quinta-feira, 28 de setembro de 2006

Guiné 63/74 - P1126: Ranger Eusébio ou recordações do Xitole e do Saltinho (David Guimarães)

Foto: © David J. Guimarães (2005)

Texto do David J. Guimarães, ex-furriel miliciano da CART 2716, aquartelada no Xitole (1970/1972), e pertencente ao BART 2917, sedeado em Bambadinca.

Ora vamos lá a uma conversinha na nossa caserna e não nos podemos incomodar muito com este avivar de memórias, este ouvir estórias mais ou menos inflamadas, romances de guerra, etc. , etc....

Contei um dia por aí que um dos meus soldados - coitado, auxiliar de cozinheiro e nem para isso servia, enfim, gente boa e ainda vivo - escreveu para a namorada um carta em que descrevia uma grande batalha entre a Ponte dos Fulas e o Xitole. Dizia ele a certa altura no texto que eles atacaram de metralhadoras e tudo e os aviões vieram apoiar a acção... Ele tomou parte preponderante e a batalha foi ganha... Como Camões, com o episódio de Veloso em Os Lusíadas na terra dos Cafres... Bom, isso é literatura e não vamos nessa aqui... mas lembrei-me desse tão belo episódio: "Veloso amigo, essa encosta é mais fácil descer do que subir"... e a resposta que é mais curiosa.

Meus amigos, temos que aceitar estas situações de inflamadas das estórias e ter a humildade de aceitar quando elas são corrigidas por um companheiro da época... Isso é importante e marcará a nossa diferença...

E não adianta falar o que são as operações especiais, comandos e resto da tropa toda - todos sabemos ou então dormimos todos....

Penso... Calma, e agora vamos a correcções que me parecem oportunas... Tenho para demonstrar uma caderneta militar; o resto está em memória, gasta de 59 anos (...).

Queria dizer uma coisa ao Mexias Alves que por certo se recorda: a protecção às nossas colunas com aviões T6 e FIAT, nada mais era do que aquelas flagelações que eles faziam, entre Fulacunda, o rio Corubal e o Xitole, em zona de intervenção de Com-Chefe... Nada tinha a ver com as nossas colunas Bambadinca-Mansambo-Xitole-Saltinho... Daí deverá vir uma mistruara ou confusão...

Um pormenor importante... Em Maio de 1970, foi quando o BART 2917 ocupou Bambadinca e um mês tinha o outro Batalhão ido para Galomaro... A minha CART 2717 chegou ao Xitole enquadrada numa coluna. E aí já estavam os camaradas do Saltinho a chamar-me pira... e aí estava o Belarmino, querido amigo, que nunca mais vi e sei que existe (Um abraço se ele me ler!)....

Durante este espaço de trempo da comissão, O Saltinho não teve qualquer contacto com o inimigo a não ser um dia e só - um cagaço que apanharam numa tabanca que guardavam quando o IN resolveu vir lá... Mas quase nem tiros houve, ninguém se magoou, creio eu...

Em Março de 1972 é que os dois Batalhões, o de Galomaro e o de Bambadinca (Bart 2917)embarcaram para a Metrópole, não no Niassa mas sim em aviões Boeings 707 dos TAM, num total de 3... Os dois Batalhões defilaram juntos em Brá, diante do Comandante-Chefe, General Spínola... Os primeiros a embarcarem foram os de Galomaro e depois os de Bambadinca.... Numa semana foi colocada aqui a tropa toda...

Quanto ao grupo especial, também desconheço. nunca ouvi falar dele na época de 70 a 72... Entre o Xitole e o Saltinho os perigos eram bastante menores que entre o Xitole e Bambadinca.... Tangali - creio que era assim que se chamava a última tabanca à guarda do Xitole sendo que daí para a frente já pertencia ao Saltinho, e isto na estrada Xitole-Saltinho....

Em resumo: Mexia Alves, em 1971, o Niassa não trouxe esses Batalhões.... Outros sim, possivelmente, mas esses não... Aliás, eu vi quando o Nissa aportou a Bissau com tropa, estava eu a chegar de férias da Metrópole e pude ver amigos meus - que conhecia da vida civil - uns a chegar e outros a partir... Por curiosidade, um deles tinha combatido numa das Companhias de um Batalhão que esteve em S. Domingos [, na região do Cacheu].

Quanto a essas operações contadas, terás muita razão, meu amigo: foram ficção, pela certa. Mas não nos arreliemos com isso, as pessoas vivem o que dizem, são felizes, pronto...

Gostava de agora dizer uma coisa: a formação de uma Companhia - um Pelotão de Formação e Comando, e 4 grupos de Combate a três secções... Cada grupo de Combate tinha um Furriel de Minhas e Armadilhas e na Companhia havia o Pelotão Ranger em que o Alferes e o Furriel eram Rangers...

Aos Rangers era pedido que andassem como os outros; aos de Minas era que andassem como os outros e resolvessem o problema de armadilhamento do quartel, da periferias e de tomar conta das minas que de vez enquanto estavam plantadas na estrada... e não foram tão poucas quanto isso... Depois era o Furriel de Armas Pesadas que costumava ocupar-se das armas fixas - o Luís teve azar [, foi logo parar à CCAÇ 12, que era uma unidade de intervenção, não de quadrícula], outros safaram-se e nunca sairam do quratel...

Depois era a Formação e Comando com o 1º Sargento com mais um ou dois na secretaria, os Furriéis, o Enfermeiro, o Vagomestre, o Mecânico Auto e o Transmissões... (Se disse asneira emendem-me, mas era mais ou menos isto) .

Creio que o Humberto já falou aí no blogue e eu também: um dia, um grande rebentamento na ponte do Jacarajá, debaixo de uma Mercedes daquelas enormes do exército... Por lá ficou...

As provas maiores estão nos testemunhos oculares de quem viveu na altura, pronto é isso. O
romance, temos que o entender... naturalmente.

Quando eu meter água, digam. Eu não tenho por onde fugir e darei logo a mão à palmatória...´É água da bolanha...

Sei que no fim da minha comissão - já eu estava em Bafatá e dois Pelotões ficaram no Xitole com a outra CART recém chegada e com convivi um ês mais ou menos - houve, sim, aquela grande primeira porrada no Saltinho. Já pedi para me contarem, foi quando apanharam os nossos militares e creio que à mão...

Há quem me saiba esclarecer isto ? Eu aí gostaria de saber... Sei de boato e não queria contar o que não vi e da maneira que me contaram, foi mau demais... Mas houve problema, sei que houve...

David Guimarães
Ex-Furr Mil
Cart 2716
Xitole (Maio de 1970 / Março de 1972)

Guiné 63/74 - P1125: Postais Ilustrados (4): Rapaz balanta, cesteiro (Beja Santos)

Guiné Portuguesa > Postal Ilustrado > Legenda > 108. Rapaz Balanta (Bissau). Ed. Foto SERRA, C.P. 239, Bissau

Postal ilustrado enviado por Beja Santos a um familiar: (...) "Aqui fica uma recordação de uma ida a Bafatá, um menino como os muitos bondosos e meigos que tenho aqui, fazendo o que ele faz" (...). Missirá, 8 de Setembro de 1968 (?).

Bilhete postal gentilmente cedido pelo nosso camarada Beja Santos (ex-Alf Mil, comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70)

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Nota de L.G.:

(1) Vd. posts anteriores (desta série sober postais ilustrados da Guiné):


4 de Agosto de 2006 > Guiné 63/74 - P1023: Postais Ilustrados (1): Pescadora, de etnia papel (Beja Santos)

7 de Agosto de 2006 > Guiné 63/74 - P1030: Postais Ilustrados (2): Dança nalu, Cacine (Beja Santos)

8 de Agosto de 2006 > Guiné 63/74 - P1031: Postais Ilustrados (3): Tocador fula, Bafatá (Beja Santos)

Guiné 63/74 - P1124: Fotos falantes (Torcato Mendonça, CART 2339) (2): A vida boa de Bambadinca, no tempo do Pimentel Bastos

Guiné > Zona leste > Sector L1 > Bambadinca > Mansambo > CART 2339 > 1968 > O terceiro e penúltimo Comandante da Companhia (Capitão Q. P. Moura Soares) e o Comandante do Batalhão 2852, Tenente-Coronel Pimentel Bastos, também conhecido por Pimbas.

Guiné > Zona leste > Sector L1 > Bambadinca > Mansambo > CART 2339 > 1968 > O comandante do BCAÇ 2852 em visita ao aquartelamento, em construção, de Mansambo, e à famigerada fonte (em cima) - talvez em Novembro ou Dezembro de 1968. Por motivo de doença o terceiro Cmdt da Cart 2339 foi substituído, em Dezembro de 196, pelo quarto e último Comandante, o Capitão Q. P. Laranjeira Henriques, 28 anos, 3ª Comissão no Ultramar.

Guiné > Zona leste > Sector L1 > Bambadinca > Mansambo > CART 2339 > 1968 > Material IN apreendido pelas NT.

Guiné > Zona leste > Sector L1 > Bambadinca > Fá Mandinga > CART 2339 > 1968 > Um Capitão (Lima) e três Alferes periquitos em Fá. O Capitão Lima foi o segundodos quatros comandantes que a companhia teve.

Fotos e texto: © Torcato Mendonça (2006)

Continuação da publicação do álbum de fotografias do Torcato Mendonça, que ele teve a gentileza de me fazer chegar, pelo correio, através de um CD-ROM. Chamou-lhe fotos falantes (1)

O Torcato foi Alf Mil da CART 2339, Mansambo, 1968/69.

Fotos falantes (2)

Fotos do Alf Mil Cardoso, enviadas pelo Marques dos Santos (4 fotos) (Como o Cardoso aparece em algumas destas fotos, o autor não é, logicamente, ele. Certo é terem-me sido enviadas pelo Marques dos Santos. Vou enviar-lhe uma cópia do CD).

Um Capitão e três Alferes periquitos em Fá. Este Capitão (Lima) era o 2º comandante que tivemos. O primeiro (Cap Mil Meira de Carvalho), logo em Évora, devido a doença, teve que abandonar a Companhia. Aconteceu o mesmo a um Alferes.

A outra foto é já em Mansambo: material IN apreendido pelas NT.

O terceiro Comandante da Companhia (Capitão Q.P. Moura Soares) e o Comandante do Batalhão 2852, Tenente-Coronel Pimentel Bastos.

Trata-se de uma visita ao aquartelamento, em construção, de Mansambo, e à famigerada fonte - talvez em Novembro ou Dezembro de 1968. Isto porque, devido a doença o terceiro Cmdt da Cart 2339, foi substituído, em Dezembro de 1968 pelo quarto e último Comandante. Quanto a mim o verdadeiro Comandante [da nossa CART 2339], Capitão Q.P. Laranjeira Henriques, 28 anos, 3ª Comissão [no Ultramar]!).

Tenente-Coronel Pimentel Bastos

Falemos um pouco dele. Chegamos à Guiné em Janeiro de 68. Depois de breve estadia na Capital, mandaram-nos para o Leste. Fomos para Fá, como Companhia de intervenção do BART 1904, com sede em Bambadinca – Sector L1. O seu Comandante era o Tenente-Coronel Branco.

Fizemos o treino operacional no Xime, onde estava a Companhia 1746, comandada pelo Cap Mil Vaz. Um dos Alferes era o Madaíl (já falado aqui neste Blogue). Depois fomos à nossa vida. A primeira Operação foi destruir o Galo Corubal. Louvor à CART 2339 pelo Cmdt do BART 1904.

