e ver muitos moais. "E simples, alugue um táxi, se quiser eu chamo pelo telefone e o carro vem aqui buscá-lo, demora cinco minutos, são 50 dólares por duas horas!"

Era cedo, tinha o dia por minha conta, o regresso ao navio só tinha de ser feito até às oito da noite. Mais voltas pelo centro da vila de Huana Roa, um primeiro moai a vista, de nome Tahai, reconstruído, creio, com chapéu e tudo, para turista ver e abrir o apetite para outros moai que, apesar da chuva, não arredavam pé, estavam rigorosamente há séculos à nossa espera. 

Na avenida central há umas tantas lojas de rent-a-car, eu trouxe a carta de condução prevendo a eventualidade de alugar algures um automóvel. Na outra Volta ao Mundo, a partir de Fermantle e Perth, deliciei-me pelas estradas do oeste da Austrália conduzindo durante três dias, e mais de mil quilómetros, um Toyota novinho em folha.

Agora fui ver carros e preços. Por 24 horas (não havia menos tempo de aluguer) teria de pagar 50 dólares, mais a gasolina. Os automóveis eram uns Seats pequeninos a fingir de jeep. A Hai Yuan assustou-se, o carro que me destinavam tinha pneus meio carecas, estava muito sujo, chovia copiosamente, as estradas deviam estar cheias de buracos, etc. Vamos esquecer o rent-a-car. 

Logo adiante, estava estacionada uma carrinha aberta com dez lugares e um cartaz onde se lia que levava pessoas para a praia de Anakena, a melhor da ilha, com um excepcional friso de moais, junto ao mar, pela módica quantia de 7 mil pesos chilenos, cerca de 9 dólares por pessoa, ida e volta. Pergunto se nos levam até Anakena, com passagem pelos quinze moais de Tongniki, num desvio, de mais uns quilómetros. Chove muito, eles não tem clientes, e meio dia, levam-nos a dar a volta por 25 dólares, os dois.

Ir-nos-ão buscar à praia de Anakena, às cinco da tarde. Negócio feito. Entramos na carrinha com os lugares abertos atrás todos vazios, sentando-nos nos  bancos da frente da carrinha, ao lado do condutor, um velho bonacheirão que também quer saber quem somos, de onde vimos, etc. Noto que tem traços de polinésio,  questiono-o também. Diz-me que hoje já não existem famílias rapanui, os autóctones, puras, os colonizadores chilenos chegaram no século XIX e cruzaram-se com os poucos polinésios que habitavam a ilha da Páscoa.

Vamos então entrar por dentro deste surpreendente lugar e tentar conhecê-lo.

Saimos de Huang Roa pela estrada do aeroporto que me pareceu bem desenhado, aproveitando dois quilómetros de terreno nivelado, e cortamos em direcção a Tongniki por caminhos de bom alcatrão alcandorados na falésia, debruçados sobre o mar. De repente, numa planície com um monte ao fundo, aparecem os moais, todos diferentes, todos parecidos, quinze enormes estátuas saudando o visitante. 

Paramos, tiramos fotografias e, encharcados, felizes, continuamos viagem, mais uns quinze quilómetros até à praia de Anakena, um lugar de assombro neste cu de Judas, suspenso nas lonjuras do mundo. A chuva abrandou, há gente tomando banho no mar, nas águas de uma baía abrigada, numa praia que apetece. Em baixo, temos sete moais de costas voltadas para o oceano, imponentes sobre a plataforma ahu prometendo proteger a gente do interior da ilha de todas as calamidade e desgraças.

Há mais um moai solto, mais acima, impávido há séculos, contemplando distraído a passagem dos turistas à chuva, turistas que o fotografam e se fotografam com ele. Na praia pergunto a um jovem casal chileno acabado de sair do mar, como está a temperatura da água. Dizem-me que está mais quente dentro de água do que cá fora. Não hesitamos. Mesmo com céu cinzentíssimo, com pingos de chuva humedecendo a areia e os nossos corpos, é tempo de entrar no mar. mergulhar no Oceano Pacífico, o que não acontecia há mais de três anos, quando dos banhos nas ilhas de Samoa e de Tonga. A água estava mesmo quente, que prazer! 

