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domingo, 4 de setembro de 2016

Guiné 63/74 - P16444: Manuscrito(s) (Luís Graça) (95): Por aqui passou Mamadu Indjai, o terrível


Por aqui passou
Mamadu Indjai, o terrível



por Luís Graça


E de repente
tudo te é estranho,
o muro que corta, rente,
a brisa da manhã,
a fonte onde ainda ontem
os djubis tomavam banho,
o portentoso poilão aonde ias rezar,
à tua maneira, ao teu irã,
a ponta onde colhias a manga e o abacaxi,
o macaco-cão que chora e que ri…

D
e repente
não sabes donde vens,
não sabes o que és,
aqui de camuflado e de G-3,
nem a verdadeira razão para matar e morrer,
não sabes o que fazes neste lugar,

muito longe da tua terra,
abaixo do Trópico de Câncer,
a 11 graus e tal de latitude norte.

M
al reconheces, pobre periquito,  

os sinais da guerra,
o combate em noite de luar,
o cavalo de frisa esventrado,
os pássaros de morte,
os jagudis no alto da árvore descarnada,
a terra revolta, ensanguentada,
o arame farpado, 

aqui e acolá cortado,
o colmo das moranças, 

carbonizado,
o medo que não se vê mas se pressente, 

num olhar de relance, breve,
sobre a tabanca que quiseram riscar do mapa, 
as cápsulas de 12.7 da metralhadora pesada Degtyarev,
um par de chinelos,
os caracteres chineses dos invólucros, amarelos,
das granadas de RPG…


Um triste cão, vadio e louco, ladra
ao cacimbo fumegante
e o seu latido lancinante
ecoa pela bolanha fora.
A seu lado, a única velha,
que não se foi embora,
com a sua máscara impassível
de séculos de dor,
de seu nome, Satu.

Mais tarde, saberás tu,
saberão de cor,
os jovens pioneiros,
os "blufos", do PAIGC,
que por aqui passou Mamadu Indjai, o terrível,
hoje valoroso,
amanhã insidioso,
combatente da liberdade da pátria,
hoje herói,
amanhã traidor,
que nunca conhecerá a glória nem a honra
do Forte da Amura,
transformado em Panteão Nacional.

Diz-me tu, Satu, mãe e pitonisa,
onde estão as mulheres da tua tabanca,

com os balaios à cabeça
e os seus filhos às costas ?
Onde estão as tuas gentis bajudas,
de mama firme, 

cujo sorriso nos climatizava os nossos pesadelos ?
Onde estão o régulo e os suas valentes milícias ?
Para que lado corre o Rio Corubal
e donde vêm aqueles sons, ambivalentes, de bombolon?


Diz-me tu, homem grande, 
onde fica o Futa Djalon ?
E de que ponto cardeal
sopram os ventos da história, afinal ?


Dizes-me onde fica Meca, meu irmão ?
E, no seu conciliábulo,
os nossos deuses, o meu e o teu,
o que sobre nós decidirão, cinicamente ?


Diz-me onde está o velho cego, 
mandinga,
a quem demos boleia,
que tocava kora
e nos contava a história
de velhos e altivos senhores
agora servos no seu chão ?

P
assei na madrugada
de um final de mês de julho de 1969,
pela tua tabanca, abandonada,
do triste regulado do Corubal,
de que já não guardo o nome,
na memória:

Sinchã qualquer coisa,
Sinchã-a-ferro-e-fogo, 
Afiá ou Candamã ?
Que importa, minha irmã,
o topónimo para a história?!...

V
enho apenas em teu socorro,
meu irmãozinho,
quando as cinzas ainda estão quentes
no forno da tua morança,
da morança que fora também minha…

R
aiva, sim, meu camarada,
Abibo Jau, meu bom gigante,
que serás mais tarde fuzilado em Madina Colhido
com o teu comandante Jamanca,
como eu te compreendo!…
Mas vingança, para quê ?
De guerra em guerra se chega ao nada!



A um espelho partido me estou vendo,
e a mim mesmo me pergunto 

quem sou eu,
triste tuga entre tristes fulas, ai!,
para te dar lições de história ?!


Saberei apenas, 
muito anos depois,
que, julgado e condenado em Conacri,
fuzilaram o Mamadu Indjai,
no Boé, 

que diziam ser região libertada da Guiné…

O
mesmo Mamadu Indjai 
(*),
acrescente-se, 
fero e bravo comandante,
que ferimos gravemente
no decurso da operação Nada Consta,
o mesmo Mamadu Indjai,
que, três anos e meio depois,

chefe das "secretas",
será o Judas de Amílcar Cabral.


Versão 10, Lourinhã, 11  agosto de  2016 (**)

___________________

Notas do editor:

(*) Vd. poste de 2 de setembro de 2016 > Guiné 63/74 - P16441: Notas de leitura (874): (D)o outro lado do combate: memórias de médicos cubanos (1966-1969) - Parte IX: o caso do clínico geral Amado Alfonso Delgado (V): Finalmente o regresso a casa, depois do pesadelo do Fiofioli, na margem direita do Rio Corubal... Este homem, hoje professor universitário (?), tem histórias para
contar aos netos...

(...) Comentário de Tabanca Grande [LG]:

(...) Neste tempo /1968/70), no nosso setor L1 (Bambadinca), ao longo da margem direita do Rio Corubal, o PAIGC teria 5 bigrupos (Um bigrupo, eraconstituído por 40/50 guerrilheiros), em cinco zonas: Poidom/Ponta do Inglês/Baio Buruntoni, Ponta Luis Dias, Mina/Fiofioli (2), e Galo Corubal, ou seja entre 200 e 250 homens em armas, mais um 1 grupo de artilharia (morteiro 82, canhão s/r 75 e 82) + 1 grupo especial de bazuqueiros (RGP) (em Mangai). A principal "base" era Mina / Fiofioli, uma mata densa, de floresta-galeria... Não estava ao alcance da artilharia do Xime... Em 1969. o comandante era o Mamadu Indjai.

No meu tempo a mata do Fiofioli era vista como um "mito", infundindo muito respeito às NT... Nos últimos da guerra (e nomeadamente em 1973), o PAIGC retirou forças desta região...

Estranha-se que o médico cubano Amado Alfonso Delgado tenha omitido o importantre revés que foi para o PAIGC a baixa do comandante Mamadu Indjai, gravemente ferido pelas NT no decurso da Op Nada Consta, em agosto de 1969

Vd. poste de 7 de setembro de 2010 > Guiné 63/74 - P6948: A minha CCAÇ 12 (6): Agosto de 1969: As desventuras de Malan Mané e de Mamadu Indjai nas matas do Rio Biesse... (Luís Graça)

Este Mamadu Indjai é o mesmo que fez parte do complô contra Amílcar Cabral em 1973, em Conacri... Será julgado (?) e fuzilado... Era de etnia mandinga.

Temos dez referências no blogue sobre este homem...que pôs o lado meridional do chão fula a ferro e ferro.


(**) Último poste da série > 31 de agosto de 2016 > Guiné 63/74 - P16432: Manuscrito(s) (Luís Graça) (94): Salvé, minha safada, pequena, bela Helena, hiena, de Bafatá!

terça-feira, 22 de novembro de 2011

Guiné 63/74 - P9080: Se bem me lembro... O baú de memórias do Zé Ferraz (3): Hugo Spadafora, o Che Guevara italopanamiano (1940-1985), terá estado no (ou passado pelo) Fiofioli nos idos anos de 1965/67


Guiné > Zona leste > Sector L1 (Bambadinca) > Mapa da antiga província portuguesa da Guiné > 1961 > Escala 1/500 mil > Localização da mata do Fiofioli, zona de floresta galeria, sita na margem direita do Rio Corubal, entre Mangai e Concodea Beafada, e onde no princípio de 1969 se suspeitava que o PAIGC tivesse um hospital, com médicos cubanos... Nos anos em que eu estive na Guiné (entre 1969 e 1961), só me lembro de se ter ido ao Fiofioli na Op Lança Afiada (em que o José Ferraz também participou e foi ferido) (*).


1. Texto do José Ferraz [, português a viver há mais de 40 anos nos EUA, em Austin, Texas; ex-Fur Mil, Op Esp, CART 1746, Xime, 1969]

Companheiro e camarada Luís

(i) Da conversa que tive com o Hugo Spadafora (**), nessa tarde tão interessante,  houve de princípio certa reserva da minha parte devido à multitude de emoções que sentia nesse momento. Passado isso,  fomo-nos abrindo pouco a pouco e aqui está o que me lembro:

Não falámos de nenhuma situação política da época, falámos sim, e exclusivamente,  dos nossos tempos da Guiné. Curiosamente não como inimigos mas como dois seres humanos trocando impressões de experiências da vida que, ainda que em polos opostos, tanto tinham em comum.

O que me lembro é que o Hugo parecia-me um idealista, porém de certa forma arrogante e talvez com inveja do Che [Guevara] com quem me disse se identificava ideologicamente.

Disse-me também que tinha estado na zona leste, no Fiofioli, e que as forças do PAIGC tinham receio de certos encontros connosco. Não especificou nenhuma unidade, mas sim que procuravam evitar qualquer contacto e moverem-se antes que isso acontecesse.

Acrescentou que tinham excelentes serviços de inteligência [informações] e praticamente sabiam com antecedência todos os nossos movimentos. Por isso, disse-me ele, os ataques e emboscadas tinham mais o propósito de acção psicológica do que realmente causar baixas. Contudo eles tinham pleno conhecimento de que as perdas das suas forças nesses contactos eram muito mais elevadas do lado deles do que do nosso e, como tal,  evitavam contacto com os nossas forças quando sabiam por experiência que essa tropa lhes tinha causado problemas.

Para mim e tal como eu fomos dois D. Quixotes.

(ii) A propósito desta lembrança... Lembro-me que numa operação [, Lança Afiada ?,] cuja ordem dizia "destruir [todos]  os meios de vida", chegámos a uma tabanca, não me lembro do nome, em que fiquei realmente espantado com a organização urbanística deste povoado, o que me obrigou a rever o propósito desta guerra. Interroguei-me então:

- Porra, estas populações estão muito melhor organizadas que nós, os livros que encontrei na escola eram em português e não em crioulo; as ruas ainda que de terra batida estavam orientadas a noventa graus e limitavam perfeitos quadrados... Pelo nosso lado as tabancas eram um ver se te avias...


Nunca me esqueci dessa devastadora descoberta. Não quero discutir política mas esta experiência comprovou-me intelectualmente que o PAIGC deveria fazer esforços enormes em procurar desenvolver uma consciência nacional sem a qual a independência nunca seria possível... E exactamente isto é o que continua a ser o problema de todos os países africanos. O pior inimigo dum africano é outro africano de outra tribo (factor primário de socialização). (**)


José Ferraz
______________

Notas do editor:



(*) Vd. postes da I Série do blogue:


15 de Outubro de 2005 > Guiné 63/74 - CCXLIII: Op Lança Afiada (1969): (i) À procura do hospital dos cubanos na mata do Fiofioli


9 de Novembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCLXXXI: Op Lança Afiada (1969) : (ii) Pior do que o IN, só a sede e as abelhas


9 de Novembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCLXXXIII: Op Lança Afiada (1969): (iii) O 'tigre de papel' da mata do Fiofioli


(...) Dia D + 7 (15 de Março de 1969)

Em face da informação dada pelas 2 mulheres capturadas em Cancodea Beafada, os Dest A, B e C atacaram Queroane à tarde, tendo destruído a tabanca e sido flagelados por um grupo IN que sofreu baixas confirmadas.

