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quinta-feira, 17 de maio de 2018

Guiné 61/74 - P18644: Historiografia da presença portuguesa em África (116): Otto Schacht, um comerciante alemão, que deu dores de cabeça às autoridades da colónia e à diplomacia portuguesa... e que terá sido avô de um outro Otto Schacht, futuro dirigente do PAIGC, assassinado em 14 de novembro de 1980, data do golpe de Estado de 'Nino' Vieira (Armando Tavares da Silva)



Otto Schacht,  membro da Comissão de Segurança e Controlo e do Serviço de Logística do PAIGC. c. 1963/73. Assassinado em 14 de novembro de 1980. Foto. Fundação Mário Soares > Casa Comum > Arquivo Amílcar Cabral (com a devida vénia...).

Citação:
(1963-1973), "Otto Schacht", CasaComum.org, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_43793 (2018-5-17)



1. Texto enviado pelo nosso amigo e grã-tabanqueiro  Armando Tavares da Silva, com a data de ontem, e a seguinte mensagem

Caro Luís,

Passada a grande azáfama e momento alto da “Grande Reunião” de 5 de Maio, deve haver agora tempo para a publicação do texto que anexo.

De facto, entre as inúmeras personagens que ilustram o blogue, notei o nome de Otto Schacht, o mesmo nome de um comerciante alemão cujo comportamento, entre os finais do Século XIX e primeiras décadas do Século XX, muitos problemas causou às autoridades portuguesas na Guiné. 

Este novo Otto Schacht, personagem importante do PAIGC, é, muito provavelmente, filho do anterior, e por isso é interessante ilustrar com alguns episódios o que foi a passagem daquele na Guiné no período de tempo referido e que poderá, eventualmente, permitir estabelecer alguma comparação entre ambos.

Abraço

Armando Tavares da Silva


Capa do livro de Armando Tavares da Silva, “A Presença Portuguesa na Guiné, História Política e Militar (1878-1926)” (Porto: Caminhos Romanos, 2016, 972 pp.)

2. Otto Schacht

por Armando Tavares da Silva

Entre as personagens que têm vindo mencionadas nos vários Posts há uma que me prendeu a atenção. Trata-se de Otto Schacht, cuja última referência é a do Post P18439 de Jorge Araújo, relativo ao ataque a Bolama em 3 de Novembro de 1969.  (*)

Ora , na obra “A Presença Portuguesa na Guiné, História Política e Militar (1878-1926)”,  há um grande número de citações de um certo comerciante alemão com o nome de Otto Schacht.

A sua presença na Guiné ao longo de várias décadas constitui um exemplo da pressão que os comerciantes estrangeiros, de entre os quais se salientavam os franceses e alemães, exerciam sobre a administração da província. Os sucessivos governadores tinham de, constantemente, acorrer a resolver situações que aqueles provocavam, de que resultavam reclamações as quais, muitas vezes de má fé e distorcendo os factos, eram apresentadas pela via diplomática ao governo de Lisboa, causando-lhe acrescidos problemas, e que este procurava evitar.

Otto Schacht era um daqueles habitantes da praça de Bissau que o governador Gonçalves dos Santos considerava que colaborava no “vil procedimento” que consistia no desrespeito e desacatos à autoridade que “o gentio branco e mulato (filhos da ilha do Fogo)” praticava “mancomunados com os gentios e grumetes”.

De facto, durante os graves acontecimentos que ocorreram em Bissau, em Fevereiro e Março de 1891, o comerciante Otto Schacht, representante da casa alemã Bernardo Soller, fizera balas em sua casa para as fornecer aos grumetes e gentio.

Acontece, porém, que depois deste tipo de actuação Otto Schacht virá a encontrar razões para se queixar junto do governo. Sucedera que estes acontecimentos tinham levado à paralisia do comércio, ficando as casas estrangeiras em risco de perder as importâncias dos créditos que os grumetes e gentios de Bissau lhes deviam, e Otto Schacht apresenta protestos por este facto. O governador irá alegar que tais créditos não estavam garantidos pelo governo da província, visto que fora das muralhas da praça, território onde a acção do governo era nula, não havia estabelecimentos comerciais.

A reclamação de Otto Schacht vem a ter desenvolvimentos a nível diplomático, chegando a ser referida verbalmente pelo ministro da Alemanha em Lisboa, manifestando o desejo de que ela fosse atendida, e obrigando a que o ministro Ayres d’Ornellas refutasse responsabilidade pelos prejuízos que, por motivo de força maior, pudessem sofrer residentes estrangeiros em tempo de guerra.

Foram muitos outros os problemas ocasionados por Otto Schacht. Entre estes conta-se o facto de os manjacos da ilha de Pecixe terem obstado a que se procedesse à descarga de umas mercadorias do comerciante Otto Schacht, o que levou a uma intervenção directa do governo. A recusa prendia-se com problemas de dívidas entre Schacht e um manjaco. 

No fundo, parecia que a verdadeira razão se relacionava com uma história dos amores entre a filha do régulo e um antigo empregado de Schacht. Era mais um episódio resultante de ser vulgar os pretos e mulatos de Cabo-Verde, quando estavam em territórios dos gentios, em lugar de tratarem dos negócios dos seus patrões ou fornecedores, se meterem com as mulheres, ou de os aconselharem a não cumprir as ordens do governo. Isto era origem muitas vezes de guerras ocasionando perda de vidas e dinheiro.

Mais tarde, em finais de 1908, é uma lancha ao serviço de Otto Schacht que é assaltada e apresada por balantas. Desta vez Otto Schacht não pede qualquer indemnização, mas faz intervir na questão o governo alemão, o que vem a ocasionar extensas trocas diplomáticas e a realização de inquéritos locais para averiguar até que ponto eram aceitáveis e justas as reclamações alemãs. 

