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terça-feira, 18 de julho de 2006

Guiné 63/74 - P967: Antologia (51): Os combatentes cubanos ou a mística da guerrilha (Victor Dreke)


1. No dia 11 de Julho de 2006, mandei a seguinte mensagem para a nossa tertúlia:

Gostaria que comentassem este depoimento de um médico cubano que esteve na guerrilha, em 1966/67... Está em espanhol, lê-se bem... Há um resumo, em português, no post anterior. 

Esta informação chegou-me através do incansável camarada fuzo que é o Jorge Santos... O artigo original cacei-o eu, na Net... Vou pedir a um antigo aluno meu, médico, cubano, que vive em Portugal e que fez a guerra de Angola e da Eritreia, para me pôr em contacto o seu colega Domingo Diaz.

É outro ponto de vista, polémico mas muito interessante, sobre a guerra da Guiné... Sabemos pouco sobre o papel dos cubanos... Só se fala do Capitão Peralta... Sabemos pouco sobre as misérias e grandezas da guerrilha... Enfim, vejam lá se me ajudam a identificar o resto das bases do PAIGC...

Guiné 63/74 - P951: Antologia (47): Um médico cubano no Morés e no Cantanhez (Domingos Diaz, 1966/67)

Guiné 63/74 - P950: Antologia (46): Depoimento de médico cubano na guerrilha do PAIGC (1966/67)



2. Respondeu-me, logo a seguir, o Carlos Fortunato, meu velho camarada da CCAÇ 2591, mais tarde CCAÇ 13. Embarcámos juntos no velho Niassa, com destino à Guiné, em finais de Maio de 1969.

Luís:

Os cubanos desempenharam sem dúvida um papel importante na guerra da Guiné. Para além do apoio médico e do fornecimento de especialistas para os foguetões de 122 mm, houve sempre a suspeita de que estavam por trás do planeamento de muitas das operações realizadas na Guiné.

Queria chamar-te a atenção para outro artigo que considero bastante interessante, e que é da autoria do coronel aposentado Victor Dreke, que foi o chefe dos combatentes cubanos na Guiné-Bissau durante a guerra.

Seria excelente se conseguissemos estabelecer contacto com o comandante Victor Dreke, pois este poderia, se quisesse e pudesse, esclarecer muitas das lacunas existentes [sobre o conhecimento da] guerra da Guiné. Podes tentar um contacto, através desse teu antigo aluno?

Junto em anexo o texto do coronel Victor Dreke, mas aqui vai o a página da Net onde o consultei:

http://granmai.cubaweb.com/portugues/marzo03/mier12/10nues-p.html

Podes encontrar algumas fotos de cubanos na Guiné, num outro artigo, sobre os cubanos em África, que também tem várias referências ao seu papel na Guiné. A página da Net é:

http://www.tricontinental.cubaweb.cu/REVISTA/texto20ingl.html (*)

Um abraço

Carlos Fortunato

(*) Nota de L.G.: Texto em inglês > A History Worthy of Pride, by Dr. Piero Gleijeses, Professor of US Foreign Policy, Johns Hopkins University. Photos: Ediciones Verde Olivo.
____________________


3. Então aqui vai, para efeitos de divulgação mais alargada, o texto de Victor Dreke, publicado no jornal diário Granma, o órgão oficial do Comité Central do Partido Comunista de Cuba, na sua versão internacional e digital, na edição de 12 de Março de 2003. 

Esta versão, em português do Brasil, contém alguns erros, que corrigi, nomeadamente nos nomes das localidades da Guiné-Bissau. A ortografia é brasileira (LG).

Fotos: A History Worthy of Pride (com a devida vénia)


Nossos antepassados levados à América como escravos estão contentes

por Victor Dreke (*)

Amílcar Cabral, um dos dirigentes africanos mais brilhantes, revelou que o Partido Africano para a Independência da Guiné e de Cabo Verde (PAIGC), valorizava intensamente o apoio dado pelo povo cubano. Assim informou-o num discurso histórico, em 30 de Agosto de 1966, de visita [a] Brazzaville com outros dirigentes das colônias portuguesas em luta.

Manifestou que não acreditava na imortalidade da alma. «Mas, se assim fosse» - acrescentou - «poderíamos dizer que as almas dos nossos antepassados levados [para a] América como escravos, estão contentes ao verem nesta hora seus filhos reunidos, contribuindo para a libertação e a independência verdadeiras».

Noutro momento desse discurso, Amílcar expressou: «Não são os rios nem as montanhas que fazem a história. A história é feita pelos homens e agradeço aos povos e aos homens que foram capazes de provar antes de nós essa realidade histórica, principalmente ao povo cubano e a Fidel Castro, que o fizeram através de seu exemplo».

Três meses antes, em 29 de abril de 1966, Cabral tinha-se reunido com os seis primeiros cubanos que chegaram à Guiné-Bissau, três deles médicos, Labarrere, Rómulo e Domingo (1), e [os outros] três artilheiros, Aldo, Verdecia e Salabarria, mais conhecido por Horácio, «o homenzarrão». Estes companheiros participaram do seu primeiro combate, [no] 1º de Maio desse ano. Posteriormente nos meses seguintes chegaram outros grupos.

Amílcar não queria que os cubanos se arriscassem e era oposto a que participaram [opunha-se a que participassem em combate] como soldados da infantaria. A morte do primeiro cubano, Félix Barriento Laporte, em 2 de Julho de 1967, no ataque ao quartel [de Beli, a nordeste de Madina do Boé, e não de Melle, como vem no original], foi para Amílcar uma grande preocupação e uma profunda dor, pois era do critério [de opinião] de que a guerra devia ser travada pelos guineenses e pelos cabo-verdianos. O apreço e admiração de Amílcar pelos cubanos foi expresso em cada momento.

A data de 2 de Março de 2003 virou data histórica e inesquecível para os povos de Cuba, da Guiné-Bissau e de Cabo Verde, com a inauguração, no Parque dos Próceres Africanos, nas ruas 13 e 64, Miramar, [em Havana, Cuba,] do busto desse grande lutador pela liberdade de seus dois povos, da África e da humanidade: Amílcar Cabral.

Este homem nasceu em 12 de Setembro de 1924, em Bafatá. Em 1932, a família mudou-se para Cabo Verde, onde continuou seus estudos até 1945, ano em que lhe foi outorgada uma bolsa de estudos para Lisboa.

Na etapa de estudante destacou-se na luta contra a colônia, realizando várias atividades como membro do comitê antifascista.

Em 1950, retornou a Bissau formado como engenheiro agrônomo, mas em 1955, devido a suas ideias e atividades anticoloniais, foi expulso pelo governador, motivo pelo qual viajou a Angola e aderiu ao movimento de libertação desse país (MPLA).

Em 19 de Setembro de 1956, foi constituído em Bissau o PAI (Partido Africano da Independência), adotando posteriormente o nome de PAIGC.

Amílcar preparou as condições para iniciar a guerra necessária e em 23 de Janeiro de 1962 começou a luta armada com o ataque ao quartel de [Tite e não de Titi, como vem no original], no sul do país. O dirigente africano traçou a estratégia da luta política, militar e econômica do país em guerra.

Em 1964, editou os primeiros livros escolares para a alfabetização, inaugurou uma escola para os filhos dos combatentes e crianças da zona libertadas e organizou a agricultura nas zonas dominadas pela guerrilha.

Em Novembro de 1964, constitui a primeira unidade do exército popular, organizou as milícias, abriu o front [a frente] leste e organizou, com os recursos existentes, as unidades de saúde.


África Ocidental > Congo (Zaire) > Possivelmente Abril de 1965. Da esquerda para a direita, Victor Dreke (Moja), o médico Rafael Zerquera (Kumi) e Che Guevara. Fonte: El Comandante Che Guevara (com a devida vénia)


De 13 a 17 de Fevereiro de 1964, celebrou-se o primeiro congresso do PAIGC em armas, no sul do país em [ Cassacá e não Casacá, como se lê no original], constituindo o bureau político e o comitê central.

No início de 1965, reuniu-se com o comandante Ernesto Che Guevara, na República da Guiné[-Conacri], de cujo encontro o Che fez uma avaliação muito positiva que expressou na sua Mensagem à Tricontinental (2).

Em 1966, por ocasião da primeira reunião da Tricontinental, Amílcar fez pronunciamentos sobre a unidade necessária na luta dos povos contra o colonialismo, os quais foram gravados para a humanidade toda. Visitou com nosso comandante-em-chefe Fidel Castro o Escambray e a partir desse momento Amílcar e seu povo uniram-se a Cuba na batalha por uma pátria livre do colonialismo.

[Nós,] os cubanos lembramos aquele grupo de companheiros cabo-verdianos que, sob as ordens do atual presidente Pedro Pires e com a participação direta do capitão Toledo, Coqui e outros cubanos, prepararam-se física e militarmente.

Posteriormente, os vimos nos campos da Guiné combatendo pela liberdade da [Guiné-] Bissau e Cabo Verde; presentes também na emissora Radio Liberação [Libertação], criada para cumprir a missão de fazer chegar a verdade ao povo, e que começou as transmissões em 16 de julho de 1967, na República da Guiné-[Conacri].

Amílcar Cabral foi um lutador incansável pela unidade e a paz de seus povos, pela cultura e o desenvolvimento de ambos os países, assinalando a esse respeito: «De Portugal só precisamos da língua para poder sair ao mundo».

Não podemos esquecer aquela noite triste do mês de Outubro de 1967, quando na embaixada de Cuba na República da Guiné-[Conacri] reun[iu-se] o bureau político do PAIGC, liderado por Amílcar e Aristides Pereira, para prestar tributo ao Comandante Che Guevara ao ser confirmada a notícia de sua morte na Bolívia (3).

[Em] resumo, Amílcar deu a palavra de ordem: atacar todos os quartéis durante 15 dias na operação que nomeou «o Che não morreu».

É por isso que estamos certos que Amílcar neste momento estaria junto a Fidel na luta pela unidade dos povos em defesa da liberdade e o retorno dos nossos Cinco heróis prisioneiros do Império (4). Com certeza, nossos antepassados levados à América como escravos estão contentes.