Cerca das 2H30, os Dest F, G, H e I iniciaram a sua marcha sobre a mata do Fiofioli. Só havia uma guia mais ou menos seguro, o Brima Dico [, mais provável, 
Braima Seco,] capturado pelos paraquedistas em Mina em Dezembro de 1968. O outro guia, de Mansambo, apenas conhecia região mas não os trilhos. Decidiu-se por isso seguir com os Dest em bicha, a fim de deixar um ou mais emboscados em bifurcações que aparecessem.


O Dest H, antes do alvorecer, penetrava na mata. Às 16H00 houve uma flagelação ao Dest H, tendo o IN sofrido baixas confirmadas. O Hospital antigo surgiu pouco depois com as suas enfermarias separadas para homens e mulheres, quarto dos médicos cubanos, banco, etc. O guia esclareceu tudo mas o hospital devia ter sido abandonada cerca de 2 meses antes. Todos os novos trilhos que apareciam eram cuidadosamente batidos. Descobriu-se um outro Hospital recentemente abandonado. O primeiro estava em (Xime ID5-56 ) o segundo (encontrado ás 8H00) estava em Xime 1D6-52). Ambos foram queimados e o PCV deu a sua localização.

Batida a mata, desceu-se à tabanca de Fiofioli, recém abandonada, dispondo de bons edifícios e 2 escolas com imensos livros e cadernos. Próximo estava uma pequena arrecadação onde se capturou material de guerra IN. Novamente foram apanhadas centenas de animais domésticos. A destruição da tabanca foi apenas começada pois no dia seguinte seria completada. Encontraram-se documentos comprovativos da presença IN na área.

Voltou-se a penetrar na mata para bater a zona Oeste e acabou-se por ir ter à bolanha a Oeste eram cerca das 12H00. Contactou-se o Dest E que às 6H10 fizera fogo sobre elementos IN fugidos da mata de Fiofioli (onde deveriam ter sido os autores da flagelação ao Dest H), tendo-lhes causado baixas.

A mata foi batida durante cerca de 10 horas em todos os sentidos. Previa-se no entanto voltar a batê-la no dia seguinte na direcção Oeste-Leste. Mas o mito do Fiofioli desaparecera na mentalidade dos nossos soldados. A mata do Fiofioli fora um tigre de papel. (...)


14 de Novembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCLXXXIX: Op Lança Afiada (IV): O soldado Spínola na margem direita do Rio Corubal


(**) Último poste da série > 21 de Novembro de 2011 >Guiné 63/74 - P9070: Se bem me lembro... O baú de memórias do Zé Ferraz (2): Hugo Spadafora (1940-1985), que combateu como médico e guerrilheiro nas fileiras do PAIGC (entre 1965 e 1967), e que encontrei na década de 1980 no Panamá...

segunda-feira, 3 de junho de 2013

Guiné 63/74 - P11665: Op Lança Afiada (Setor L1, Bambadinca, 8 a 19 de Março de 1969): III Parte: Dias D+4, D+5, D+6, D+7: Pânico entre os carregadores devido aos ataques de abelhas, muitas helievacuações por desidratação e esgotamento, muitas toneladas de arroz destruído, muitas centenas de animais apanhados e consumidos, várias grandes tabancas (como Mangai, Ponta Luís Dias e Fiofioli), escolas, dois hospitais de campanha e outras instalações queimadas...


Guiné > Zona Leste > Setor L1 > Bambadinca > CCS/BCAÇ 2852 (1968/70) > A chegada, em LDG, ao cais do Xime, em meados de 1968...


Guiné > Zona Leste > Setor L1 > Bambadinca > CCS/BCAÇ 2852 (1968/70) > O "pão nosso de cada dia": despiste de viaturas, por um razão ou outra: excesso de carga, mina A/C, erro de condução, falha mecânicas...


Guiné > Zona Leste > Setor L1 > Bambadinca > CCS/BCAÇ 2852 (1968/70) > No setor  L1 havia uma intensa atividade de colunas logísticas: era a partir de Bambadinca que se abasteciam as companhias aquarteladas em Mansambo, Xitole e Saltinho (que pertenciam já ao Setor L5 - Galomaro).
Guiné > Zona Leste > Setor L1 > Bambadinca > CCS/BCAÇ 2852 (1968/70) > A rua principal de Bambadinca,s e não erro, dando saída para o leste: Bafatá.


Guiné > Zona Leste > Setor L1 > Bambadinca > CCS/BCAÇ 2852 (1968/70) > Aspeto parcial de Bambadinca, se não erro, mas não sei bem de que ângulo...

Fotos: © Otacílio Luz Henriques (2013). Todos os direitos reservados. (Editadas e legendadas por L.G.)


Op Lança Afiada (8 a 19 de Março de 1969) - III parte

(...) Áreas principais de concentração IN:

1 – Poindon;
2 - Baio-Buruntoni;
3 - Gã Garnes (Ponta do Inglês);
4 - Ponta Luís Dias (Calága) – Gã João;
5 - Mangai -Tubacuta;
6 - Madina Tenhegi;
7 - Fiofioli;
8 - Cancodeas;
9 – Mina – Gã Júlio;
10 – Galo Corubal – Satecuta;
11- Galoiel.

5. Desenrolar da acção [, o ocorrido]: (Continuação)



Dia D + 4 (12 de Março de 1969)


Os Dest A e B continuaram batendo a área 6 sem nada encontrarem.

Na área 4 [Ponta Luís Dias (Calága) – Gã João,], o Dest B foi flagelado às 10h10 tendo sofrido um ferido ligeiro mas feito baixas confirmadas. Combinando a manobra com o Dest C, capturou 3 nativos e queimou diversas tabancas na área. O Dest C foi flagelado às 11h00 tendo 3 feridos ligeiros que não evacuou e fez um morto confirmado ao IN.

Quanto ao Dest E, dera a volta próximo da margem esquerda do Rio Buruntoni, queimara 2 toneladas de arroz numas casas junto ao caminho para Ponta do Inglês, capturara inúmeros animais domésticos e tivera contacto com o IN às 13h00, sofrendo um ferido que fora evacuado. Apreendera material ao IN.

O Dest F, agora reforçado por um Gr Comb do Dest G, devido às numerosas evacuações que tivera que fazer, mantinha-se emboscado a Norte da Foz do Rio Bissari. O resto do Dest G continuava emboscado a Norte do Galo Corubal. E os Dest H e I bateram a área 10, tendo a sua actuação sido prejudicada pela demora dos reabastecimentos e evacuações.

O milícia ferido em 11 [de março ]as] 16h30 (gravemente, segundo o parecer do enfermeiro) só foi evacuado em 12 [, às} 13h15 embora os comandantes da Operação e do Agrupamento Táctico tivessem sido largados no local cerca das 9h00. Por razões desconhecidas, porém, o piloto não quis evacuar o ferido em nenhum das 2 vezes que lá foi deixar água.

Na margem oposta [, esquerda,] do Rio Corubal viam-se elementos IN que foram metralhados pelo helicanhão. A tabanca de Inchandanga Balanta ficou a arder.

Durante o incêndio de uma das tabancas entre Galo Corubal e Dando rebentaram inúmeras munições que provavelmente estavam escondidas no colmo dos tectos.

Os ataques das abelhas continuavam a mostrar-se mais perigosos que as flagelações IN pois o pessoal carregador tudo abandonava para fugir aos enxames que, nesta época, são extremamente agressivas.

Cerca das 13h15, num helicóptero insistentemente pedido, os comandantes da Operação e do Agrupamento Táctico foram transportados a Bambadinca juntamente com o milícia ferido, o qual seguiu para Bissau.

A deficiência do apoio aéreo em reabastecimentos, evacuações e recomplementos levou a fazer mensagens e a focar o assunto no RELIM [Relatório de Informações sobre a Actividade Operacional].


Dia D + 5 (13 de Março de 1969)


Os Dest A e B aproximaram-se de Tubacutá (área 5). Durante a noite anterior ouviram um motor dum barco fazendo travessias do Rio Corubal na região entre Queroane e Fiofioli. O movimento durara desde as 19h00 do dia 12 e as 4h00 do dia 13.

Os Dest C e D continuaram destruindo a enorme tabanca de Ponta Luís Dias, com uma grande escola onde havia muitos livros e cadernos. Por seu lado, o Dest C, às 7h30, destruíra cinco canoas em local com indícios de ter tido grande movimento durante a noite. Todos estes Dest apanharam e consumiram centenas de animais domésticos. Cerca das 19H30 o Dest E sofreu nova flagelação, tendo nove evacuados no dia seguinte.

Os Dest H e I detectaram e destruíram o acampamento IN de Gã Júlio, enquanto os F e G faziam o mesmo ao de Mina. Ambos estes acampamentos haviam sido recentemente abandonados. Tais como outros, ainda tinham comida quente. Este facto constou do comentário ao RELIM deste dia, no qual pedia o estabelecimento de emboscadas nocturnas na outra margem do Rio Corubal.

Neste dia houve uma reunião em Bambadinca com Sua Excia. o Comandante-Chefe e o Exmo. Comandante da Zona Aérea que disseram ao Comandamte da Operação estar a ser excessivo o esforço pedido à FA [Força Aérea]. Expondo-se como esses meios estavam a ser empregues.

Por outro lado Sua Excia. deu Directivas sobre a recolha do arroz IN. Ficou ainda estabelecido não proceder a quaisquer recompletamentos, excepto de oficiais e sargentos, a fim de aliviar os meios aéreos.


Dia D + 6 (14 de Março de 1969)


Às 8h50, os Dest A e B detectaram e destruíram o acampamento de Tubacutá, recém abandonado. Fugiu um pequeno grupo IN após uma flagelação às NT.

Os Dest C e D atacaram a enorme tabanca de Mangai, também recém abandonada, tendo começado a destruir as moranças, muitas toneladas de arroz e centenas de animais domésticos (incluindo vacas).

Os Dest E continuou a preocupar-se com o tarrafo da margem do Rio Corubal voltar a encontrar indícios de fuga para a margem oposta. Seguiu para Leste, atravessando à noite a bolanha do Rio Bedana e indo instalar-se na orla oeste da bolanha que limita a mata do Fiofioli, orla em que se emboscou.

Os Dest F e G avançaram sobre Cancodea Balanta enquanto os Dest H e I passaram para Candodea Beafada. Todos capturaram e consumiram centenas de animais domésticos, começando também a destruir as 2 tabancas (onde havia escolas importantes e grande quantidade de arroz).

O Dest H e I capturaram munições e 2 mulheres que informaram ter o IN fugido para a outra margem do Rio Corubal com a maior parte da população. Disseram ainda que o Novo Hospital de Fiofioli fora mudado para a região de Queroane (área 5). O Dest F destruiu 2 canoas, uma delas com cerca de 16 metros de comprimento.