Numa dessas trocas o ministro alemão é informado que Otto Schacht já fora condenado pela justiça da colónia por tentativa de suborno. Registemos que, numa outra nota, o ministro da Alemanha vai ao ponto de escrever que por “ordem do governo Imperial, o governo de S. M. Fidelíssima atire a atenção sobre a necessidade de estabelecer na Guiné uma autoridade estável e apta a garantir a liberdade do comércio em conformidade à obrigação tomada pelos Estados signatários do Acto Geral de Berlim de 1885”.

Porém, daqueles inquéritos vem a apurar-se que o comércio que Otto Schacht realizava no território dos balantas não tinha sido autorizado pelo governo, visto aí a guerra ser declarada: os próprios grumetes que negociavam no chão balanta faziam-no sem licença, e o fornecimento dos géneros que Otto Schacht lhes facultava para negócio era feito clandestinamente. 

Este assunto só acaba por ser completamente esclarecido junto da Legação da Alemanha em 1910, depois de sobre ele o governador fornecer todos os esclarecimentos complementares que mostravam quanto era infundada a reclamação de Otto Schacht.

Acrescentemos que Otto Schacht já tinha dirigido nesse ano uma queixa ao governo alemão, declarando ter sofrido prejuízos nas feitorias, alegadamente por não ter recebido aviso para retirar de uma região onde se desenrolavam operações militares (margem esquerda do rio de Geba). Vem a verificar-se que a reclamação era infundada por a região em guerra estar desocupada e Otto Schacht não ter licença para ali negociar.

O ano de 1908 foi fértil em reclamações de Otto Schacht. Em Abril este faz nova queixa ao governo alemão reclamando contra a construção de uma linha e estação, vindo a constatar-se a má-fé com que esta reclamação fora feita, visto que a propriedade agrícola em causa tinha sido comprada em hasta pública quando estava em construção a estação telegráfica.

Também em 1910 Otto Schacht é preso sob inculpação do uso de medidas falsas no negócio de azeites. Mais uma vez irá procurar desencadear conflitos diplomáticos, queixando-se ao governo alemão daquele facto. Ora as medidas que Otto Schacht usava eram medidas falsas e ilegais, não pertencendo a qualquer sistema (incluindo o “decimal”) e nas quais tinha feito uns cortes ou marcações que lhe permitiam enganar os compradores.

É interessante mencionar que Otto Schacht virá a pedir a naturalidade portuguesa em 1930. Apreciado em Lisboa este pedido, mas faltando vários documentos que a lei exigia, entre eles o certificado do registo criminal passado na colónia (apenas apresentara o certificado do registo criminal passado pela repartição de polícia de Lubeck) é a documentação devolvida à Guiné. Ao ter conhecimento deste resultado Otto Schacht informa que decide ir a Lisboa para tratar pessoalmente de legalizar o processo perante o ministério das Colónias. Mas nenhum outro documento é anexo ao seu pedido.

Terá Otto Schacht adquirido a nacionalidade portuguesa como pretendia? Seria essa a nacionalidade do seguramente seu descendente, também Otto Schacht de nome, que foi responsável pela segurança do PAIGC (que até teria estado no local onde Cabral foi assassinado) e que viria a pertencer ao “Comité Executivo da Luta”, e em 1973 ao “Conselho de Estado” da auto-proclamada República da Guiné-Bissau, e assassinado em 1980 (Post acima referido)? (***)

3. Nota do editor:

O Otto Schacht, dirigente do PAIGC, assassinado em 14 de novembro de 1980, tal como Buscardini, os dois responsáveis máximos da segurança do Estado (**), devia ser neto deste comerciante alemão, homónimo. Devia ser mais velho que o cantor José Carlos Schwarz (1949-1977), também ele neto de um comerciante alemão.

Uma das raras fotos existentes no Arquivo de Amílcar Cabral, é a que publicamos acima, com a devida vénia...Era então membro da Comissão de Segurança e Controlo e do Serviço de Logística do PAIGC. Um homem poderoso... tal como Buscardini, assassinado no mesmo dia 14 de novembro de 1980, o do golpe de Estado de 'Nino' Vieira (ou associado ao seu nome).

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Notas do editor:

(*) Vd. postes de :


(***) Último poste da série > 16 de maio de 2018 > Guiné 61/74 - P18641: Historiografia da presença portuguesa em África (114): Uma reunião invulgar: a Conferência dos Administradores, Bissau, 1941 (1) (Mário Beja Santos)

sexta-feira, 26 de junho de 2015

Guiné 63/74 - P14798: Notas de leitura (731): “Memórias e Discursos” de Luís Cabral, uma edição da Fundação Amílcar Cabral com apoio da Fundação Calouste Gulbenkian, 2014 (2) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 11 de Junho de 2015:

Queridos amigos,
Continua a haver uma grande expetativa sobre documentos inéditos que ajudem a iluminar certos protagonismos e a condução da luta armada, bem como a vida do que se convencionou chamar a I República, conduzida por Luís Cabral. A publicação recente destas "memórias" não deixaram de constituir um acontecimento, mas sente-se uma grande deceção, era esperável que ao longo do seu exílio em Portugal Luís Cabral deixasse uma obra mais acabada. Iremos agora ver os episódios à volta da independência, em 1974, reler os seus discursos e por fim tomar nota de uma inacreditável entrevista conduzida pela organizadora desta obra, Ângela Benoliel Coutinho.

Um abraço do
Mário


O regresso das memórias de Luís Cabral (2)

Beja Santos

É inquestionável a importância do que escreve Luís Cabral em “Memórias e Discursos”, edição da Fundação Amílcar Cabral, 2014. O antigo presidente do Conselho de Estado da Guiné-Bissau deixou textos inéditos ora publicados que nos devem merecer a melhor atenção. Vamos ao essencial. Regista as suas lembranças na infância, na Ilha de Santiago. Em curtos, e por vezes em sincopados apontamentos, derrama notas sobre o início da luta armada, é impressivo em pormenores como a viagem acidentada de Gilles Caron, um fotógrafo e cineasta que vinha fazer um filme-documentário sobre a luta do PAIGC e do qual nunca houve mais notícias, embora Luís Cabral anote que ele fez fotografias maravilhosas. Vê-se que eram notas que um dia iriam ser trabalhadas.