Prestamos homenagem aos combatentes cabo-verdianos e guineenses mortos e como tributo também lembramos os cubanos que morreram na Guiné-Bissau: tenente Raúl Pérez Abad, Raúl Mestres Infante, Miguel A. Zerquera Palacio, Pedro Casimiro Llopins, Radamé Sánchez Begerano, Eduardo Solís Renté, Felix Barriento Laporte, Radamés Despaigne Robert e Edilberto González (5).
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(*) O coronel aposentado Victor Dreke foi o chefe dos combatentes cubanos na Guiné-Bissau durante a guerra de libertação desse povo

Fonte: http://granmai.cubaweb.com/portugues/marzo03/mier12/10nues-p.html

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Notas de L. G.:

(1) Vd post de 1 de Jukho de 2006 > Guiné 63/74 - P951: Antologia (47): Um médico cubano no Morés e no Cantanhez (Domingo Diaz, 1966/67)

(...) "A principios del año 66, respondiendo a esa solicitud, lo designan como miembro del primer grupo (muy reducido), de médicos y combatientes que participarían en la liberación de Guinea Bissau, cuya metrópoli era Portugal (...).

"En ese momento yo era jefe de los servicios médicos de la división 1270 en el Mariel. Fuimos nueve médicos (tres viajaron por avión) junto a los instructores, en total 24 hombres. Tenía bastante experiencia en cirugía porque en esa época, desde que uno estaba estudiando podías participar en determinado equipo quirúrgico. Dos meses después de mi incorporación a este contingente, integrado por artilleros, morteristas, cañoneros y médicos, salimos hacia Guinea Bissau, en la motonave Lidia Doce de 2 000 toneladas. El viaje duró casi 20 días, hasta llegar al puerto de Conakry. La nave estaba deteriorada y fue un trayecto difícil, pues se rompió por lo menos tres veces. En una ocasión hubo un inicio de fuego en las máquinas y por poco tenemos que abandonar el barco" (...).

(2) Tal significa que o Che Guevara nunca esteve na antiga colónia portuguesa, como às vezes consta. O texto de Piero Gleijeses, Professor de Política Externa Norte-Americana, na prestigiada Universidade de Johns Hopkins, também não coloca a Guiné-Bissau na missão secreta que levou Guevara à África, de Dezembro de 1964 a Fevereiro de 1965:

In December 1964, Che Guevara went to Africa on a three-month trip that evidenced the increased interest of Havana in the region. In February 1965, in Dar es Salaam, Tanzania, Che came to an agreement with the rebellious Zairians that Cuba would send a group of instructors to help them in their struggle. In April, a Cuban column of about 120 men under Che´s orders entered eastern Zaire through Tanzania. (...). Fonte: A History Worthy of Pride

Em contrapartida, foi a Guiné-Bissau o país de África, em luta pela independência, que beneficiou mais, nessa época, do apoio político-militar de Cuba:

The end of the 1960’s was a period of growing maturation in the relationship between Cuba and Africa. In those years – until 1974 – Cuba’s focus in the continent was centered on Guinea-Bissau, where PAIGC guerilla fighters were fighting to liberate their country from the yoke of Portuguese colonialism.

At the request of the PAIGC, Cuban military instructors came to Guinea-Bissau in 1966 and stayed until the end of the war in 1974. This was the longest Cuban operation in Africa until the dispatching of troops to Angola in 1975; and it was also the most successful.

According to the words of the first president of Guinea-Bissau, “we knew that we could fight and triumph because other countries and people supported us... with weapons, with medicines, with supplies... But there is a country that, besides material, political and diplomatic support sent their sons and daughters to fight on our side, to spill their blood in our earth alongside that of the best children of our homeland. This great people, this heroic people, we all know is the heroic people of Cuba, the Cuba of Fidel Castro, the Cuba of the Sierra Maestra, the Cuba of Moncada... Cuba sent its best youth here to help us in the technical aspects of our war, to help us carry out this great struggle... against Portuguese colonialism.


Mais diz o autor que únicos estrangeiros que combateram ao lado do PAIGC nas bolanhas da Guiné, de 1966 a 1974, foram os cubanos. Cubanos (com uma única excepção, pontual, ao que parece) eram também os médicos que davam assistência à guerrilha, na frente de combate e nos hospitais de campanha. Até 1968 o PAIGC não dispunha de médicos guineenses:


"The only foreigners who fought with the PAIGC in Guinea-Bissau were the Cubans. Likewise, throughout the duration of this long war, the only foreign doctors in the guerilla areas were Cuban (with a single and fleeting exception), and there were no Guinean doctors up until 1968. “The Cuban doctors really made a miracle”, said Francisca Pereira, a health worker of the PAIGC. She observed, “I am eternally grateful to them. Not only did they save lives, but also they risked their own. They were truly selfless.”


Os jovens combatentes cubanos - ao que parece, todos voluntários - seriam apenas motivados pela "mística da guerrilha", no dizer de Piero Gleijeses, cujo artigo tenho vindo a citar. A sua missão era secreta. Em caso algum, poderiam esperar o reconhecimento público pelos seus feitos, ou queixar-se da má sorte da guerra... Eram jovens, sentiam-se "filhos de uma revolução" e tinham sido criados no seio da ideologia castrista e do culto do exemplo romântico de Che Guevara...O próprio Victor Dreke era apontado como o nº 2 da hierarquia dos combantentes cubanos em África, a seguir ao Che Guevara...

The Cubans who went to Africa did so voluntarily. The mystic of the guerrilla war motivated them. “We dreamed about revolution” one meditated. “We wanted to be part of it, to feel that we fought for it. We were young and the children of a revolution.” The volunteers didn’t receive public praise in Cuba. They left “knowing that their history would remain secret.” They didn’t win medals or receive material rewards. Upon their return they could not boast about their feats because what they had done was secret.


(3) Guevara foi capturado, ainda vivo, pelos rangers do Exército boliviano, treinados pelos Estados Unidos, em 8 de outubro de 1967; passou a noite numa escola da aldeia de La Higuera, a 50 quilómetros de Vallegrande, no centro-sul da Bolívia, para depois ser excutado, a sangue frio, com nove tiros, no dia seguinte, 9 de Outubro de 1967, por ordem do presidente da Bolívia, general René Barrientos.

(4) Referência a 5 cubanos, na altura (Março de 2003) presos nos Estados Unidos da América, sob a acusação de terrorismo.

(5) Vd. post de 14 de Julho de 2006 > Guiné 63/74 - P960: Antologia (49): Oficialmente morreram 17 cubanos durante a guerra

quarta-feira, 11 de janeiro de 2017

Guiné 61/74 - P16943: Recortes de imprensa (84): Na morte de Fidel Castro, o apoio de Cuba ao PAIGC é relembrado por Fernando Delfim Silva e Oscar Oramas ("Nô Pintcha", Bissau, 1 de dezembro de 2016) - Parte II




Jornal "Nô Pintcha" > Bissau > Sítio na Net > Folha de rosto, da edição de 1 dezembro de 2016




1.  Um dos nossos amigos da Guiné-Bissau chamou-nos a atenção para um artigo de homenagem à memória de Fidel Castro (1926-2016), por ocasião da sua morte, no passado 25 de novembro, publicado no jornal "Nô Pintcha", e que seria da autoria de Fernando Delfim Silva, conhecido ex-governante, professor universitário e influente analista político.

[Julgo que terá sido diretor do liceu de Bafatá, a seguir á independência, segundo informação do nosso amigo Cherno Baldé, na altura aluno do ensino secundário em Bafatá; licenciado em filosofia na antiga URSS, é autor de "Guiné-Bissau: páginas de história política, rumos da democracia, Bissau, 2003 vd. aqui "nota de leitura" do Mário Beja Santos, capa do livro à esquerda].

Recorde-se que esta publicação, "Nô Pintcha"  (, primeiro sob a forma de semanário e agora bissemanário) tem hoje mais de 40 anos, tendo sido criado em 1975. Tem um sítio na Net desde 2010. É considerado um jornal oficial ou oficioso (, não percebo muito bem qual é o seu estatuto editorial atual...). A leitura das suas páginas é,todavia,  imprescindível para se conhecer a moderna história da Guiné-Bissau.


 O nosso interesse focou-se na "ajuda internacionalista" cubana ao PAIGC, sobre a qual temos publicado aqui vários postes nos últimos tempos, e nomeadamente os da autoria do Jorge Araújo.. É um  "tema mal amado" e sobretudo  ainda muito pouco conhecido dos antigos combatentes portugueses que estiveram no TO da Guiné. Alguns de nós estivemos em situações  de combate com os cubanos (médicos, artilheiros, instrutores, etc.), que passaram pelo TO da Guiné (um total que não deve ter ultrapassado a centena.)

A principal fonte citada ainda é a cubana, neste caso o livro do antigo embaixador de Cuba na Guiné-Conacri, Oscar Oramas (e que é mais uma hagiografia do que uma biografia de Amílcar Cabral, não sendo o autor propriamente um historiador e um académico).

Pode ser que, entretanto, surjam outras fontes independentes. O que é difícil... Tanto em Cuba como na Guiné-Bissau só agora, muito lenta e tardiamente, e nalguns casos tarde de mais, é que se começa a recolher, tratar e divulgar informação até há pouco classificada sobre a "luta de libertação".

Acrescente-se, em todo o caso, que a .lista (referida pelo "Nô PIntcha")  dos  mortos cubanos (em combate, por acidente ou por doença) está incompleta: por esemplo, em 6 de janeiro de 1969. não morreu apenas um cubano, mas sim três (conforme quadto abaixo, que de resto precisa de ser revisto e completado, adicionando-se as baixas naté 1974)),

Os subtítulos e os negritos são da responsabilidade do autor [, Fernando Delfim Silva], bem, como os parênteses curvos. Os parênteses retos da nossa responsabilidade (LG).



Quadro elaborado pelo Jorge Araújo  (2016)


2. Recortes de imprensa > O apoio de Cuba à luta de guerrilha do PAIGC > Parte II
Excertos de: "Nô Pintcha", Bissau, de 1 de dezembro de 2016 > "Morrel El Comandante". [com a devida vénia...]