O Dest D foi nesta data dividido pelos C e E, pois ficara reduzido a 69 homens.

Dia D + 7 (15 de Março de 1969)

Em face da informação dada pelas 2 mulheres capturadas em Cancodea Beafada, os Dest A, B e C atacaram Queroane à tarde, tendo destruído a tabanca e sido flagelados por um grupo IN que sofreu baixas confirmadas.

Cerca das 2h30, os Dest F, G, H e I iniciaram a sua marcha sobre a mata do Fiofioli. Só havia uma guia mais ou menos seguro, o Brima Dico (1) capturado pelos paraquedistas em Mina, em Dezembro de 1968. O outro guia, de Mansambo, apenas conhecia a região mas não os trilhos. Decidiu-se por isso seguir com os Dest em bicha, a fim de deixar um ou mais emboscados em bifurcações que aparecessem.

O Dest H, antes do alvorecer, penetrava na mata. Às 16h00 houve uma flagelação ao Dest H, tendo o IN sofrido baixas confirmadas. O Hospital antigo surgiu pouco depois com as suas enfermarias separadas para homens e mulheres, quarto dos médicos cubanos, banco, etc. O guia esclareceu tudo mas o hospital devia ter sido abandonada cerca de 2 meses antes. Todos os novos trilhos que apareciam eram cuidadosamente batidos. Descobriu-se um outro Hospital recentemente abandonado. O primeiro estava em (Xime ID5-56 ) o segundo (encontrado ás 8h00) estava em Xime 1D6-52). Ambos foram queimados e o PCV deu a sua localização.

Batida a mata, desceu-se à tabanca de Fiofioli, recém abandonada, dispondo de bons edifícios e 2 escolas com imensos livros e cadernos. Próximo estava uma pequena arrecadação onde se capturou material de guerra IN. Novamente foram apanhadas centenas de animais domésticos. A destruição da tabanca foi apenas começada pois no dia seguinte seria completada. Encontraram-se documentos comprovativos da presença IN na área.

Voltou-se a penetrar na mata para bater a zona Oeste e acabou-se por ir ter à bolanha a Oeste eram cerca das 12h000. Contactou-se o Dest E que às 6h10 fizera fogo sobre elementos IN fugidos da mata de Fiofioli (onde deveriam ter sido os autores da flagelação ao Dest H), tendo-lhes causado baixas.

A mata foi batida durante cerca de 10 horas em todos os sentidos. Previa-se no entanto voltar a batê-la no dia seguinte na direcção Oeste-Leste. Mas o mito do Fiofioli desaparecera na mentalidade dos nossos soldados. A mata do Fiofioli fora um tigre de papel.


(Continua)

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(1) Julgo tratar-se de gralha do escriturário-dactilógrafo ou erro de leitura do original, manuscrito. Brima Dico não é nome de guinéu. Deve ser Braima Seco. ( L.G.)

Fonte: Extractos de: Guiné 68-70. Bambadinca: Batalhão de Caçadores nº 2852. Documento policopiado. 30 de Abril de 1970. c. 200 pp. Cap. 61-64. Classificação: Reservado (Agradeço ao Humberto Reis ter-me facultado uma cópia deste valioso documento em formato.pdf, além da versão em papel).

_____________

Nota do editor:

Postes anteriores da série > 


16 de maio de 2013 > Guiné 63/74 - P11575: Op Lança Afiada (Setor L1, Bambadinca8 a 19 de Março de 1969): I Parte: Cerca de 1300 efetivos: 36 oficiais, 71 sargentos, 699 praças, 106 milícias e 379 carregadores

sexta-feira, 3 de junho de 2005

Guiné 63/74 - P41: A região do Xitole, por onde andou o Nino... (David Guimarães)

Texto do David J. Guimarães:

Tocou-me a vez... Creio que vale a pena no momento consultar o Mapa do Sector L1 / Zona Leste - Xitole.

A Zona de intervenção do Xitole não era muito grande em área - bem, mas era uma zona bem quentinha, sim. A norte era limitada pela ponte do Rio Jacarajá onde começava a Zona de Intervenção de Mansambo; zona de Salifo, a leste do R Jacarajá. Salifo tinha sido uma tabanca importante que, quando fizemos um dia uma operação de assalto para a destruir, eles já tinham feito o favor de se retirar de lá... Ufa, que alívio!...

Continuando a nossa Zona de Intervenção tínhamos depois toda a outra zona até ao Rio Corubal, Galo Corubal, Satecuta, até às matas do Fiofioli, Seco Braima. Seguindo a estrada na direcção do Saltinho íamos até ao limite deste mapa, onde havia uma tabanca (Sincha Mádio, deve ser assim) que era depois de Cambessé. Tabanca importante que estava confinada a outra e onde existia o Cussilinta - a parte mais bela, ainda hoje, [do Rio Corubal],parecia uma colónia balnear....

Todas essa s zonas eram diariamente pratrulhadas. Um grupo de combate seguia para os lados periféricos do aquartelamento, para os lados de Seco Braima. Outro grupo seguia sempre para as tabancas (em missão psico). Um grupo instalava-se na Ponte dos Fulas onde residia e era rendido ao fim do mês... Vida monótona, rotinas e sempre armados até aos dentes...

Assinalarei aqui um facto importante e que sempre nos incomodou: a margem esquerda do Rio Corubal, na nossa zona, que era uma área de intervenção no COM-CHEFE [Comando-Chefe]. Era daí que eles [o IN] apontavam os canhões sem recuo e, enfim, tentavam fazer tiro ao alvo para o nosso quartel....

Pelas sete, oito horas, da noite aí estavam eles: Nino e seus canhões, assim dizíamos nós... Digo Nino e ele mesmo confirma isso, como o Luís Cabral (Este na Crónica da Libertação). O Nino, ele mesmo em pessoa, falou, antes de voltar recentemente para a Guiné. Ele morava aqui, em Vila Nova de Gaia... Um dia o ex-comandante da CART 2716 [, a minha companhia], passou por ele e disse:

- Olha o Comandante!... Bem lá falaram. O Nino confirmou ser aquela a zona [a região do Xitole] onde ele andou, sim, no tempo da Guerra Colonial....

Mas a grande chatice eram as colunas e o reabastecimento:

- Ora amanhã há coluna... Porra, um dia no mato!... Mas tem que ser!...

Três grupos de combate instalados desde a Ponte dos Fulas até Rio Jacarajá. E lá começava a passar o comboio de viaturas: uma Daimler, depois o resto dos camiões, enquadrados por viaturas militares. Pior:

- Quem vai a picar hoje? - E lá ia o 1º grupo, depois o 2º e, outra vezes, o 3º ou o 4º. Como eu residia no Destacamento da Ponte dos Fulas, bem, eram os outros...

Tocou-me a mim num belo dia. Eu é que ia a comandar o grupo (o Alferes estava de férias). E lá já bem perto de Jacarajá:

- Mina, mina, porra!... E agora!?

Tocou-me a mim: afinal eu é que era o artista. Em Tancos tinham-me ensinado a trabalhar com aquilo: "manga de cu piquinino", protecção feita, suores frios ao sol quente... Bem, lá consegui operar... Tínhamos que comer... Lá ficou o buraco feito e do chão extraí isso que envio em fotografia... Um Mina PMD-6, espoleta MUV, duas barras de trotil de 4 kg, mais aqueles dois calcinhos do mesmo material a 200 gr cada cada um, sendo que dentro da mina lá estavam os 400 gr habituais da carga base onde actuaria o detonador depois de accionada a espoleta...

- Ufa, que merda!... Já está! - e daqui a pouco lá vinha a coluna, o barulho daqueles motores e, à frente, a Daimler do [Alferes]Vacas de Carvalho....

Prontos, e lá ficamos o dia inteiro até que lá a coluna volta a passar, mas de regresso a Bambadinca. Nós, por nossa vez, lá regressamos ao quartel no Xitole.

Mais tarde lá me deram os 300 escudos (prémio por levantamento de material explosivo):

- Pronto, mais um dinheirinho para beber umas bazucas [cervejas] ...

Foi um dia de rotina, um pouco diferente - uma mina sempre é uma mina.....

Envio uma outra fotografia da época: é do abrigo onde estavam instalados a maioria dos furriéis, junto à casa dos sargentos... Era ai que dormíamos. Era um abrigo amplo, voltado para o aeródromo. Lá dispunha do explosor que faria rebentar, caso necessário, um fornilho que eu tinha armado do outro lado do arama farpado, não viessem eles lembrarem-se de virem por aí... Nunca foi preciso, ainda bem....

A outra é a fotografia da mina com as cargas de trotil ao lado... Ainda bem que a Daimler não lhe passou por cima, era menos uma que ficava...

PS - A Daimler é um carro muito lindinho, de rodas maciças... Só tinha um defeito: era o depósito de combustível estar exactamente por debaixo da viatura ... Percebe-se que isso fosse um rebenta-minas?

David J. Guimarães

Nota de L.G.- O Guimarães era especialista em... minas e armadilhas. E fez muito bem o seu trabalho. A foto que nos mandou da mina PDM-6 ainda me causa calafrios... É que voei, numa GMC, com o meu grupo de combate [na altura, o 4º Gr Com da CCAÇ 12], quando accionámos uma mina deste tipo... Um dia deste falaremos dessa trágica amanhã, às portas do reordenamento de Nhabijões...

Estas duas fotos do Guimarães irão ser inseridas no respectivo álbum.

quarta-feira, 9 de novembro de 2005

Guiné 63/74 - P263: Op Lança Afiada (1969): (iii) O 'tigre de papel' da mata do Fiofioli (Luís Graça)

Guiné-Bissau > Vista do Rio Corubal (1998)

Fonte:

© A. Marques Lopes (2005), ex-Alf Mil da CART 1690 (Geba, 1967) e da CCAÇ 3 (Barro, 1968), hoje Coronel, DAF, na reforma

As forças que entraram, vitoriosas, em Fiofioli, no dia 15 de março de 1969, constituíam o Agrupamento táctico sul, baseado no Xime e comandado pelo Ten Cor Jaime Tavares Banazol: Dest F > CART 2339 (Mansambo); Dest G > CCAÇ 2405 (Galomaro); Dest H > CART 2413 (Xitole); Dest I > CCAÇ 2406 (Saltinho). Recorde-se que a companhia de Galomaro,a CCA>Ç 2405, pertecente ao BCAÇ 2852 (Bambadinca, 1968/70) tinha justamente acbado de sofrer, em 5 de Fevereiro de 1969, a perda de 17 homens, na trágica travessia do Rio Corubal, em Cheche, aquando da retirada das NT em Madina do Boé.

Por sua vez, o Agrupamento táctico norte, baseado no Xitole e comandado pelo Ten Cor Manuel M. P. Bastos, era constituído por: Dest A > CART 2338 ; Dest B > CART 1746 (Xime); Dest C > CART 1743 ; Dest D > CCAÇ 2403 (Fá Mandinga).

O comandante da força era o Coronel Hélio Felgas (hoje conhecido especialista em questões geopolíticas africanas, e na já na altura autor de um livro sobre "A guerra da Guiné", de 1967, comandante do comando operacional de Bafatá - no nosso tempo era o COP 2-, mas que, segundo se dizia, não morria de amores por Spínola).