São memórias que exigem leitura atenta porque o que ficou são por vezes águas-fortes, um incisivo mas agudo olhar, uma impressão íntima. Como aquele Joãozinho que tinha vindo da Guiné-Bissau para o assassinar, em Ziguinchor, e que se entregou, faltara-lhe coragem para o homicídio. Tal como fez em “Crónica da libertação” exalta Amílcar Cabral e o seu génio político, como foi ascendendo no tablado internacional, atraindo ao território da guerrilha intelectuais, artistas, jornalistas, até que, em 1972 chega uma missão especial do Comité de Descolonização da ONU, em resultado da qual se abriram as portas que levaram ao reconhecimento internacional da República da Guiné-Bissau. Assim se caminha para a interpretação que ele faz dos motivos do assassinato de Cabral. A Direção estava centrada noutras preocupações e não se apercebeu que, como ele classifica, a traição estava a ser preparada por cadastrados e agentes do colonialismo, naquele ano de 1972, o importante naquele tempo era a preparação das eleições e contrariar a presença das forças portuguesas que se tinham instalado em novos quartéis em pontos estratégicos, nas áreas de produção de arroz, como Mato Farroba e Chugué, o que obrigou militantes da segurança a serem enviados para a Frente Sul. Em Conacri, pululavam pessoas como Inocêncio Kani que vendiam bens do Partido, e comenta:
“Embora estas ações fraudulentas não tivessem ainda chegado ao conhecimento da Direção, sentia-se que o ambiente não era o mesmo. Acentuava-se cada vez mais o fosso entre, de um lado, os dirigentes, responsáveis e militantes íntegros, conscientes dos seus deveres, e que se sentiam ligados aos rigores da luta, e do outro, os que queriam aproveitar-se dos bens destinados a cobrir as necessidades da luta, para gozo pessoal”.
Quem lê esta descrição poderá subentender que o se irá passar à volta do assassínio do líder do PAIGC era uma questão moral, entre íntegros e predadores.

Luís Cabral

Um pouco à semelhança do que escreveu em “Crónica da libertação”, narra o seu sofrimento quando se inteira da extensão e da envergadura da conspiração, fala de um grupo de antigos responsáveis, alguns deles com altas funções no passado, desprestigiados, que se associaram com agentes enviados de Bissau e que tinham como objetivo final aliar-se ao “programa de paz” do governo colonial. Segue-se a reação, o PAIGC agiganta-se, recebe os mísseis Strella. Entretanto, os criminosos encontravam-se em poder das autoridades guineenses, que conduziram os interrogatórios:  “Sempre esperámos que nos fossem dadas cópias desses interrogatórios, o que infelizmente não aconteceu. Também pensámos que nos seria possível fazer o nosso próprio interrogatório aos criminosos em Conacri, num ambiente de segurança e tranquilidade, não seria possível conseguir na fronteira. Nada disso foi possível, e as autoridades decidiram que os criminosos seriam postos em vários pontos da fronteira”.

Fidélis Cabral d’Almada, responsável da justiça do PAIGC, ainda organizou o interrogatório de quem foi entregue no Leste. Luís Cabral escreve que Aristides Barbosa confessou que estavam ainda na prisão da PIDE em Bissau quando foram mobilizados para esta criminosa missão. Estamos a falar do mesmo Fidélis Cabral d’Almada que pediu perdão no IV Congresso do PAIGC pela natureza bárbara dos interrogatórios praticados, era impossível não confessar tudo com tantas e tais atrocidades. E regista, sem apelo nem agravo, uma acusação maior:
“Osvaldo Vieira, membro do Conselho de Guerra, não teve a possibilidade de apresentar uma defesa aceitável contra acusações que pesavam sobre ele. As dúvidas prevaleceram. O Congresso decidiu, por isso, dar mais tempo à Segurança para aprofundar o inquérito, ficando Osvaldo com residência fixa em Koundara. O principal ponto de acusação contra este dirigente baseava-se num bilhete que lhe dirigiu um dos criminosos, no momento em que eram conduzidos para a frente Leste, dizendo-lhe textualmente ‘tudo está arrumado, seguimos para a fronteira e ficamos lá à tua espera’. O Osvaldo estava nesse momento em Koundara, a carta foi confiada por um dos criminosos, João Tomás Cabral, ao comandante do quartel guineense nessa localidade, que a fez chegar às mãos do responsável da nossa Segurança, Otto Schacht”.

Enumera as decisões do II Congresso, depois refere a chegada de Rafael Barbosa a Morés, queria seguir para Conacri, ficou detido, impunha-se apurar as ligações que o antigo presidente do Comité Central do PAIGC estabelecera com os assassinos de Amílcar Cabral. Relata a primeira reunião da Assembleia Nacional Popular e a proclamação do Estado independente, em 24 de Setembro de 1973. É em Madina do Boé, nesse dia que Luís Cabral, na qualidade de presidente Estado profere um discurso em que a propósito dos direitos dos cidadãos livres do novo Estado soberano escreveu o seguinte:
“Nenhuma pessoa honesta na nossa terra deve ter medo de dizer o que pensa, e pode dizê-lo a todos os responsáveis dos órgãos do nosso Estado, seja qual for o nível dessa responsabilidade. Não podem existir razões que justifiquem a criação de grupos de descontentes no seio da nossa sociedade, salvo quando se trate de elementos maus, de criminosos e agentes do inimigo, do nosso povo e da África, para a neutralização dos quais o nosso Estado tem de ser capaz de tomar todas as medidas que se impõem para a segurança do nosso povo e da sua revolução. Para mais eficazmente isolar esses maus elementos que tentarão sempre destruir as nossas vitórias com o cancro da corrupção e da traição, devemos mobilizar todos os meios e todas as forças patrióticas e honestas da nossa terra. Vivemos uma dura experiência com o cobarde assassinato de Amílcar Cabral. Esta dura experiência está bem presente no espírito de todos os combatentes da nossa luta e deve servir de exemplo para a organização da vigilância necessária à defesa e segurança do nosso Estado”.

