quarta-feira, 17 de outubro de 2007

Guiné 63/74 - P2185: Álbum das Glórias (31): 13 brancos maduros do Puto em almoço de homenagem a Marcelino da Mata (Abreu dos Santos)

Convívio  > 14 de Janeiro de 1998 > "13 brancos maduros do Puto homenageiam 1 grande tinto da Guiné [,Marcelino da Mata]" (1)...

Foto e legenda: Abreu dos Santos (2007) (2)

Legenda (da esquerda para a direita):


(Na primeira fila:)

1. José Carlos Lourenço Gonçalves - Fur Mil SS, Suc LMP QF12, Guiné 70-72
2. Promotor e organizador do evento
3. António Manuel Constantino Vassalo de Miranda, Fur Mil Cav Cmd, Gr Cmds [que participou na] Op Tridente [, Ilha do Como, 1964].
4. José Manuel Gama Devesa, Alf Mil (...), Guiné 72-74
5. Marcelino da Mata (1)
6. António José Lopes, Sold Cav, CCAV 8350, Guiné 72-74
7. Valdemar Helder Marques Jarego, 1º Cabo Inf, CCAÇ 674, Guiné 64-66
8. Francisco João Vieira Lucas, Sold Cond Cmd, 35ª CCmds, Guiné 71-73
9. Bento Fernando Valente Barbosam Fur Mil Inf, BCAÇ 3832, Guiné 71-73
10. Tibério Augusto Ruivo Monteiro, Fur Mil Inf, CCAÇ 674, Guiné 64 (ferido em combate, com gravidade, em 12 Set 64 e evacuado; DFA)
11. Manuel Jorge Carvalho, Sold Inf, CART 494, Guiné 63-65
12. José Eduardo Martins Areosa Ribeiro, Fur Mil Art, Bateria AAA3381, Guiné 71-73

(nos bastidores, ou seja, na fila de trás):

13. António Henrique Vicente Jarego, proprietário do restaurante, 1º Cabo Cav, CPM 2344, Moçambique 68-70
14. Alvito Vieira da Silva, fotógrafo convidado, 1º Cabo Cav, CPM 2344, Moçambique 68-70 .

____________

Notas dos editores:

(1) Vd. postes de:

10 de Dezembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1357: Testemunhos sobre o Marcelino da Mata, a pedido de sua filha Irene (3): Nem a cruz nem o altar (Mário Dias / Luís Graça)

10 de Dezembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1355: Testemunhos sobre o Marcelino da Mata a pedido de sua filha Irene (2): Orgulho-me de o ter conhecido em Guileje (José Carvalho)

10 de Dezembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1354: Testemunhos sobre Marcelino da Mata, a pedido de sua filha Irene (1): De 1º Cabo Comando a Torre e Espada (Virgínio Briote)

(...) "De acordo com o blogue do Virgínio Briote, Tantas Vidas, o Marcelino da Mata fez parte do Grupo de Comandos, os Diabólicos, estando estado integrado na 1ª equipa" (...), ao tempo em que estiveram em Barro (1965), e que era constituída pelos seguintes elementos: 1º Cabo Marcelino da Mata, Soldado Carlos Alberto dos Santos Roberto, Alferes Briote, Soldado José Feitinhas de Matos/ANPRC10, Soldado Álvaro dos Santos/Enf.

(2) Mail do Abreu dos Santos, de 10 de Agosto de 2007:

Luís Graça,

Não estive na Guiné. Tenho a honra de ter por amigos, e por quem nutro amizade e estima, entre outros, Marcelino da Mata e demais guineenses do extinto Batalhão de Comandos Africanos e portugueses, entre eles o general Almeida Bruno (...).