Continuamos a publicar o extenso relatório da Op Lança Afiada em que, durante 11 dias, de 8 a 19 de março de 1969, a região delimitada pela margem direita do Rio Corunal e a linha Xime-Xitole foi palco de uma orgia de fogo e de destruição de todos os meios de vida encontrados pelas nossas tropas: arroz, porcos, vacas, galinhas, escolas, livros, cadernos, hospitais, tabancas, moranças... A Lança Afdiada foi sobretudo a maior "churrascada" que alguma vez se fez na Guiné, durante a guerra colonial: tudo o que era porco, leitão ou galinha foi consumido, in loco, pelos esfomeados tugas que deitaram fora as suas intragáveis rações de combate...

A realização de uma operação desta envergadura era justificada pelo facto de a região ser "considerada uma zona de refúgio e preparação do IN": a profundidade continental da região, a sua espessa arborização (excepto na franja marginal do Rio Corubal), a falta de trilhos e caminhos, a grande distância a que ficam os aquartelamentos mais próximos (Xime, Mansambo e Xitole), eram apontadas pelos especialistas militares como as princiipais razões da existência, permanência e "relativa tranquilidade" da guerrilha do PAIGC na região, praticamente desde o princípio da guerra, em 1963 (**).

E foi com relativa ordem, calma e segurança que o o PAIGC conseguiu, antes da chegada das NT, transferir para a margem esquerda do Rio Corubal as populações (balantas e biafadas) que viviam sob o seu controlo e administração, enquanto as NT lançavam o seu cilindro compressor sobre este, até então, santuário do IN...

No relatório, não se esconde o número e a importância das tabancas que viviam sob a bandeira do PAIGC, fora portanto do controlo da "soberania portuguesa", em pleno coração da Guiné, ao longo da parte superior do Rio Corubal: Ponta Luís Dias, Mangai, Tubacutá, Mina, Cancodea, Satecuta, Fiofioli... Nunca se dão números sobre as populações, mas a leitura do relatório sugere-nos uma ideia da sua grandeza:

(i) "Os Dest A e B aproximaram-se de Tubacutá (área 5). Durante a noite anterior ouviram um motor dum barco fazendo travessias do Rio Corubal na região entre Queroane e Fiofioli. O movimento durara desde as 19h00 do dia 12 e as 4h00 do dia 13";

(ii) "Os Dest C e D continuaram destruindo a enorme tabanca de Ponta Luís Dias, com uma grande escola onde havia muitos livros e cadernos";

(iii)"Por seu lado, o Dest C, às 7h30, destruíra cinco canoas em local com indícios de ter tido grande movimento durante a noite";

(iv) "Os Dest C e D atacaram a enorme tabanca de Mangai, também recém abandonada, tendo começado a destruir as moranças, muitas toneladas de arroz e centenas de animais domésticos (incluindo vacas)";

(v) "Os Dest F e G avançaram sobre Cancodea Balanta enquanto os Dest H e I passaram para Candodea Biafada. Todos capturaram e consumiram (sic) centenas de animais domésticos, começando também a destruir as 2 tabancas (onde havia escolas importantes e grande quantidade de arroz";

(vi) [No Fiofioli] o Hospital antigo surgiu pouco depois com as suas enfermarias separadas para homens e mulheres, quarto dos médicos cubanos, banco, etc.";

(vii) "Batida a mata, desceu-se à tabanca de Fiofioli, recém abandonada, dispondo de bons edifícios e 2 escolas com imensos livros e cadernos"...

Constata-se também a enorme diferença do esforço que era pedido à tropa-macaca, por comparação com as forças especiais (que, estranhamente, não participaram nesta operação)... Por outro lado, os meios aéreos eram escassos e a descoordenação grande...

Os resultados finais acabavam por ficar aquém das expectativas dos responsáveis militares e não justificar o emprego de meios tão vultosos e caros: 

  • 5 guerrilheiros mortos (confirmados), 
  • "17 nativos capturados, na sua maior parte mulheres" (sic), 
  • para além da apreensão de material de guerra (muitos milhares de munições de armas liegrias) e da destruição das tabancas abandonadas...

Só numa viagem de duas horas, o helicóptero gastava tanto (30 contos) como os vencimentos mensais dos quatro alferes de uma companhia... Ora nesta operação, para além dos reabastecimentos periódicos de água (absolutamente vitais), os helicóperos tiveram que fazer 110 evacuações (por ferimentos em combate, mas sobretudo insolações, ataques de abelhas, stresse, doença), para além das viagens de regresso com os recomplementos (oficiais, sargentos e prças que vieram substituir os camaradas evacuados)...

© A. Marques Lopes (2005) >

Cartaz de propaganda, usado pelas NT na Guiné.

Não admira, por isso, que esse tipo de operação de limpeza acabe por ser abandonada pela equipa de estrategas de Spínola. Tinha, além disso, uma grande impacto negativo na população nas "regiões libertadas": afinal de contas, eram elas as grandes vítimas destas "operações de limpeza"... As crianças, as mulheres e os idosos.

Spínola deve ter percebido, no terreno (e ele esteve lá, junto das NT!), que nunca seria pelo terror que iria conquistar os corações dos guinéus e substraí-los à influência da guerrilha... Mias: deve perdido, no Corubal, as ilusões de querer ganhar a guerra em seis meses. A Guiné de 1969 não era a Angola de 1963... Não sabemos se foi ali que ele perdeu as ilusões, ou se já não as tinha, ou já estava a pôr em prática a sua nova estratégia...

Isso talvez explique por é que do outro lado do Rio Corubal, na margem esquerda, não havia forças emboscadas ou prontas a intervir para cortar a retirada do IN, acossado pelos tropas envolvidas na Op Lança Afiada...

O autor do relatório, visivelmente incomodado e até irritado, refere-se várias vezes a este "buraco na rede", consentido (ou até querido) por Bissau... No preâmbulo do relatório pode ler-se:

"O IN sabe que detecta facilmente qualquer tentativa de aproximação das nossas Forças Terrestres. Se a aproximação terrestre é difícil, a actuação das FN [Forças Navais] parece facilitada pela existência do Rio Corubal. E a tal ponto que, em estudo realizado por este Comando, a área da margem direita do Rio Corubal, desde a Ponta do Inglês a Cã Júlio, foi considerado uma área que devia ser batida pelas NT em operação conjunta de meios navais e helitransportados"...

Ora, o que o Coronel Hélio Felgas não conseguiu fazer foi essa grande operação conjunta de forças terrestres, navais e helitransportadas, que bem poderia ser a cereja no bolo da sua carreira militar... Regressadas as NT aos quartéis, no dia 19 de março de 1969, o Rio Corubal lá continuou "interdito", como dantes, à nossa navegação...

Eu, pelo menos, no período em que andámos por aquelas bandas (Julho de 1969/fevereiro de 1971) nunca lá tomámos banho e todas as vezes que nos aproximámos das suas margens fomos corridos a tiro, morteirada e roquetada... E a nossa valente marinha de guerra também nunca lá mais voltou a pôr uma lança de desembarque (grande, pequena ou média...).

Em abril e maio de 1969, a guerrilha mostrava de novo os dentes, no triângulo Xime- Bambadinca - Xitole ), pondo os oficiais superiores do BCAÇ 2852 à beira de um ataque de nervos... Dois meses depois da Op Lança Afiada, era a própria sede do sector L1, Bambadinca, que era atacada em força, durante 40 minutos, pela primeira e única vez durante toda a guerra... Foi, obviamente, uma resposta taco a taco. As consequências também foram mais psicológicas do que militares. Mas não deixaram de ter implicações nas carreiras dos militares do quadro que detinham o comando do BCAÇ 2852, os quais foram todos (ou quase todos) punidos por Spínola e despachados para casa, por incompetência... (Sobre esta "flagelação", o documento sobre a história do BCAÇ 2852 dedica aopenas 3 linhas telegráficas, em contraste com as dezenas de páginas escritas sobre a Op Lança Afiada)...

De qualquer modo, não deixa de ser curiosa, deliciosa mesmo, e até reveladora de alguma familiaridade com a literatura maoista da época (!), a expressão usada pelo autor do relatório, quando conclui, com ar triunfal, depois da conquista do Fiofioli no Dia D + 7 (15 de Março de 1969) o seguinte: "o mito do Fiofioli desaparecera na mentalidade dos nossos soldados. A mata do Fiofioli fora um tigre de papel"!...

Luis Graça

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(**) Vd post de 28 de Abril de 2005 > Guiné 69/71 - VIII: O sector L1 (Xime-Bambadinca-Xitole): Caracterização (1)
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Op Lança Afiada (8 a 19 de Março de 1969) (III parte) (**)


Fonte: Extractos de: Guiné 68-70. Bambadinca: Batalhão de Caçadores nº 2852. Documento policopiado. 30 de Abril de 1970. c. 200 pp. Cap. 61-64. Classificação: Reservado (Agradeço ao Humberto Reis ter-me facultado uma cópia deste valioso documento em formato.pdf).


Dia D + 4 (12 de março de 1969)

Os Dest A e B continuaram batendo a área 6 sem nada encontrarem.

Na área 4, o Dest B foi flagelado às 10h10 tendo sofrido um ferido ligeiro mas feito baixas confirmadas. Combinando a manobra com o Dest C, capturou 3 nativos e queimou diversas tabancas na área. O Dest C foi flagelado às 11h00 tendo 3 feridos ligeiros que não evacuou e fez um morto confirmado ao IN.

Quanto ao Dest E, dera a volta próximo da margem esquerda do Rio Buruntoni, queimara 2 toneladas de arroz numas casas junto ao caminho para Ponta do Inglês, capturara inúmeros animais domésticos e tivera contacto com o IN às 13h00, sofrendo um ferido que fora evacuado. Apreendera material ao IN.

O Dest F, agora reforçado por um Gr Comb do Dest G, devido às numerosas evacuações que tivera que fazer, mantinha-se emboscado a Norte da Foz do Rio Bissari. O resto do Dest G continuava emboscado a Norte do Galo Corubal. E os Dest H e I bateram a área 10, tendo a sua actuação sido prejudicada pela demora dos reabastecimentos e evacuações.

O milícia ferido em 11 de março às 16h30 (gravemente, segundo o parecer do enfermeiro) só foi evacuado em 12, às13h15 embora os comandantes da Operação e do Agrupamento Táctico tivessem sido largados no local cerca das 9h00. Por razões desconhecidas, porém, o piloto não quis evacuar o ferido em nenhum das 2 vezes que lá foi deixar água.

Na margem oposta do Rio Corubal viam-se elementos IN que foram metralhados pelo helicanhão. A tabanca de Inchandanga Balanta ficou a arder.

Durante o incêndio de uma das tabancas entre Galo Corubal e Dando rebentaram inúmeras munições que provavelmente estavam escondidas no colmo dos tectos.

Os ataques das abelhas continuavam a mostrar-se mais perigosos que as flagelações IN pois o pessoal carregador tudo abandonava para fugir aos enxames que, nesta época, são extremamente agressivas.