Importa aqui dizer que as figuras proeminentes da segurança, Otto Schacht e Buscardini, foram liquidados no golpe de 14 de Novembro de 1980.

(Continua)
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Nota do editor

Último poste da série de 22 de junho de 2015 > Guiné 63/74 - P14782: Notas de leitura (730): “Memórias e Discursos” de Luís Cabral, uma edição da Fundação Amílcar Cabral com apoio da Fundação Calouste Gulbenkian, 2014 (1) (Mário Beja Santos)

quarta-feira, 6 de junho de 2018

Guiné 61/74 - P18716: Historiografia da presença portuguesa em África (117): Uma reunião invulgar: a Conferência dos Administradores, Bissau, 1941 (2) (Mário Beja Santos)



1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 31 de Janeiro de 2018::

Queridos amigos,
Tenho razões fundadas para considerar esta obra como de grande relevo para a compreensão da mentalidade colonial do início da década de 1940.
Desconheço inteiramente qualquer tipo de iniciativa governamental como esta, uma conferência bem organizada, foram enviados despachos para os administradores e altos funcionários e corrigiram-se elementos relevantes nas memórias produzidas. Poderá questionar-se por que razão o Capitão Vaz Monteiro não abordou obras públicas e comunicações. A resposta parece ser simples, se pensarmos que estamos no auge da guerra, não há dinheiro, pode mesmo tomar-se esta iniciativa como o fazer das tripas coração e aproveitar a boleia da austeridade como um novo vetor de importantes mudanças, que o governador reconhecia como urgentíssimas, desde a economia agrícola, à dinâmica exportadora e ao uso da língua portuguesa.
Uma grande surpresa, esta conferência para administradores, em 1941.

Um abraço do
Mário


Uma reunião invulgar: a Conferência dos Administradores, Bissau, 1941 (2)

Beja Santos

Não posso deixar de confessar a grande surpresa que foi a leitura deste documento que, tanto quanto me parece, tem passado despercebido aos estudiosos da Guiné. O Capitão de Artilharia Ricardo Vaz Monteiro foi Governador da Guiné entre 1941 e 1945. Não conheço nenhuma iniciativa precedente deste jaez. No final de 1941, mais propriamente entre os dias 3 e 8, o Governador que enviara um conjunto de despachos aos administradores de circunscrição e responsáveis pelos serviços públicos da colónia, na presença do Ministro das Colónias, Francisco Vieira Machado, abriu uma conferência que, no seu dizer, tinha de ser franca, seria permitido a cada um dos participantes dar parecer sobre a matéria dos despachos. É uma edição bem estranha, não se sabe quem é o responsável pela edição, onde e como foi publicada, tem uma capa singela intitulada Conferência dos Administradores, Atas das Sessões Realizadas em 1941, sob a Presidência do Governador da Colónia, Capitão Ricardo Vaz Monteiro, seguidas de Despachos e Memórias.

Impressiona a preparação do governador, a exaustão dos temas e a competência que mostra no final de cada um dos debates, foi esta a matéria do texto anterior cuja leitura se recomenda para que a leitura deste ganhe mais transparência.

Em Novembro desse ano, o governador enviara a todos os participantes um rol de despachos, abarcando matérias tão diversas como: sementes e culturas; licenças para o exercício do comércio fora das povoações comerciais; utilização dos serviços dos ajudantes de pecuária, fiscais do Conselho Técnico de Agricultura e guardas florestais; melhoramento das condições de exploração agrícola indígena; cultura do milho; exportação do gado bovino; produção de couros; apicultura; concessões de terrenos; língua portuguesa e religião dos portugueses; pomares, palmares, hortas e viveiros; aumento das manadas e melhoramento das espécies; política indígena dos chefados e regulados; projetos dos orçamentos privativos dos concelhos e das circunscrições civis.

Cada um dos despachos inclui reflexões. Só alguns exemplos.
No despacho n.º 1, sugeria-se a escolha em cada região dos campos de mancarra com melhor aspeto. Depois de escolhida e convenientemente seca esta mancarra, ela devia ser conservada nos celeiros comunais. E o governador avançava com desafios: “Os administradores devem propor as medidas que julgarem convenientes para se aumentar a produção da mancarra, quer por compra de semente, quer por exigência indígena de maiores quantidades para os celeiros. Os administradores devem dar parecer sobre a conveniência de se manterem os atuais celeiros individuais, de povoação, dos postos e das sedes de circunscrição”.
No despacho n.º 2, entre outras reflexões, havia esta: “Não se tem cumprido a exigência do aproveitamento do terreno das concessões e das propriedades. Este facto muito tem contribuído para que o melhoramento das condições económicas da Colónia venha sendo prejudicado desde há longos anos”.
No despacho n.º 13, referente à política indígena, punham-se questões muito concretas: “Qual a maneira de evitar que o regime de chefados e dos regulados não provoque a agitação constante que se nota entre os pretendentes e os seus partidários?” e pediam-se comentários à seguinte consideração: “Tanto no caso de haver sucessão pacífica de conformidade com o direito consuetudinário como nos casos em que resulte interregno ou haja litígio, a experiência aconselha que a nomeação destas autoridades gentílicas seja feita pelos chefes dos postos, pelos administradores, pela Repartição Central dos Serviços da Administração Civil ou pelos governadores”.

Se há já surpresa na natureza desta iniciativa, ao que se crê sem precedentes, se se perceciona o alto calibre dos despachos, lê-se também com grande surpresa os elementos carregados pelas memórias trazidas pelos administradores e altos funcionários dos Serviços da Administração. Matéria de maior interesse, escolhemos hoje um conjunto de elementos fornecidos por alguns administradores, deixando os restantes para um terceiro e último texto.