Cordiais saudações, de Abreu dos Santos

Guiné 63/74 - P2184: A Guerra do Ultramar no programa Prós e Contras (RTP1, 15 de Outubro de 2007): O debate dos generais (Inácio Silva)

1. Mensagem do nosso camarada Inácio Silva, madeirense, ex-1.º Cabo Apontador de Metralhadora, CART 2732 (Mansabá, 1970/72), camarada do nosso co-editor Carlos Vinhal, e autor do blogue Relembrar para Não Esquecer ("um instrumento de comunicação entre uma vasta comunidade que se identifica, essencialmente, por ter servido Portugal, quando era detentor da soberania das ex-colónias, hoje, países independentes").


Caros amigos e ex-camaradas:

Presenciei ao debate na RTP1, na passada segunda-feira (15 de Outubro último), sobre a Guerra do Ultramar, de princípio ao fim (1). Salvo as intervenções dos membros das associações de defesa dos ex-combatentes, o resto foi tudo déjà vu: não vislumbrei nenhum interesse, em especial.

Um debate em que a maioria dos intervenientes são ou foram oficiais superiores ou generais, obviamente, só poderia versar sobre as questões belicistas ou político-belicistas. Estes senhores não têm contas a pedir ao Estado, porque, sendo do Quadro Permanente, viram todas as suas regalias satisfeitas, na plenitude. Onde estavam os milicianos e os praças? Provavelmente na plateia. Alguém lhes perguntou alguma coisa? Disseram de sua justiça? Nada!

Todos sabemos que as guerras deixam sequelas de vária ordem: pais que viram desaparecer os seus filhos, esposas, namoradas e amigos que viram partir os seus entes queridos, filhos órfãos de pai, muitos deles nem sequer chegaram a ver o progenitor... Cidadãos deficientes que, com muito esforço, sobrevivem, tentando integrarem-se o melhor possível na sociedade, na esperança de serem reconhecidos e apoiados pelo Estado e por ela. Muitos deles são activos e intervenientes e, graças à sua acção, procuram que o seu presente e o futuro sejam passados com alguma dignidade.

O que é que interessa debater e resolver depois de uma guerra? Não será minimizar os danos e os traumas sofridos, tanto os de ordem material, como os de ordem afectiva, psicológica, moral, social e, até, de cidadania? Nenhuma sociedade viverá em paz consigo mesma se não entender, profundamente, esta realidade! Não é enterrando a cabeça na areia, como faz a avestruz, fazendo de conta que o que aconteceu nada tem a ver consigo que os problemas são resolvidos...

E o Estado Português, representado pelos Órgãos de Soberania, órgãos estes titulados por cidadãos eleitos pela referida sociedade, o que tem feito? Mais de trinta anos decorridos desde o fim da guerra (colonial, do ultramar ou de libertação, como queiram), os ex-combatentes lamentam, diariamente, o divórcio do Estado, relativamente às consequências danosas, de vária ordem, a que foram sujeitos e estão sofrendo na pele, por terem sido OBRIGADOS a combater em territórios que, na altura, os responsáveis por este Estado, entenderam classificá-los como "Províncias Ultramarinas" e, consequentemente, fazendo parte do espaço português!!!

A guerra nunca será esquecida, pelo menos por aquelas que a protagonizaram ou por os que, para ela, foram empurrados. Seria bom que os tais cidadãos, eleitos democraticamente, representantes dos Órgãos de Soberania não agissem com hipocrisia, isto é, reconhecessem o esforço, o sacrifício, a privação, o medo, a dor, a doença, a deficiência, a morte, a perda de empregos, o atraso ou a interrupção dos estudos, enfim, uma panóplia de prejuízos de valor incalculável, e reconhecessem em Lei, perante a sociedade que representam - antes que os ex-combatentes morram - que é necessário eliminar, de uma vez por todas, estas nódoas da guerra, que teimam em eternizar-se...

Se tal não for feito, os ex-combatentes morrerão com a mágoa de terem combatido, em vão, sem o reconhecimento devido, do Estado, a quem serviram. Mas os políticos, titulares dos Órgãos de Soberania, eleitos pela sociedade de que os ex-combatentes são parte integrante, jamais repousarão em paz e serão, sempre, considerados, mesmo pelas gerações vindouras, como políticos incultos, insensíveis, autistas e hipócritas.