Talvez no último trimestre de 68, o Batalhão 1904 foi rendido pelo Batalhão 2852. Era seu Comandante o Tenente-coronel Pimentel Bastos.

A 2339 estava sedeada em Mansambo, empenhada na construção do aquartelamento, a fazer patrulhas e operações, a proteger as Tabancas da zona. Por isso passávamos muito pouco tempo em Bambadinca, Bafatá ou Nova Lamego. Só lá íamos para reabastecimentos, operações ou, a Bafatá, passar um dia, como prémio por algum ronco, correio ou compra de vacas no Sonaco.

Era uma vida, em Mansambo e nas tabancas, sem o mínimo de condições – alimentares, higiénicas, médicas ou outras - que nos proporcionassem o mínimo de conforto.

Bambadinca era uma maravilha para nós. Vivia-se lá um clima de tranquilidade e de bom convívio. Para isso contribuía o Comandante e vários militares. Como a segurança era boa, estavam lá as esposas do comandante, do médico e do tenente da Secretaria.

Estive várias vezes em Bambadinca, por um dia ou dois, no intervalo de colunas, operações ou similares. Verifiquei sempre o óptimo e descansado ambiente que se vivia no Bar/Messe de oficiais e no resto do quartel. Não tive curiosidade em conhecer a povoação, instalações dentro do quartel ou outras. As minhas viagens iam até a certos locais da tabanca, acompanhado do Lali, Sukel ou outro. Tanto assim que não me recordo da escola, menos da professora ou dos comerciantes.

A calma vivida era tão boa que quando as portas batiam eu fazia um movimento. Os do Batalhão sorriam. Nós não tínhamos portas e o som era parecido a uma saída de arma pesada, coisa desconhecida para a maioria deles. Até um dia, pois! (2) ...

Voltando ao Tenente-coronel Pimentel Bastos, além de ser pessoa faladora e de óptimo trato, tentava quer ele quer a esposa e mesmo outros militares proporcionar um ambiente agradável. Como militar não o julgo e espero não o fazer com ninguém. Ele e outros eram profissionais. Muitos não estavam preparados para aquela guerra, creio mesmo que para nenhuma. Eram militares para outros desígnios. Os milicianos, sargentos e oficiais eram iguais, muitos não estavam minimamente preparados. Mas esses não tinham que estar.

Naquele tempo, de 1968 até meados de 1969, viver em Bambadinca era bom, para quem fazia a guerra na Guiné. Isso gerou o laxismo da defesa, o não tratamento das informações e não se compreenderem certos sinais do IN. Gerou-se assim, um irreal clima de confiança. Eles não atacam Bambadinca. Mas atacaram e a defesa não estava acautelada. Houve uma resposta fraca, cenas que eram evitáveis. Comportamentos correctos e determinantes pela parte de alguns militares. Outros, não cumpriram! O major pode ter dado tiros para o ar... agora berrar pelo Pimbas? Creio que não.

Nós, em Mansambo, ouvimos o ataque e pensamos ser na Moricanhe. O rádio informou: ataque a Bambadinca e a ordem de irmos, no dia seguinte, ao Batalhão. Foi o Cmdt da 2339 e dois grupos de combate pois um ficava lá. Ficou esse Grupo em precárias condições (para ser leve) no pontão, semi-destruído na estrada para o Xime (Rio Udunduma, 3º Grupo de Combate do Marques dos Santos).

Estávamos na época das chuvas. Vivia-se em Bambadinca, se bem me lembro, um mau ambiente e uma certa desorientação. Regressámos a Mansambo preocupados quer com o nosso grupo que tinha ficado no pontão quer com o que se tinha passado.

Bambadinca nunca mais foi a mesma. Este ataque deixou marcas profundas. O bater das portas começou a ter outro significado. A carreira de certos militares profissionais ficou afectada. O Tenente-coronel Pimentel Bastos ficou com a sua carreira cortada. Regressou à Metrópole em 4 de Dezembro de 1969, no Uíge. Nós, os da 2339, vínhamos lá. Pela última vez, comandou-nos porque era o Comandante Militar das tropas embarcadas.

Não falo mais sobre o ataque ao Batalhão 2852. Para terminar digo que a Administração Colonial gostou ao que aconteceu aos militares. Talvez alguns militares também.

Um dos profissionais que estava no seu posto, melhor na sua cama, na noite do ataque, fez uma operação a meu lado na zona do Xime. Foi a 1ª em que o Malan Mané serviu de guia. Deu barraca porque o Malan se perdeu e nós estávamos detectados. Mas o dito Oficial profissional estava apavorado, desorientado e não sabia o que fazer. Na reunião antes da operação sabia quando, em frente dos alferes, berrou com o Cap Mil que comandava a Companhia do Xime. O Capitão Miliciano disse-lhe:
- Meu Major, eu sou Professor do Liceu.- Voltou a dizer-lho em reunião no mato quando, e bem, regressámos ao Xime.

O Tenente-coronel Pimentel Bastos, no dia que fez 50 ou 51 anos, foi numa operação com malta da 2339. Não fui com ele porque o paludismo foi mais forte. Á volta dele estavam quatro ou cinco militares do meu grupo, houve tiroteio e ele era mais um…! Deixou resolver a situação, por quem tinha que o fazer e a isso estava habituado. No regresso, em Mansambo, disse-me calmamente:
- Não era necessária tanta gente á minha volta.
- Não sei de nada, meu Comandante.- Sorrimos, claro. Ele ainda acrescentou:
- Os rapazes merecem uns dias fora disto, temos que falar.

Não era um guerreiro, era um militar igual a tantos. Nas horas mortas era poeta. Assinava PIMBAS (3).

A última vez que o vi foi em Lisboa, no desembarque a 10 de Dezembro de 1969.

Encontrei por acaso a esposa, D. Alzira, em Lisboa e soube que o marido estava bem.
Recordo a D. Alzira (confesso que já não me lembrava do nome, vi-o no blogue) e relato um episódio que se passou comigo. Antes digo que era uma Senhora com quem gostava de falar. Geralmente, enquanto aprontavam a coluna eu metia combustível no bar e falávamos. Certo dia cheguei a Bambadinca vindo das autodefesas. Tínhamos passado uma má, uma péssima temporada. Falta de comida e bebida, tabaco, correio, roupa. Felizmente tivemos a visita do General Spínola e, passados poucos dias, fomos rendidos.

Depois do duche, de vestir roupa limpa, de me desinfectar com uma boa dose de uísques, fui ao bar. Uma bebida fresca, comer uma sandes de fiambre era um luxo. Estava lá a esposa do Comandante. Cumprimentei-a, pedi os comes e bebes, olhei para as revistas que estavam em cima da mesa. Talvez a Flama e outras da época. Vi um homem com um fato de astronauta e a legenda, não recordo, falava do homem e da Lua. A D. Alzira disse-me:
- Está a ver, o homem já andou na Lua! - Calou-se talvez devido á cara que fiz.

Confesso que pensei:
- O clima apanhou-a ou bebi demais. -Ela acrescentou:
- Na metrópole viram em directo.- Aí tive pena dela:
- Passou-se…!

O militar do bar deu-me a bebida fresca, a comida, e safou-me.
- Olhe, na minha casa nem se deitaram. O meu alferes tem estado no mato? Veja aí nas revistas.

Claro que vi e li. Acabámos a rir e eu fui, depois de mais um copo, ler o meu correio.

Eram situações caricatas. Só quem lá esteve e as viveu compreende o que valia um cigarro, uma bebida gelada, uma meia – daí – garrafa de uisque e outras coisas tão simples. Além de – isso mesmo… – uma bajuda, mesmo que já tivesse na segunda volta dos cem mil. O isolamento era terrível.

Guerra estúpida a causar sofrimento a tantos. A defender interesses de minorias poderosas, a servir as políticas de uma mão cheia de loucos. Ontem e hoje, é igual. Passado tanto tempo sofre-se ainda na Guiné e no antigo Império. Sofrem hoje outros povos, vítimas de ditadores, loucos e detentores de novos impérios. Em cada dia que passa, fruto da recordação ora trazida, da notícia lida, ouvida ou vista, aumenta em mim a repulsa da resolução dos problemas pela força das armas.

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Notas de L.G.:

(1) Vd. postd e 26 de Setembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1116: Fotos falantes (Torcato Mendonça, CART 2339) (1): A guerra acabou ?

(2) Vd. post de 14 de Novembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCLXXXIX: Op Lança Afiada (IV): O soldado Spínola na margem direita do Rio Corubal (Luís Graça)

(...) "Deixem-me só lembrar que, dois meses depois desta operação, o PAIGC retribuiu a visita das NT e apareceu às portas de Bambadinca em força: mais de 100 homens, três canhões sem recuo, montes de LGFoguetes, morteiros... Esse ataque ficou célebre: os tipos de Bambadinca foram apanhados com as calças na mão, faziam quartos de sentinela sem armas; enfim, um regabofe... Claro que no dia seguinte o Caco Baldé deu porrada de bota a baixo, nos oficiais todos, do tenente-coronel (o célebre Pimbas) até ao capitão da CCS... Um caso exemplar, divertido e hilariante, da guerra da Guiné... A sorte dos gajos de Bambadinca foi os canhões s/r terem-se enterrado no solo e a canhoada cair na bolanha... Quando nós, periquitos da CCAÇ 2590 (futura CCAÇ 12), lá passámos, uma semana depois, vindos de Bissau e do Xime a caminho da nossa estância de férias (Contuboel, um mês e meio de paraíso... seguido depois de18 meses de inferno...quando fomos justamente colocados no Sector L1), os nossos camaradas da CCS do BCAÇ 2852 ainda estavam sem pinga de sangue..."Podíamos ter morrido todos", dizia-me 1º cabo cripto Agnelo Ferreira, da minha terra, Lourinhã... Fomos depois nós , para lá, com os nossos nharros, e em 18 meses nem um tirinho: que o respeitinho (mútuo) era muito bonito... Porrada, porrada, era só quando a gente se atrevia a meter o bedelho na terra deles, que já estava "libertada"... Eu faria o mesmo, na minha terra...Na história do BCAÇ 2852, o ataque a Bambadinca é dado em três linhas, em estilo telegráfico:"Em 28 [de Maio de 1969], às 00H25, um Gr In de mais de 100 elementos flagelou com 3 Can s/r, Mort 82, LGF, ML, MP e PM, durante cerca de 40 minutos, o aquartelamento de Bambadinca, causando 2 feridos ligeiros". (...)

Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Bambadinca > 1970 > Espectacular vista aérea do aquartelamento, tirada no sentido leste-oeste, ou seja, do lado da grande bolanha de Bambadinca.

Foto do arquivo de Humberto Reis (ex-furriel miliciano de operações especiais, CCAÇ 12, Bambadinca, 1969/71).