Guiné- Conacry > Conacri > PAIGC > Fevereiro de 1967 > O comandante 'Moya' ou 'Moja' (para os guineenses)  (Victor Dreke, n. 1937) assume o comando da missão militar cubana. Ei-lo aqui com Amílcar Canarl.. Foto do "Nô Pintcha" (edição em papel) (com a devids vénia).


Fundação Mário Soares > Casa Comum > Arquivo Amílcar Cabral >
Pasta: 07057.012.006 | Título: Relatórios da missão dos internacionalistas cubanos na Guiné-Bissau | Assunto: Relatórios da missão dos internacionalistas cubanos na Guiné-Bissau, assinados pelo Comandante R. Moya [Victor Dreke]. Relação dos militares preparados pelos técnicos cubanos na frente do Boé (até 30 de Abril de 1967), relação do pessoal cubano distribuído pelas diversas frentes e hospitais do PAIGC. Apontamentos manuscritos de Amílcar Cabral. | Data: Domingo, 30 de Abril de 1967 - Quarta, 6 de Dezembro de 1967 |  Fundo: DAC - Documentos Amílcar.
[Reproduzida a 1ª págima, com a devida vénia]
Citação:(1967-1967), "Relatórios da missão dos internacionalistas cubanos na Guiné-Bissau", CasaComum.org, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_40209 (2017-1-10)


[...] Um esforço de guerra notável, sem falhas, histórico.


1964

O PAIGC solicita ajuda ao Encarregado de Negócios de Cuba, em Conacri, para que cinco dos seus membros recebam treinamento militar em Cuba.

1965


Maio – Chega o barco “Uvero” à Guiné-Conacri com ajuda cubana para o PAIGC, com alimentos, armas e medicamentos.

1966

Abril – Chega a Conacri o grupo avançado de três artilheiros e dois médicos, comandado pelo Tenente António Lahera Fonseca;

Junho (1966) – Chega por via marítima, ao Porto de Conacri, o grupo de 25 combatentes cubanos chefiado pelo Tenente Aurélio Riscard Hernandez

1967

Fevereiro – O comandante “Moja” (Victor Dreke) assume o comando da missão militar cubana;

Abril – Chega a Conacri o barco “Andrés Gonzalez Lines”, levando pessoal militar e meios materiais;

24 bolseiros do PAIGC chegam a Cuba para realizar estudos superiores, devendo 4 deles fazer treinamento militar.

Dezembro – Chega a Conacri o barco cubano “Pinar del Rio” com pessoal militar e meios materiais;


Abrem-se, na Guiné-Bissau, três escolas para superação militar dos combatentes sob a direção de instrutorescubanos.

Em Boké, território da Guiné Conacri, cria-se a escola de enfermagem.

1968

Agosto – Abre-se na Guiné-Bissau, a primeira escola para o fabrico de explosivos, sob a direção de instrutores cubanos.

1969

Chegada a Conacri da motonave cubana “Matanzas” com pessoal e meios materiais;

1970


Novembro, chega a Conacri o barco “Conrado Benítez” com meios materiais e pessoal militar.

1972


Maio (3-8 de maio) – Realiza-se a primeira visita do Comandante em Chefe Fidel Castro à Republica da Guiné. Fidel tem uma importante entrevista com Amílcar Cabral em que tratam temas relacionados com a ajuda cubana.

Junho – Uma delegação militar chefiada pelo Comandante Raúl Diaz Arguelles visita os territórios libertados da Guiné-Bissau.

Chega a Conacri o barco cubano “Las Villas” com pessoal militar cubano e ajuda material ao PAIGC;

Uma delegação militar conduzida pelo Comandante Raul Diaz Arguelles, chega a Conacri para planificar e executar uma operação contra o quartel de Guiledje. Chegada de um grupo de oficiais cubanos para participar na planificação da operação contra Guiledje.


Sangue cubano derramado pela independência da Guiné-Bissau

Assinalo aqui não o conjunto das (dezenas de) operações militares em que participaram combatentes cubanos, mas apenas aquelas em que se registaram perdas humanas do lado cubano ou algum revés que tivesse ocorrido nesse âmbito.

1967


Julho – Realiza-se um ataque de artilharia e infantaria ao quartel de Binar, na Frente Norte e outro ao quartel de Mejo, na Frente Sul. No último ataque morre o combatente cubano Feliz Barrientos Laporté [, em 3 de julho]

Julho – [A 19] morre o soldado cubano Radamés Sanchez Bejarano no ataque de artilharia à Bedanda.

Agosto – [ A 8] morre o soldado cubano Eduardo Solís Renté no ataque de artilharia ao quartel de Binta.

1968

Novembro – [A 14]: A Morre o combatente cubano Radamés Despaigne Lubert no ataque ao quartel de Gadamael


1969


Janeiro – Ataque de artilharia ao quartel de Ganturé. Durante as ações morre o combatente internacionalista 1° Tenente Pedro Casimiro Llopins durante o bombardeamento da aviação portuguesa.

Novembro (dia 16) – É capturado o Capitão Pedro Rodriguez Peralta numa emboscada das tropas portuguesas.

1970

Novembro – Chega a Conacri o barco “Conrado Benítez” com meios materiais e pessoal de relevo militar. O barco é atacado por um avião não identificado (…) e um médico e um marinheiro são feridos.


Em jeito de conclusão


[...] O objetivo deste texto foi apenas o de render uma homenagem à memória do Comandante Fidel Castro, grande amigo do povo guineense.

Como já o disse, este texto vai dedicado à juventude guineense que precisa de conhecer os momentos mais altos da nossa luta de libertação nacional, da nossa história, os seus protagonistas – e talvez o mais admirável – , saber que houve gente que veio de longe, correndo todos riscos, bater-se por nós, pela nossa dignidade nacional.

Quanto a mim, decidir publicar estas linhas, foi um dever indeclinável de reconhecimento, de gratidão, de memória. Na verdade não há palavras que cheguem para expressar toda a nossa gratidão ao povo cubano. Obrigado El Comandante. Hasta siempre…[...]


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Nota do editor:

(*) Último poste da série > 10 de janeiro de 2017 > Guiné 63/74 - P16940: Recortes de imprensa (83): Na morte de Fidel Castro, o apoio de Cuba ao PAIGC é relembrado pro Fernando Delfim Silva e oscar Oramas ("Nô Pin«tcha", Bissau, 1 de dezembro de 2016) - Parte I

quinta-feira, 4 de fevereiro de 2010

Guiné 63/74 - P5760: Núcleo Museológico Memória de Guiledje (12): Cerimónia da inauguração, a 20 de Janeiro de 2010, e visita, a 29, de uma delegação cubana (Pepito)


 Guiné-Bissau > Região de Tombali > Guileje > Núcleo Museológico  Memória de Guiledje (*) > 20 de Janeiro de 2010 > "O dia da inauguração contou com a visita do Senhor Presidente da Republica da Guiné-Bissau, Malam Bacai Sanhá, o qual recebe esclarecimentos prestados pelo Dr. Alfredo Caldeira,  da Fundação Mário Soares".


"Igualmente o Senhor Primeiro Ministro, Carlos Gomes Junior, acompanhado do Ministro da Educação Nacional, Artur Silva, [e, à direita deste, o anfitrião, o Director Executivo da AD - Acção para o Desenvolvimento , Eng. Agrónomo Carlos Schwarz da Silva,]  seguiram detalhadamente todas as secções do Museu".



"O Senhor Vice-Chefe de Estado Maior das Forças Armadas, António Indjai, acompanhado de uma forte delegação de membros das chefias militares, percorreu com interesse o Museu"



VISITA DE INTERNACIONALISTAS CUBANOS

No dia 29 de Janeiro de 2010, uma delegação de 7 combatentes cubanos, que apoiaram a luta pela Independência da Guiné-Bissau, liderados pelo famoso Comandante Móia (Victor Dreke Cruz) (**), foram expressamente a Guiledje para uma visita guiada ao Museu.




A delegação cubana em visita ao Museu...



 O Comandante Móia, chefe da delegação...


Comandante René: foi ele  que colocou as minas na estrada de Guiledje no início da operação de assalto final ao quartel.



Fotos e legendas: ©  Pepito / AD - Acção para o Desenvolvimento (2009). Direitos reservados
_____
 
Notas de L.G.:
 
(*) Vd. último poste da série > 30 de Janeiro de 2010 > Guiné 63/74 - P5731: Núcleo Museológico Memória de Guiledje (11): Inauguração da mesquita, almadjadja, com a presença do filho do Cherno Rachide e da Júlia Neto (Pepito)

(**) Vd. poste de 18 de Julho de 2006 > Guiné 63/74 - P967: Antologia (51): Os combatentes cubanos ou a mística da guerrilha (Victor Dreke)

Vd. também postes de:

1 de Julho de 2006 > Guiné 63/74 - P951: Antologia (47): Um médico cubano no Morés e no Cantanhez (Domingo Diaz, 1966/67)

24 de Julho de 2008 > Guiné 63/74 - P3090: Simpósio Internacional de Guileje: Comunicação do cubano Ulises Estrada

sexta-feira, 23 de agosto de 2013

Guiné 63/74 - P11969: Notas de leitura (513): "Misiones en Conflicto, La Habana, Washington y África, 1959-1976", por Piero Gleijeses (1) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 3 de Maio de 2013:

Queridos amigos,
Trata-se de uma obra fundamental para conhecer o que foi a participação dos cubanos ao lado do PAIGC.
O encontro entre Che Guevara e Cabral, em Conacri, terá sido determinante, numa primeira fase. Depois, quando Cabral participou na Conferência Tricontinental, em Havana, Fidel ficou impressionado pela sua ideologia e determinação. 1966 é o ano que marca a presença de cubanos a formar artilheiros, como médicos, como consultores. Será assim até à independência efetiva.
Para os cubanos, foi o seu maior êxito em África. E os comandantes do PAIGC nunca esqueceram esta colaboração.