Depois nas cabanas de madeira que servem de banheiro, lojinhas e restaurantes, quase vazias porque hoje, em tempo de Verão, temos um perfeito dia de Inverno, secamo-nos, limpamo-nos, comemos umas sandes trazidas do barco. E então que sou confrontado com a chegada das galinhas, uma das especificidades da ilha da Páscoa. 

Além de cavalos selvagens, à solta pelas hortas e campos, abundam galinhas nesta ilha. Umas tantas, acompanhadas pela prole, os pintainhos de vários tamanhos e cores, vem conversar comigo, ou melhor, deve-lhes ter cheirado a trigo, do bom (as galinhas tem olfacto?) e estão a espera das migalhas do meu repasto. Por acaso, trouxemos muito pão e entretive-me, durante quase uma hora, a dar de comer, migalha a migalha, a famílias inteiras de animais de capoeira. Quando o pão acabou, tinha mais de 30 galinhas e pintos felizes a minha volta. 

Quem diria que tal haveria de acontecer, alimentar galináceos numa fabulosa praia da ilha da Páscoa, Pacifico Sul, em Fevereiro de 2020!

António Graça de Abreu

Nota do autor:

# Palavras do meu companheiro de viagem Rolando Pires Teixeira, que aqui esteve pela primeira vez em 2017 no seu livro "Uma Volta ao Mundo, apontamentos", Lisboa, Ex-Libris, 217, pag. 180.

[Revisão e fixação de texto para efeitos de edição neste blogue: LG]
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Notas do editor:

Último poste da série > 3 de abril de 2020 > Guiné 61/74 - P20808: Viagem de volta ao mundo: em plena pandemia de COVID 19, tentando regressar a casa (Constantino Ferreira & António Graça de Abreu) (5): em navegação, no Oceano Índico, devendo atravessar o equador no dia 6, 2ª feira, de madrugada... mas sem a alegria da primeira vez

sexta-feira, 3 de abril de 2020

Guiné 61/74 - P20808: Viagem de volta ao mundo: em plena pandemia de COVID 19, tentando regressar a casa (Constantino Ferreira & António Graça de Abreu) (5): em navegação, no Oceano Índico, devendo atravessar o equador no dia 6, 2ª feira, de madrugada... mas sem a alegria da primeira vez


MSC - Magnífica > Cruzeiro de Volta ao Mundo > Em navegação, Ocenao Índico, 1 de abril de 2020 >  Fim de tarde

Cortesia da página do faceboook de Constantino Ferreira. Foto reeditada pelo Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné.


1. Constantino Ferreira d'Alva, ex-fur mil art da CART 2521 (Aldeia Formosa, Nhala e Mampatá, 1969/71), membro da nossa Tabanca Grande desde 16 de fevereiro de 2016... Trabalhou 30 anos na TAP, como tripulante de cabine; começou a escrever o seu diário de bordo, em 23 de janeiro de 2020, na sua página do Facebook, Viagens no Tempo.

A ele junta-se agora o António Graça de Abreu; vão escrever, a quatro mãos, o diário de bordo...

Embarcaram no MSC - Magnífica, em 6 de janeiro, em Marselha, numa viagem de volta ao mundo em 115 dias, seguindo a Rota de Fernão de Magalhães. O cruzeiro deve (ou devia) voltar ao ponto de partida no dia 1 de maio p.f..  Com eles vai mais um "camaradas da Guiné",  de quem ainda não sabemos o nome, num titak 2800 pessoas (2000 passageiros, 800 tripulantes). 300 já tinham optado por regressar de avião, desistindo da viagem por mar... A boa notícia é que não há, a bordo, até à data, nenhum caso de infecção provocado pelo vírus SARS-CoV-2 (nome oficial dado pela OMS), e que origina a COVID-19 (nome oficial da doença. O drama, agora, é terem combustível e mantimentos para chegaram a casa, sãos e salvos.

O nosso camarada e amigo António Graça de Abreu [ ex-alf mil SGE, CAOP 1 (Teixeira Pinto, Mansoa e Cufar, 1972/74), membro sénior da Tabanca Grande, com 250 referências no nosso blogue], começou a "dar sinais de vida" em 22 do corrente... Até então sabíamos apenas que ele andava "embarcado"... Agora sabemos que também está "confinado", no MSC- Magnifica, não podendo ele e os demais passageiros e tripulantes sair a terra, nos portos onde o luxuoso paquete tem que aportar para se reabastecer...