Foto: © Humberto Reis (2006)

(3) Vd. posts de:

1 de Agosto de 2006 > Guiné 63/74 - P1012: Operação Macaréu à Vista (Beja Santos) (3): Eu e o BCAÇ 2852, uma amizade inquebrantável )

1 de Agosto de 2006 > Guiné 63/74 - P1014: A galeria dos meus heróis (5): Ó Pimbas, não tenhas medo! (Luís Graça)

4 de Agosto de 2006 > Guiné 63/74 - P1025: Tenente-coronel Pimentel Bastos: a honra e a verdade (Luís Graça)

4 de Agosto de 2006 > Guiné 63/74 - P1028: O Pimbas que eu (mal) conheci (Jorge Cabral, Pel Caç Nat 63)

16 de Agosto de 2006 > Guiné 63/74 - P1035: Ainda sobre o Pimbas, com um quebra-costelas para o Beja Santos (Paulo Raposo)
30 de Agosto de 2006 > Guiné 63/74 - P1041: O Pimbas e os outros (Jorge Cabral)

quarta-feira, 27 de setembro de 2006

Guiné 63/74 - P1123: Um espectáculo macabro na bolanha de Cufeu, em 1973 (A. Mendes, 38ª Companhia de Comandos)

Guiné-Bissau > Região do Cacheu > Guidage > Novembro de 2000 > Aspecto da bolanha de Cufeu (vd. mapa de Binta)
Foto: © Albano M. Costa (2005)





Mensagem do nosso amigo e camarada A. Mendes, ex-1º Cabo Cmd da 38ª CCmds (Os Leopardos)(1) (Guiné, Brá, 1972/74), com data de hoje. Mantenho a forma (e o conteúdo) da mensagem, que é muito prórpia da malta mais nova e que a usa nas mensagens de telemóvel. O assunto tem ver com os nossos mortos enterrados na Guiné:




lembraste amigo luis kuando aki a 1 ano levantei essa kestao? entao algumas vozes se levantaram kritikando me.Pois e amigo Luis eu estive por dentro desses akontecimentos. No ano de 1973 na pikada de Binta para Guidaje kuando dois grupos de combate da 38 de Comandos tentavam desesperadamente passar a bolanha do Cufeu para chegar a Gidaje depararamse kom o makabro cenario de mais de uma dezena de corpos a ser festim para os abutres.JA ALI ESTAVAM a dias e ali iriam fikar.sabes ate kuando amigo Luis?

Um condutor de um unimog ke ia konosco foi vitima de uma mina nessa pikada tendo morrido.Foi o corpo dele transportado na minha viatura ate guidaje e ali ficou.Desceu a terra pelas maos dos camaradas.porke nesse tempo (março73) as evakuaçoes eram impossiveis em guidaje e kem la esteve sabe porke.Nos proprios tinhamos um kamerada sem perna ke na enfermaria(?)lutavava kontra a gangrena.

Amigo luis foram tempos dramatikos ke eu ainda hoje luto para nao me lembrar mas ke nunka vou eskecer.tenho tudo dukomentado.tou a tua e so tua disposiçao se kiseres saber algo mais.envio um grande abraço para todos os camaradas de guerra.mesmo para akeles ke kom menos rigor vao relatando as suas(?) experiencias de guerra.

A. Mendes (Um Comando na Guine)(2)

Komentario de luis graca:

Mendes: Estas registado na nossa tertulia mas kontinuo a espera das tuas duas prometidas fotos. fiko tambem a tua disposicao.escreve ke te faz bem.
___________

(1) A 38ª CCmds teve como unidade mobilizadora o CIOE - Lamego. Esteve no TO da Guiné entre Junho de 1972 e Abril de 1974. Fui a última CCmds, de origem metropolitana, a ser mobilizada para este território.

(2) Vd. post de 2 de Novembro de 2005 >

02 Novembro 2005 > Guiné 63/74 - CCLXV: Apresenta-se o 1º Cabo Comando Mendes (38ª CCmds, 1972/74)

Caro Luis Graça, camarada comando Briote:

Vou-vos falar um pouco de mim. Assentei praça no longínquo ano de 1971 no antigo RAL 1, em Outubro. Ofereci-me para os Comandos onde cheguei em Dezembro de 1971 (CIOE/ Lamego). Completei o curso em Junho de 1972, mês a que cheguei à Guiné, a 26. Iniciei a 2ª parte do curso em Mansoa, na mata do Morés, onde tive o primeiro contacto com o IN. Recebi o crachá de Comando em Agosto, com o posto de 1º cabo.

Em Fevereiro de 1974 terminei a comissão mas só regressei a Portugal em Julho de 1974. As histórias pelo meio ficam para outra altura, e tambem as fotos, neste momento tenho o scanner fora de serviço.

Se quiserem saber mais alguma coisa é só perguntarem.

Um grande abraço para todos os ex-combatentes, em especial os Comandos.

Só mais um pormenor, a minha companhia foi a 38ª Companhia de Comandos, os Leopardos.

A. Mendes

Guiné 63/74 - P1122: Todos não somos demais: Vivam os Rangers! (Joaquim Mexia Alves)

Texto do Joaquim Mexia Alves:

Li atentamente os vossos mails e quero fazer alguns comentários (1).

1 - Rangerices

Quero entender o uso do termo, mas lembremo-nos sempre que uma andorinha não faz a Primavera, ou seja, há muitos Oficiais e Furriéis das Operações Especiais, Rangers -nos quais me incluo-, a maioria, aliás, que deram o seu melhor na Guiné e em todas as frentes de combate, e que por isso merecem o respeito devido a todos que assim procederam.

Aliás, ao que sei, os Ranger's portugueses são uma tropa prestigiada e que tem dado boas provas disso em vários locais do mundo onde têm sido enviados pelo Estado Português.

Sei também, que em vários meetings militares na Europa têm sido elogiados e até recebido prémios pela sua actuação.

Repito, todos fazemos parte da mesma história, e por isso nos devemos considerar uns aos outros, o que não significa forçosamente estarmos todos de acordo.

2 - O Eusébio

Deve, pela cronologia apresentada, fazer parte do meu curso em Lamego, mas não consigo lembrar-me dele.

Pela sua estória confirma aquilo que eu já tinha pedido para ser confirmado, ou seja, que o Batalhão do Galomaro embarcou com o Batalhão de Bambadinca (ao qual pertenci) (2), no Niassa em Dezembro de 71.

Nunca ouvi falar no Xitole do tal grupo especial o que acho estranho, visto que, como sabem a ligação entre o Saltinho e o Xitole era muito estreita e constante.

Aliás, no meu tempo, se não me falha a memória o Saltinho era abastecido via Xitole.

Tanto que assim é, que uma vez fui incumbido de fazer uma coluna do Xitole ao Galomaro, via Saltinho e lembro-me que mais uma vez o Jamil Nasser me tentou dissaduir de tal, mas como isso não era possivel, à última hora apareceu com um camião, salvo o erro, de mancarra e a coluna decorreu sem incidentes.

Ora este episódio leva-me a crer que essa estrada já não seria, naquela altura tão utilizada, pois os cuidados eram muitos. Mas posso estar enganado!!!

3 - Operações de apoio a Bambadinca

Não me lembro de haver ou ter existido qualquer grupo especial vindo seja de onde for dar apoio a operações do meu Batalhão.

4 - FIATs e T6

Nunca ouvi, nunca vi, pelo menos no meu tempo, tal tipo de protecção a colunas na nossa zona.

5 - Rangers

Os Rangers tem uma associação que se chama Associação de Operações Esapeciais, sediada em Lamego e que tem um site na Net.

Só esse site responde pelos Rangers na Associação inscritos e, se por acaso essa estória foi descrita nesse site, e a mesma não corresponde à verdade - como parece não corresponder -, foi-o também na boa fé de camaradas de armas que não inventam, nem mentem sobre assuntos que custaram a vida a uns e muitos cabelos brancos, para não dizer mais, a outros.

Quando me perguntam porque fui de Operações Especiais costumo responder que fui voluntário à força, pois não foi em total liberdade que fiz tal opção o que não significa que não me orgulhe de ter pertencido a essas Forças Militares, como me orgulharia certamente de ter pertencido a quaisquer outras.

Tudo me parece muito estranho, porque às vezes a imaginação e vontade de sermos mais do que somos, prega partidas e leva a contar estórias romanceadas de algo que afinal não aconteceu.

Se for verdadeira, com certeza que o Eusébio apresentará as provas do que afirma, e penso já tarda um pouco!!!

"Todos não somos demais".

Abraço do
Joaquim Mexia Alves

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Nota de L.G.:

(2) Vd. os três posts anteriores, com data de hoje (P1119, P1120, P1121)

(2) BART 3873 (Bambadinca, 1972/1974)

Guiné 63/74 - P1121: Carta Aberta ao Ranger Eusébio (Paulo Santiago)

Guiné-Bissau > Região de Bafatá > Contabane > Quirafo > Feverereiro de 2005 > A fatídica GMC que serviu de caixão a muita gente no trágico dia 17 de Abril de 1972, na picada de Quirafo (entre o Saltinho, Contabane e Dulombi).

Foto: © João Santiago (2006)


Texto do Paulo Santiago:

Ranger Eusébio:

Há alguns anos, um camarada imprimiu do portal Terravista a sua história de guerra. Na altura não fiz qualquer comentário, não percebia nada de Net e de mails mas, entretanto, aprendi e daí o meu mail.

Pelas indicações que dá, o senhor pertenceu à CCAÇ, comandada pelo famigerado e incompetente Capitão-proveta Lourenço [, a CCAÇ 3490, Saltinho, 1972/74] (1). Penso que seria Furriel Miliciano, sendo o Armandinoo o Alf Mil de Operações Especiais da dita companhia.

O senhor falta à verdade em vários pontos da sua história:

1 - Não é verdade terem ficado uma noite em Bambadinca, onde eu estava: seguiram do Xime para Galomaro e aqui já não sei se pernoitaram ou seguiram para o Saltinho, via Pulom.

2 - Contrariamente ao que afirma, não tinha havido qualquer morto no Pulom. Montei muita segurança, quando do alargamento do carreiro dos djilas, o qual deu origem à picada que o senhor conheceu. Inaugurei essa picada juntamente com o Alf Mota (Operações Especiais) da [CCAÇ ] 2701 [Saltinho, 1970/72].

3 - O senhor não formou qualquer GE [Grupo Especial] (esta designação não existia na Guiné). Havia 8 militares no Pel Caç Nat 53, que fizeram algumas operações irregulares para lá da fronteira juntamente com outros, vindos de Bissau,sempre sem qualquer enquadramento de militares brancos. Este grupo foi inactivado, devido à estupidez e fanfarronice do proveta Lourenço.

4 - O senhor fala de HK47. Corrija, por favor, para AK47. Havia no Saltinho para aquele grupo de 8 militares um RPG2, que o senhor terá visto alguma vez e, por via disso, dizer que tinha um RPG7. Mais um engano.

5 - O senhor fala em muitos roncos. Pergunto: seus ou do PAIGC ?

6 -Tem uma foto com a legenda Operação Kirafo. Corrija para Quirafo. É lamentável utilizar aquele nome: além da aldrabice, o Quirafo, como sabe, evoca uma das maiores tragédias da Guiné. Devido à incompetência do seu capitão e do seu Comandante de Batalhão morreram naquele local mais de 20 pessoas, militares, milicias e civis. Morreu o seu camarada de Operações Especiais Alf Armandino, por quem o senhor deveria ter mais respeito, não inventando histórias.

Devo dizer-lhe, para lhe avivar a memória, não foi ninguém da sua companhia que correu, em socorro, para o local da emboscada. Foi o Pel Caç Nat 53, comandado pelo Fur Mil Mário Rui que não era Ranger. Esta emboscada, encomendada pelos seus comandantes, pode considerar-se um grande Ronco para o PAIGC. Junto uma fotografia da GMC, túmulo de seus camaradas, foto tirada em 2005: continua a atestar a estupidez criminosa do proveta Lourenço e do Castro Lemos (2).

O senhor queria ser herói. Não conseguiu e resolveu reescrever a história daquela época no Saltinho. É lamentável.