Em conclusão: como ex-combatente, não me revejo nesta forma de fazer política. Desejo que fique claro que os políticos a que me refiro são todos os que Portugal, infelizmente, teve depois da instauração da democracia , "sistema político em que a autoridade emana do conjunto dos cidadãos, baseando-se nos princípios de igualdade e liberdade". Sou democrata e não sou possuído por nenhum sentimento passadista ou saudosista. Mas fico indignado e triste por assistir a tanta indiferença e insensibilidade...

Cumprimentos a todos.

Inácio Silva

2. Comentário dos editores: Ver o blogue do Inácio Silva Relembrar para Não Esquecer, e em particular o post de 10 de Outubro de 2007 > Email enviado ao Primeiro Ministro de Portugal

(...) Também o Governo, através do Primeiro Ministro já sabe que os ex-combatentes estão indignados com o que aconteceu. Em 24 de Abril de 2007, enviei o email que se segue ao Primeiro Ministro, Eng.º José Sócrates, ao qual anexei a petição feita à Assembleia da República bem como a resposta da Comissão Parlamentar de Defesa Nacional (...)

________

Notas dos editores:

(1) Vd. 27 de Junho de 2007 > Guiné 63/74 - P1889: Tabanca Grande (20): Inácio Silva, 1.º Cabo Apontador de Metralhadora, CART 2732 (Mansabá, 1970/72)

(2) Vd. post de 16 de Outubro de 2007 > Guiné 63/74 - P2182: Blogoterapia (35): Programa da RTP1, Prós e Contras: Éramos todos bons rapazes (David Guimarães)

Guiné 63/74 - P2183: Diana Andringa, co-realizadora do filme As Duas Faces da Guerra, cita hoje o nosso blogue na RTP África, às 14h

Lisboa > Março de 2007 > A Ponte 25 de Abril, sobre o Rio Tejo (Ponte Salazar, até ao 25 de Abril de 1974), reflectida sobre a fachada de vidro de um dos edifícios da Administração do Porto de Lisboa. Os mais velhos da geração da guerra colonial viram-na crescer (entre 1962 e 1966), à belíssima ponte, que foi uma das coqueluches da política de obras públicas do Estado Novo; a grande maioria passou debaixo dela, duas vezes, de barco, na viagem para Angola, Moçambique ou Guiné, e depois no regresso à Pátria... O nosso blogue tem a utópica veleidade ou a ambiciosa pretensão de tentar ajudar uma parte dessa geração a reconstituir o puzzle das suas memórias da guerra e da Guiné... (LG).

Foto: © Luís Graça (2007). Direitos reservados.


1. Mensagem da Diana Andringa, co-realizadora do filme As Duas Faces da Guerra, em resposta ao meu mail, em que lhe agradeci a oferta de 15 convites para a sessão de estreia, na Culturgest, edifício-sede da Caixa de Depósitos, Rua do Arco do Cego, no próximo dia 19 de Outubro, às 23 horas, no âmbito do 5º Festival Internacional de Cinema Documental (Lisboa, 18-28 de Outubro), mais conhecido por doclisboa2007 (2):

Terei muito gosto se o Mário Dias quiser ir. Ele respondeu-me muito gentilmente, mas não quis ser filmado. Percebo, mas tive pena.

O Flora não vai estar, está nos Estados Unidos.

Não sei como decorrem as sessões, se há uma introdução, ou uma conversa no fim, mas espero que possamos falar um pouco.

Quanto ao vosso blogue, não há que ser modesto: acho uma das coisas mais importantes feitas em Portugal, em termos de guerra colonial e de memória histórica. Aliás, numa entrevista que a RTP me fez sobre o filme (passa na RTP África, quarta, às 14), fiz-lhe referência.