O administrador do concelho de Bissau, a propósito do exercício do comércio fora das povoações comerciais apresentou a seguinte proposta: fiscalizar a ação dos senhores feudais, dizendo explicitamente que “na área de Bissau existe uma propriedade medindo cerca de 546 hectares onde a fiscalização das autoridades não pode ser exercida devido à oposição do proprietário. Neste vasto feudo, o seu detentor chega ao ponto de protestar pelos impostos que incidem sobre os seus (!) indígenas”. E foi opinativo sobre o crioulo: “O crioulo da Guiné, que difere do crioulo de Cabo Verde, é constituído por vocábulos diversos do português arcaico, inglês, francês, espanhol, línguas étnicas, dos povos que têm exercido influência na colonização da Guiné. Em nossa opinião, só uma ação persistente das autoridades e a criação de escolas móveis conduzirão o indígena, no fim de um certo número de anos, a familiarizar-se com a língua portuguesa”.

O administrador do concelho de Bafata observou que: “80% dos indígenas não sabem para que queremos nós a mancarra que lhe compramos e os restantes dirão que é para a comermos. Evidentemente que não se apercebe da conveniência em a apresentar livre de impurezas e com melhor aspeto. O que sabe é que isso representa para ele, um acréscimo de trabalho e uma diminuição de proventos. Se o comerciante lhe apresenta à venda em más condições, este habituar-se-ia a apresentá-los limpos, por fim convencido de que com má apresentação os não conseguimos vender em parte nenhuma, mas uma parte do comércio compra tudo: pedras, paus, terra e cascas”.

Veremos então no próximo texto outras observações e comentários de administradores de circunscrição, não se pode negar que se trata de um repositório invejável de notas que permitem, de algum modo, ajudar a qualificar a administração colonial na Guiné, no início dos anos 1940.




Nota:
Estas imagens foram retiradas da revista Defesa Nacional, um número de 1946 dedicado às comemorações do V Centenário da descoberta da Guiné, a primeira imagem é hoje um clássico, o soldado vigilante na fortaleza da Amura, a segunda mostra os bijagós à volta de um momento dedicado à pacificação e a terceira é para mim um achado, sempre ouvi falar nos cristãos de Geba e na importância da paróquia de Geba, nunca vira qualquer fotografia, a minha curiosidade está satisfeita.

(Continua)
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Notas do editor:

Poste anterior de 16 de maio de 2018 > Guiné 61/74 - P18641: Historiografia da presença portuguesa em África (114): Uma reunião invulgar: a Conferência dos Administradores, Bissau, 1941 (1) (Mário Beja Santos)

Último poste da série de 17 de maio de 2018 > Guiné 61/74 - P18644: Historiografia da presença portuguesa em África (115): Otto Schacht, um comerciante alemão, que deu dores de cabeça às autoridades da colónia e à diplomacia portuguesa... e que terá sido avô de um outro Otto Schacht, futuro dirigente do PAIGC, assassinado em 14 de novembro de 1980, data do golpe de Estado de 'Nino' Vieira (Armando Tavares da Silva)

quinta-feira, 15 de abril de 2021

Guiné 61/74 - P22106: Um olhar crítico sobre o Boé: O local 'misterioso' da proclamação solene do Estado da Guiné-Bissau, em 24 de setembro de 1973, em plena época das chuvas - Parte I: A variável "clima" (Jorge Araújo)


Foto 1 > Frente Leste (?) > Citação: (1973), "II Congresso do PAIGC, na Frente Leste", Fundação Mário Soares / DAC - Documentos Amílcar Cabral, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_44167, com a devida vénia.


Foto 2 > Frente Leste (?) > Citação: (1973), "II Congresso do PAIGC, na Frente Leste", Fundação Mário Soares / DAC - Documentos Amílcar Cabral, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_44248, com a devida vénia.


Foto 3 > Madina do Boé (?) > Citação: (1973), "Lucette Cabral, Aristides Pereira, Victor Saúde Maria, Otto Schacht e Luís Cabral durante a I Assembleia Nacional Popular da Guiné-Bissau", Fundação Mário Soares / DAC - Documentos Amílcar Cabral, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_43272, com a devida vénia.



O nosso coeditor Jorge [Alves] Araújo, ex-Fur Mil Op Esp/Ranger, CART 3494
(Xime e Mansambo, 1972/1974), professor do ensino superior, ainda no ativo. Tem cerca de 290 referências no nosso blogue.


GUINÉ: (D)O OUTRO LADO DO COMBATE

UM OUTRO OLHAR SOBRE O 'BOÉ': LOCAL "MISTERIOSO" DA PROCLAMAÇÃO SOLENE DO ESTADO DA GUINÉ-BISSAU, EM 24 DE SETEMBRO DE 1973, EM PLENA ÉPOCA DAS CHUVAS


PARTE I

- A VARIÁVEL "CLIMA" COMO "QUESTÃO DE PARTIDA" - 


1.   – INTRODUÇÃO


Estão prestes a completar quarenta e oito anos os dois acontecimentos planeados pelo PAIGC que, do ponto de vista histórico e da dinâmica política da época, acabaram por influenciar as duas dimensões do conflito: a militar e a diplomática, ambas dependentes de diferentes apoios internacionais [OUA e ONU, enquanto decisores supremos], com o propósito de pôr um ponto final no "Império Colonial" de Portugal, através do reconhecimento da independência, neste caso, da dita Província Ultramarina da Guiné.   


O sucesso da estratégia supra, concebida pelo ideólogo Amílcar Cabral (1924-1973) antes do seu assassinato em Conacri, ocorrido em 20 de Janeiro de 1973, sábado, passava pela organização de um «Congresso (II)», evento que serviria para legitimar a realização da «I Assembleia Nacional Popular da Guiné-Bissau», durante a qual seria, de modo unilateral, proclamado o nascimento de uma nova Nação / Estado: a República da Guiné-Bissau.


Os dois exemplos identificados acima ficaram registados na Cronologia da História do conflito como tendo sido organizados, o primeiro, entre 18 e 23 de Julho de 1973; o segundo, em 23 e 24 de Setembro do mesmo ano. 