Santiago
ex-Alf Mil,
comandante do Pel Caç NAT 53
___________

Notas de L.G. :

(1) Vd. post anterior
(2) Castro Lemos: Julgo ser o comandante do Batalhão de Galomaro, o BCAÇ 3872.

Guiné 63/74 - P1120: O Ranger Eusébio no Saltinho: erros e omissões (Paulo Santiago)

Texto do Paulo Santiago (ex-alf mil do Pel Caç Nat 53, Saltinho, 1972/73), com data de 8 de Setembro de 2006:

Luís

Fui aos links indicados, lá encontrei as aldrabices, já vistas na página Terravista. Há gaijos com uma imaginação doentia, não pensam um dia ser desmentidos e caírem no ridículo. Quando me vieram há anos com a história do Ranger (1), logo naquela data quis fazer um desmentido, só não sabia onde e, além disso, confesso ter esquecido as façanhas até ao telefonema do Martins Julião [ex-Alf Mil, CCAÇ 2701, Saltinho, 1970/72].

Mas aos factos que eu considero falsos ou inexactos:

1 - O batalhão de Galomaro [BCAÇ 3872, Galomaro, 1972/74] não pernoitou em Bambadinca, onde eu me encontrava naquela data.

2 - Contrariamente ao afirmado na página do Ranger, não tinha morrido ninguém no rio Pulom. A picada do Pulom foi aberta, melhor dizendo, foi um alargamento do carreiro dos djilas, entre Chumael e imediações de Galomaro, onde fiz segurança com o [Pel Caç Nat] 53. Para o Saltinho era uma via de abastecimento mais segura e mais utilizável, mesmo durante as chuvas, em comparação com a via Bambadinca-Mansambo-Xitole-Saltinho. Não havia problema com minas, visto os carros do Jamil (2) e do Rachid, circularem no itinerário na maior das calmas.Coube-me a mim e ao Alf Mota da CART 2701 inaugurarmos a picada em Abril de 71 com uma ida a Bafatá, óptimo para quem estava no mato desde Outubro de 70. Desde a abertura até Agosto de 72 não houve,felizmente, qualquer incidente no Pulom.

3 - Falando verdade havia, é um facto, um grupo no Saltinho preparado para acções irregulares. Eram oito militares do 53, não foram fuzilados, por estranho que pareça,escolhidos pelo Marcelino [da Mata].É também verdade fazerem operações para lá da fronteira, juntamente com outros, vindos de Bissau,mas, sempre sem qualquer enquadramento de militares brancos. Este grupo acabou por ser desactivado, ainda no meu tempo, devido a interferências do proveta Lourenço, pensando que o grupo estava às ordens dele. Contarei o acontecido brevemente.

4 - Havia armamento do IN para aqueles oito elementos, que eu utilizei algumas vezes em operações regulares.O gaijo designa a Kalasch por HK 47, podia ter ido aos livros ver que é AK47.Também tenho uma história do Lourenço com uma AK47.

5 - Este gaijo fala dos Roncos. Esquece que o Ronco foi do PAIGC em 17 de Abril de 1972, com a tragédia do Quirafo (3). Foi a emboscada ao anoitecer em Madina Buco, hei-de contar, foi o ataque a Sincha Mamadú.

6 - Acredito que o Ranger seja da companhia do Lourenço, sabe coisas do Saltinho que batem certo. Alferes Ranger era o Armandino, por quem este senhor deveria ter respeito.

7 - A cara do tipo não me diz nada. Há uma foto de um militar branco frente a uma formatura de negros que não deve ter sido tirada no Saltinho. Deverá ser um pelotão de milícias. O armamento da foto é NT, não é IN.

Em minha opinião, há aqui erros e omissões que gostaria de ver esclarecidos (4).

Um abraço

Paulo Santiago

__________

Noat de L.G.

(1) Vd. post anterior

(2) Vd. post de 11 de Julho de 2006 > Guiné 63/74 - P952: Evocando o libanês Jamil Nasser, do Xitole (Joaquim Mexia Alves, 1971/73)

(3) Vds. posts de:


12 de Julho de 2006 > Guiné 63/74 - P955: As emoções de um regresso (Paulo Santiago, Pel Caç Nat 53) (5): O pesadelo da terrível emboscada de 17 de Abril de 1972

20 de Julho de 2006 > Guiné 63/74 - P975: As emoções de um regresso (Paulo Santiago, Pel Caç Nat 53) (7): ainda as trágicas recordações do dia 17 de Abril de 1972

21 de Julho de 2006 > Guiné 63/74 - P976: A morte do Alf Armandino e a estupidez do capitão-proveta (Joaquim Mexia Alves)


(4) Enviei em 22 de Setembro um e-mail ao ranger Eusébio, para esclarecer estes pontos (olémicos) mas até à data não obtive resposta. O e-mail não foi devolvido, o que sugere que o endereço está correcto e eventualmente activo. Eis o que eu lhe dizia:

ébio:

1. As minhas saudações, na qualidade de editor do blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné > http://blogueforanadaevaotres.blogspot.com/

2. Antes de publicar o texto do ex-Alf Mil Paulo Santiago (que esteve consigo no Saltinho), gostaria de poder ouvir e publicar também a sua opinião ou ponto de vista. Escreva-me para este endereço de e-mail: lgraca@clix.pt

Mantenhas.
Luís Graça




Guiné 63/74 - P1119: Um periquito no Saltinho, o ranger Eusébio (CCAÇ 3490, 1972/74)

Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Saltinho > Pel Caç Nat 53 > Finais de Março de 1972. O Alf Mil Paulo Santiago, comandante do Pel Caç Nat 53, ladeado por duas Kalash . O Paulo constesta algumas das afirmações constantes da página do ranger Eusébio, que terá pertencido à CCAÇ 3490 (Saltinho, 1972/74).

Foto: © Paulo Santiago (2006)


Guiné > Região de Bafatá > Saltinho > 1972 > Parada do quartel. O Pel Caç Nat 53, comandado pelo Alf Mil Paulo Santiago, estava aqui em reforço da unidade de quadrícula - originalmente a CCAÇ 2406, 1968/70, que pertencia ao BCAÇ 2852, com sede em Bambadinca, depois a CCAÇ 2701 (1970/72) a que pertenceu o Alf Mil Martins Julião e a seguir a CCAÇ 3490 (Saltinho, 1972/74), a companhia do Cap Mil Lourenço (o famigerado capitão-proveta) e do Alf Mil Armandino, vítima da tragédia do Quirafo, em 17 de Abril de 1972.
Foto: © Paulo Santiago (2006)


Texto do editor do blogue, L.G.:

Reprodução de um dos nossos posts, o post XLIII (43, em numeração romana), com data de 4 de Junho de 2005 > Guiné 69/71 - XLIII: Antologia (1): O que era ser periquito...

Na altura eu escrevi, premonitoriamente, o seguinte:

"Há páginas na Net que correm o risco de desaparecer... Miseravelmente. Como aconteceu com as páginas no Portal Terrávista. O maior portal, em língua portuguesa, da segunda década de 1990.

"Algumas das páginas que encontramos na Net têm um maior ou menor interesse documental para a história da guerra colonial na África Portuguesa. Por exemplo, mostram, com maior ou menor propriedade, rigor e talento, o que era a vida de um tuga na Guiné. Por isso merecem ser objecto de antologia.

"Hoje seleciono aqui a página de um ranger, que esteve na Guiné entre 1971 e 1974. É um ranger convicto, endoutrinado, disciplinado, como mandava a puta da sapatilha. A guerra acabou, não serei eu seguramente a alimentar as idiotas rivalidades que levaram a troca de insultos e até a confrontos físicos, em Bissau, entre a tropa de elite (paras, comandos, fuzileiros, operações especiais) e o resto: a tropa-macaca (como a CCAÇ 12 ou a CCAÇ 3) ou os cassanhos (como a CART 1690, do Alferes Lopes)"

Bom, na altura (Junho de 2005), essa página estava alojada num portal entretanto suspenso (Cidade Virtual). O seu endereço original era: http://sapo.telepac.pt/rangers/Guine/Guine1.htm

O sítio apresentava-se como a "página não-oficial" dos rangers, cuja associação (a Associação de Operações Especiais, criada em 1980, e com sede em Lamego) tem um sítio próprio.

A página do ranger Eusébio passou, entretanto, a ficar alojada no portal Planeta Clix (http://rangers.planetaclix.pt//). Ainda há uns tempos a (re)visitei. Estranhamente, voltou há dias a eclipsar-se... Daí o interesse em recuperar o seu conteúdo inicial, até por que o Paulo Santiago, ex-comandante do Pel Caç Nat 53, que esteve no Saltinho entre 1972 e 1973, contesta alguns dos factos aqui descritos (1).

Mas vejamos o que nos contava o periquito e ranger Eusébio, há um ano e tal atrás:

1. Começa por escrever o nosso ranger:

"A viagem durou aproximadamente cinco dias a bordo do navio Niassa e decorreu sem incidentes, com chegada ao largo do porto de Bissau ao anoitecer do dia 24 de Dezembro de 1971.

"Ali aguardámos, fizemos a nossa ceia da noite de Natal e desembarcámos nas primeiras horas da manhã do dia 25 de Dezembro. A excitação do jantar, a ansiedade do desembarque, de conhecer aquela terra tantas vezes falada (com apreensão!), aquelas gentes, não deixou que alguém pregasse olho. Bebemos, conversámos, cantámos até ao amanhecer cinzento, tórrido. Cansados, desembarcámos quase em silêncio".

2. "Uma vez desembarcados, fomos transportados para o aquartelamento do Cumeré que dista da cidade de Bissau uns 40 km por estrada e 12 km em linha recta, e onde permanecemos cerca de vinte dias.

"Este período foi destinado à habituação física, ao contacto com os naturais e, principalmente, ao primeiro encontro com a operacionalidade versus realidade da guerra. Daqui fomos transferidos para as localidades do interior do território (denominado mato).

"Pelo Rio Geba acima, em lanchas de desembarque da Marinha [LDG], fomos levados até ao Xime onde desembarcamos já ao fim da tarde".

3. E a viagem continua, pelas estradas da zona leste (Xime, Bambadinca, Galomaro, Saltinho):

"Ali, no Xime, esperava-nos um esquadrão de cavalaria com os blindados chaimite que nos iriam escoltar até á próxima paragem, Bambadinca.

"Já noite, pernoitámos e ganhámos forças para o dia seguinte que, segundo os velhos (aqueles que já lá estavam, na Guiné), seria bem mais difícil pois o risco de flagelação à distância ou emboscadas era muito grande, ou quase certo. Iríamos ter de atravessar o Rio Pulom onde fatidicamente algumas vidas já se tinham perdido. É um local de selva densa, temível.

"Dirigimo-nos então para Galomaro onde deixámos uma Companhia (CCS) e, de seguida, para o Saltinho, sempre acompanhados de perto pelos caças FIAT e bombardeiros T6 da Força Aérea. A tensão era muita, uma grande prova de nervos, mas, felizmente, não chegámos a ser presenteados pela hospitalidade do PAIGC.

"Chegámos finalmente ao local onde eu iria passar a maior parte do meu tempo de comissão" (2).

4. No Saltinho, "fomos recebidos pelos velhos como periquitos, com muita alegria e carinho. Estavam ansiosos pelo regresso às suas casas, e nós quase sentíamos inveja disso. Finalmente foram e assim ficámos entregues a nós próprios num misto de orgulho e saudade.