Abraço,

Diana

___________

Notas de L.G.:

(1) Teor do meu mail:

É uma grande gentileza e simpatia da sua parte...Claro que aceito [os convites]... Já tenho uns sete ou oito interessados, apesar do dia e da hora não serem os mais convenientes. Tenho inclusive um camarada, o Paulo Santiago, que está a tentar organizar a vida dele para poder vir à estreia do v/ filme... Até lá arranja-se seguramente mais gente, embora os camaradas do Norte já tenha reclamado que também querem ver e discutir o filme (noutra ocasião, seguramente...).

Por mim, por nossa parte, temos feito a nossa divulgação do filme e do doclisboa2007... Se a Diana fizer uma pesquisa no Google, com a palavra chave "doclisboa2007", o nosso blogue aparece logo à cabeça... O que significa que tem alguma audiência (sem faltas modéstias, hoje vamos atingir or 400 mil visionamentos... o que não é nada mau).

Vou-lhe dar o meu telemóvel para o caso de querer combinar alguma coisa comigo: 93 281 08 72 (Luís Graça)... Ou mande-me uma mensagem para o meu telemóvel... Espero poder conhecê-la pessoalmente, antes do filme, e trocar algumas impressões consigo e com os meus camaradas de Guiné... Não sei se o Flora Gomes estará presente...

Também não sei se a Diana tem algum nome, dos membros da nossa tertúlia, a quem
queira enviar um convite em especial (Chegou a contactar o Mário Dias, por causa do episódio, belíssimo, que você queria tratar, o encontro dele com o Domingos Ramos no Xitole, na mata, enfim, a história dos dois amigos da mesma recruta e curso de instrução e que vão ficar em dois campos opostos, um no PAIGC - o guineense Domingos Ramos - e outro nos comandos que ajudou a fundar - o português Mário Dias que foi para a Guiné na adolescência e que sempre se considerou um guineense de coração (2)... Infelizmente, quando você me contactou, eu estava de férias, não lhe pude ser muito útil na tentativa de chegar até ao discretíssimo Mário Dias) ...

Vou reservar os seus 15 convites para os que, logo de início, mostraram interesse e disponibilidade em aparecer...e para os restantes que forem entretanto 'aparecendo', via mail... De qualquer modo, os bilhetes têm um preço acessível (conforme consta no blogue e no mail que acabei de mandar a toda a malta da tertúlia). Boa sorte para a estreia do vosso trabalho no doclisboa2007.

Até 6ª feira. Luís Graça

(2) Vd. posts de:

1 Fevereiro 2006 > Guiné 63/74 - CDXCI: Domingos Ramos, meu camarada e amigo (Mário Dias)

2 de Fevereiro de 2006 > Guiné 63/74 - CDXCIII: Domingos Ramos e Mário Dias, a bandeira da amizade (Luís Graça / Mário Dias)

2 de Fevereiro de 2006 > Guiné 63/74 - CDXCIV: O segredo do Mário Dias, ex-sargento comando

terça-feira, 16 de outubro de 2007

Guiné 63/74 - P2182: Blogoterapia (35): Programa da RTP1, Prós e Contras: Éramos todos bons rapazes (David Guimarães)

RTP1 > 2ª feira, 15 de Outubro de 2007 > Prós e contras, um programa de Fátima Campos Ferreira



1. Mensagem do David Guimarães, o nosso querido tertuliano nº 3, que foi Fur Mil / At Artilharia e Minas e Armadilhas, CART 2716 / BART 2917 (Xitole / Bambadinca , 1970/72). Trabalha no Porto, no Centro Regional de Segurança Social do Porto, e vive em Espinho. Toca viola, desde pelo menos a recruta nas Caldas da Rainha!... Ainda não tivemos o privilégio de o ouvir. Quando ía a Bambadinca, metia a viola no saco... No próximo encontro da nossa caserna, tertúlia ou tabanca grande (é ao gosto do freguês), vamos reunir todas violas e guitarras perdidas mestes útimos cinco séculos de andanças dos tugas pelo mundo, de Alcácer Quibir ao Xitole. Combinado ? (LG).


AMIGOS: parece que vale a pena dizer - estive a ver o programa de Fátima Campos Ferreira.