2. Mensagem de António Graça de Abreu:

Data - Quinta, 2/04, 22:11

Assunto - Em navegação, Oceano Índico, 2 de Abril de 2020 Ultimas  noticias

Meu caro Luís

Vai a actualização das notícias. Podes publicar com umas fotos do navio Magnifica, da Net, não há problema, ou então colocas fotos do navio feitas pelo Constantino Ferreira, ele autoriza, com todo o gosto.
Obrigado, como sempre, pela tua dedicação e cuidado.
Abraço,
António Graça de Abreu


3. Viagem de volta ao mundo: em plena pandemia de COVID 19, tentando regressar a casa (António Graça de Abreu) 
O António,com a esposa Hay Yaun,que deixou
o cruzeiro em Sidney, onde tomou o avião Xangai,
para visitar a faília. Foto de Constantino Ferreeira (2020),
 com a devida vénia
 
Em navegação, Oceano Índico, 2 de Abril de 2020 Ultimas noticias

Navegando, navegando, navegando. Mar e mais mar. Agora, o Oceano Indico liso, calmo, azul brilhante.
Tudo bem entre nós, passageiros e tripulação  do MSC - Magnifica.
Eis o comunicado do capitão do navio, hoje às doze horas, lido por ele próprio ao microfone da potente instalação sonora e depois colocado nos écrãs dos televisores que temos nos camarotes:

"Estamos navegando no Oceano Indico Ocidental, a uma distância de 700 milhas náuticas da ilha de Sumatra, em nosso raio de estibordo, Já percorremos metade da nossa viagem para Colombo. De Fremantle (Austrália) navegamos 1.600 milhas náuticas e faltam 1.550 milhas náuticas para chegarmos a Colombo. Passaremos a linha imaginária do Equador, dia 5 de Abril, de manhã bem cedo, antes do amanhecer. A nossa chegada a Colombo continua marcada para as 6 horas de 6 de Abril. Capitão Roberto Leotta.".

Daqui a quatro dias chegaremos então a Colombo, a capital do Sri Lanka. Não entraremos no porto da cidade, ficaremos à entrada, no mar, esperando por um barco de reabastecimento de combustíveis, carregado de gasóleo. Nós temos medo do coronavírus em Colombo, em Colombo têm medo do coronavírus no nosso navio. 

De Fermantale a Colombo há que contar com 5.650 quilómetros e gasta-se o gasóleo todo. Com o navio reabastecido de carburante, reiniciaremos de imediato a viagem. Agora, diz-se nas conversas não oficiais nos corredores e salas do navio que o rumo seguinte ser o Djibuti, a base naval francesa existente nesse enclave do corno de Africa, para novo reabastecimento de gasóleo e comida.

Virá depois o tempo de se procurar o canal do Suez, atravessá-lo e chegar ao Mediterrâneo, daqui a uns vinte dias. Fala-se que o navio irá  atracar a Marselha, onde sairão todos os passageiros para os seus destinos europeus. 

A Espanha está impossível, hoje, com o coronavírus, chegou ao dez mil mortos, a Itália também é o que se sabe, quase mil mortos por dia, a França, onde o número de contaminados também tem parecenças com uma catástrofe, será o menos atingido pela pandemia entre estes três países. 

E de Marselha, como iremos para Portugal? Haverá um avião para nos levar para Lisboa? Se não, será melhor permanecermos no navio. Somos vinte e tal portugueses a aguardar desenvolvimentos. A viagem para Lisboa também pode ser assustadora, com malas e bagagens, e os nossos corpos a passar por aeroportos onde o vírus tem passeado o seu veneno de morte. 

E depois, como será a nossa chegada a Portela, digo aeroporto Humberto Delgado? E o transporte para as nossas casas? Haverá quarentena para estes pobres portugueses que tiveram a sorte e o azar de entrar numa Volta ao Mundo de navio em Janeiro de 2020, num ano errado, num mês de mil equívocos. Na quarentena em Portugal não será possível apanharmos o vírus, quando a a sua propagação estiver no ponto mais alto?