"Começámos então o nosso trabalho concentrados num objectivo: Havemos de fazer um grande ronco, estar cá para receber os nossos periquitos e regressar.

"Para isso passamos de imediato à acção que não se fez tardar,com algumas escaramuças com o PAIGC de Amílcar Cabral e de Nino Vieira.

"A vida ali não sofria grandes alterações para além das constantes incursões pelo mato, as operações de maior ou menor envergadura, as emboscadas, as flagelações nocturnas, os apoios a outras unidades em perigo, o bater à zona, a preparação no terreno de mais uma coluna de reabastecimento, o pedir apoio aéreo ou artilharia, o montar e desmontar de minas e armadilhas, fazer fornilhos, esticar arame farpado, abrir e restaurar abrigos, as noites sem dormir... os ataques de abelhas, os mosquitos e outros mais, o calor abrasador, a micose insustentável,... o whisky, a cerveja... e muita saudade!

"O aquartelamento do Saltinho era formado por abrigos em betão, capazes de resistir ao temível foguetão 122 mm, de origem soviética, cuja granada ao explodir produz cerca de 15.000 fragmentos mortais.

"Situava-se junto á fronteira com a Guiné-Conacri, na margem do Rio Corubal e constituía a defesa da ponte sobre o mesmo rio. Na outra margem tínhamos um destacamento. Mais para lá era terra de ninguém. Havia por perto, a Norte (a uns 30 km), uma das principais bases de ataque do PAIGC, a base de Kambera.

5. Prossegue o nosso ranger:

"A Sul, sensivelmente à mesma distância, a não menos importante base de Kandiafara que muitos e graves problemas causou aos nossos camaradas de Guileje e Gadamael Porto. A Sul do Saltinho, contavamos com o apoio dos obuses da eficaz artilharia do aquartelamento da Aldeia Formosa [hoje, Quebo].

"Água não faltava todo o ano (embora imprópria para consumo), de um rio que variava bruscamente o seu caudal conforme a época, seca ou das chuvas.

"Entretanto formei o meu grupo (GE) de nativos, por mim instruído e preparado para a execução de qualquer operação, reconhecimento ou acção irregular.

"Era um grupo constituído por naturais da etnia Fula e Futa Fula, homogéneo, com excelentes capacidades de combate, resistência física e grande camaradagem.

"Passámos juntos por situações de muito perigo como, por exemplo, em operações para além da nossa fronteira onde se tornava difícil qualquer apoio que não fosse o aéreo (quando possível!). Tomamos parte em grandes operações um pouco por toda a região de Bafatá, Galomaro, Bambadinca e Aldeia Formosa.

"Estávamos equipados com o tipo de armamento utilizado pelos guerrilheiros do PAIGC, desde a HK-47 (Kalashnikov) até ao temível lança granadas foguete RPG-7. Não havia dúvidas de que estas armas de origem soviética eram mais eficazes, tendo em conta as características da guerra que se travava (guerrilha), as acções a levar a cabo no terreno, assim como pela facilidade de manejo. No entanto o objectivo da utilização deste equipamento prendia-se sobretudo com a intenção de confundir o inimigo e obter daí as vantagens do efeito surpresa.

"Lamento sinceramente não saber qual o foi destino destes homens após a independência da Guiné. Pressuponho apenas que não terá sido o mais feliz, desgraçadamente.

"Terminado o tempo que a própria conjuntura determinou para a minha comissão (teoricamente 18 meses mas na prática dois anos e 94 dias), regressei à Metrópole novamente embarcado no navio Niassa cuja tripulação, pelo carinho e atenção que nos dispensaram, merece todo o apreço.

"A reintegração para mim não foi difícil. Com traumas da guerra não fiquei, caso contrário não me teria servido para nada a forte acção psicológica a que fui submetido durante a instrução do meu curso de Operações Especiais. Lá, no CIOE, formam-se Rangers, de Firme Vontade e Indómito Valor".
__________

Notas de L.G.

(1) Vd. post a seguir.

(2) Tudo indica que o ranger Eusébio pertencia à unidade de quadrícula, sedeada no Saltinho, a CCAÇ 3490, pertencente ao BCAÇ 3872, com sede em Galomaro.

Vd. post de 15 de Agosto de 2005 > Guiné 63/74 - CLXXI: Saltinho, 1971/74... United States of America, 2005

terça-feira, 26 de setembro de 2006

Guiné 63/74 - P1118: Operação Macaréu à Vista (Beja Santos) (13): Rebelo, meu rapaz, ninguém nasce soldado!


Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Bambadinca > Regulado do Cuor > Missirá > 1968 ou 1969 > O destacamento do Missirá (aspecto parcial) num fim de tarde calma.

Foto: © Beja Santos (2006)



Distintivo do Pel Caç Nat 52, no tempo em que era comandando pelo Alf Mil Joaquim Mexia Alves (1972/73), que sucedeu ao Wahnon Reis e ao Beja Santos.


Fotos: © Joaquim Mexia Alves (2006)


Texto enviado em 22 de Setembro último, pelo nosso tertuliano Beja Santos que, como ele confessa, está a viver um sonho, ou seja, a reviver o seu dia-a-dia de há quase 40 anos em terras do Cuor. Recorde-se que ele foi alferes miliciano e comandante do Pel Cac Nat 52 (em Missirá), tendo ainda sob a sua liderança a milícia de Finete e à sua guarda as respectivas populações. Sob o título Operação Macaréu à Vista, estamos a publicar as suas memórias de homem, de combatente e de condutor de homens no teatro de operações da Guiné (1).

Nota - Os títulos dos posts são, em geral, da responsabilidade do editor do blogue.


Caro Luís, para a semana serei mais parcimonioso pois vou preparar 20 horas de aulas que darei em breve em Carregal do Sal. Não vou comentar a questão dos cemitérios que ao contrário do que alguns dizem está devidamente repertoriada. Convém não esquecer que muitos mortos são deixados no campo de batalha ou bastante perto. Os norte-americanos que combateram no dia D e depois jazem em cemitérios que são campos de serenidade que apetece visitar. Na Líbia, visitei cemitérios onde estão sepultados alemães, italianos e britânicos. O que verdadeiramente me magoa são a incúria dos símbolos externos e da manutenção que lhes é devida, nos cemitérios espalhados por África. Na parte simbólica, destaco as homenagens aos mortos.

Seria bom que os autarcas do nosso país tivessem uma lista daqueles que morreram ao serviço da Pátria e naturais daquele concelho. Sempre que os Presidentes da República se deslocam às três ex-colónias onde combatemos devem dar sinais de preito, pois tais sinais são indispensáveis para as novas gerações. Mário Soares fez isso na Guiné, contrariando o chamado bom senso e a ira de Nino Vieira, e visitou o cemitério de Bissau.

Quanto à manutenção, os diplomatas deverão cooperar nas situações como a de Bambadinca, protestando mas dando sinais de que estão atentos à manutenção que, ao que parece, a Liga dos Combatentes pretende zelar. Aliás, prestamos-lhes bom serviço direccionando as nossas mensagens acerca dos desaparecidos.

Recebe um abraço do Mário.
_________________________

Os antepenúltimos preparativos

por Beja Santos


Há cerca de 10 anos tive um reencontro festivo com o Rebelo. Festivo e surpreendente. Bambadinca [, sede do Sector L1, Zona Leste], a pretexto de um estágio, enviou-nos o Rebelo das transmissões que trabalhou connosco desde os finais de Agosto [de 1968] até Fevereiro de 69. Depois partiu e não deu sinal de vida (2).

Se é verdade que a nossa colaboração nas operações se iniciou em Outubro, foi nos últimos dias de Agosto que recebemos ordens para partir para o Xime com o objectivo de patrulhar a Ponta do Inglês e regressar ficando dois dias no aquartelamento, enquanto a companhia local (talvez a CART 1746, já não sei) partia numa operação na região de Massambo.

Foi nessa época que me apercebi que os nomes das operações deviam ser decalcados de dicionários dos provérbios, dos cancioneiros populares e dos adágios: Fado Hilário, Vê Se Apanhas, Cabeça Rapada, Pato Rufia... A minha operação de estreia chamava-se Meia Onça, visava ir ao acampamento do Buruntoni, na mata do Baio. Dessa recordo que não percebi nem me foram comunicados os objectivos, puseram-nos à frente da coluna que saiu do Xime, andámos dois dias às voltas e ao que parece não encontrámos trilhos e os guias-picadores andaram sempre confusos.

Creio que todos nós vivemos situações caricaturais semelhantes. O que interessa é que partimos de Missirá, e não tínhamos ainda feito 2 Km quando ouvi uma imensa berrata na caixa do Unimog 404. Os soldados gritavam furiosos com o Rebelo que chorava, agarrado ao seu RACAL. Chamavam-lhe cobarde, que estava a fazer mal ao moral das tropas, que não era homem. Pedi ao Setúbal para parar imediatamente a viatura e seguiu-se um sermão violento em que fiquei convencido que eles estavam mais petrificados pelo meu gesticular do que pelo conteúdo do sermão. Em resumo, lembrei àqueles bravos que não se nasce soldado nem mesmo para herói. O Rebelo iria ter a sua oportunidade e mesmo ao meu lado. E ponto final, quem voltasse a barafustar ia ver-me virado do avesso.

Do Xime fomos à Ponta do Inglês, nessa altura já quartel abandonado. Fiquei com a recordação que o Rio Corubal era muito belo. Pois bem, há cerca de 10 anos, apanhei no Marquês de Pombal o autocarro 44 (Moscavide-Cais do Sodré), ao fim da tarde, ia eu com destino dos Restauradores. Então não é que quando me dirijo ao motorista, ele olha para mim, fixa-me esbugalhado, salta do banco, abre a cabine e entra-me no autocarro aos gritos:
- Ó meu alferes, eu sou o Rebelo e andei consigo na guerra!

Abraçamo-nos perante uma plateia atónita até que uma velhota pôs ordem na festa: `
- Ó Sr. motorista, acabe lá com essas expansões e leve-nos ao destino!.

Ganhei muito por reencontrar o Rebelo e por ele ter vencido aquela prova de fogo. Em Missirá aprendo novos misteres. Por exemplo, já descodifico rapidamente as mensagens. Será que vocês se lembram? As coisas passavam-se assim:

De LVO
Para DKO
INFO

EDITE NOITE GUITA BERRO LUIS
GRETA GOZO DENTE GINA CEDRO
GUITA GRETA MANGA SOLAR AFINO
GRETA BABEL BUDA GUITA HORTA

Pode ser que alguém tenha guardado desse tempo os manuais do cripto. Decifrada esta mensagem, quebra-se o enigma e fica-se a saber o que Bambadinca me comunica: "Ida hoje mecânico esse. Seguirá esse com pessoal desse que tiverem este fim reabastecimento".

Para quem quer sorrir lembro aquela famosa mensagem: "Info Vexa Sexa Passou Aqui Toda Mexa".

É manhã cedo e hoje Missirá terá o meu olhar frívolo e mundano. À porta da sua morança, Binta Sambu medita, acocorada. Cumprimento-a (corpo s'tá bom?) e pergunto-lhe se tem notícias do Uam. Ele ficara ferido semanas antes de eu chegar. Ao que creio numa desactivação de mina. É um mansoanque, uma figura original. Quando ele morrer nos meus braços, no amanhecer de 1 de Janeiro de 1970, direi dele: "Canhoto chupado, preto de mansoanque, manto de Navarra, um gamo antigo. Trouxe-o moribundo, a laquear toda a esperança que a guerra aspira fundo. Um anjo lhe acobertou a nudeza de tiros imprevistos, no lento rio, a todos irmanado. E houve batuque no céu.".