Estive ontem com muita atenção a ver aquele grande encontro que se deu na Televisão - um debate, uma troca de ideias... Não costumo ser muito dado com os olhos pregados na Televisão pois por norma adormeço - ontem não, não adormeci, estava à espera do resultado, num encontro de gente séria... nisso acredito... NÃO ADORMECI.

E lembrava-me da nossa caserna - mas que lindo termo a nossa caserna, onde andamos há uns tempinhos a dizer muito mais do que aquilo que ontem por lá se disse... Houve um aflorar pela rama da guerra do Ultramar (Colonial, de África), enfim aqueles termos que lhe quiseram chamar... Lembro do termo que as gentes boas da minha aldeia usava: guerra da nossa África.

Não creio que qualquer jovem miliciano ou até Oficial e Sargento do quadro de então desse conotações políticas aos termos usados pelo nosso povo ou pelos políticos de então... Com raras excepções (e sabemos que existiram)... Assim uma coisa ficava bem vincada na nossa cabeça: Guerra...(depois, em África, nas nossas Colónias, Províncias Ultramarinas e finalmente Ultramar, um termo mais genérico).

Afloraram ontem como é que se podia ter evitado a guerra, a inevitabilidade da guerra e até a autenticidade da guerra, ou melhor, o nós tínhamos razão... e hoje ainda lá poderíamos andar... Era mais morto menos morto, porque afinal aquilo era Portugal e na guerra há feridos e mortos... E foram generais, coronéis e um douto Professor que ali se juntaram todos para falarem. E eu fiquei a saber que um era de direita e outro já carregado não sei de que mal - ressaibiado... Por certo um daqueles que ainda pensa em ir conquistar Olivença (não seria ideia inédita!) e que falava à boa maneira da Antiga Assembleia Nacional... Não sei como conseguiu ir até Tenente Coronel... mas foi e deve ser bom homem... pois eu também não sou mau rapaz... e no mundo só há gente boa embora tenham todos o direito de pensar...

E como pensei então no nosso querido Blogue - a nossa casa afinal de discussão que toma o nome de novesforanada... Foi exactamente isso que pensei ontem: novesforanada na base 10 - porque do que se disse ontem sobrou pouco mais que nada, um senhor tenente coronel que cumprimento efusivamente e com respeito, não porque pense como ele, mas porque foi exactamente ele que me manteve acordado... Porque uma das coisas que gosto é de ouvir discursos inflamados e patrióticos [ou patrioteiros ?] como esse - e por ele então NÃO ADORMECI.

Um abraço, David Guimarães

PS - Bom vamos ver o que nos reserva hoje o 1º episódio do documentário sobre A Guerra que parece que está muito bem feito... Um trabalho de Joaquim Furtado... Não me acreditava que não o estivesse, dada a qualidade do jornalista...

2. Comentário de L.G.:

Não vi o programa, nem simpatizo com o modelo, que tem algo de circense. O pão e circo para o povo, do tempo dos romanos, transformou-se nas nossas ciberdemocracias em pão e televisão para o povo. Não alimento a luta de galos nem quem os promove... Este tipo de programas enferma, a meu ver, de um vício metodológico: sem informação e formação, sem investigação e conhecimento não se pode realizar debates sérios... É miserável que o jornalismo de investigação e de arquivo sobre a guerra do ultramar, guerra colonial ou guerra de libertação (ao gosto do freguês) só chegue à televisão pública 46 anos depois do 15 de Março de 1961 (no norte de Angola) e 33 anos depois dos últimos mortos e feridos em combate, de um lado e de outro, em 27 de Abril de 1974, na zona de Canquelifá (Zona Leste, Guiné)... Justamente quando a geração da guerra do ultramar, guerra colonial ou guerra de libertação (novamente ao gosto do freguês) está bater a bota, em Angola, em Moçambique, na Guiné, em Portugal... Ou já morreu, ou está a morrer, ou está a ver morrer os camaradas mais velhos, ou já se retirou da vida activa, ou anda a passear a sua solidão pelos bancos dos jardins das nossas tristes cidades, ou chora a perda dos verdes anos, ou anda deprimida e não sabe porquê... Quiseram matar a nossa memória, quiseram matar-nos em vida, simbolicamente, pelo silêncio, pelo esquecimento, pela segregação, pela vergonha, pela culpa, pelo medo...