Cerca das 13h15, num helicóptero insistentemente pedido, os comandantes da Operação e do Agrupamento Táctico foram transportados a Bambadinca juntamente com o milícia ferido, o qual seguiu para Bissau.

A deficiência do apoio aéreo em reabastecimentos, evacuações e recomplementos levou a fazer mensagens e a focar o assunto no RELIM [Relatório de Informações sobre a Actividade Operacional].


Dia D + 5 (13 de março de 1969)

Os Dest A e B aproximaram-se de Tubacutá (área 5). Durante a noite anterior ouviram um motor dum barco fazendo travessias do Rio Corubal na região entre Queroane e Fiofioli. O movimento durara desde as 19h00 do dia 12 e as 4h00 do dia 13.

Os Dest C e D continuaram destruindo a enorme tabanca de Ponta Luís Dias, com uma grande escola onde havia muitos livros e cadernos. Por seu lado, o Dest C, às 7h30, destruíra cinco canoas em local com indícios de ter tido grande movimento durante a noite. Todos estes Dest apanharam e consumiram centenas de animais domésticos. Cerca das 19h30 o Dest E sofreu nova flagelação, tendo nove evacuados no dia seguinte.

Os Dest H e I detectaram e destruíram o acampamento IN de Gã Júlio, enquanto os F e G faziam o mesmo ao de Mina. Ambos estes acampamentos haviam sido recentemente abandonados. Tais como outros, ainda tinham comida quente. Este facto constou do comentário ao RELIM deste dia, no qual pedia o estabelecimento de emboscadas nocturnas na outra margem do Rio Corubal.

Neste dia houve uma reunião em Bambadinca com Sua Excia. o Comandante-Chefe e o Exmo. Comandante da Zona Aérea que disseram ao Comandamte da Operação estar a ser excessivo o esforço pedido à FA [Força Aérea]. Expondo-se como esses meios estavam a ser empregues.

Por outro lado Sua Excia. deu Directivas sobre a recolha do arroz IN. Ficou ainda estabelecido não proceder a quaisquer recompletamentos, excepto de oficiais e sargentos, a fim de aliviar os meios aéreos.


Dia D + 6 (14 de março de 1969)

À 8h50, os Dest A e B detectaram e destruíram o acampamento de Tubacutá, recém abandonado. Fugiu um pequeno grupo IN após uma flagelação às NT.

Os Dest C e D atacaram a enorme tabanca de Mangai, também recém abandonada, tendo começado a destruir as moranças, muitas toneladas de arroz e centenas de animais domésticos (incluindo vacas).

Os Dest E continuou a preocupar-se com o tarrafo da margem do Rio Corubal voltar a encontrar indícios de fuga para a margem oposta. Seguiu para Leste, atravessando à noite a bolanha do Rio Bedana e indo instalar-se na orla oeste da bolanha que limita a mata do Fiofioli, orla em que se emboscou.

Os Dest F e G avançaram sobre Cancodea Balanta enquanto os Dest H e I passaram para Candodea Beafada. Todos capturaram e consumiram centenas de animais domésticos, começando também a destruir as 2 tabancas (onde havia escolas importantes e grande quantidade de arroz).

O Dest H e I capturaram munições e 2 mulheres que informaram ter o IN fugido para a outra margem do Rio Corubal com a maior parte da população. Disseram ainda que o Novo Hospital de Fiofioli fora mudado para a região de Queroane (área 5). O Dest F destruiu 2 canoas, uma delas com cerca de 16 metros de comprimento.

O Dest D foi nesta data dividido pelos C e E, pois ficara reduzido a 69 homens.

Dia D + 7 (15 de março de 1969)

Em face da informação dada pelas 2 mulheres capturadas em Cancodea Beafada, os Dest A, B e C atacaram Queroane à tarde, tendo destruído a tabanca e sido flagelados por um grupo IN que sofreu baixas confirmadas.

Cerca das 2h30, os Dest F, G, H e I iniciaram a sua marcha sobre a mata do Fiofioli. Só havia uma guia mais ou menos seguro, o Brima Dico (*) capturado pelos paraquedistas em Mina em Dezembro de 1968. O outro guia, de Mansambo, apenas conhecia região mas não os trilhos. Decidiu-se por isso seguir com os Dest em bicha, a fim de deixar um ou mais emboscados em bifurcações que aparecessem.

O Dest H, antes do alvorecer, penetrava na mata. Às 16h00 houve uma flagelação ao Dest H, tendo o IN sofrido baixas confirmadas. O Hospital antigo surgiu pouco depois com as suas enfermarias separadas para homens e mulheres, quarto dos médicos cubanos, banco, etc. O guia esclareceu tudo mas o hospital devia ter sido abandonada cerca de 2 meses antes. Todos os novos trilhos que apareciam eram cuidadosamente batidos. Descobriu-se um outro Hospital recentemente abandonado. O primeiro estava em Xime ID5-56 o segundo (encontrado ás 8h00) estava em Xime 1D6-52). Ambos foram queimados e o PCV deu a sua localização.

Batida a mata, desceu-se à tabanca de Fiofioli, recém abandonada, dispondo de bons edifícios e 2 escolas com imensos livros e cadernos. Próximo estava uma pequena arrecadação onde se capturou material de guerra IN. Novamente foram apanhadas centenas de animais domésticos. A destruição da tabanca foi apenas começada pois no dia seguinte seria completada Encontraram-se documentos comprovativos da presença IN na área.

Voltou-se a penetrar na mata para bater a zona Oeste e acabou-se por ir ter à bolanha a Oeste eram cerca das 12h00. Contactou-se o Dest E que às 6h10 fizera fogo sobre elementos IN fugidos da mata de Fiofioli (onde deveriam ter sido os autores da flagelação ao Dest H), tendo-lhes causado baixas.

A mata foi batida durante cerca de 10 horas em todos os sentidos. Previa-se no entanto voltar a batê-la no dia seguinte na direcção Oeste-Leste. Ma o mito do Fiofioli desaparecera na mentalidade dos nossos soldados. A mata do Fiofioli fora um tigre de papel.
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Notas do editor:

(*) Julgo tratar-se de gralha do escriturário-dactilógrafo ou erro de leitura do original, manuscrito. Brima Dico não é nome de guinéu. Deve ser Braima Seco. L.G.

(**) vd. as partes anteriormente publicadas neste blogue:

9 de Novembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCLXXXI: Op Lança Afiada (1969) : (ii) Pior do que o IN, só a sede e as abelhas

15 de Outubro de 2005 > Guiné 63/74 - CCXLIII:Op Lança Afiada (1969): (i) À procura do hospital dos cubanos na mata do Fiofioli

terça-feira, 28 de abril de 2015

Guiné 63/74 - P14535: História do BART 3873 (Bambadinca, 1972/74) (António Duarte): Parte XXIII: dezembro de 1973: flagelação do Xime, com foguetões 122 mm: sete mortos civis



Guiné > Zona leste > Setor L1 (Bambadinca) > Xime > c. 1970 Vista área de parte da tabanca do Xime.

Foto: ©   Humberto Reis (2005). Todos os direitos reservados.




1. Continuação da publicação da História do BART 3873 (que esteve colocado na zona leste, no Setor L1, Bambadinca, 1972/74), a partir de cópia digitalizada da História da Unidade, em formato pdf, gentilmente disponibilizada pelo António Duarte (*)

[António Duarte, ex-fur mil da CART 3493, a Companhia do BART 3873, que esteve em Mansambo, Fá Mandinga, Cobumba e Bissau, 1972-1974; foi transferido para a CCAC 12 (em novembro de 1972, e não como voluntário, como por lapso incialmente indicámos); economista, bancário reformado, formador, com larga experiência em Angola; foto atual à esquerda].

O destaque do mês de dezembro de 1973 (pp. 78/80) vai para:

(i) Flagelação do Xime, em 1 de dezembro, às 22h15,  durante 25 minutos, com utilização de artilharia (armas pesadas e foguetões 122 mm), de que resultou a morte de 7 civis; (há um ano, na mesma data, o PAIGC tinha feito uma violenta emboscada em Ponti Coli) (**);

(ii) Transferência (ou deportação ?), por parte do PAIGC;  de população da Ponta Varela / Poindom para o sul, alegadamente por falta de confiança na sua lealdade, e sua substituição por outra, oriunda do chão nalu (Cantanhez);

(iii) Briga entre mandingas e balantas de Gussará / Fá Balanta leva a intervenção das NT, como "mediadoras" do conflito (que ficou sanado);

(iv) Continuação das colunas de reabastecimento a Mansambo, Xitole e Saltinho;

(iv) Abatido pelas NT (CCAÇ 12 e CCAÇ 21) um elemento da população, intimado a parar e que se pôs em fuga; o objetivo era pô-lo a servir de guia para se chegar à Ponta Luís Dias (Op "Pró Ronco");

(v) Operação a Madina / Belel / Cherel, a norte do Rio Geba, com apoio aéreo e um forte dispositivo de tropas apeadas CART 3493, CCAÇ 3518, CCAÇ 12, CCAÇ 21, GEMIL 309 e 310; capturada uma espingarda semiautomática Simonov; o IN teve 6 baixas;

(vi) Op Tudo Verde, na mítica  área de Mina / Fiofioli:  as NT (CART 3493, CART 3494, CCAÇ 3518, CCAÇ 12 e a CCAÇ 21) destruiram 3 moranças e 4 toneladas de arroz;

(vii) O Com-chefe e governador geral visita Bambadinca, encerrando o 5º curso de milícias;

 (viii) prosseguiu o programa de melhoramentos (Mansambo, Bambadincazinho, Mero), "não obstante a escassez de meios" ao dispor das Forças Armadas, pagou-se o 13º mês e festejou-se a quadra natalícia, tendo havido no dia de natal espetáculo de varieddaes em Bambadinca, em Mansambo e no Xitole.

(ix) A CART 3493 regressou ao setor L1, vindo de Cobumba para Fá Mandinga;











História da Unidade - BART 3873 (Bambadinca, 1972/74) - Cap II, pp. 78/80


2.  Comentário do editor:

Há quem ponha em dúvida a esta versão (oficial) no que diz respeito à flagelação do Xime, em 1/12/1973, de que resultou a destruição total de uma morança e a morte de 7 civis, uma família inteira... Estas mortes já tinham confirmadas há largos anos pelo nosso "menino do Xime", o agora eng silv José Carlos Mussá Biai (***)...

Já ouvi outra versão (, de alguém, um graduado, metropolitano,  pertencente à CCAÇ 12, que na altura era a unidade de quadrícula do Xime): podia ter sido "fogo amigo", neste caso o obus 14 de Gampará, do outro lado do rio Corubal... A distância, em linha, entre Gampará e o Xime devia ser de 13/15 km (no máximo), ou  seja, dentro do alcance do obus 14 ... O Xime só tinha o obus 10,5 cm (que não chegava à Foz do Corubal e à Ponta do Inglês)...