Quanto aos locais da sua realização, a literatura refere que o «II Congresso» teve lugar algures na "Frente Leste" [fotos 1 e 2], enquanto o da «I Assembleia Nacional Popular» é mais preciso, indicando "Madina do Boé" [foto 3], complementado com o conceito "região libertada".


Decorridas quase cinco décadas, os dois eventos continuam envoltos em "grande mistério", nomeadamente o último, pela ausência de factos, credíveis e seguros, que possam certificar cada uma das narrativas… e são muitas! (vd. P21956 e P15790).


Para clarificação desses "factos" da História, uma vez que se aceita 'a versão' de estarem mal contados (por fazerem parte duma estratégia de/da propaganda), seria interessante, e importante, ter respostas a questões tão básicas como, por exemplo, as referentes a: 


(i) - Logística: a) alimentação; b) dormidas; c) higiene; d) transportes; e) energia eléctrica; f) comunicação; g) segurança; 


(ii) - nome dos observadores; 


(iii) - instituições representadas; 


(iv) - convidados; 


(v) - repórteres de imagens; 


e outras, e, em particular, a relacionada com o (vi) - "clima", pois os dois encontros aconteceram em "plena época das chuvas".


Para contextualização desta última questão, objecto de análise da "Parte I" (questão de partida), socorremo-nos de depoimentos escritos na primeira pessoa, por elementos de ambos os «lados do combate», insuspeitos, como são os casos do Cap Mil Inf Jorge Monteiro, Cmdt da CCAÇ 1416, e Umaro Djaló, Cmdt militar do PAIGC na região do Boé.


2.   – O CLIMA E A GEOGRAFIA NA REGIÃO DO BOÉ EM 1966

    - A NARRATIVA DO CAP MIL INF JORGE MONTEIRO - CCAÇ 1416


No livro «Uma Campanha na Guiné, 1965/1967», da autoria de Manuel Domingues, encontramos um depoimento do Cap Mil Inf Jorge Monteiro, Cmdt da CCAÇ 1416 (Nova Lamego; Madina do Boé; Béli e Ché-Che - 1965/1967), unidade que esteve aquartelada em Madina do Boé, entre 4 de Maio de 1966 e 10 de Abril de 1967 (onze meses), sobre a pergunta: "AFINAL O QUE É MADINA DO BOÉ?". A resposta encontramo-la no poste abaixo, da qual retirámos alguns excertos.

 


(i) - O BOÉ, a zona mais pobre de toda a Província, sofre a inclemência impiedosa do tempo que vai de Maio a Setembro, com chuvas torrenciais continuas que alagam por completo a região vedando portanto qualquer tipo de plantio para a agricultura mesmo arcaica. Só lá havia a minha companhia [CCAÇ 1416], completamente isolada nessas alturas do mundo circundante, a tal ponto que só podíamos ser abastecidos de paraquedas." (…)


(ii) - "Eu, que vivi em MADINA [do Boé] durante onze meses [de 4 de Maio de 1966 a 10 de Abril de 1967], que constatei a inutilidade daquele chão, o clima inóspito, a desolação desértica, sei que Madina não vale sequer a chuva que lá cai. E eu que me apercebi duma certa coerência por parte de quem norteava a táctica das guerrilhas do PAIGC, não posso sequer admitir que até eles apregoem Madina, uma autêntica fossa, como capital do seu orgulhoso desiderato. Se isso for verdade, se de facto eles dizem isso, então nem sequer é um grito de liberdade, mas apenas um facto ridículo, caricato até, mesmo para os olhos de quem confere as guias de despacho do armamento que eles utilizam." (…)

(iii) - "O Boé tem solo muito pouco permeável, sem elevações consideráveis e consequentes declives escoatórios causando portanto a estagnação da água… São dezenas e dezenas de quilómetros de área inundada charco imenso de que apenas as rãs parece acharem uma justificativa. Quando tínhamos uma operação, fosse de que tipo fosse, andávamos com água pela cintura. Há por lá muitos riachos e rios pequenos, mas quando a chuva cai, tanto faz caminhar pela estrada, pelo capim ou pelo leito dos rios: o "boal" imenso é raso, e a água nem sequer é mais alta aqui ou acolá. O nível é sempre igual, como se a Natureza caprichasse em transferir para ali toda a inutilidade que a chuva possa querer significar na Guiné." (…)


(iv) - "Acontece, contudo, que tínhamos uma vantagem: a exemplo do sol, a chuva quando vem também é para todos e assim os elementos do PAIGC tinham precisamente os mesmos problemas. " (…)


(v) - "Concluiu-se, portanto, que o bombardeamento sobre Madina era contínuo e eles próprios lá iam esburacando as casas, já por si a cair de podres. Pouco ficou, e se implantaram lá a Independência, então meteram água pela certa, pois não há qualquer tecto que os proteja da chuva… Madina do Boé, cinco casas esventradas, pântano perpéctuo, chão inútil. A capital do PAIGC."



3.   – O CLIMA E A GEOGRAFIA NA REGIÃO DO BOÉ EM 1965

    - A NARRATIVA DE UMARO DJALÓ - CMDT DO PAIGC NA REGIÃO



Em segundo lugar, foi seleccionado o depoimento de Umaro Djaló, cmdt militar da guerrilha na região do Boé, recuperado do comunicado remetido, por si, à Direcção do Partido em Agosto de 1965, onde refere as difíceis condições da sua missão, em razão do clima observado na "época das chuvas", cujo teor passo a citar:

▬ Madina do Boé, 14-8-1965 (sábado)

Secretariado-Geral do PAGC

Comunico à Direcção Geral do nosso Partido que na noite do dia 09 de Agosto, 2.ª feira, foi sabotado o quartel de Madina [do Boé] com três morteiros e bazucas.