Que os pequenos e grandes deuses tomem conta de nós e decidam, por bem, o nosso destino !...

António Graça de Abreu

4. Viagem de volta ao mundo: em plena pandemia de COVID 19, tentando regressar a casa (Constantino Ferreira):

A Navegar entre a Austrália e o Srilanka no Sul da Índia!, 1 de abril de 2020

Depois de alguns dias de espera, fundeados na Baía de Fremantle-Perth, para reabastecimento suficiente para chegarmos a Colombo, largámos na esperança de que a navegação iria correr bem. Assim tem sido, nestes dias tropicais de Sol e também de alguma chuva.

Dentro de três dias, iremos mais uma vez “saltar” o Equador, mas agora, do lado de baixo para o lado de cima! Sinto que não haverá a mesma alegria, a mesma festa, que foi na “descida” do Atlântico, antes de chegarmos a São Salvador da Baía de Todos os Santos, no Brasil. Mas a vida continua, com muita alegria e esperança aqui a bordo!

No dia 6 de Abril, pela madrugada, iremos fundear frente ao porto da cidade de Colombo, no Srilanka, a que Camões chamou de Taprobana, na sua Epopeia de “Os Lusíadas”. Aí, seremos reabastecidos de combustível suficiente para chegarmos ao Mediterrâneo, embora esteja prevista uma paragem técnica, na Base Naval Francesa em Djibuti, á entrada do Mar Vermelho.

Escrevi a minha crónica habitual, à saída da Baía de Fremantle-Perth, mas como não tive nenhum “feedback”, será que essa crónica não seguiu o seu caminho via Satélite?!

Realmente,nestes últimos dias, a internet tem sido muito fraquinha, por estas bandas de baixo do Equador, mas não me levar os meus “escritos”, que nem são muito “pesados”?!

Espero que recebam este meu “escrito”, sem dificuldades, pois para “pesar” menos, apenas envio uma dúzia de fotografias.

Continuamos todos bem, os 800 tripulantes e os cerca de 2.000 passageiros. Mas o nosso desejo é chegarmos todos bem, ao “Mare Nostrum”...Que é o Mediterrâneo !
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Nota do editor:

terça-feira, 31 de março de 2020

Guiné 61/74 - P20795: O que é feito de ti, camarada? (11): António Graça de Abreu, no seu segundo cruzeiro de volta ao mundo... Fez ontem anos, e manda notícias, a partir do MSC - Magnifica, a navegar no Oceano Índico


MSC -Magnifica > Cruzeiro de Volta ao Mundo > Oceano  Índico > 30 de março de 2020 > "O jantar dos meus 73 anos (...), com dois casais portugueses [, incluindo o Constantino Ferreira e a esposa Elisa, aqui em primeiro plano], no MSC Magnifica, no Oceano Indico, a norte da Austrália. A caminho de Colombo e do Mediterrâneo onde devemos chegar dentro de três semanas. Sem coronavírus. Espero."

Foto (e legenda): © António Graça de Abreu (2019). Todos os direitos reservados [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. O nosso camarada e amigo  António Graça de Abreu [ ex-alf mil SGE, CAOP 1 (Teixeira Pinto, Mansoa e Cufar, 1972/74),  membro sénior da Tabanca Grande, com 250 referências no nosso blogue], começou a "dar sinais de vida" em 22 do corrente... Até então sabíamos apenas que ele andava "embarcado"... Agora sabemos que também está "aquarentenado", não podendo ele e os demais passageiros e tripulantes sair a terra, nos portos onde o MSC - Magnifica tem que aportar para se reabastecer...  Em 28 do corrente, mandou-nos esta nota do seu "diário de bordo".


Em navegação, Oceano Atlântico, 
18 de Janeiro de 2020

por António Graça de Abreu

Este grande hotel flutuante, de quatro estrelas e meio, que dá pelo nome de Magnifica, pertence à MSC, uma das maiores companhias de navegação do mundo e foi construído em 2010 nos estaleiros STX Europe, em Saint Nazaire, colada a Nantes, na França atlântica. 