Cumprimentei depois o Campino, o bazuqueiro. Estou em crer que ele se conferia ao direito de ser o galã da companhia e para dar mais intensidade à pose tinha mesmo um barrete de campino. Em Fevereiro [de 1969], quando o Comandante-Chefe, nos visitar, perante a minha aceitação de todo este multiculturalismo, o brigadeiro vociferará:
- Tenho impressão que você comanda um quartel disfarçado de circo!

Depois de Campino, falo com Mamadu Silá, um gigante futa-fula que tem um fio de voz de criança. Silá aproveita para me pedir uns dias de férias, tem um choro à espera dele. Eu pareço que ando a despachar serviço enquanto deambulo sem direcção.

Missirá enche-se de vida, as mulheres seguem dengosas para a fonte, as crianças chilreiam, os civis partem para os trabalhos agrícolas. Sinto que a minha relação se aprofundou com aquele lugar que continua espesso, e mesmo opaco, à minha compreensão. Nessa noite, depois de ler, rememorando aquelas primeiras horas da manhã em que conversei, fiz perguntas ociosas, bebi chá com Lânsana, com o Saiegh a olhar-me desconfiado não estivesse eu doente com tanta despreocupação, folheei alguma lírica camoneana. E depois de visitar os postos de sentinela, escrevi:

A Luis Vaz de Camões

1 Adamastor. Passamos o limite onde chega/
O Sol, que para o Norte os carros guia. Para lá de as Dorcadas /
a bolanha de Finete sobe um elevado morro.
É no anoitecer súbito, tropical, com piares lúgubres de pássaros desconhecidos/
Um Unimog embrenha-se na floresta de galeria, e suspiro por Missirá/
Cuidado com os perigos, grita-me o Adamastor

2 Camões convivial. Acima de Galileu, depois de Calecute, Alexandria e Parnaso, sextina ou redondilha, Jau ou Gama, canto de moço, de velho do Restelo, de trança, tu és o Camões da peregrinação, mendicante da prisão, mas também Inês sem razão. Camões, máquina lusíada, de ti recebemos a vida frugal e exuberante. Tu és a tuba da ditosa Pátria e explica-me porque é que na guerra fui lançado
.

Venho ver o mundo fora do abrigo, o céu estrelado. Missirá dorme. Mal sabia eu que amanhã vou ser posto à prova perante um tema desconhecido de sensibilidade e sexo secreto. Eu vou contar. E depois Missirá vai ser flagelada.

___________

Nota de L.G.

(1) Vd. post de 22 de Setembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1102: Operação Macaréu à Vista (Beja Santos) (12): Os meus irmãos de Finete

(2) Sobre os nossos homens de transmissões (trms), vd. posts de:

2 de Julho de 2005 > Guiné 69/71 - XCIV: Um alfa bravo para os nossos Op TRMS (1)

9 de Julho de 2006 > Guiné 69/71 - XCVIII: Um Alfa Bravo para os nossos Op TRMS (2)

Guiné 63/74 - P1117: Reabilitação de talhões e cemitérios militares nas antigas colónias (Jorge Santos)

Mensagem do nosso amigo e camarada Jorge Santos, o nosso ex-fuzileiro que esteve em Moçambique e que anima a página A Guerra Colonial, a mais antiga de todas:


Luís:

Segundo notícia publicada no Correio da Manhã de 9 de Janeiro de 2005, que anexo, estão sepultados em vários talhões e cemitérios das antigas colónias os seguintes combatentes: na Guiné, 630; em Moçambique, 1053; e emAngola, 1346.

O Ministério da Defesa fez na altura um protocolo com a Liga dos Combatentes. Seria interessante saber o que se fez, o que se faz e o que se vai fazer. E convém ter em atenção e lembrar que este processo já se arrasta desde 5 de Fevereiro de 2003. Mas creio que não é só à Liga dos Combatentes que se devem colocar questões: e então o que fazem as outras Associações de Ex-Combatentes? Qual tem sido o papel delas neste processo todo?

E os associados das várias Associações também têm uma palavra importante adizer. Basta que nas Assembleias Gerais façam aprovar uma moção a exigir dasDirecções uma intervenção junto de quem de direito sobre o caso dos camaradas que se encontram sepultados nos vários talhões e cemitérios das antigas colónias. Honra e respeito aos que tombaram nas várias frentes de combate.
Abraço,

Jorge Santos
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Notícia publicada no Correio da Manhã, de 9 de Janeiro de 2005

Defesa: Ministro assina protocolo com Liga dos Combatentes
Portas vai recuperar cemitérios do Ultramar


A poucos dias da pré-campanha eleitoral, o ministro da Defesa não quer deixar pendentes dossiês no seu Ministério. O último foi assinado ontem no Porto e estabelece um protocolo com a Liga dos Combatentes, tendo em vista recuperar talhões e cemitérios nas antigas colónias onde ficaram sepultados milhares de combatentes.

Paulo Portas assinou, por isso, um documento que prevê uma verba de 600 mil euros a distribuir por tranches até 2008. O ministro justificou a iniciativa com a frase: “Só merece respeito dos vivos quem honra os seus mortos”.

Os alvos são, por exemplo, as sepulturas sem nome ou os talhões votados ao abandono. Segundo o Ministério, pelo menos 3000 militares portugueses foram sepultados nas ex-colónias em mais de 300 locais diferentes. O processo que deu origem a este protocolo, iniciado a 5 de Fevereiro de 2003 e ontem concluído. Moçambique, Angola, Guiné-Bissau, Cabo-Verde e até Timor-Leste são os países de acção do programa. No território nacional também está contemplada a recuperação da Cripta, no Alto de São João, em Lisboa, mas só deverá ser abrangida em 2006.

Já este ano, o protocolo com a Liga dos Combatentes prevê a recuperação do talhão no cemitério de Santana, em Luanda, Angola, os cemitério do Alto das Cruzes, na mesma cidade e o de São José de Lhanguene, em Maputo, Moçambique .

Em 2007 está ainda prevista a recuperações de talhões em Timor-Leste num processo coordenado pela tutela, pela pasta da Diplomacia – através dos consulados, embaixadas e adidos militares – bem como da Liga dos Combatentes, liderada pelo general Chito Rodrigues.

NOTAS DE UM PROTOCOLO

MILITARES

Segundo um levantamento feito pelo Ministério da Defesa, em Angola estão sepultados 1346 combatentes em 163 locais diferentes. Em Moçambique são 1053 e na Guiné são 630.

PAGAMENTOS

Só este ano, o Ministério compromete-se a pagar à Liga dos Combatentes 37 500 mil euros até 28 de Fevereiro, a mesma soma até 30 de Abril, 31 de Julho e 31 de Outubro.

SONDAGENS

O momento de pré-campanha levou Portas a comentar a sondagem do Expresso que dá ao seu partido 6,3 por cento: “Para mim é ouro”. Hoje tem um almoço em Santa Maria da Feira.

Cristina Rita / José Rodrigues

Guiné 63/74 - P1116: Fotos falantes (Torcato Mendonça, CART 2339) (1): A guerra acabou?


O Torcato Mendonça, ontem e hoje... Ontem, em Mansambo (1968/69), hoje no Fundão (onde vive), ou melhor, de férias, no Algarve (donde é natural)... 

Há em tempos, em Maio último, ele escreveu-me o seguinte (dizendo-me que não era para publicar e, por isso, vou-lhe pedir desculpa pela pequena inconfidência e quiçá abuso...): "Não sou do Fundão. Sou meio algarvio e alentejano. A outra metade é de cá – muito – e do mundo. Agora estou cá exilado há muito tempo. É relaxante. Se vieres até cá, facilmente me encontras. Será um prazer. Não conheço, melhor talvez conheça, tua irmã [, enfermeira no centro de saúde local]. Se tiver oportunidade, fá-lo-ei". 
Já falei com o Torcato duas vezes ao telefone. Quando for ao Fundão, visitar a minha irmã, irei também dar-lhe um abraço. Espero poder revê-lo, um dia destes, a este velho camarada que andou, tal como o Carlos Marques dos Santos, pelos mesmos sítios do que eu, na zona leste da Guiné. Até lá, espero que o seu coração de andarilho e de cidadão do mundo se porte bem. 
Que a guerra, de facto, ainda não acabou: temos as nossas memórias por (d)escrever...(LG)

Fotos e texto: © Torcato Mendonça (2006) (1)

Início da publicação do álbum de fotografias do Torcato Mendonça que ele teve a gentileza de me fazer chegar, pelo correio, através de um CD-ROM. Chamou-lhe fotos falantes, o que é uma expressão curiosa que vamos manter, e que faz jus à ideia de senso comum de que vale mais uma imagem do que mil palavras... Eu concordo, em parte, porque acho que uma boa fotografia exige sempre uma boa legenda...

O Torcato foi Alf Mil da CART 2339, Mansambo, 1968/69), ou seja, da mesma companhia do António Santos Almeida, do Carlos Marques dos Santos, do Ernesto Ribeiro e do Saagum. Mansambo pertencia à Zona Leste, Sector L1, Bambadinca. Nessa época, o Batalhão que estava sediado em Bambadinca era o BCAÇ 2852, comandado inicialmente por ten cor Pimentel Bastos, o Pimbas, substituído em meados de 1969 pelo ten cor Pamplona Corte-Real. Mas, ainda "antes do 2852 estava lá o 1904 e depois… te contarei", diz o Torcato. Vamos falar aqui (e mostrar) alguns destes personagens que comandaram a nossa guerra, e sobretudo daqueles, bravos e humildes soldados, que a fizeram... (LG)

Texto do Torcato Mendonça:

FOTOS FALANTES

São fotos de uma primeira escolha feita num Álbum e em vários arquivadores de Slides. Desapareceram-me muitos e tenho pena.

1 - Fotos do passado (1968/69) e actuais.
Podem ser colocadas na listagem da Tertúlia (2), se esse for o teu entendimento. Dois pares a serem colocados por qualquer ordem – uma do passado, outra do presente.

(Continua)
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Notas de L.G.:

(1) Vd. posts anteriores de (ou sobre) o Torcato Mendonça:

15 de Maio de 2006 > Guiné 63/74 - DCCLIII: O Malan Mané estava vivo em Novembro de 1969 e eu abracei-o (Torcato Mendonça)

16 de Maio de 2006 > Guiné 63/74 - DCCLX: Bem vindo, alferes Torcato da CART 2339 (Mansambo, 1968/69) (Carlos Marques dos Santos)

(...) "É com satisfação que vejo entrar na tertúlia o nosso Alferes Torcato.

"A propósito do almoço da CART 2339, no próximo dia 20, no Gerês, enviei a nossa morada tertuliana e o Torcato ligou-me de imediato. Estivemos meia hora ao telefone, recordando factos da nossa experiência vivida na Guiné" (...).