Um abraço do
Mário


Os cubanos na Guiné (1)

Beja Santos

“Misiones en Conflicto, La Habana, Washington y África, 1959-1976”, por Piero Gleijeses, Editorial de Ciencias Sociales, La Habana, 2007, é o livro indispensável para conhecer a natureza da participação dos cubanos na luta armada da Guiné. Piero Gleijeses é um prestigiado investigador de origem italiana, professor nos Estados Unidos, que durante anos procedeu a uma minuciosa pesquisa nos arquivos e entrevistou pessoalmente centenas de participantes em diversos conflitos africanos onde houve intervenção cubana. Em Janeiro de 1967, Fidalgo Castro não escondia o seu pessimismo sobre as questões africanas. A única exceção era o PAIGC, e este ponto de vista coincidia com as informações que a diplomacia norte-americana transmitia para Washington (que o PAIGC era o movimento de libertação nacional mais bem-sucedido de África). Para um movimento revolucionário cubano, a Guiné tornara-se na sua prioridade estratégica em África.

O professor Gleijeses procura caraterizar Cabral. O líder do PAIGC era admirado pela maneira como tinha desenvolvido a mobilização política e sabido estabelecer novas estruturas políticas nas zonas libertadas. Era respeitado por toda a gente. Os seus estudiosos mais próximos não ignoravam a sua influência marxista, mas reconheciam que ele não era marxista. E cita-se um dos seus principais biógrafos, Patrick Chabal: “Chegou a ver o marxismo como uma metodologia e não como uma ideologia. Se considerava útil para analisar a sociedade guineense, servia-se dele. Quando o método era insatisfatório, abandonava-o sem hesitação”. De igual modo, os cubanos sabiam que ele não era comunista, definiam-no como um líder progressista com ideias muito avançadas e uma grande clareza sobre os problemas africanos. Além disso, era considerado um grande comandante e tático militar, as suas decisões eram acatadas e ele sentia-se diretamente responsável pela coordenação das operações. Aprendeu muito com o desaire de Novembro de 1966, os líderes do PAIGC julgavam que iam tomar Madina do Boé e tiveram um enorme fracasso, Cabral aprendeu a lição, adotando a técnica do desgaste e do confinamento das unidades militares portuguesas dentro do arame farpado.

Os primeiros contactos do PAIGC com Cuba datam de 1963, cinco membros do PAIGC receberam bolsas e foram Cuba em 1964. Che Guevara esteve em África três meses, em 1964, foi então que se consolidou o vínculo com o PAIGC. Che reuniu-se em Conacri com Cabral, em 12 de Janeiro de 1965. Começaram a chegar armas e medicamentos a partir de Maio. Em Julho desse ano, um punhado de cabo-verdianos que havia estudado na Europa, partiu de Argel para Havana para receber treino militar. Em Janeiro de 1966, Cabral fez a sua primeira viagem a Cuba, participou na Conferência Tricontinental. Os serviços secretos norte-americanos consideraram que foi o mais influente dos participantes africanos e que tinha causado uma boa impressão nos anfitriões. Fidel e Cabral encontraram-se em privado, acompanhados de Oscar Oramas. Cabral pediu insistentemente artilharia e instrutores, Fidel compreendeu que também necessitavam de médicos e meios de transporte mais eficazes. Após estas conversações, Fidel convidou Cabral para uma viagem que durou três dias em Cuba. Cabral pediu igualmente que fosse nomeado um novo embaixador para Conacri que servisse de ligação com o PAIGC, e Fidel nomeou Oscar Oramas.

É partir daí que começa o fornecimento de bens muito apreciados: tabaco, peças de algodão, açúcar, uniformes, camiões com peças de substituição, munições. Em Março de 1966, Oramas entrega a Sékou Touré uma mensagem de Fidel informando-o que Cuba tinha decidido dar uma ajuda ao PAIGC importante e pedia a melhor colaboração de Conacri.

Dois artilheiros e três médicos chegam a Conacri em 8 de Maio, a seguir vieram os técnicos cubanos. As promessas de Fidel a Amílcar começavam a ser cumpridas. Em pouco tempo, estavam 31 voluntários (11 especialistas em artilharia, 8 motoristas, 1 mecânico, 10 médicos) ao serviço do PAIGC coordenados por um oficial dos serviços secretos, o tenente Aurelio Ricard. Fidel tinha pedido voluntários de cor escura, para não dar nas vistas, data dessa altura a determinação de Cabral no uso da maior discrição na participação militar cubana, que será sempre omitida, mesmo quando, em 1969, o capitão Peralta for preso. Mas rapidamente os cubanos se tornaram notados em Conacri, a fumar os seus charutos.

A missão militar cubana destinada ao PAIGC tinha o seu quartel-general em Conacri. O relacionamento entre o PAIGC e Aurelio Ricard foi muito mau. Será substituído por Dreke, que tinha regressado do Zaire. Dreke virá a ser muito apreciado pelos comandantes do PAIGC.

Em Abril de 1967, havia quase 60 cubanos na Guiné. No ano seguinte, Schulz será substituído por Spínola, numa altura em que a situação militar se debilitava do lado português. O embaixador norte-americano em Dakar escrevia para os seus superiores: “Resta saber se a ajuda cubana será suficiente para conter a ofensiva portuguesa". Depois do insucesso parcial da invasão de Conacri, quando se agravou o isolamento diplomático português, Cabral pediu novas armas para os seus cerca de 7 mil soldados bem armados e treinados. Entretanto, o PAIGC ia-se convertendo num símbolo de orgulho que chegava aos afro-americanos, o partido das Panteras Negras quis mandar voluntários para a Guiné, o seu dirigente Stokely Carmichael viajou para Conacri, Cabral recebeu a proposta de apoio com imensa prudência. Depois Carmichael casou-se com Miriam Makeba e nunca mais se falou em apoios ao PAIGC.

Em que consistia a assistência militar cubana? É preciso ir atrás e recordar que o PAIGC não aceitava voluntários estrangeiros, ou melhor, e dito por Cabral em várias entrevistas, só aceitariam assessores militares, e nada mais, considerava que os voluntários iam roubar aos guerrilheiros a grande oportunidade de se afirmarem perante a história. Ora os cubanos chegaram a Conacri a pedido de Cabral. A luta armada, na ótica de Cabral, era o melhor remédio para ultrapassar as questões étnicas, mas cedo reconheceu que necessitava de especialistas sobretudo para as armas de longo alcance. Cabral limitou a participação estrangeira de duas maneiras: primeiro, só aceitou os cubanos, eles foram os únicos estrangeiros que combateram na Guiné, com a exceção de médicos, um vietnamita e um outro panamiano; segundo, reduziu a intervenção cubana a questões essenciais, recusou sempre a vinda de centenas de militares cubanos para os ajudar a atacar os quartéis portugueses.

Com o evoluir da guerra, o armamento sofisticado requeria artilheiros que soubessem fazer cálculos. Os cubanos eram também especialistas na colocação de minas e no uso de armas de infantaria mais sofisticadas. Os cubanos estiveram preparados para fazer rebentar a ponte de Ensalmá, Cabral reconsiderou e disse que não, não queria ver destruída uma ponte que viesse a exigir novas construções, ele queria no futuro uma cooperação para outras áreas e por isso recuou quanto à destruição de infraestruturas essenciais.

(Continua)
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Nota do editor

Último poste da série de 19 DE AGOSTO DE 2013 > Guiné 63/74 - P11954: Notas de leitura (512): Uma Breve História de África, por Gordon Kerr (Mário Beja Santos)

quinta-feira, 16 de janeiro de 2020

Guiné 61/74 - P20562: Pequeno dicionário da Tabanca Grande, de A a Z (9): edição, revista e aumentada, Letras M / N




Guiné> Região de Tombali > Guileje > CCAÇ 726 (1964/64 >  O temível 
morteiro 81, o "botabaixo" (, bem manobrado, fazia razias entre o pessoal atacante, num raio até 6 km).

Foto (e legenda): © Alberto Pires (Teco) (2007). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar:  Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Continuação da publicação do Pequeno Dicionário da Tabanca Grande (*), de A a Z, em construção desde 2007, com o contributo de todos os amigos e camaradas da Guiné que se sentam aqui à sombra do nosso poilão. Entradas das letras M e  N:



Letra M 


MA - Minas e Armadilhas 

Macacada - Tropa, forças do Exército, "infantes", tropa-macaca (gíria) 

Macaco-cão - Babuíno (Macaco Kom, em crioulo) 


Macaréu - (i) Vaga impetuosa que, no 
Rio Geba, precede o começo da praia-mar; é mais sentida no Geba Estreito, a partir da foz do Rio Corubal; (ii) mas também menstruação (gíria)

Maçarico - Pira, periquito (Guiné); checa (Moçambique); termo mais usado em Angola 

Mach - Velocidade do som (FAP) 


Madeireiro - Industrial de serração de madeiras e exportador de madeiras exóticas (como pau santo)

Madrinha - Madrinha de guerra, jovem do sexo feminino, maior de 16 anos, que se correspondia com um militar no Ultramar 


Mafé - Acompanhamento da bianda, conduto (muitas vezes, peixe, peixe seco, kasseké) (crioulo) 

Maj - Major 


Maj gen - Major general [antes equivalia o posto de brigadeiro, desde 1999, o primeiro posto permamente de oficial general, imediatamente inferior a tenente-general; tem 2 estrelas]
 

Malta - Pessoal do nosso tempo, da tropa, da Guiné (gíria)

Mama firme - Peito direito (bajuda) (crioulo) 

Mama Sume - (i) Grito de guerra dos 'comandos' portugueses; significa "Aqui estamos, prontos para o sacrifício", de acordo com o dialeto e a prática cultural dos bailundo do sul de Angola, sendo o grito usado no contexto de  um rito de passagen" (, ou seja, de passagem à idade adulta (, equivalente, na Guiné, ao fanado) quando o jovem guerreiro da tribo tinha de caçar um leão, suprema prova de coragem; (ii) nome da revista da Associação de Comandos


Mancarra - Amendoím (crioulo) 

Manel Djoquim - O homem do cinema ambulante (em Cabo Verde e na Guiné), Nanuel Joaquim dos Prazeres (1901-1977); pai da nossa grã-tabanqueira, a escritora Lucinda Aranha Antunes; ficou conhecida a expressão, nas tabancas, "a la Manel Djoquim i na bim" (Vem aí o Manuel Joaquim!)