Depois de estudadas concretamente todas as condições favoráveis e desfavoráveis do terreno que encontrámos, decido tomar todas as medidas preventivas para explicar à Direcção do nosso Partido que a condição para fazer qualquer trabalho de sabotagem ou ataques é completamente impossível.

● 1 – Todo o rio [Corubal] está completamente cheio de água e corre a uma velocidade que não permite passar nem um objecto que não seja levado pela água.

● 2 – Não temos uma base onde podemos passar pelo menos a chuva a não ser na fronteira da República da Guiné (-Conacri); torna-se impossível passarmos somente dois dias no interior do país para preparar ao menos uma sabotagem de três dias, devido a ordem dada pelo Secretário-Geral de não construir bases nenhuma para o exército.

● 3 – Não temos onde preparar a comida debaixo da chuva.

● 4 – Não há um meio que pode garantir o socorro urgente dos feridos; as estradas são impraticáveis nesta altura.

● 5 – O arroz que temos aqui não será suficiente para o período de um mês; o mesmo problema se põe em relação às munições.

Para mais concretizar estas informações, pode perguntar ao camarada chofer do camião.

Feito em Madina do Boé; o comandante; Umaro Djaló.

  





Citação:
(1965), Sem Título, Fundação Mário Soares / DAC - Documentos Amílcar Cabral, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_39170, com a devida vénia.

 

4.   – O MAU TEMPO NO XIME EM 16 SETEMBRO DE 1972

    - A NARRATIVA DE JORGE ARAÚJO - CART 3494


Ainda sobre a "época das chuvas", aproveito para referir uma experiência pessoal (16Set72) que faz parte das minhas "memórias" da Guiné, já narrada no poste abaixo.




(…) O sábado, 16 de Setembro de 1972, estava a ser um dia normal, em que cada um de nós fez o que tinha a fazer, cumprindo as diferentes tarefas no quadro da organização militar – internas e externas – com destaque para a segurança à Ponta Coli, às embarcações civis que sulcavam o rio Geba e à vigilância do aquartelamento feita a partir dos postos colocados em locais estratégicos.

Por outro lado, a Guiné tem um clima tropical o que significa que tem duas estações distintas – a "estação das chuvas" e a "estação seca". A primeira inicia-se em meados de Maio e a segunda em meados de Novembro, pelo que cada estação completa um ciclo de seis meses. Daí que Setembro é um mês que faz parte da primeira estação – a das chuvas – em que as precipitações são geralmente abundantes. (…)

A noite tinha chegado e os ventos fortes transportavam cada vez mais nuvens, dando origem à queda de
água com grande abundância. Estava uma noite verdadeiramente tropical. O contacto directo com este fenómeno da natureza metia respeito a qualquer um de nós, e como diz o povo: "era de meter medo ao susto". Os trovões eram cada vez mais fortes, fazendo abanar os telhados de chapa dos edifícios ali à volta, enquanto os raios rasgavam, à nossa frente, o céu do Xime, iluminando todo o espaço físico do Aquartelamento. Ainda assim a experiência estava a ser pedagogicamente interessante e daí a termos gravado na memória de longo prazo, e agora passada a escrito. (…)


5.   – O MAU TEMPO NA GUINÉ-BISSAU EM SETEMBRO DE 2020

    - A NARRATIVA DA COMUNICAÇÃO SOCIAL - RISPITO


Depois de três relatos datados de 1966, 1965 e 1972, respectivamente, os valores de precipitação pluvial na Guiné-Bissau, em Setembro, continuam a ser elevados, como provam as notícias divulgadas na Comunicação Social, estas alusivas ao ano de 2020. 

 




(continuação da notícia acima).


Cherno Mendes, dos serviços da meteorologia e responsável pela divisão da previsão disse à Lusa que "o pior ainda pode estar para vir", salientando que as autoridades esperam um "ano húmido" em que 

deve chover na Guiné-Bissau como só se viu há 30 anos. Normalmente, na Guiné-Bissau a chuva começa a perder a intensidade a partir do mês de Agosto, mas este ano, a meteorologia avisou que Setembro e Outubro poderão ter muita precipitação.

A Lusa percorreu várias zonas do centro de Bissau e dos subúrbios onde constatou a população desesperada, a repetir gritos de socorro pelos campos de cultivo do arroz completamente inundados, casas caídas ou quase a cair, dada à intensidade de chuvas.

Nos bairros de Cuntum Madina, Plubá e Djogoró, subúrbios de Bissau, onde a população vive da agricultura, as 'bolanhas' (campos de cultivo do arroz) têm mais água que o cereal plantado em Maio, logo com a chegada da época das chuvas, na esperança de colher agora em Setembro.

Em Djogoró, além das 'bolanhas' inundadas, a água cobriu por completo as minas de sal, outra fonte do sustento das mulheres.

As duas faixas das "bolanhas" de Djogoró, que têm uma estrada asfaltada pelo meio e que ainda resiste à força das chuvas, agora só servem para as crianças tomarem banho ou pesca à linha, dada a quantidade de água cor de barro que aí se encontra parada. As crianças divertem-se naquelas águas, sem se preocuparem que ali ao lado, a escassos 100 metros, esteja um cemitério municipal.


A população do novo bairro de Cabo Verde, construído sobretudo por pessoas recém-chegadas a Bissau vindas do interior ou de países vizinhos, é que não têm mesmo motivos para se divertirem com a quantidade de chuva que cai naquela zona sudeste de Bissau.

No centro de Bissau, os automobilistas disputam cada palmo de estrada que ainda não está coberto de poças de água. O cenário só é aproveitado por grupos de jovens para arrecadar moedas que pedem, quase exigem, a cada condutor que passe por uma estrada que foi alvo de um remendo com pedregulhos.

O responsável de previsão dos serviços da meteorologia disse que a população "há muito que é avisada" sobre os perigos de construção de casas em zonas húmidas e que as próprias autoridades já têm em mãos os avisos de que este ano vai cair muita chuva.