(2) O Torcato entrou para a nossa tertúlia em meados de Maio de 2006. Eis um excerto de um e-mail que ele me mandou em 14 de Maio:

"O Marques dos Santos deu-me a conhecer este Blogue. Há muito que a 'guerra' acabou para mim, só que quase diariamente ela aparece…! Não resisti, fui à Net e tenho navegado pelo blogue. Fui alferes miliciano na 2339. Li certos eventos que os vivi – o Malan Mané estava vivo em Novembro de 69 e recebia tratamento no Hospital de Bissau. Abracei-o, causando espanto ao fuzo que o guardava. Só que eu estive na mata com o Malan Mané, soube que foi ferido …Eu usava como arma, quando se justificava, o dilagrama…

"Meu caro, há escritos que não tinha deles essa recordação. Vou ter que ir à História da Companhia. Agradeço-lhe este blogue, o fazer-me relembrar certas vivências e questionar-me sobre outras. Mansambo da foto não era a do meu tempo. O Zacarias Saiegh foi meu amigo. Era um Homem extraordinário, ele e outros que foram meus camaradas e foram fuzilados. Nunca os esqueço e não sei perdoar.

"Vou reler a história da 2339 e talvez um dia faça um escrito e lho envie. Madina Xaquili, o meu Gr Comb fez escolta a uma CCAÇ… seria a 12? Estávamos no Cop 7 em Galomaro É a memória a abrir-se. Paro aqui" (...)

segunda-feira, 25 de setembro de 2006

Guiné 63/74 - P1115: O Destacamento do Mato Cão, no tempo em que comandei o Pel Caç Nat 52 (1972/73) (Joaquim Mexia Alves)

Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Bambadinca > Cuor > Destacamento de Mato Cão > 1973 > Pel Caç Nat 52 > A travessia do Rio Geba fazia-se de Sintex, a remos. Na foto, o Alf Mil Joaquim Mexia Alves, de pé, empunhando uma G3.


Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Bambadinca > Cuor > Destacamento de Mato Cão > 1973 > Pel Caç Nat 52 > O Alferes Mil Joaquim Mexia Alves, com o Tomango Baldé, um dos mais antigos soldados do Pelotão, segurando um macaco-cão.


Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Bambadinca > Cuor > Destacamento de Mato Cão > 1973 > Pel Caç Nat 52 > Os precários abrigos existentes no tempo do Alf Mil Joaquim Mexia Alves, aqui na sua residência.

Fotos: © Joaquim Mexia Alves (2006)


Caros Luís e Mário:

Do que me lembro, não cheguei a conhecer o Alf Wanhon Reis, pois quando cheguei ao Pelotão ele estava sem Oficial.

Ao que sei, o 52 esteve em Fá [Mandinga] , tendo vindo depois para a Ponte de Udunduma, na estrada Bambadinca/Xime. Foi lá que tomei o comando do Pelotão, em meados de 72.

Penso, pois não me consigo lembrar com clareza, que uma das secções do Pelotão poderia estar no reordenamento dos Nhabijões, junto a Bambadinca, tendo sido depois reentegrada no Pelotão quando em Setembro/Outubro (?) de 72 fomos colocados no Mato Cão (1).

No Mato Cão estava, salvo o erro o [Pel Caç Nat] 63, por isso o Jorge Cabral deverá estar certo quanto à inauguração do Destacamento de Mato Cão, que depois foi colocado em Fá.

Penso que o Mato Cão foi instalado para dar mais segurança àquele troço do Rio Geba e sobretudo para defender o ordenamento dos Nhabijões, entretanto construído do outro lado do Rio Geba (2).

Se as condições no Mato Cão eram péssimas, sem luz nem água, tomávamos banho num poço junto ao rio com latas de conservas de fruta, na Ponte de Udunduma ainda eram piores, tendo apenas a vantagem de estarmos mais perto de Bambadinca, o que me permitia de vez em quando tomar um banho mais decente.

Ao Mato Cão chegava-se apenas de Sintex, a remos, e a ida a Bambadinca, para além do cruzeiro de barco, tinha depois uma caminhada a pé até ao quartel.

Estivemos ali, ao que me lembro até meados de 73, quando fui colocado na CCAÇ15, [em Mansoa,]um pouco a meu pedido em Bissau, pois queria sair das ordens daquele comando de Batalhão [o BART 3873, Bambadinca, 1972/74]. Um dia conto a história.

Ao que sei antes do Natal de 73 o [Pel Caç Nat ] 52 voltou para Fá. A partir daí já nada sei.

Junto várias fotografias do Mato Cão, numa delas está o mesmo macaco-cão, e o Tomango Baldé, que penso seria um dos mais antigos do Pelotão.

A 24 retrata a minha residência, a 32 é o Tomango Baldé que penso seria um dos mais antigos do Pelotão.

Abraço
Joaquim Mexia Alves
___________

Notas de L.G.

(1) Sobre este destacamento, ver ainda os posts de:
22 de Abril de 2005 > Guiné 69/71 - VI: Memórias do Xime, do Rio Geba e do Mato Cão (Sousa de Castro)

28 nde Abril de 2005 > Guiné 69/71 - VIII: O sector L1 (Xime-Bambadinca-Xitole): Caracterização (1) (Luís Graça)

(...) "Possibilidades do IN:
" (i) No plano militar:
" (i) Manter as acções de fogo sobre os aquartelanentos das NT; (ii) Intensificar as acções de guerrilha preferencialnente sobre as tabancas em autodefesa, pelotões de milícia e seus itinerários de socorro; (iii) Realizar acções de reconhecimento nos regulados de Badora e Cossé, a partir dos regulados de Xime, Bissari e Corubal; (iv) Utilizar as linhas de infiltração que do Boé conduzem aos regulados de Xime e Bissari através da faixa norte do regulado do Corubal, e que da área Xime-Mansambo conduzem à estrada Bambadinca-Mansambo; (v) Efectuar acções de barragem á navegação no RGeba, em especial nas áreas de Ponta Varela e Mato Cão; (vi) Reagir à acção de contrapenetração das NT" (...).

28 de Dezembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCCXCVIII: 'turras brancos' em Bissaque, uma ficcção cabraliana (Luís Graça)

30 de Agosto de 2006 > Guiné 63/74 - P1039: O Pel Caç Nat 52 no Mato Cão (Joaquim Mexia Alves)

5 de Setembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1045: Pedido ao Joaquim Mexia Alves (Pel Caç Nat 52) para ajudar a desvendar o passado (Beja Santos)

6 de Setembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1049: O destacamento de Mato Cão (Paulo Santiago)

7 de Setembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1056: Estórias avulsas (1): Mato Cão: um cozinheiro 'apanhado' (Joaquim Mexia Alves)


(2) Sobre o reordenameno de Nhabijões, vd. posts de:

28 de Fevereiro de 2006 > Guiné 63/74 - DXCIV: Nhabijões: quando um balanta a menos era um turra a menos (Luís Graça);

2 de Dezembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCCXXIX: E de súbito uma explosão (Luís Graça) ;

21 de Setembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCII: O reordenamento de Nhabijões (1969/70) (Luís Graça);

23 de Setembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCV: 1 morto e 6 feridos graves aos 20 meses (CCAÇ 12, Janeiro de 1971) (Luís Graça).


Guiné 63/74 - P1114: Pensamento do dia (8): Matar ou morrer ? ... Morrer, não, que não tenho tempo! (Joaquim Mexia Alves)



Os emblemas das três unidades por onde passou, de Dezembro de 1971 a Dezembro de 1973, o nosso camarada Joaquim Mexias Alves, ex-alferes miliciano de operações especiais, que pertenceu originalmente à CART 3492 (Xitole / Ponte dos Fulas), antes de ingressar no Pel Caç Nat 52 (Bambadinca, Ponte Rio Udunduma, Mato Cão) e depois na CCAÇ 15 (Mansoa ).

Fotos: © Joaquim Mexia Alves (2006)


Mensagem do Joaquim Mexia Alves , de 18 de Setembro último:

Caro Luis Graça

Ao ler o último post escrito pelo Mário Beja Santos (1), chego à conclusão que apesar de tudo o tal emblema [com a ínsígnia Matar ou Morrer] vingou, porque quando eu cheguei ao [Pel Caç Nat] 52, era esse emblema que se usava.

Lembro-me que o achei mauzinho e até um pouco incomodativo, mas não sabendo a génese da coisa achei por bem deixar ficar o que já estava.

Lembro-me ainda de ter ironizado com a frase e de ter dito qualquer coisa como:
- Matar ainda vá que não vá, para me defender, mas morrer... não tenho tempo!!!

Enfim, pensamentos da época!!!

Já tens esse emblema, que te mandei há tempos numa mensagem, bem como o da CART 3492 [Xitole] e CCAÇ 15 [Mansoa] [vd fotso acima].

Abraço do
Joaquim Mexia Alves

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Nota de L.G.

(1) Vd. post de 16 de Setembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1081: Operação Macaréu à Vista (Beja Santos) (11): Matar ou morrer, Saiegh ?

(...) "Em meados do mês de Agosto, regressávamos do abastecimento em Bambadinca quando o Saiegh me mostrou triunfante, enquanto esperávamos a piroga, as insígnias em plástico que ele concebera para o Pel Caç Nat 52: era uma coisa assim apiratada com caveira e tíbias, um verde fluorescente e a frase "Matar ou Morrer". O meu olhar gelou e o Saiegh não resistiu a dizer-me: - Já vi que não gosta. Será por a iniciativa ser minha?" (...)

Guiné 63/74 - P1113: Notas de leitura (1): Dez razões para ler 'Em tempos de inocência', diário do Embaixador A. Pinto da França (Beja Santos)

Recensão bibliográfica do livro Em tempos de Inocência – Um Diário da Guiné-Bissau, de António Pinto da França. Lisboa: Prefácio, 2005.192 pp. (Prefácio de Francisco Seixas da Costa).


Em tempos de inocência

por Beja Santos


De 1977 a 1979, António Pinto da França (1) foi embaixador de Portugal acreditado na Guiné-Bissau. Ele regista em forma de diário estes primeiros anos da independência, descrevendo com simplicidade e por vezes uma atmosfera quase mágica a vida da Embaixada, os membros do corpo diplomático, as compras, os passeios, os encontros, os ambientes múltiplos, alguns momentos históricos. Há pitoresco, desabafo íntimo, melancolia, registo meticuloso daquilo que não mudou no tempo africano.

"Em Tempos de Inocência, um diário da Guiné-Bissau", por António Pinto da França (Lisboa, Prefácio, 2005) é uma obra de indiscutível interesse para conhecer os tempos ingénuos e tumultuosos que se seguiram à nossa passagem na guerra colonial. Um diário que tem total cabimento ser conhecido por todos. Como vou procurar demonstrar.

Primeiro, a saborosa observação do quotidiano íntimo, anotando ambiguidades, vaidades de políticos e diplomatas, cooperantes idiotas, populações aderentes à independência do País e ao amor a Portugal. Naquele tempo Bissau era uma cidade limpa, com a sua atmosfera extravagante dada pelos sons, as cores das gentes, o fervilhar de um cosmopolitismo pobre mas divertido.

Segundo, as notas sobre a classe política têm uma importância primordial, registando o poder mestiço de gente muitas vezes proprietária e convicta de mudanças prodigiosas em curto espaço de tempo.

Terceiro, a compreensão do grande vulto que foi Amílcar Cabral.

Quarto, a crítica poderosa à incompreensão dos diplomatas acreditados sobre a realidade da Guiné-Bissau.

Quinto, uma água-forte da cooperação portuguesa, dividida entre a dedicação pura, os interesses materiais e os partidários.