Por outro lado, antigos guerrilheiros do PAIGC com quem falei em março de 2008, no Cantanhez e em Bissau, e que tinham estado, por volta de 1972, na região compreendida pelo triângulo Bambadinca - Xime - Xitole, disseram-me que terá havido, possivelmente no 1º trimestre de  1973, após o assassinato de Amílcar Cabral,  deslocação de forças para reforçar a frente sul... O que também explica a relativa fraca resistência com que as NT, em finais de 1973,  encontravam em áreas de difícil acesso como Mina/Fiofioli... (LG)

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Notas do editor:

(*) Último poste da série > 26 de fevereiro de 2015  > Guiné 63/74 - P14300: História do BART 3873 (Bambadinca, 1972/74) (António Duarte): Parte XXII: novembro de 1973: crescente africanização da guerra de contraguerrilha no setor L1: são a CCAÇ 12 e a CCAÇ 21, constituídas por militares do recrutamento local, quem se arrisca a ir à sempre temida região do Poindom / Ponta do Inglês

(**) Vd. poste de  24 de setembro de 2014 > Guiné 63/74 - P13645: História do BART 3873 (Bambadinca, 1972/74) (António Duarte): Parte XI: dezembro de 1972: (i) talvez a primeira quadra festiva do Natal e Ano Novo passada, no setor L1, sem ataques nem flagelações do IN; (ii) por outro lado, o comandante 'Nino' Vieira vem pessoalmente à frente Bafatá-Xitole para censurar e punir maus tratos infligidos às populações locais pelos seus guerrilheiros

(***)  Vd. poste de 10 de maio de  2005 > Guiné 63/74 - P16: No Xime também havia crianças felizes (2) (Luís Graça)

(...) Acabei de falar com o José Carlos Mussá Biai: nasceu em 1963, no Xime, e era menino no tempo em que por lá passaram a CART 2715 e a CART 3494. Era menino no tempo em que eu estive no Setor L1 da Zona leste, correspondente ao triângulo Xime-Bambadinca-Xitole.

Sei que, até ao fim da guerra, ele, a família e os vizinhos da sua tabanca sofreram muitos ataques. Uma família inteira, perto da sua morança, morreu. A sua infância não foi fácil. A vida também não foi fácil para a população civil, de etnia mandinga, que ficou no Xime.

(...) Em contrapartida, também houve algumas coisas boas. Por exemplo, o furriel miliciano enfermeiro José Carlos José Luís Carvalhido da Ponte, natural de Viana do Castelo, foi alguém especial na sua vida e na vida dos outros meninos do Xime. Foi seu professor primário na única escola que lá havia, o PEM (Posto Escolar Militar) nº 14. O Mussá Biai também teve como professor, depois da CART 3494 ter ido para Mansambo, o furriel Osório, da CCAÇ 12, que dava aulas no Posto Escolar Militar nº 14, juntamente com a esposa. (,,.)

terça-feira, 15 de dezembro de 2009

Guiné 63/74 - P5467: FAP (40): Em defesa da honra da minha dama, na Op Lança Afiada (Jorge Félix)




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Cópia da caderneta de voo do Jorge Félix: Março de 1969 > BA 12 > Grupo Operacional >


Fotos:  © Jorge Félix (2009). Direitos reservados







1. Mensagem do Jorge Félix, ex-Alf Mil Pil, Heli Al III, BA 12, BIssalanca, 1968/70:


Assunto - Fiofioli e FAP


Caro Luis,
 

Lido o P5456, "Esta noite fomos ao Fiofioli" (*), duas notas em abono da tão mal tratada FAP. Não é o excelente texto do António Costa que tem o meu reparo, são as tuas
"Notas de L.G.:

(*) Vd. postes de:

15 de Outubro de 2005 >
Guiné 63/74 - CCXLIII:Op Lança Afiada (1969): (i) À procura do hospital dos cubanos na mata do Fiofioli

9 de Novembro de 2005 >
Guiné 63/74 - CCLXXXI: Op Lança Afiada (1969) : (ii) Pior do que o IN, só a sede e as abelhas

9 de Novembro de 2005 >
Guiné 63/74 - CCLXXXIII: Op Lança Afiada (1969): (iii) O 'tigre de papel' da mata do Fiofioli

14 Novembro 2005 > Guiné 63/74 - CCLXXXIX: Op Lança Afiada (IV): O soldado Spínola na margem direita do Rio Corubal (Luís Graça)"

Voltamos á "Operação Lança Afiada", e pq também pedes: "Seria interessante ouvir, entretanto, o depoimento de camaradas do BCAÇ 2852 que participaram na Op Lança Afiada. ...",  cá estou. novamente
.

Julgo já ter falado nisto, mas como as tuas sugestões não vão parar à minha versão da "Lança Afiada" (**),  aqui vai para que fique associada quando se falar na dita operação.

Há um relatório:



Fonte: Extractos de: Guiné 68-70. Bambadinca: Batalhão de Caçadores nº 2852. Documento policopiado. 30 de Abril de 1970. c. 200 pp. Cap. 58-61. Classificação: Reservado (Agradeço ao Humberto Reis ter-me facultado uma cópia deste valioso documento em formato.pdf), onde sobre a FAP está escrito o seguinte:

8. Apoio aéreo

a.Ligação Ar-Terra

Foi relativamente boa.

b.Resultados da acção aérea

Não houve propriamente acção aérea se por acção aérea se pretende significar: apoio aéreo pelo fogo. Só no dia 12 de Março, o helicanhão actuou na margem oposta do Rio Corubal contra a tabanca de Inchandanga Balanta. E em 14 de Março, a FA [ Força Aérea ] bombardeou a mata de Fiofioli, não tendo as NT notado no dia seguinte quaisquer vestígios deste bombardeamento.

Não se teve conhecimento de outras acções aéreas pelo fogo.

c. Apoio aéreo

Inicialmente o apoio aéreo, no que respeita a reabastecimentos, revelou-se deficiente. O facto de não ter sido cedido o heli ao Comandante da operação, dificultou a acção de comando e influiu nos rendimentos dos meios à disposição, pois previra-se que esse heli colaboraria com o das evacuações e com o dos reabastecimentos.

Além disso, a coordenação levou o seu tempo a rodar, o que é naturalíssimo pois não tem havido muitas operações como esta.

Em terceiro lugar, os meios aéreos não deram inicialmente o rendimento que se esperava, uns por avarias, outros por serem desviados para outras missões e outros por estarem na altura das inspecções e revisões.

A situação quanto ao apoio aéreo era a seguinte em 13 de Março de 1969, às 13H45 (MSG 735/I/BCAÇ 2852):

- 1 DO estava avariado havia 2 dias;
- O outro DO só começou a trabalhar às 10H00;
- O heli trabalhava pouco mais de 1 hora, seguindo para Bissau;
- O outro heli seguira às 08H00 directo de Bafatá para Bissau (parece que podia ter ido ficar a Bissau na véspera);
- O helicanhão saira para Bissau às 10H30, só regressando no dia seguinte às 11H00;
Os helis que haviam seguido para Bissau só foram substituídos cerca das 11H00 ; só depois desta hora, portanto, se regularizou o serviço de reabastecimentos e evacuações.

No dia 13 a actividade dos meios aéreos fornecidos para a operação foi a seguinte:

- A DO levantou de Bafatá para a área 9 [ Mina – Gã Júlio ]às 07H20 com o Comandante do Agrupamento Táctico Sul, o Major Negrão da FA e o Cap Lopes que ia assumir o comando do Dest G e ficou no Xitole; à tarde foi para Bissau;

- Os 2 helis levantarm às 07H30 com o comandante da operação para Bambadinca (serviço normal);

- O helicanhão, saído da zona de operações em 11 de Março, às 10H30, e regressado a 12, às 11H00, fez escolta ao heli de Sexa Comandante-Chefe; não prestou serviço à operação, que se tivesse conhecimento;

- A DO chegou de Bissau, foi a Piche buscar o Coronel Neves Cardoso para uma reunião em Bambadincas onde chegou às 11H00; à tarde voltoiu a levar a Piche o mesmo oficial.

- A DO chegou de Bissau, foi a Piche buscar o Coronel Neves Cardoso para uma reunião em Bambadincas onde chegou às 11H00; à tarde voltoiu a levar a Piche o mesmo oficial.

Em 14 os helis chegaram a Bambadinca às 08H30 e só aqui é que se abasteceram (pelo menos um). Podiam tê-lo feito em Bafatá. No entanto, a situação melhorou por vários motivos. Primeiro, porque se acabou com os recomplementos. Segundo, porque a selecção natural fez baixar o número de evacuações. Terceiro, porque os meios aéreos ficaram mais tempo na zona da operação. Quarto, porque a coordenação ar-terra ganhou experiência e tornou-se por isso mais eficiente.
.....
c) A inicial deficiência do apoio aéreo podia ter acarretado consequências graves se o IN tivesse reagido com maior agressividade." [ o meu filho teria escrito -LOL].




Noutra altura enviei uma foto da minha caderneta de voo, dos dias em que estive envolvido na operação Lança Afiada, hoje vou redigir o que lá está e junto fotos [vd. acima].

Dia 12 de Março de 1969 Hel AlIII nº 9279 DESP- Bs-Buba-Bambadinca 2 ater 1:40 horas
Dia 12/3/09 TGER-TEVS- Bambadinca-ZOPS-Bambadinca. 5 Aterragens 1:40 horas
Dia 12/3/09 TGER-TEVS- Bambadinca-Zops-Bambadinca 2 aterragens 35 minutos.
Dia 12/3/09 TGER-TEVS- Bambadinca-Mansambo-Zops 10 aterragens 1:20 horas
Dia 12/3/09 TGER-TEVS- Bambadinca-Zops-Bambad 2 aterragem 30 minutos
Dia 12/3/09 DESP- Bambadinca- Bafata 1 aterragem 15 minutos

Dia 13/3/69 Hel AlIII nº 9275 DESP Bambadinca -Bissau 1 aterrag 50 minutos
Dia 13/3/69 Hel AlIII nº 9279 DESP Bafata Bambadinca 1 aterrag 15 minutos
Dia 13/3/69 TGER- TEVS-Bambadinca- ZOPS (3x) 10 aterrag 1:45 Horas
Dia 13/3/69 TGER-Bambadinca-Zops- Bambadinca 2 aterrag 30 minutos
Dia 13/3/69 TGER Bambadinca ZOPS-Bambadinca 2 aterragens 25 minutos
Dia 13/3/69 TGER Bambadinca-ZOPS-Bafatá 10 aterragens 1:50 horas

Dia 14/3/69 Hel AlIII 9276 AESC Bafatá-Bambadinca-Zops 4 aterragens 2:10 Horas

Dia 15/3/69 Hel AlIII 9279 TEVS- Bafatá-Bambadinca-BS 3 aterrag 1:25 Hora
Dia 15/3/69 DESP-Bs- Bambadinca 1 aterrag  45 mint
Dia 15/3/69TGER-TEVS Bambadinca-Zops 16 aterragens 2:20 Horas
Dia 15/3/69 TGER-TEVS Bambadinca-Zops 10 aterrag  2:oo horas
Dia 15/3/69 DESP Bambadinca-Bafatá 1 aterrag 15 minutos

Dia 16/3/69 DESP Bambadinca Bafatá Bambadinca 2 aterrag 2:00 Horas
Dia 16/3/69 Av DO27 3470 DESP Bamb-Bafat-Bambadinca 2 aterragens 30 minutos

Dia 18/3/69 AlIII 9276 TMAN BS Zops (2x) BS 5 aterg 45.