A madrinha de baptismo deste navio de 95 mil toneladas foi a sempre jovem Sophia Loren. Sob a proteção das estrelas de cinema, vou então fazer um pouco de propaganda ao navio, que me perdoe o leitor que conhece as coisas dos cruzeiros de cor e salteado.(#)

O Magnifica navega, no máximo, a 23 nós por hora, ou seja, a uns 43 quilómetros. Com mar calmo, a velocidade de cruzeiro -  e estamos num navio de cruzeiros - , é mais baixa, uns 35 quilómetros por hora, o que significa que em 24 horas percorremos cerca de 800 quilómetros. 

O paquete - era assim que se chamavam antigamente estes navios - , conta com 1.259 camarotes, distribuídos por dezasseis pisos, e pode transportar 3.220 passageiros. Não vem propriamente lotado porque há resmas de gente, bem abonada em euros,  que, sem se preocupar com gasto, viaja sozinha, ocupando um só camarote. Não querem zangas, nem mau ambiente permanente com o companheiro ou companheira com quem teriam de compartilhar a cama ou o espaço reduzido da cabina. 

Os tripulantes são, no máximo, 945 distribuídos por 52 nacionalidades, A maioria são indonésios, filipinos, indianos, empregados vindos do Brasil ou dos países do leste da Europa, muitos deles com as tarefas mais humildes, não menos dignas mas creio que mais mal pagas, como as limpezas, a manutenção, a restauração. 

Como a companhia MSC é italiana, são dessa origem o comandante e a maioria dos oficiais. Todo este pessoal, muito profissional, procura manter o Magnifica a navegar com perfeição, assegurando os bons serviços de um navio em jornada de quatro meses pelos cinco cantos e mil recantos do mundo. 

Os dois mil e duzentos passageiros desta viagem também correspondem às mais variegadas e díspares nacionalidades, são gente a puxar para o idoso que só agora, após convulsionadas e trabalhosas vidas, tem tempo disponível, problemas familiares resolvidos e uns bons milhares de euros, ou dólares, na conta bancária para viajar durante a terça parte de um ano por terras e mares distantes. 

Há sobretudo franceses a quem sorriu a desejada retraite, alemães sempre metódicos e organizados, italianos e espanhóis, mais alegres e expansivos, aparentemente abertos a todos os prazeres do cruzeiro, mais uns vinte portugueses, às vezes pendurados num fado lacrimejante e triste, com malhão e corridinho à mistura. 

Há ainda suecos, noruegueses, finlandeses, checos, croatas, suíços, austríacos, norte-americanos, chineses, japoneses, etc. Entre os passageiros, não identifiquei pessoas negras, de países africanos, nem me apercebi da presença de muçulmanos. Há bastantes, sim, mas entre os simpáticos tripulantes. Os eventuais passageiros de África não terão poder económico para pagar estas viagens, os seguidores do Islão talvez considerem que este tipo de vida num navio repleto de infiéis, não estará de acordo com os princípios da sua religião, Entre outras preversões, bebe-se muito álcool, comem-se toneladas e toneladas de carne de porco, dança-se e ouve-se muita música decadente. 

Também os mais fundamentalistas defensores do meio ambiente recusariam este cruzeiro. Greta Thunberg, a menina sueca, convidada a fazer-nos companhia durante apenas um dia de viagem, após uma discussão com o comandante do navio, teria talvez vontade de o lançar ao mar. É verdade que o Magnifica, tal como todos os grandes navios de cruzeiro que sulcam os mares, consome uma barbaridade de gasóleo, algumas toneladas por hora, o que polui os oceanos. Para atenuar a malfeitoria, através de uma fundação própria, a MSC criou, com uma pequena percentagem dos seus lucros, um fundação que se destina a gerir a conservação dos oceanos e dos fundos marinhos.

A viagem de Volta ao Mundo é  dispendiosa e cara, no entanto, se considerarmos que são quatro meses cheios de pequenos luxos e mordomias, não haverá motivos para lamentar o dinheiro gasto. São 19 mil euros, num camarote duplo, com varanda, ou, como é o meu caso, são 14 mil euros, por um camarote duplo, com uma janela redonda, com vista de mar. 

Temos quinze excursões para os mais diversos lugares incluídas no preço do cruzeiro, mas há que contar, pelo menos, com outras tantas, ou mais, excursões cujos preços oscilam entre os 60 e os 150 euros, cada uma.