Sexto, um registo do espaço e do lugar que certamente os historiadores irão um dia a visitar. Oiçamo-lo a falar das suas visitas por Bissau nas compras: "Hoje, não tem papel higiénico, mas tem, por uma pechincha, uma travessa de prata alemã, miragem impossível em Lisboa. Ontem não tem pasta de dentes, mas está ali a Enciclopédia do Humor português esgotado em Portugal. Anteontem, não tem cola, mas encontra-se por acaso um motor para a central da Embaixada que, há semanas, se pede inutilmente ao Ministério, ou um álbum para fotografias que há meses aguardo ansioso de Nova Iorque... Nas lojas, paira no ar, não sei porquê, um cheiro asiático a especiarias. As mercas saem poeirentas de recantos insuspeitos e assalta-me a sensação de um mundo escondido inacessível e uma saudade como daquelas coisas que se finam e não voltarão jamais".

Sétimo, lança um olhar feliz e comprometido sobre a cimeira de Bissau, que reuniu Ramalho Eanes e Agostinho Neto e depois a visita oficial de Ramalho Eanes ao país.

Oitavo, sente-se o prazer pela comunicação escrita, a vontade irreprimível de por no papel aquilo que não cabe na viva voz. Assim: "Gosto cada vez mais de escrever e menos de conversar. No papel as ideias alinham-se serenas, direitinhas, e as palavras encadeiam-se escolhidas, apropriadas umas às outras. Enquanto se escreve nada nos distrai de nós próprios e descobrimos, de repente, que uma charada nossa, por longo tempo indecifrável, surge no papel resolvida, clara e evidente. A palavra, a conversa, é sempre desde o início um duelo. Mais que chegar a uma conclusão, importa marcar pontos no jogo do diálogo. As ideias entram no jogo e vão traindo a fonte, para se ajustarem ao fim primordial de se sobreporem às palavras dos outros".

Nono, o registo daquela direcção do PAIGC, que depois se veio a descobrir que depositava os seus adversários na vala comum e que escondia irresponsavelmente a questão fundamental do contencioso Guiné/Cabo Verde pela presença portuguesa. Obviamente que o pensamento de Amílcar Cabral ainda era omnipresente e a nova classe política apercebeu-se do significado de falar português e de cultivar memórias como enclave no meio da cultura francesa.

Décimo, o orgulho pela obra feita, o Centro Cultural Português, inaugurado durante a visita de Estado, em Fevereiro de 79 (2).

Ao despedir-se do leitor, Pinto da França diz-nos: "Achei emocionante ser testemunha dos primeiros passos de um novo país em condições tão desastrosas. Por vezes tive a sensação de assistir a um parto dramático... Vai comigo uma suave recordação do povo guineense, da sua nobreza, da sua afabilidade, da sua hospitalidade, da sua sensibilidade da sua resignação ao sofrimento, da sua inocência. Ensinaram-me algumas coisas importantes".

A História, com efeito, preparava-se para um grande salto. Em breve a Guiné vai conhecer mais esperanças e novos sofrimentos. Mas isso será a História para outro diário de embaixador...

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Nota de L.G.

(1) Segundo a Lusa (9 de Março de 2006), António Pinto da França iniciou a sua carreira diplomática em Jacarta, Indonésia, como Encarregado de Negócios (1965-1970), tendo depois passado pela Embaixada da Delegação Portuguesa junto do Conselho da NATO, em Bruxelas. Foi na Guiné-Bissau que, pela primeira vez, exerceu funções de embaixador de Portugal. Angola, Alemanha, Santa Sé e Malta foram outras representações diplomáticas portuguesas que chefiou posteriormente.

(2) Informação constante do sítio do Instituto Camões: Abertura: 1994. Responsável: Frederico Silva . Localização: Av. Cidade de Lisboa, CP 76, Bissau. Tel +245 203 395 / 212 741; fax +245 201514; e-mail: ica.ccpbissau@sapo.pt

De entre as obras já publicadas pelo Centro Cultural Português, cite-se a título de exemplo o livro Poemas, de Artur Augusto da Silva (Bissau, Centro Cultural Português, 1997, 77 pp.). O autor, já falecido, era o pai do nosso amigo, camarada e irmão Pepito (ou Carlos Schwarz). Artur Augusto da Silva é também autor do delicioso livro de contos O Cativeiro dos Bichos (Bissau, 2006): vd. posts de

16 de Dezembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCCLXXVIII: Um conto de Natal (Artur Augusto Silva, 1962)

16 de Fevereiro de 2006 > Guiné 63/74 - DXXXIX: Projecto Guileje (9): obus 14, precisa-se!

20 de Maio de 2006 > Guiné 63/74 - DCCLXXV: Antologia (38): O cativeiro dos bichos (Artur Augusto Silva)

Guiné 63/74 - P1112: Os mortos do Talhão do Ministério do Exército: o caso do Agostinho, da CCAÇ 4150, Guidaje (Albano Costa)


Excerto da carta enviada pelo ex-capitão miliciano Armando Figueiras ao Albano Costa, em 7 de Maio de 2006 sobre os restos mortais do soldado Manuel Agostinho Mendonça Oliveira, da CCAÇ 4150 (Guidaje, 1973/74).

Imagem gentilmente cedida pelo Albano Costa (2006)



Guiné > Região de Cacheu > Guidage > CCAÇ 4150 (1973/74) > Vista panorâmica do quartel de Guidage. Dezembro de 1973

Foto: © Albano Costa (2005)


Texto Albano Costa (ex-1º cabo da CCAÇ 4150, Guidage, 1973/74):

Caro Luís Graça

Sobre a reportagem [da RTP1] dos mortos que ficaram na Guiné, eu sempre o soube... Aliás em Guidage, zona aonde eu cumpri parte do meu serviço militar, foi com uma certa tristeza que, quando viemos embora de Guidage, eu tinha a consciência que lá tinham ficado colegas nossos que foram obrigados a ir para a guerra e que o nosso Estado não se achou com a obrigação de os devolver às famílias. Isso, todos os governos antes e depois do 25 de Abril devem assumir que falharam e muito, porque não venham dizer agora que não têm dinheiro, ou que é muito difícil. Não, não era, porque nós ficámos sempre com muitas boas relações com o povo guineense.

Faço, pois, um alerta ao actual e futuros governos: tragam os nosso mortos para as suas terras, e entreguem às suas famílias.

Mas eu já nada me surpreende!... Fomos carne para canhão, e salve-se quem puder, foi o lema do regime da altura. E esta democracia, o lema foi e é sempre, não é nada com nós, eles (os familiares) que resolvam!...

Agora vou contar como foi o tratamento que o Estado deu ao colega da minha companhia [CCAÇ 4150] que morreu em Guidajge: fez-se o funeral, um funeral digno, de Guidage para Bissau, e julgando que ele iria continuar a ter um funeral digno até ser entregue aos seus familiares, para minha tristeza venho a saber, ao fim de quase trinta anos (!), que o enviaram para Portugal e aí sepultaram-no no cemitério do Lumiar, em Lisboa - Sepultura nº14, do Talhão do Ministério do Exército.

Eu aí contactei o ex-capitão da minha companhia, que ficou admirado, e entrou em contacto com a familia. Os familiares também ficaram admirados, já que na altura foram informados que o corpo tinha ficado sepultado em Bissau. Por sua vez, os pais faleceram com a mágoa de não ter o filho por perto... Por isso, hoje nada me surpreende.

Envio parte da carta (1) da conversa tida pelo meu ex-capitão com os familiares, para que fique resistado para a história. Realmente é preciso que não se deixe que os historiadores amanhã queiram fazer a história à maneira deles.

Um abraço,
Albano Costa
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Nota de L.G.:
(1) Transcrição do excerto da carta, reproduzida acima, da autoria de Armando Figueiras:
Faro, 07.05.06

Caro Albano:

Espero que esteja tudo bem contigo e teus familiares.

Pois bem, sobre aquela informação que me deste sobre o Manuel Agostinho Oliveira Mendonça, consegui por intermédio da C.M. de V. Pouca de Aguiar o nº de telemóvel do Presidente da Junta de Freguesia de Soutelo de Matos, de onde ele era natural. Foi muito simpático e receptivo. Falámos um pouco.

Escrevi depois a um dos irmãos dele que vive ainda na freguesia, e mais tarde a esposa telefonou. São pessoas muito humildes, trabalhadoras. Disse-me que os pais já faleceram, mas disseram-lhes na altura que os restos mortais tinham ficado em Bissau.

O Agostinho tem 2 irmãos que vivem no Porto e mais um irmão que está em França. Não manifestaram interesse em que os restos mortais fossem transladados para a freguesia, e eu compreendo, já passaram 32 anos, e os pais em vida não tinham meios nem conhecimentos para tratar do assunto. Os pais, pelo que a cunhada do Agostinho me disse, nunca recusaram o corpo, e sofreram muito por não poderem tê-lo perto deles.
(...)

domingo, 24 de setembro de 2006

Guiné 63/74: P1111: A primeira mina, os primeiros suores (Joaquim Mexia Alves)


Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Xitole > CART 3492 (1972/74) > 1972 > O Alf Mil Mexia Alves ostentando o seu ronco, a primeira mina que levantou na estrada Bambadinca-Xitole. O Mexia Alves era de operações especiais e esteva na Guiné, durante o período de Dezembro de 1971 a Dezembro de 1973: pertenceu originalmente à CART 3492 (Xitole / Ponte dos Fulas), antes de ingressar no Pel Caç Nat 52 (Bambadinca, Ponte Rio Udunduma, Mato Cão) e depois na CCAÇ 15 (Mansoa ).

Foto: © Joaquim Mexia Alves (2006)

Caro Luis Graça:

No início da nossa estadia no Xitole e salvo o erro, logo na primeira coluna vinda de Bambadinca à qual a nossa Companhia montou segurança, calhou-me, a mim, e ao meu pelotão, como não podia deixar de ser, o ponto mais afastado do Xitole para montar segurança à dita cuja.

Se bem me lembro era junto a um pequeno pontão, pois a partir daí era terreno da Companhia de Mansambo [, a CART 3493, 1972/73].

Aí chegados enquanto colocava o pessoal na mata, os guias e picadores foram picando a estrada junto ao pontão e chamaram-me porque detectaram uma mina.

As penas de periquito ainda esvoaçavam por todo o lado e, cheio de sangue na guelra, decidi levantar a mina.

Mandei afastar os que estavam mais perto e lançei-me ao trabalho, não me lembrando agora se tive alguma ajuda no início.

Depois de escavar a coisa,passou-se à parte mais dificil que era desarmar o detonador, para depois, pelo sim pelo não, puxar a dita mina com uma corda, não fosse o diabo tecê-las.

A mim pareceu-me que tudo isto demorou uma eternidade, mas segundo me disseram até foi rápido. Sei que suei rios de água e não era por causa do calor.

Lembro-me de pensar em desistir a meio e rebentar com aquilo, mas o orgulho e o pensar o que é que o pessoal vai dizer, levaram-me a continuar e acabar o trabalho.

Ao que sei, foi a primeira mina levantada no Batalhão [BART 3873, Bambadinca,1972/1974).

Na minha fraca memória, vem-me à ideia que deixámos uma qualquer mensagem de ronco no sítio da mina. Enfim, gabarolices.

Diziam que pagavam não sei o quê pelas minas levantadas, mas não me lembro de ter recebido nada.

Mais tarde e já no Pel Caç Nat 52, com o clima e outras coisas, cometia a rematada estupidez louca de ir pisando o caminho à frente do Pelotão, o que os soldados africanos muito apreciavam, só me valendo o facto de Deus nunca estar distraído.

Envio prova fotografica do feliz evento, chamando a atenção para a qualidade da revelação da fotografia, feita num estúdio de um qualquer curioso militar no Xitole, de qual não lembro a identificação.

Abraço do
Joaquim Mexia Alves