(esta operação no dia 18 já não é em Bambadinca, e o voo em DO27 foi talvez de apoio ás Forças terrestes, navegação, orientação pelo ar.)

Entre os dias 12 e 16 de Março voei 23:00 Horas na ZOPS da operação Lança Afiada.

Depois de comparar o registrado na minha caderneta tenho que concluir que o relatorio "Batalhão de Caçadores nº 2852" [Bambadinca, 1968/70], acerca da Operação Lança Afiada, tem muitas inverdade que desta vez não vou destacar. Julgo que basta o testemunho da minha participação para verificar quanto de exagero há na apreciação á prestação das FAP naquela operação.

Quando se falar da Operação Lança Afiada, gostaria que juntasses as informações que te enviei, e estou convencido que não fui o ínico a voar para a Lança Afiada.
A FAP não necessita da minha defesa, mas sinto necessidade de a defender.

(...) Caro Luis,  recebe os Votos de um Bom Natal que são extensivos a todos os "Tertulianos". Jorge Félix

(quando reli o email passei os olhos pela foto junta e lembrei que no dia 7 de Março com base em Catií fui alombar ao Quitafine ond haviam quatro anti-aéreas. No dia 5 passei por Buba e Zops, e para terminar, entre dois whiskies fui no dia 1 a Aldeia Formosa fazer uma TEVS. Hoje vou sonhar com Fiofioli em cor de rosa)


2. Comentário de L.G.:


Como te disse, Jorge, o relatório tem a chancela do então Cor Hélio Felgas, já falecido como Maj Gen Ref. Tem ‘picardias’ em relação à FAP; transcrevi o relatório; agora é altura de acrescentarmos outros depoimentos como o teu… Houve 110 evacuações… Imagino a tua trabalheira… (***)
_______________

Notas de L.G.:

(*) Vd. poste de 13 de Dezembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5456: Memórias de um Capitão (António Costa) (1): Esta noite fomos ao Fiofioli

(**) Vd. poste de 28 de Fevereiro de 2008 >
Guiné 63/74 - P2592: Voando sob os céus de Bambadinca, na Op Lança Afiada, em Março de 1969 (Jorge Félix, ex-Alf Pil Av Al III)


(***) Iniciada em 8 de Março de 1969 com a duração de 11 dias, a Op Lança Afiada foi uma das grandes operações que se realizaram na época , ainda no início do consulado do brigadeiro António Spínola (1968-73), um mês depois da trágica retirada de Madina do Boé, em 6 de Fevereiro de 1969.

A Op Lança Afiada envolveu cerca de 1300 homens, entre militares, milícias e carregadores. Houve cerca de duas dúzias e meia de flagelações das NT por parte dos guerrilheiros, os quais no entanto se furtaram ao contacto directo. As populações sob controlo do IN no triângulço Xime-Bambadinca-Xitole passaram, com alguma segurança, para o lado do rio Corubal. Os fuzileiros não puderam ou quiseram participar nesta operação, que também não envolveu outras tropas especiais (comandos e páras). Foi, pois, uma operação só com tropa macaca, embora a nível de regimento, sendo comandada por um coronel (Hélio Felgas). Quase um terço dos efectivos eram carregadores.

Pensava-se que em Mina, junto ao Rio Corubal, estaria sedeado o Comando do Sector 2, da estrutura político-militar do PAIGC. Pensava-se também que havia um grande hospital, com médicos e enfermeiras... cubanos!

Do ponto de vista militar, a operação foi um bluff... Em contrapartida, houve inúmeras evacuações (n=110) dos nossos combatentes, devido a problemas de desidratação, desnutrição, esgotamento físico e stresse psicológico... É interessante a análise do autor do relatório sobre os sucessos e os insucessos desta megaoperação de...limpeza.

Tratando-se de uma fotocópia de um documento dactilografado e possivelmente policopiado a stencil, com data de 1970, há erros e omissões [no relatório, de que se publicam alguns excertos] que eu procurei colmatar ou corrigir, sempre que possível. Também substituímos algumas abreviaturas para tornar o texto mais legível para os paisanos ou os que não fizeram tropa nem estiveram na Guiné.

A Op Lança Afiada foi talvez uma das maiores e mais dramáticas operações terrestres que se realizou na Guiné, ou pelo menos na Zona Leste, quer pelo número de efectivos envolvidos (cerca de 1300 homens, sendo cerca de 800 militares mais 380 carregados, enquadrados por 100 milícias), quer pelo número elevado de heli-evacuações (mais de 100), devido não tanto a baixas provocadas pelo IN como sobretudo a casos de fadiga extrema, insolação, doença e ataque de abelhas.

Esta operação, em que as NT varreram toda a região da margem direita do Rio Corubal, entre este rio e a linha Xime-Xitole, durante 11 dias (de 8 a 19 de Março de 1969), teve um impacto mais psicológico do que militar, apesar da destruição de importantes meios de vida e infra-estruturas, necessários à guerrilha e às populações sob o seu controlo (animais domésticos, arroz, casas, escolas, hospitais de campanha...).

Esta operação pôs à prova (e revelou os limites de resistência, física e psicológica, de) os militares portugueses, num terreno e num clima duríssimos. Basta citar uma das conclusões do relatório, que temos vindo a publicar:

"A Op Lança Afiada decorreu durante 11 dias. As temperaturas verificadas neste período foram as seguintes: Máxima à sombra – Entre 39 e 43,6 graus centígrados; Máxima ao sol – Entre 70 e 74,5 graus centígrados. Estes números são elucidativos. Por um lado justificam que um homem necessite muita água (entre 8 a 10 litros por dia). Por outro lado aconselham as NT a deslocarem-se e a actuarem ou de noite ou ao amanhecer. Entre as 11 e as 16h, o melhor é parar, se possível à sombra".


O próprio autor do relatório não se coibe de comentar: "(...) processava-se a selecção natural: os mais fracos não resistiam à fadiga, ao calor e à deficientíssima alimentação proporcionada pelas rações de combate tipo normal. Por outro lado a falta de água era um tormento que só quem já sofreu pode avaliar".

As forças que entraram, vitoriosas, em Fiofioli, no dia 15 de Março de 1969, constituíam o Agrupamento táctico sul, baseado no Xime e comandado pelo Ten Cor Jaime Tavares Banazol: Dest F > CART 2339 (Mansambo); Dest G > CCAÇ 2405 (Galomaro); Dest H > CART 2413 (Xitole); Dest I > CCAÇ 2406 (Saltinho).

Recorde-se que a companhia de Galomaro, a CCAÇ 2405, pertecente ao BCAÇ 2852 (Bambadinca, 1968/70),  tinha justamente acabado de sofrer, em 6 de Fevereiro de 1969, a perda de 17 homens, na trágica travessia do Rio Corubal, em Cheche, aquando da retirada das NT em Madina do Boé.

Por sua vez, o Agrupamento táctico norte, baseado no Xitole e comandado pelo Ten Cor Manuel M. Pimentel Bastos, era constituído por: Dest A > CART 2338 ; Dest B > CART 1746 (Xime); Dest C > CART 1743 ; Dest D > CCAÇ 2403 (Fá Mandinga).

O comandante da força era o Coronel Hélio Felgas (já falecido como Maj Gen, conhecido especialista em questões geopolíticas africanas, e na já na altura autor de um livro sobre "A guerra da Guiné", de 1967, comandante do comando operacional de Bafatá - no meu tempo era o COP 2-, mas que, segundo creio, não morria de amores por Spínola).

É extenso o relatório da Op Lança Afiada em que, durante 11 dias, de 8 a 19 de Março de 1969, a região delimitada pela margem direita do Rio Corunal e a linha Xime-Xitole foi palco de uma orgia de fogo e de destruição de todos os meios de vida encontrados pelas nossas tropas: arroz, porcos, vacas, galinhas, escolas, livros, cadernos, hospitais, tabancas, moranças... 

A Lança Afiada foi sobretudo a maior "churrascada" que alguma vez se fez na Guiné, durante a guerra colonial: tudo o que era porco, leitão ou galinha foi consumido, in loco, pelos esfomeados tugas que deitaram fora as suas intragáveis rações de combate...

A realização de uma operação desta envergadura era justificada pelo facto de a região ser "considerada uma zona de refúgio e preparação do IN": a profundidade continental da região, a sua espessa arborização (excepto na franja marginal do Rio Corubal), a falta de trilhos e caminhos, a grande distância a que ficam os aquartelamentos mais próximos (Xime, Mansambo e Xitole), eram apontadas pelos especialistas militares como as principais razões da existência, permanência e "relativa tranquilidade" (sic) da guerrilha do PAIGC na região, praticamente desde o princípio da guerra, em 1963.

E foi com relativa ordem, calma e segurança que o o PAIGC conseguiu, antes da chegada das NT, transferir para a margem esquerda do Rio Corubal as populações (balantas e beafadas) que viviam sob o seu controlo e administração, enquanto as NT lançavam o seu cilindro compressor sobre este, até então, santuário do IN (região libertada, na terminologia do PAIGC)...

No relatório, não se esconde o número e a importância das tabancas que viviam sob a bandeira do PAIGC, fora portanto do controlo da "soberania portuguesa", em pleno coração da Guiné, ao longo da parte superior do Rio Corubal: Ponta Luís Dias, Mangai, Tubacutá, Mina, Cancodea, Satecuta, Fiofioli... Nunca se dão números sobre as populações, mas a leitura do relatório sugere-nos uma ideia da sua grandeza:

(i) "Os Dest A e B aproximaram-se de Tubacutá (área 5). Durante a noite anterior ouviram um motor dum barco fazendo travessias do Rio Corubal na região entre Queroane e Fiofioli. O movimento durara desde as 19H00 do dia 12 e as 4H00 do dia 13";

(ii) "Os Dest C e D continuaram destruindo a enorme tabanca de Ponta Luís Dias, com uma grande escola onde havia muitos livros e cadernos";

(iii)"Por seu lado, o Dest C, às 7H30, destruíra cinco canoas em local com indícios de ter tido grande movimento durante a noite";

(iv) "Os Dest C e D atacaram a enorme tabanca de Mangai, também recém abandonada, tendo começado a destruir as moranças, muitas toneladas de arroz e centenas de animais domésticos (incluindo vacas)";

(v) "Os Dest F e G avançaram sobre Cancodea Balanta enquanto os Dest H e I passaram para Candodea Beafada. Todos capturaram e consumiram (sic) centenas de animais domésticos, começando também a destruir as 2 tabancas (onde havia escolas importantes e grande quantidade de arroz";

(vi) [No Fiofioli] o Hospital antigo surgiu pouco depois com as suas enfermarias separadas para homens e mulheres, quarto dos médicos cubanos, banco, etc.";

(vii) "Batida a mata, desceu-se à tabanca de Fiofioli, recém abandonada, dispondo de bons edifícios e 2 escolas com imensos livros e cadernos"...

Constata-se também a enorme diferença do esforço que era pedido à tropa-macaca, por comparação com as forças especiais (que, estranhamente, não participaram nesta operação)... Por outro lado, os meios aéreos eram escassos e a descoordenação parecia ser  grande...