Manga de ronco – Grande festa; sucesso militar (crioulo e gíria) 


Manga de sakalata - Muita confusão, muitos sarilhos (crioulo e gíria) 

Manga di chocolate - Barulho, grande ataque, com muito fogachal, embrulhanço; corruptela de Manga di sakalata (gíria) 

Mantenha(s) - Saudades, lembranças, cumprimentos (crioulo); fala mantenha, partir mantenhas = saudar.
[Da locução portuguesa (que Deus te) mantenha)]

"mantenha", in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [em linha], 2008-2013, https://dicionario.priberam.org/mantenha [consultado em 12-01-2019].


Maqueiro - Soldado da secção sanitária da CCS de um batalhão; acima, havia o 1º cabo auxiliar de enfermeiro, o furriel enfermeiro e o alferes médico (em geral, estes dois últimos eram milicianos)

Marabu - Sacerdote muçulmano, de vida ascética, considerado sábio e venerado como santo, tanto em vida como depois da morte 


Maria Turra - A célebre locutora da Rádio Libertação, a rádio do PAIGC, que passou a emitir a partir de Conacri, em julho de 1967; seu nome:  Amélia Araújo, natural de Angola, era casada com o cabo-verdiano José Araújo, dirigente do PAIGC,  falecido: vive em Cabo Verde

Mário Pádua - Desertor do Exército colonial em Angola, em 1961, veio a ser médico do PAIGC, no Hospital de Ziguinchor, no sul do Senegal, Casamansa

Mário Soares - Famoso comerciante de Pirada, de quem se dizia que trabalhava para os "dois lados"

MARME - Especialista, mecânico de armamento e equipamento (FAP)

Marmita - Mina A/C (Moçambique, Cancioneiro do Niassa) (gíria)


Matador - Veículo automóvel pesado usado como reboque do obus (e transporte de tropas) 

Mato (i) - Muito, grande quantidade, manga de (expressão comum, ´É mato') (gíria) 

Mato (ii) - Zona de guerra, zona de controlo do PAIGC 

Mec Aut - Mecânico de viaturas automóveis 

Med - Médico (vg, Alf Mil Med) 

Meia-leca - Militar de baixa estatura (gíria)

MELEC - Especialista, mecânico de eletricidade (FAP)

Meta - Bar e salão de jogos, em Bissau, no tempo colonial 

Metro e oito - Alcunha do ten cor Manuel Agostinho Ferreira (BCAÇ 2879, 1969/71) 


Mezinho - Mezinha, remédio caseiro,amuleto (crioulo)

MG 42 - Espingarda-metralhadora, de origem alemã (usada por páras e fuzos) 


MGF - Mutilação Genital Feminina; excisão do clitóris e grandes lábios; fanado (crioulo)

MiG 17 - Avião de combate de origem russa, supersónico (que o PAIGC nunca chegou a ter) 

Mil - Miliciano; milícias [vd. Pel Mil] 

Mindjer - Mulher (crioulo) 


Mindjer Garandi - Mulher grande (crioulo)

Minino - Menino, rapaz (crioulo). Vd. também djubi ou jubi. 


Misti - Querer, queres (bo misti) (crioulo) 

ML - Met Lig / Metralhadora Ligeira


MMT- Especialista, mecânico de material terrestre (FAP)

MNA - Especialista, mecânico de manutenção aeronáutica (FAP)

MNF - Movimento Nacional Feminino (fundado em 1961 por Cecília Supico Pinto, a Cilinha) 


Moja - Nome de guerra do comandante Victor Dreke (,o “Moia”, para os guineenses, )  que ssumiu o comando da missão militar cubana ma Guiné, em Fevereiro de 1967

Morança - Casa, núcleo habitacional de uma família, alargada, com o respectivo chefe (de morança) e em geral com uma cercadura (crioula) 

Mort - Morteiro

Mort 81 - Morteiro 81 mm; alguns tinham 'nomes de guerra' como o 'Botabaixo'

Mort 82 - Morteiro 82 mm (PAIGC)

Morteirete - Morteiro ligeiro, de calibre 60 (mm), podendo ser usado sem prato

MP - Met Pes / Metralhadora Pesada


MRadar - Especialista, mecânico de radar (FAP)

MRadio - Especialista, mecânico de rádio (FAP)

MSG - Mensagem

Mudar o óleo - "Ir às... putas" (calão)

Mulas - Sintomas de sífilis, doença venérea (inchaços nas virilhas) (calão)

Mun - Municiador

Mun Mort - Municiador de morteiro

Muro - O mesmo que "mouro" (árabe ou berbere do Norte de África), termo utilizado como sinónimo de "marabu", chefe religioso de confissão muçulmana (crioulo)


Mursegu - Morcego (crioulo)





Guiné-Bissau > Região de Tombali > Iemberém> Simpósio Internacional de Guileje > 1 de Março de 2008 > Grafito com o desenho nalú do irã protector da tabanca, o Nhinte-Camatchol, e que foi o logótipo do Simpósio, organizado pela AD -Acção para o Desenvolvimento, o INEP - Instituto Nacional de Estudos e Pesqusias, e UCB - Universidade Colinas do Boé. 

"O Nhinhe Camatchol é uma escultura dos nalus do Cantanhez usado na festa do fanado. Representa uma cbeça de pássaro com rosto humano, sendo a mensagem aos participantes deste ritual de iniciação à vida adulta a seguinte: que todos eles passam a considerar-se como verdadeiros irmãos, mais verdadeiros que os próprios irmãos biológicos. O que deve ser entendido como a afirmação do interessse colectivo, comunitário, acima do interesse dos indivíduos e das famílias. Orginalmente esta máscara não poderia ser vista pelos não iniciados, sob pena de morte" (Campredon, Pierre – Cantanhez, forêts sacrées de Guinée-Bissau. Bissau,Tiguena. 1997, pp. 32-33). 


Foto (e legenda): © Luís Graça  (2008). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]




Letra N


N/M - Navio a motor, ou navio-motor (por ex., N/M Niassa)

NEP - Norma de Execução Permanente (NT)


Nha Bijagó - Leopodina Ferreira Pontes, mais conhecida por"Nha Bijagó" (1871-1959), uma das últimas grandes “sinharas” da Guiné


Nhanhero,
 da coleção do
Valdemar Queiroz
Nhanhero -   (i) Instrumento cordófono dos fulas cuja caixa de ressonância é uma cabeça pequena revestiada de couro e cuja corda única se fere com um arco; (ii) músico que toca esse instrumento; (iii) espetáculo em que se apresenta esse músico; origem etimológica obscura: o Cherno Baldé diz que a origem seria onomotopaica, ou seja, o nome seria derivado do som que o instrumento produz... "nha..nhe...nhi"

Nharro - Africano; preto (crioulo, calão, na altura com sentido pejorativo, racista)

Nhinte-Camatchol - O grande irã dos nalus da Floresta do Cantanhez

Nhominca - Tipo de canoa, muito usada no transporte de pessoas e bens, entre as ilhas do arquipélago dos Bijagós

Ninhos - Entrada gastronómica com camarão, ovo e tomate, servida no Pelicano (gíria)


NM - Número mecanográfico (do militar)

NNAPU - Normas de Nomeação e de Apoio às Províncias Ultramarinas 


Nord Atlas - Avião de Transporte (FAP)

NRP - Navio da República Portuguesa (por ex., NRP Cassiopeia) 

NT - Nossas Tropas


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Nota do editor:


28 de dezembro de 2019 > Guiné 61/74 - P20506: Pequeno dicionário da Tabanca Grande, de A a Z (7): edição, revista e aumentada, Letras F, G e H

3 de dezembro 2019 > Guiné 61/74 - P20411: Pequeno dicionário da Tabanca Grande, de A a Z (6): edição, revista e aumentada, Letras D/E

18 de outubro de 2019 > Guiné 61/74 - P20255: Pequeno dicionário da Tabanca Grande, de A a Z (5): edição, revista e aumentada, Letra C

14 de outubro de 2019 > Guiné 61/74 - P20240: Pequeno Dicionário da Tabanca Grande, de A a Z (4): 2ª edição, revista e aumentada, Letras M, de Maçarico, P de Periquito e C de Checa... Qual a origem destas designações para "novato, inexperiente, militar que acaba de chegar ao teatro de operações" ?

13 de outubro de 2019 > Guiné 61/74 - P20237: Pequeno Dicionário da Tabanca Grande, de A a Z (3): 2ª edição, revista e aumentada, Letra B

13 de outubro de 2019 > Guiné 61/74 - P20235: Pequeno Dicionário da Tabanca Grande, de A a Z (2): 2ª edição, revista e aumentada, Letra A


12 de janeiro de 2019 > Guiné 61/74 - P19396: Pequeno Dicionário da Tabanca Grande, de A a Z (1): em construção: para rever, aumentar, melhorar, divulgar, comentar...

terça-feira, 10 de janeiro de 2017

Guiné 61/74 - P16940: Recortes de imprensa (83): Na morte de Fidel Castro, o apoio de Cuba ao PAIGC é relembrado pro Fernando Delfim Silva e Oscar Oramas ("Nô Pin«tcha", Bissau, 1 de dezembro de 2016) - Parte I




1. Um dos nossos amigos da Guiné-Bissau chamou-nos a atenção para um artigo de homenagem à memória de Fidel Castro (1926-2016), por ocasião da sua morte, no passado 25 de novembro, publicado no jornal "Nô Pintcha", e que seria da autoria de Fernando Delfim Silva, conhecido ex-governante, professor universitário e analista político. Recorde-se que esta publicação (, primeiro semanário e agora bissemanário)  tem hoje mais de 40 anos, tendo sido criado em 1975. Tem um sítio na Net desde 2010. É considerado um jornal oficial ou oficioso [, não percebo muito bem qual é o seu estatuto editorial atual...].