Cherno Mendes também afirmou que sem um ordenamento hidroagrícola do país e sem que a população deixe de atirar lixo doméstico nos canais de drenagem de águas das chuvas, a destruição não vai parar na Guiné-Bissau.


A ministra da Solidariedade tem um fundo de 100 milhões de francos CFA (6,5 milhões de euros), instituído pelo Governo para socorrer as vítimas do mau tempo, para já identificados em Bissau, Boé (leste) Cacine (sul) e toda a região de Cacheu (norte).

De momento, Conceição Évora tenta dar material de construção e víveres aos sinistrados, mas, dados os pedidos, tenciona lançar uma campanha de solidariedade para pedir apoios de empresários e pessoas singulares. (…)


Fonte: http://www.rispito.com/2020/09/chuvas-provocam-estragos-um-pouco-por.html, com a devida vénia.

 


Foto 4 > Bissau > (Set'2020), https://visao.sapo.pt/atualidade/politica/2020-09-08-chuvas-provocam-estragos-um-pouco-por-toda-a-guine-bissau-governo-pensa-lancar-campanha/

 

6.   – A PRECIPITAÇÃO PLUVIAL NA GUINÉ-BISSAU

    - ESTUDO CIENTÍFICO DE 2009/2010



Para concluir a estrutura deste trabalho de pesquisa, aproveito para dar conta, no Fórum, de um estudo académico publicado na Revista Brasileira de Engenharia Agrícola e Ambiental, titulado «Distribuição espacial de valores prováveis de precipitação pluvial para períodos quinzenais, em Guiné-Bissau», disponível na Biblioteca Electrónica Scielo, 

link: www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1415-43662011000100010.

Em face dos resultados abaixo divulgados e das competentes explicações, que certamente não deixam margens para dúvidas, uma nova questão se coloca: "como foram organizadas as diferentes sessões dos trabalhos de cada um dos encontros (o 1.º de cinco dias e o 2.º de dois dias), perante a forte probabilidade de terem ocorrido várias intempéries climáticas (chuva e vento)?" É que naqueles dias, muito provavelmente, o "mau tempo" não deixou de passar pelo Boé… e a necessidade de corrigir esta parte da história… continua a ser um imperativo da própria HISTÓRIA.





Figura 1 – Distribuição da probabilidade diária e mensal de precipitação pluvial durante um ano na Guiné-Bissau, assinalando-se a vermelho os meses em que foram organizados os dois eventos identificados na introdução.


Figura 2 – Distribuição do resumo meteorológico durante um ano na Guiné-Bissau, assinalando-se a vermelho os meses em que foram organizados os dois eventos identificados na introdução.

(Continua… com análises de outras variáveis)

► Fontes consultadas:


Ø  (1) Instituição: Fundação Mário Soares Pasta: 05222.000.211. Título: II Congresso do PAIGC, na Frente Leste (?). Assunto: II Congresso do PAIGC, na Frente Leste: Aristides Pereira, Luís Cabral, José Araújo, Carmen Pereira, João Bernardo Vieira [Nino], Tiago Aleluia Lopes, Vasco Cabral e Silvino da Luz. Data: Quarta, 18 de Julho de 1973 – Domingo, 22 de Julho de 1973. Observações: Durante o II Congresso do PAIGC Aristides Pereira é eleito por unanimidade Secretário-Geral, sucedendo assim a Amílcar Cabral, assassinado em 20 de Maio de 1973 [erro; é Janeiro]. Fundo: DAC - Documentos Amílcar Cabral. Tipo Documental: Documentos.


 

Ø  (2) Instituição: Fundação Mário Soares Pasta: 05222.000.050. Título: II Congresso do PAIGC, na Frente Leste (?). Assunto: II Congresso do PAIGC, na Frente Leste: Francisco Mendes [Chico Té], João Bernardo Vieira [Nino], Aristides Pereira, Luís Cabral, Pedro Pires e Vasco Cabral. Data: Quarta, 18 de Julho de 1973 – Domingo, 22 de Julho de 1973. Observações: Durante o II Congresso do PAIGC Aristides Pereira é eleito por unanimidade Secretário-Geral, sucedendo assim a Amílcar Cabral, assassinado em 20 de Maio de 1973 [erro; é Janeiro]. Fundo: DAC - Documentos Amílcar Cabral. Tipo Documental: Documentos.


 

(3) Instituição: Fundação Mário Soares Pasta: 05247.000.137. Título: Lucette Cabral, Aristides Pereira, Víctor Saúde Maria, Otto Schacht e Luís Cabral durante a I Assembleia Nacional Popular da Guiné-Bissau. Assunto: Lucette Cabral, Aristides Pereira, Víctor Saúde Maria, Otto Schacht e Luís Cabral durante a I Assembleia Nacional Popular da Guiné-Bissau na região libertada de Madina de Boé (?). Data: Domingo, 23 de Setembro de 1973 - Segunda, 24 de Setembro de 1973. Observações: A I Assembleia Nacional Popular da Guiné-Bissau, presidida por Luís Cabral, aprova a Constituição da República e elege o Conselho de Estado. Fundo: DAC - Documentos Amílcar Cabral. Tipo Documental: Documentos.


 

Ø  (4) Instituição: Fundação Mário Soares Pasta: 04613.065.144. Assunto: Operação do PAIGC no quartel de Madina do Boé. Expõe à direcção do partido as dificuldades encontradas no terreno que não permitem a continuação dos ataques naquela zona. Remetente. [Umaro] Djaló, Madina do Boé. Destinatário: Amílcar Cabral, Secretário-Geral do PAIGC. Data: Sábado, 14 de Agosto de 1965. Observações: Doc. incluído no dossier intitulado Correspondência 1963-1964 (dos Responsáveis da Zona Sul e Leste). Fundo DAC - Documentos Amílcar Cabral. Tipo Documental: Correspondência.


 

Ø  Outras: as referidas em cada caso.

 

 

Termino, agradecendo a atenção dispensada.

Com um forte abraço de amizade e votos de muita saúde.

Jorge Araújo.

01ABR2021