Os resultados finais acabavam por ficar aquém das expectativas dos responsáveis militares e não justificar o emprego de meios tão vultosos e caros: 5 guerrilheiros mortos (confirmados), "17 nativos capturados, na sua maior parte mulheres" (sic), para além da apreensão de material de guerra (muitos milhares de munições de armas ligeiras) e da destruição das tabancas abandonadas...

Só numa viagem de duas horas, o helicóptero gastava tanto (30 contos) como os vencimentos mensais dos quatro alferes de uma companhia... Ora nesta operação, para além dos reabastecimentos periódicos de água (absolutamente vitais), os helicóperos tiveram que fazer 110 evacuações (por ferimentos em combate, mas sobretudo insolações, ataques de abelhas, stresse, doença), para além das viagens de regresso com os recomplementos (oficiais, sargentos e prças que vieram substituir os camaradas evacuados)...

Não admira, por isso, que esse tipo de operação de limpeza acabe por ser abandonada pela equipa de estrategas de Spínola. Tinha, além disso, uma grande impacto negativo na população nas "regiões libertadas": afinal de contas, eram elas as grandes vítimas destas "operações de limpeza"... As crianças, as mulheres e os idosos, cujo apoio era preciso conquistar... através da acção psico-social e não do terror.

Isso talvez explique por é que do outro lado do Rio Corubal, na margem esquerda, não havia forças emboscadas ou prontas a intervir para cortar a retirada do IN, acossado pelos tropas envolvidas na Op Lança Afiada... O autor do relatório, visivelmente incomodado e até irritado, refere-se várias vezes a este "buraco na rede", consentido (ou até querido) por Bissau... No preâmbulo do relatório pode ler-se:

"O IN sabe que detecta facilmente qualquer tentativa de aproximação das nossas Forças Terrestres. Se a aproximação terrestre é difícil, a actuação das FN [Forças Navais] parece facilitada pela existência do Rio Corubal. E a tal ponto que, em estudo realizado por este Comando, a área da margem direita do Rio Corubal, desde a Ponta do Inglês a Cã Júlio, foi considerado uma área que devia ser batida pelas NT em operação conjunta de meios navais e helitransportados"...

Ora, o que o Coronel Hélio Felgas não conseguiu fazer foi essa grande operação conjunta de forças terrestres, navais e helitransportadas, que bem poderia ser a cereja no bolo da sua carreira militar... Regressadas as NT aos quartéis, no dia 19 de Março de 1969, o Rio Corubal lá continuou "interdito", como dantes, à nossa navegação...

Eu, pelo menos, no período em que andei por aquelas bandas (Julho de 1969/Fevereiro de 1971) nunca lá tomei banho e todas as vezes que nos aproximámos das suas margens fomos corridos a tiro, morteirada e roquetada... E a nossa valente marinha de guerra também nunca lá mais voltou a pôr uma lança de desembarque (grande, pequena ou média...).

Em Abril e Maio de 1969, a guerrilha mostrava de novo os dentes, no triângulo Xime- Bambadinca - Xitole ), pondo os oficiais superiores do BCAÇ 2852 à beira de um ataque de nervos... Dois meses depois da Op Lança Afiada, era a própria sede do sector L1, Bambadinca, que era atacada em força, durante 40 minutos, pela primeira e única vez durante toda a guerra...

Foi, obviamente, uma resposta taco a taco. As consequências também foram mais psicológicas do que militares. Mas não deixaram de ter implicações nas carreiras dos militares do quadro que detinham o comando do BCAÇ 2852, os quais foram todos (ou quase todos) punidos por Spínola e despachados para casa, por alegada incompetência... (Sobre esta "flagelação", o documento sobre a história do BCAÇ 2852 dedica aopenas 3 linhas telegráficas, em contraste com as dezenas de páginas escritas sobre a Op Lança Afiada)...

De qualquer modo, não deixa de ser curiosa, deliciosa mesmo, e até reveladora de alguma familiaridade com a literatura maoísta da época (!), a expressão usada pelo autor do relatório, quando conclui, com ar triunfal, depois da conquista do Fiofioli no Dia D + 7 (15 de Março de 1969) o seguinte: "o mito do Fiofioli desaparecera na mentalidade dos nossos soldados. A mata do Fiofioli fora um tigre de papel"!...

A operação, comandada pelo coronel Hélio Felgas (o patrão do Agrupamento 2947, mais tarde comando operacional de Bafatá, COP 7, se não me engano), coadjuvado por dois tenentes-coronéis, Jaime Banazol (liderando o Agrupamento Táctico Sul, com mais de 500 homens que partiram do Xitole e de Mansambo) e Manuel Pinto Bastos (comandante do BCAÇ 2852, Bambadinca, 1968/70), que encabeçava o Agrupamento Tático Norte (com cerca de 750 homens, que partiram do Xime). Ao todo 1300, entre soldados metropolitanos, milícias e carregadores...

Foi uma das últimas grandes "operações de limpeza", realizadas no primeiro ano de Spínola, enquanto Governador Geral e Comandante-Chefe (que fez questão de estar presente, junto das NT, no Dia D + 9, ou seja, 17 de Março de 1969, partilhando inclusive o transporte naval que levou os nossos esgotadíssimos camaradas da Ponta Luís Dias à Ponta do Inglês, no regresso ao Xime.

Apesar dos elevados meios humanos e materiais envolvidos, a correlação de forças não se modificou e, depois de um rápido processo e reorganização, a guerrilha voltava a obrigar as NT a acantonarem-se nos seus aquartelamentos onde flutuava a bandeira verde-rubra (Bambadinca, Xime, Mansambo e Xitole) e destacamentos dispersos. A população civil, sob a administração do PAIGC, terá sido a grande vítima desta megalómana e descoordenada operação.

Os soldados portugueses serviram, por sua vez, de cobaia num teste de resistência, a que o autor do relatório, sem despudor, chama processo de "selecção natural" (sic)... Num total de 700 e tal homens metropolitanos (o resto eram milícias e carregadores, habituados às duras condições do terreno), conclui-se que um sétimo fora mal seleccionado para o TO da Guiné, já que no decorrer da operação teve de ser evacuado, de helicóptero, por "insolação, ataque de abelhas e doença" (sic).

É o próprio relatório a reconhecer que, nesta época (tempo seco), as temperaturas andarvam entre os 39 e os 44 graus, à sombra, e entre os 55 e os 70º ao sol, e que nesas condições, (i) a guerra tinha que parar das 10 da manhã às 16h da tarde, precisando um soldado metropolitano de 8 a 10 litros de água (!)...

Nesta operação em que os guerrilheiros e a população por eles controlada passaram simplesmente para o outro lado do Rio Corubal (com os cães, os porcos, as galinhas...) (não havia páras, comandos nem fuzos do outro lado...), o verdadeiro inimigo das NT foi, de facto, a desidratação, além dos problemas alimentares: o tipo de rações que deram aos nossos soldados (a ração dita normal) era tão má que provocava uma sede horrível: ao segundo dia, já não se comia; ao terceiro, começava a haver problemas...

Tratou-se de uma operação onde se foi a lugares míticos, como a mata do Fiofioli, junto ao Corubal, mas ninguém encontrou médicos e enfermeiras cubanas... Hospitais de campanha, sim, mas já abandonados, uns meses antes. Destruiram-se muitas toneladas de arroz, mataram-se milhares de animais, queimou-se tudo o que era tabanca e culturas... Em contrapartida, houve 24 flagelações do IN, mas os guerrilheiros seguiram as regras da guerrilha: retirar quando o inimigo, ataca: atacar, quando o inimigo retira... O autor do relatório, irritado, queria que os tipos do PAIGC se apresentasse de peito feito às balas e dessem luta...

O mais caricato e divertido desta operação é que o pessoal deitou fora as rações de combate e desatou a comer leitão assado no espeto!

Este é um cínico relato da dura condição da guerra da Guiné, vista pelo lado dos tugas. Por outro lado, há críticas veladas, do autor do relatório, ao Comandante-Chefe, ao Quartel General e à Força Aérea (que se teria comportado como uma verdadadeira prima dona, segundo Hélio Felgas, que não esconde a sua irritação e frustração...).

Há coisas, pouco abonatórias paras as NT, que se passaram neste operação e que eu deixo à atenção e consideração dos tertulianos e demais visitantes deste blogue. Cada um de vós que faça a sua leitura desapaixonada... Aqueles de nós, que foram operacionais, rever-se-ão mais facilmente no cenário que foi o da Op Lança Afiada... Sobre o desempenho dos actores, já não vale a pena assestar as baterias da crítica... Felizmente que a guerra acabou! War is over, baby!

Para uma correcta localização das povoações ao longo da margem direita do Rio Courbnal, consulte-se o mapa, dos Serviços Cartográficos do Exército, relativo ao Xime, disponibilizado, mais uma vez, pelo nosso amigo e camarada Humberto Reis, ex-furriel miliciano da CCAÇ 12 (Bambadinca, 1969/71). O mapa do Xime deve ser complementado por outros como Fulacunda, Xitole e Bambadinca, também disponíveis on line.

Deixem-me só lembrar que, dois meses depois desta operação, o PAIGC retribuiu a visita das NT e apareceu às portas de Bambadinca em força: mais de 100 homens, três canhões sem recuo, montes de LGFoguetes, morteiros... Esse ataque ficou célebre: a malta de Bambadinca foram apanhados com as calças na mão, faziam quartos de sentinela sem armas; enfim, um regabofe... Claro que no dia seguinte o Caco Baldé deu porrada de bota a baixo, nos oficiais todos, do tenente-coronel (o célebre Pimbas) até ao capitão da CCS...

Um caso exemplar, divertido e hilariante, da guerra da Guiné... A sorte dos nossos camaradas de Bambadinca foi os canhões s/r terem-se enterrado no solo e a canhoada cair na bolanha... Quando nós, periquitos da CCAÇ 2590 (futura CCAÇ 12), lá passámos, uma semana depois, vindos de Bissau e do Xime a caminho da nossa estância de férias (Contuboel, um mês e meio de paraíso... seguido depois de 18 meses de inferno...quando fomos justamente colocados no Sector L1), os nossos camaradas da CCS do BCAÇ 2852 ainda estavam sem pinga de sangue...
- Podíamos ter morrido todos - dizia-me 1º cabo cripto Agnelo Ferreira, da minha terra, Lourinhã...

Fomos depois nós, para lá, com os nossos nharros  [fulas], e em 18 meses nem um tirinho (em Bambadinca): que o respeitinho (mútuo) era muito bonito... Porrada, porrada, era só quando a gente se atrevia a meter o bedelho na terra deles, que já estava "libertada"... Eu faria o mesmo, na minha terra...

Na história do BCAÇ 2852, o ataque a Bambadinca é dado em três linhas, em estilo telegráfico: "Em 28 [de Maio de 1969], às 00H25, um Gr In de mais de 100 elementos flagelou com 3 Can s/r, Mort 82, LGF, ML, MP e PM, durante cerca de 40 minutos, o aquartelamento de Bambadinca, causando 2 feridos ligeiros".