Foi-nos inclusive remetido um recorte (parcial) desse artigo, digitalizado, mas com fraca resolução. O artigo foi reproduzido no portal do jornal "Nô Pintcha", de 1 de dezembro de 2016, mas sem indicação de autor. Pode ser lido aqui na íntegra: título: "Morrel El Comandante".

Com a devidas vénia, e para conhecimento de uma comunidade de leitores lusófonos mais vasta do que a dos leitores habituais do "Nô Pintcha", vamos reproduzir aqui, em duas partes, alguns excertos desse extenso artigo...

O nosso destaque vai em particular para a "ajuda internaciionalista" cubana ao PAIGC, sobre a qual temos publicado aqui vários postes nos últimos tempos.  É um tema ainda muito pouco conhecido dos antigos combatentes portugueses que estiveram no TO da Guiné. A principal fonte citada ainda é a cubana, neste caso o livro do antigo embaixador de Cuba na Guiné-Conacri,  Oscar Oramas. Pode ser que, entretanto, surjam outras fontes. De r4esto, tanto em Cuba como na Guiné-Bissau é que, só muito lenta e tardiamente, e nalguns casos muita tardiamente de mais, é que se começa a recolher, tratar e divulgar informação até há pouco classificada...

Os subtítulos e os negritos são da responsabilidade do autor [, Fernando Delfim Silva],  bem, como os parênteses curvos. Os parênteses retos da nossa responsabilidade (LG).


2. Recortes de imprensa > O apoio de Cuba à luta de guerrilha do PAIGC > Parte I


Excertos de: "Nô Pintcha", Bissau, de 1 de dezembro de 2016 >  "Morrel El Comandante". [com a devida vénia...]


[...] Fidel, Amílcar e nós

[...] Fidel “descobriu” Cabral através do Comandante Che, que em 1965 andou pela África “espalhando” generosamente a solidariedade do povo cubano para com os povos africanos, incluindo nessa onda solidária, os combatentes guineenses e cabo-verdianos unidos no PAIGC. Che encontrou-se com Cabral, e, claro, contou a Fidel. Só no ano seguinte (1966), Fidel e Cabral se vão encontrar, em Havana, na Conferência internacional -chamada “Tricontinental – de solidariedade com os povos em luta, da África, Ásia e América Latina.Da empatia, nasceu a amizade, a admiração, o respeito entre os dois homens, dois líderes.

O Comandante Che Guevara primeiro; o Comandante Fidel a seguir, ambos cristalizama mesma imagem valorativa: Amílcar Cabral era, já em 1966, o mais impressionante dos líderes africanos; alguém que transmitia confiança, um homem em quem se podia confiar: sério, inteligente, responsável, competente nas coisas que fazia, carismático. [...]

[...] Cabral e a revolução cubana

Cabral, por sua vez, não só admirava Fidel: a revolução cubana foi para ele uma das suas fontes de inspiração; ficaria definitivamente impressionado com a ética dos seus dirigentes, a começar pela do seu líder, Fidel. Na sua muito discutida tese de “suicídio da pequena burguesia”, o pano de fundo que está lá é o peso, digamos assim, do fator subjetivo, a importância da qualidade politica e moral dos dirigentes e quadros, o papel primordial do líder. Alias, Cabral, disse-o, explicitamente: tomem o exemplo de Cuba, o compromisso ético, a atitude moral da liderança cubana. O exemplo pessoal que os dirigentes devem transmitir à sociedade – de abnegação, do espirito de sacrifício, de entrega total ao bem comum -, sob pena de trair a confiança do povo, trair os objetivos progressistas da revolução, romper o contrato social [...]

Cuba > Havana > Janeiro de 1966 > Amílcar Cabral com Fidel Castro, em Cuba por ocasião da Conferência Tricontinental.

Fonte: Fundação Mário Soares > Portal Casa Comum > Arquivo Amílcar Cabral. (Com a devida vénia...)

Citação: (1966), "Amílcar Cabral com Fidel Castro", CasaComum.org, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_43973 (2016-10-11)



[...] O fator cubano

Agora passo a palavra a Óscar Oramas, discípulo de Fidel, companheiro de Cabral, logo, um amigo do povo guineense. Faço-o à intenção da juventude guineense, que precisa de conhecer o que se fez no passado, de um passado de orgulho nacional, de um passado de dignidade que outrora se construiu com a solidariedade dos cubanos, com sangue cubano, com a valentia dos soldados de Fidel.

As palavras, como já o disse, são de Óscar Oramas; a sua seleção e arrumação bem como os subtítulos – dos excertosdo seu livro Amílcar Cabral, Para além do seu tempo– já são da minha responsabilidade.[...]


[,,,] Che e Amílcar


[,,,] Entre os compromissos estabelecidos por Che em África figura o apoio material e politico ao PAIGC. Como consequência disso, no mês de abril de 1965 parte do porto de Matanzas o barco cubano “Uvero” com um considerável carregamento de alimentos, medicamentos e utensílios médicos, uniformes, alfaias agrícolas e armas com destino a esta organização, assim como a outros movimentos revolucionários africanos. (...)


O Comandante Jorge Serguera, então Embaixador de Cuba em Argélia, cumprindo as orientações de Che, a quem havia acompanhado no périplo africano, espera o cargueiro em Conakri (aonde que chega a 11 de maio), e faz a entrega da primeira ajuda solidária cubana ao PAIGC.


Paralelamente, intensifica-se a preparação de militares cubanos (…) que, voluntariamente se oferecem para apoiar os movimentos de libertação africanos (...)


(...) Em dezembro desse mesmo ano, viaja para Havana uma delegação do PAIGC, conduzida por Amílcar Cabral e integrada (…) por Domingos Ramos, Pedro Pires, Joaquim Pedro Silva (Baró) e Vasco Cabral, para participar na I Conferência de Solidariedade com os Povos da África, Ásia e América Latina (Conferência Tricontinental) que se celebra de 3 a 9 de janeiro de 1966.


Convidado por Fidel, Amílcar Cabral percorre com elea Sierra del Escambray, situada a sul do centro da Ilha, onde conhece “in situ” passagens importantes da guerra revolucionária cubana (…) Óscar Oramas que acompanha Fidel no percurso com Amílcar, é designado Embaixador de Cuba na República da Guiné, com o objetivo central de manter relações bilaterais com o PAIGC.


Amílcar explica a Fidel das necessidades materiais que o PAIGC enfrenta para desenvolver a gesta libertadora e o Chefe da revolução cubana promete-lhe ajuda em assessoria e equipamento militar, assim como pessoal de saúde.,


.Março de 1966 – O Comandante em Chefe informa o Presidente Sékou Touré, por intermédio do Embaixador Oramas, da decisão cubana de ajudar o PAIGC e solicita autorização para encaminhar essa ajuda através do território guineense. O Presidente aceita o pedido de Fidel Castro.


Umas semanas depois de concluída a Conferência Tricontinental, parte para Conacri uma pequena delegação militar encarregada de conhecer no terreno a situação da luta armada, para determinar o apoio militar que Cuba poderá dispensar, contribuindo para o desenvolvimento da luta.


Maio de 1996 – partem para a República da Guiné os primeiros grupos de assessores militares e médicos cubanos que colaborarão como PAIGC. Um grupo de sete companheiros fá-lo por via aérea, e outro de duas dezenas, fá-lo no navio Lídia Doce, levando, ainda, uma nova remessa de material para apoiar a guerra de libertação. (…)


Os primeiros cubanos que haviam chegado, anteriormente, para explorar as condições existentes na guerra pela independência nacional guineense e que haviam sido enviados para a região de Boé, na Guiné-Bissau, são chamados no mês de junho à República da Guiné para uma reunião com Amílcar Cabral, na Escola do PAIGC na zona de Ratoma, onde são apresentados aos dirigentes da organização que ali se encontram. O ambiente é de alegria e com o decorrer do tempo estabelece-se uma grande confiança entre uns e outros, baseado no respeito mútuo.Durante a estada dos primeiros instrutores cubanos na zona de operações de guerrilha de Boé, observam-se algumas deficiências no “modus operandii” da guerrilha (…)


Uma vez distribuídos os assessores cubanos pelas diferentes frentes de guerrilha com base nas decisões de Amílcar a vida diária vai demonstrando a impossibilidade de assessorar e corrigir a tática da luta sem a participação direta nas ações.A primeira operação de envergadura que se realiza com a participação dos assessores cubanos é a efetuada contra o quartel português de Madina de Boé, em 10 de novembro de 1966 [em que morre Domingos Ramos, LG]

[...] O Comandante Victor Dreke (, Moja, o “Moia”, para os guineenses, ) assume o comando da missão militar cubana (Fevereiro de 1967)


Amílcar Cabral decide então que um grupo de assessores militares cubanos, que se encontra no Sul, seja transferido para Frente Norte, juntamente com alguns médicos. (…) Com o objetivo de as Frentes Norte, Leste e Sul ficarem, assim, cobertas com a assessoria militar e médicos cubanos.

A experiência no Sul havia sido muito satisfatória tanto com o Chefe da Frente João Bernardo Vieira (Nino), como com Úmaro Djaló, Arafan Mané e outros chefes e combatentes. Na verdade, no Norte havia algum receio e inclusive alguns chefes militares manifestaram o seu desacordo com a presença cubana nessa região. A atitude do segundo Comandante da frente Norte, Chico Mendes, difere por completo da dos outros chefes, como Inocêncio Kani (…)

A presença miliar cubana é acompanhada de uma importante ajuda em armamentos que a União Soviética fornece ao PAIGC. Em muitos casos os soviéticos forneciam novos armamentos, que nem sequer eram do conhecimento dos assessores cubanos, e que são testados nos campos de combate na Guiné-Bissau. Assim, o PAIGC recebe lança-roquetes GRAD [, e não GRAP, também conhecidos como o "jato do povo", LG], canhões sem recuo de 82 mm, e roquetes portáteis Strela 2 que só tinham sido usados pelos soviéticos em manobras internas, mas cuja eficácia real em combate ainda não conheciam. Os soviéticos solicitam aos assessores cubanos informações sobre a eficiência de tais armamentos em combate real.