Todas as noites acontecem espectáculos na grande sala do teatro, com mil lugares. Às vezes são shows a moda do Cirque du soleil. com trapezistas. malabaristas, contorcionistas ou então noites mais completas com os bailarinos e bailarinas residentes a imitar o que de melhor se faz na Broadway, naturalmente não tão espectacular. Há cantores de ocasião ou grupos folclóricos contratados nos lugares de paragem do navio. 

O Magnifica trouxe também desde Itália um conjunto de cantores e músicos clássicos, São o Maschera in Musica capazes de encher de suprema qualidade qualquer palco do mundo. O primeiro concerto, com excertos de óperas de Verdi e de Puccinni e o segundo, com uma recolha de canções populares napolitanas, deixaram-me estupefacto de prazer. Ai vão os nomes de alguns dos cantores e músicos: Ivanna Speranza, uma fabulosa soprano nascida na Argentina que foi aluna de Luciano Pavarotti e cantou em tournées com o José Carreiras, o maestro e violinista Michel Manfrin e um virtuoso, um paganinizinho do violino, o baritono Oscar Garrido Bassoco, de voz potente e clara, acariciando as palavras e a rima, faz levitar a melodia e embevece a plateia, Davide Daniels, o pianista, vai buscar ao branco e negro dos teclados harmonias que afagam sensibilidades adormecidas.

Come-se e bebe-se muito bem no navio. Há quatro restaurantes e um buffet no 13.º andar que funciona quase 24 horas por dia. Há jantares temáticos dedicados a comidas dos países ou regiões que vamos atravessando e o vinho branco, tinto ou rosé é servido à descrição nos almoços e jantares. Provém de boas garrafeiras italianas, francesas e argentinas. Lá mais para a frente haverá vinho chileno, neozelandês e australiano. 

Existe um grande número de actividades para entreter o turista. Temos aulas de taijiquan e pilates, de danças de salão, do tango ao foxtrot, da salsa à valsa, quem quiser aprender italiano ou inglês, ou simplesmente recostar-se ao sol dos trópicos, conta com as muitas espreguiçadeiras espalhadas pelo navio. Existem duas piscinas, uma interior outra exterior e seis jacuzzis com água sempre a 37 graus. Temos na proa do navio, um bonito ginásio, muito bem equipado.

Os principais bares tem, ao lado, uma pista de dança onde uns tantos artistas dos acordes entram pela noite dando música a quem estiver interessado. Quase tudo isto acontece em outros navios de cruzeiros, variando no entanto, de acordo com a qualidade do barco e da companhia.
Temos conferencistas em varias línguas que, quase dia sim dia não, nos fazem palestras, com um power point auxiliar, sobre os lugares que vamos conhecer. 

No que nos diz respeito, quando a língua espanhola funciona como charneira com o português, vem um italiano ainda jovem chamado Massimo Cannoleta, com excelente domínio do idioma castelhano, que nos leva com facilidade, entusiasmo e clareza até Cabo Verde ou ao Brasil.

O Magnifica conta ainda com um casino com roleta, black jacket e slot-machines e com lojas onde se vendem desde o trivial necessário para o dia a dia, como pastas de dentes, sabonetes, pentes ou shampôs a relógios caros e baratos, a joias, a whiskies velhos, a charutos do melhor que se fabrica em Cuba ou na República Dominicana. 

Existe uma sala fechada, ventilada, especialmente destinada aos empedrenidos fumadores, grupo a que felizmente já não pertenço há mais de trinta anos. Existe ainda uma biblioteca, uma sala onde se pode jogar cartas ou xadrez, um spa, com tratamentos de pele, cabeleireiro e massagens que costuma ter bastantes clientes com tanta velharia no navio, presa por parafusos e cordéis enchendo os camarotes do Magnifica.
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# O meu primeiro cruzeiro de volta ao mundo aconteceu de 1 de Setembro de 2016 a 18 de Dezembro de 2016,  no navio Costa Luminosa ligeiramente maior do que este Magnifica.
Ver o meu livro Noticias (Extravagantes) de uma Volta ao Mundo, Lisboa, Nova Vega, 2018, doravante citado como Noticias (Extravagantes).

[Revisão e fixação de texto para efeitos de publicação neste blogue: LG]
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