Não se pode negar a importante contribuição que significou a ajuda soviética, mas deve ficar claro que jamais um soviético passou para além de Boké, na República da Guiné, e que os únicos estrangeiros que participaram, diretamente, nas ações da luta de libertação, ombro a ombro com os guerrilheiros guineenses, foram os cubanos. [...]

(Continua)

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Nota do editor:

quarta-feira, 12 de outubro de 2016

Guiné 63/74 - P16592: Notas de leitura (889): (D)o outro lado do combate: memórias de médicos cubanos (1966-1969) - Parte X: O caso do médico militar, especialista em cirurgia cardiovascular, Virgílio Camacho Duverger´[I]: viajando até Conacri com nomes falsos... (Jorge Araújo)


Cuba > Havana > Janeiro de 1966 > Amílcar Cabral com Fidel Castro, em Cuba por ocasião da Conferência Tricontinental. Fonte:  Fundação Mário Soares > Portal Casa Comum > Arquivo Amílcar Cabral. (Com a devida vénia...)

Citação: (1966), "Amílcar Cabral com Fidel Castro", CasaComum.org, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_43973 (2016-10-11)



 
Jorge Araújo, ex-fur mil op esp / ranger, CART 3494 / BART 3873 (Xime e Mansambo, 1972/1974); doutorado pela Universidade de León (Espanha) (2009), em Ciências da Actividade Física e do Desporto; professor universitário, no ISMAT (Instituto Superior Manuel Teixeira Gomes),
Portimão, Grupo Lusófona.


1. INTRODUÇÃO

Depois de dois pequenos desvios ao tema em título, mas complementares, tendo por protagonistas os comandantes Mamadu Indjai (o enigma dos seus ferimentos em combate) e Bobo Keita (os fundamentos que estiveram na base da sua saída da Mata do Fiofioli em maio de 1970) [P16506 + P16562], regressamos ao “trilho” anterior (passe a imagem metafórica) para retomar a divulgação de algumas das memórias transmitidas por três médicos cubanos que estiveram na Guiné Portuguesa [hoje Guiné-Bissau] em missão de “ajuda humanitária” ao PAIGC, na sua luta pela independência, nos anos de 1966 a 1969.

Esta narrativa, que é a décima, inicia a entrevista ao médico
militar Virgílio Camacho Duverger (1934-2003), a terceira no alinhamento do livro escrito em castelhano pelo jornalista e investigador Hedelberto López Blanch, uma coletânea de memórias e experiências divulgadas pelos seus diferentes entrevistados, a que deu o título de «Histórias Secretas de Médicos Cubanos» [La Habana: Centro Cultural Pablo de la Torriente Brau, 2005, 248 pp.] ou “on line” em formato pdf, em versão de pré-publicação. [Consulta em 30 de maio de 2016]. Disponível em: 
http://www.centropablo.cult.cu/libros_descargar/historiamedicos_cubanos.pdf ]

Recordo que,  por ser uma tradução e adaptação do castelhano, onde procurei respeitar as ideias expressas nas respostas dadas a cada questão, entendi não fazer juízos de valor sobre o seu conteúdo, colocando entre parênteses rectos, quando possível, algumas notas avulsas de reforço histórico ao que foi transmitido, com recurso ao vasto espólio disponível no nosso blogue e a outras referências retiradas da Net.

Esta decisão não quer dizer que não se possa acrescentar algo mais em cada situação ou facto concreto, antes pelo contrário, pois o objectivo supremo é ficarmos cada vez mais perto da verdade, ainda que neste conflito bélico se tenham enfrentado poderes com interesses antagónicos e avaliações diferenciadas, e daí o título com que baptizei este trabalho de investigação: “d(o) outro lado do combate – memórias de médicos cubanos”.


2. O CASO DO MÉDICO VIRGÍLIO CAMACHO DUVERGER [I]

Virgílio Camacho Duverger nasceu em novembro de 1934, em Guantánamo, cidade a oitenta quilómetros de Santiago de Cuba, esta fundada pelo conquistador espanhol Diego Velázquez de Cuéllar (1465-1524), em 28 de junho de 1514.

A sua cidade, Guantánamo, tornou-se célebre após a implantação, a quinze quilómetros de distância, da Base Naval do mesmo nome pertencente aos Estados Unidos da América, onde no seu interior se encontra a também célebre «Prisão de Guantánamo». Esta Base Naval, situada na Baía, igualmente como o mesmo nome, foi arrendada de forma perpétua pelos Estados Unidos, em 23 de fevereiro de 1903.

O seu percurso académico foi realizado entre Guantánamo e Santiago de Cuba, aonde concluiu o seu bacharelato em 1952.

Iniciou a carreira de medicina em Havana, nesse mesmo ano, concluindo-a em dezembro de 1960, depois de um interregno de dois anos por motivo de terem encerrado a Universidade na sequência do ataque ao Palácio Presidencial em 1957, e reaberta depois do triunfo da Revolução. Em julho de 1959 ingressa no Exército Rebelde como técnico de saúde.

Incorporou-se como médico militar e,  no dia seguinte a obter o seu diploma, foi mobilizado para Mariel, seguindo-se, depois, a transferência para La Limpia del Escambray como médico militar. Poucos meses depois é designado para fazer a pós-graduação no Serviço Médico Rural. Seguiu-se Minas de Frio, uma localidade existente na Serra Maestra, que era aonde funcionava a escola de recrutas [cadetes] que Ernesto 'Che' Guevara [1928-1967] havia fundado em 1958.

[Foto à esquerda: Ernesto 'Che' Guevara.  1960, mundialmente famosa foto de Alberto Korda (1928-2001)]

Como era militar, enviaram-no para o acampamento Pino del Água, na província de Oriente, que pertencia à Associação de Jovens Rebeldes, aonde só havia um estomatologista.

Nesse contexto, recebe um telefonema donde lhe pedem para se apresentar em Santiago de Cuba, onde o chefe dos Serviços Médicos em Oriente lhe coloca a necessidade de ir como médico para o Batalhão fronteiriço, em Guantánamo, que acabara de fundar-se. Foi o primeiro médico desse Batalhão aonde termina a pós-graduação, passando, em maio de 1962, para o Instituto Nacional de Cirurgia e Anestesiologia [INCA]. Conclui a cirurgia geral em 1964 (como militar) e transita para o Hospital Militar Dr. Carlos J. Finlay como especialista.

Em janeiro de 1966, durante a 1.ª Conferência Tricontinental, é contactado pelo doutor José Ramón Balaguer Cabrera, naquele tempo chefe dos Serviços Médicos das Forças Armadas, a quem lhe é colocada a possibilidade de ir cumprir uma missão ao estrangeiro mas sem lhe dizerem o seu destino, o que aceita.

Concluído um período de treino de cerca de dois meses, seguiu em finais de maio de 1966 até Conacri, a bordo do barco «Lídia Doce», na companhia de mais vinte e seis “internacionalistas cubanos”, grupo constituído por artilheiros, médicos e motoristas. Este contingente acabaria por ser considerado o primeiro a chegar em missão de ajuda ao PAIGC.

Seguem-se os primeiros desenvolvimentos revelados durante a entrevista dada pelo dr. Virgílio Camacho Duverger.

Entrevista com 22 questões [Parte1 > da 1.ª à 7.ª]

“Testemunhos antes da morte” [Cap. XII, pp. 154-165]

[As notas introdutórias sobre o entrevistado são da responsabilidade do jornalista Hedelberto López Blanch, justificando-se, pelo desenlace à posteriori, o título dado à entrevista: «testemunhos antes da morte»... Vão a itálico. A perguntas vão numerados, em romano. Optámos também pelo itálico na transcrição da respostas do entrevistadlo. Os parêntes retos são nossos.]

Virgílio Camacho Duverger, destacado
Cuba, Havana, Hospital Hermanos Ameijeiras.
À esquerda. monumento a Antonio Maceo.
 Fonte: Wikipedia
profissional de saúde, pessoa amável e respeitada que nasceua 29 de novembro de 1934 em Guantánamo, antiga província do Oriente, entrevistei-o numa tarde de janeiro de 2003,  num pequeno gabinete do Hospital [Clínico-Cirúrgico] Hermanos Ameijeiras, [hospital líder de Cuba, situado no centro de Havana, entre o centro histórico  e o bairro de Vedado], aonde mantinha uma consulta voluntária todas as terças-feiras.

[De referir, como curiosidade, que no terreno onde se ergueu este hospital, inaugurado em 3 de dezembro de 1982, aí funcionou durante um século aproximadamente (1852-1950), a Casa de Beneficência e Maternidade de Havana e, depois, até ao triunfo da Revolução Cubana, em 1959, o Banco Nacional de Cuba e mais algumas dependências, nomeadamente a bolsa. Estes primeiros serviços estavam instalados em edifícios que ocupavam somente metade da área e que o novo estado cubano decidiu ampliar a sua construção, transformando-os em hospital, considerado dos melhores centros, da sua classe, no mundo. Quanto ao nome do hospital, este recorda os três irmãos Ameijeiras, mártires da luta revolucionária, que cresceram ao redor deste edifício].

Estava eu muito longe de pensar que somente dez meses após ter conversado com ele, em novembro de 2003, Camacho Duverger falecerá, vítima de enfarte do miocárdio. Incrivelmente,  fora atraiçoado na sua própria especialidade de cirurgião cardiovascular, depois de ter operado e salvado centenas de pacientes.

Como meritória homenagem a este destacado académico e médico internacionalista, que cumpriu a sua missão na Guiné-Bissau, eis as suas últimas declarações para este livro que colige histórias inéditas de alguns dos homens que, como Duverger, cumpriram o dever patriótico e humano de salvar vidas em outras terras do mundo.



(i) Fale-me dos seus estudos 

e da sua carreira médica.



Fiz os primeiros graus no Colégio La Salle de Guantánamo, e parte do ensino secundário nessa mesma cidade e erminei-o em Santiago de Cuba, em 1952 [, aos 17 anos]. Dou início à carreira de medicina nesse mesmo ano, em Havana, e quando estou no quarto ano, fecham a Universidade, depois do ataque ao Palácio Presidencial em 13 de março de 1957. 

Retomo o curso depois do triunfo da Revolução, e em julho de 1959 ingresso, com outros companheiros, no Exército Rebelde como técnico de saúde. Era aluno de medicina e faltava pessoal para os serviços médicos. Colocaram-me no Centro de Cria Cavalar, em El Cotorro [um município situado a sudoeste da Província e cidade de Havana]. Concluo o curso  de medicina em 6 de dezembro de 1960.

(ii) Que fez depois?

Imediatamente incorporei-me como médico militar, pois até a esse momento era aluno de saúde, e no dia seguinte a obter o título, mobilizam-me para Mariel [um município da província de Artemisa, a quarenta quilómetros de Havana], porque era a mudança [20 de janeiro de 1961] de governo de Dwight D. Eisenhower [1890-1969] para John F. Kennedy [1917-1963]. 

[Eisenhower foi um general de cinco estrelas dos Estados Unidos, tendo participado na Segunda Guerra Mundial como Cmdt Supremo das Forças Aliadas na Europa, assumindo a responsabilidade de comandar e supervisionar a invasão do Norte de África durante a “Op. Tocha”, entre 1942 e 1943. 

[Assumiu, ainda, a planificação da invasão da França e da Alemanha, entre 1944 e 1945. Em 1951 tornou-se o primeiro Cmdt Supremo da OTAN (NATO). 

[Dois anos depois foi eleito o 34.º Presidente dos Estados Unidos da América, mandato que decorreu entre 1953 e 1961].

Mais tarde transfiro-me para La Limpia del Escambray como médico militar. Três ou quatro meses depois sou designado para fazer a pós-graduação no Serviço Médico Rural, cujo chefe administrativo no Ministério da Saúde era o doutor José Miyar Barruecos (Chomi), [n. 1932; sendo-lhe atribuídas responsabilidades relacionadas com o desenvolvimento da biotecnologia, a criação e o funcionamento da Escola Latino-americana de Ciências Médicas (ELAM) e da Internacional de Educação Física e Desporto. É professor de Mérito da Faculdade de Medicina Victória de Girón].

Colocaram-me, então, em Minas de Frio [localidade existente na Serra Maestra, pertencente ao município de Bartolomé Masó, na província de Granma], Era aí que funcionava a Escola de Recrutas [Ciro Redondo (cadetes)] que Ernesto 'Che' Guevara [1928-1967] havia fundado [em 1958]. 

O chefe da Escola era Aldo Santamaria Cuadrado [1933-2003]. Durante a minha presença, passam a direcção administrativa de Minas de Frio para o Ministério da Educação. Como eu era militar, enviaram-me para o acampamento Pino del Agua, na província de Oriente, que pertencia à Associação de Jovens Rebeldes. Quando lá cheguei, só havia um estomatólogo.

Muitos jovens que passaram por essa Escola hoje são generais. Por essa altura, recebo um telefonema donde me pedem para me apresentar em Santiago de Cuba. Ali o doutor Monreal, chefe dos Serviços Médicos em Oriente, coloca-me a necessidade de eu ir como médico para o Batalhão fronteiriço, em Guantánamo, que acabara de fundar-se. Fui o primeiro médico desse Batalhão. Termino a pós-graduação e passo, em maio de 1962, para o Instituto Nacional de Cirurgia e Anestesiologia [INCA], que era dirigido pelo doutor René Cirilo Vallejo Ortiz [1920-1969] (médico de Fidel de Castro).

Esse instituto surge porque Fidel [de Castro], depois da invasão da Praia Girón [conhecida em Cuba como a “Batalha de Girón”, na Baía dos Porcos, que fora uma tentativa frustrada de invadir o sul de Cuba empreendida em abril de 1961 por um grupo paramilitar de exilados cubanos anticastristas, a chamada Brigada de Assalto 2506], deu-se conta da falta de cirurgiões, anestesistas e de outras diferentes especialidades cirúrgicas. 

Ali surge também o INCA [Instituto Nacional de Cirurgia e Anestesiologia] e a especialidade de maxilofacial, que não existia. Concluo a cirurgia geral em 1964 (como militar) e transito para o Hospital Militar Dr. Carlos J. Finlay como especialista.

(iii) Quando e quem lhe propôs 
a missão internacionalista?

Em janeiro de 1966, durante a [1.ª] Conferência Tricontinental [realizada em Havana, Cuba, entre 3 e 15 desse mês, e onde esteve presente Amílcar Cabral (1924-1973), foi aprovada, em 12 de janeiro, a criação da Organização de Solidariedade dos Povos de África, Ásia e América Latina], contacta comigo do Hospital Dr. Carlos J. Finlay, o doutor José Ramón Balaguer Cabrera [n. 1932], naquele tempo chefe dos Serviços Médicos das Forças Armadas.



[Havana (Cuba), janeiro de 1966. Intervenção de Fidel de Castro durante a Primeira Conferência Tricontinental, onde marcaram presença 512 delegados, provenientes de 82 países, bem como de 64 observadores e 24 convidados. 

De entre as centenas de delegados, destacam-se: Amílcar Cabral [1924-1973], da Guiné-Bissau; Salvador Allende [1908-1973], do Chile; Luís Augusto Turcios Lima [1941-1966], da Guatemala; Cheddy Bharat Jagan [1918-1997], da Guiana [Inglesa]; Pedro Medina Silva [1924-2012], da Venezuela; Nguyen Van Tien [1923-2001], do Vietnam do Sul; e Rodney Arismendi [1913-1989], do Uruguai].

[Fonte: http://epoca2.lajiribilla.cu/2011/n514_03/514_03.html - com a devida vénia]

[vídeo da conferência em: https://www.youtube.com/watch?v=CVZoxudN_Rk]


[O doutor José Cabrera, chefe militar da Força Armadas de Cuba] coloca-me a possibilidade de ir cumprir uma missão ao estrangeiro sem me dizer em que sítio. Incorporo-me num grupo para treino. Eram três grupos: um de artilheiros, outro de mecânicos-auto e outro de médicos. Cada grupo tinha nove elementos

Depois nos reagrupámos numa casa dividida por classes e na supervisão dos grupos encontrava-se um companheiro que era da “segurança”, conhecido por Artemio [tenente Aurélio Riscar Hernández Artemio] (com ele existiram alguns pequenos problemas porque quis aplicar algumas teorias e passado algum tempo na Guiné-Bissau o substituíram pelo Cmdt Victor Dreke) [facto ocorrido em fevereiro de 1967]. 

Dos três grupos de nove cada um, saíram em avião até Conacri, três artilheiros e dois médicos que o PAIGC necessitava com urgência. [Estes cinco elementos chegaram à capital da Guiné-Conacri em 29 de abril de 1966, numa viagem entre Havana-Moscovo-Praga-Marrocos-Conacri, chefiados por Aurélio Artemio].

Estivemos nessa casa aproximadamente dois meses. Deram-nos algumas aulas militares e de português. Aí começámos a suspeitar de que iríamos para alguma das colónias portuguesas. Por coincidência irónica, a casa aonde nos colocaram estava perto da embaixada de Portugal e às vezes, quando saíamos, passávamos em frente dessa vivenda diplomática. 

[Portugal mantem relações diplomáticas formais com Cuba pelo menos desde 1929, altura em que o Chefe de Missão em Washington passa a poder também ser acreditado em Cuba.]

Ao concluir o intenso e curto período de treino, saímos um dia numas viaturas fechadas e imaginei que íamos a caminho de Mariel, e porque não nos dizem o destino.

(iv) Os seus familiares 
sabiam alguma coisa?

Para os nossos familiares, desde que abandonámos a casa, estávamos na União Soviética a fazer um curso. Recordo-me que vivia no município de Playa, em 41 e 30, e às vezes passava perto de minha casa, quando tinha alguma coisa de trabalho para fazer, e não podia nem falar ao telefone.


(v) Quando e por que meio 
viajou?

Saímos em finais de maio de 1966 [21], porque passámos o Dia das Mães em Cuba. Numa lancha grande fomos até ao alto mar e aí subimos para o barco «Lídia Doce», um navio mercante cubano. Fizemos a travessia [atlântica] com dificuldades, pois em duas ou três ocasiões estivemos à deriva por avarias. 

[De notar que o dr. Virgílio Camacho Duverger, médico especialista,  fez parte do grupo no qual estava incluído o dr. Domingo Diaz Delgado, o primeiro entrevistado deste projecto, e que conta a história da viagem com mais detalhes – P16224. A missão do dr. Duverger vai-se prolongar até finais de 1967, tendo regressado a Cuba em princípios de 1968. Esteve boa parte do tempo na base de Boké, mas também passou pela  frente leste e pela  frente sul. Estava no Boé quando o cmdt do PAIGC Domingos Ramos foi morto por um estilhaço de morteiro das NT, aquerteladas em Madina do Boé.]


(vi) Iam vestidos 
à civil?

Chegámos a Conacri vestidos à civil e sem armamento. Todos os que faziam parte do meu grupo eram militares, sem excepção. Levávamos passaportes falsos.

(vii) Qual era 
o seu nome?

Víctor Córdoba Duque, porque como nos informou o nosso instrutor de “segurança” as iniciais dos nomes dos passaportes coincidiam com as reais (os nomes eram escolhidos por nós) [Virgílio Camacho Duverger], para que se alguma vez surgissem referências em algum documento com as nossas iniciais poderiam levantar suspeita e desse modo descobrir a nossa identidade.

(Continua) (**)

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Notas do editor:

(*) Vd. poste de 2 de setembro de  2016 > Guiné 63/74 - P16441: Notas de leitura (874): (D)o outro lado do combate: memórias de médicos cubanos (1966-1969) - Parte IX: o caso do clínico geral Amado Alfonso Delgado (V): Finalmente o regresso a casa, depois do pesadelo do Fiofioli, na margem direita do Rio Corubal... Este homem, hoje professor universitário (?), tem histórias para contar aos netos... (Jorge Araújo)

(**) Último poste da série > 10 de outubro de 2016 > Guiné 63/74 - P16584: Notas de leitura (888): Guiné-Bissau entre 1960 e 1990: um olhar de um oficial português (Mário Beja Santos)