Se temos alguma dívida ainda por saldar não é com a Pátria, é connosco e com os nossos filhos e netos, e essa dívida é a nossa obrigação de contar aos nossos contemporâneos e aos nossos vindouros que houve uma guerra, de 13 anos, muito longe da Pátria, em três territórios de África sob domínio português, e que NÓS ESTIVEMOS LÁ... E que como todas as guerras teve um princípio, meio e fim. E que a leitura dos acontecimentos não é nem nunca será pacífica. E que provavelmente nunca chegaremos a saber quem foram os vencidos e os vencedores, se é que alguém alguma vez ganhou uma guerra... Bom sono e bons sonhos, camarada David, que hoje tens que recuperar o sono perdido. L.G.

_________

Nota dos editores:

(1) Vd. página da RTP1 > Programa Prós e Contras, de Fátima Campos Ferreira.

Quarenta e seis anos depois do início da guerra…o debate!
Guerra Colonial!
Guerra do Ultramar!
Guerra de Libertação!
Diferentes olhares sobre o mesmo acontecimento!
O maior debate da televisão reúne testemunhos civis e militares.
Até que ponto a guerra mudou a sociedade portuguesa?
Que sequelas deixou?
O que significou ontem?
E hoje?
Prós e Contras, segunda-feira à noite, na RTP


Fonte: RTP (2007) (com a devida vénia...)

Guiné 63/74 - P2181: Álbum fotográfico do Hugo Costa (1): A mãe e os seus filhos, o direito à esperança (Bissau, Abril de 2006)

Guiné-Bissau > Bissau > Abril de 2006 > Mãe e filhos na antiga Praça do Império do tempo colonial... O direito à esperança, trinta e três anos depois da independência, mas também um símbolo de ternura: tira postal p'ra gente.... (1)

Foto: © Hugo Costa / Albano Costa (2006). Direitos reservados.


1. Mensagem do Albano Costa:
Caro Luís Graça:

«O direito à esperança»... Ainda bem que publicas a foto da Senhora com os dois meninos em pleno centro de Bissau, mais propriamente na Praça do Império, tendo em fundo a avenida que vai em direcção ao mar... O Hugo na altura disse que a senhora pediu muito para tirar postal, e ele tirou, e disse-me:
- Se tivesse meio de fazer chegar esta foto ao seu destino eu enviava-a.
E eu respondi-lhe:
-Tivesses pedido a direcção da senhora.

Mas confesso que não era fácil chegar ao seu destino. Os correios na Guiné ainda têm muitas falhas, o que é pena. Por isso nada melhor que aparecer no nosso blogue. Obrigado pelo teu gesto, eu e o Hugo em nome da senhora ficamos muito gratos.

Um abraço grande, Albano Costa

2. Comentário de L.G.:

Albano: O teu puto tem grande sensibilidade e talento para a fotografia e para o fotojornalismo… Vou dar mais visibilidade/destaque às fotos do ano passado, da viagem Porto-Bissau, Abril de 2006… Já agora diz-me: houve algum pormenor especial que tenha chamado a atenção do Hugo, para além da ternura com que a jovem mãe pediu ao Hugo para lhe tirar uma foto, a ela e aos filhos ? Uma foto que ela nunca chegará a ver! ?
Dá-lhe um grande abraço meu…

PS – Quero fazer um post com a foto e as tuas informações complementares… Pode ser que a foto chegue ao seu destino… Seria bonito, embora pouco provável… Em todo o caso, nunca digas nunca...
Por outro lado, eu soube há tempos - por intermédio dos teus amigos de Guifões - , que tu herdaste o negócio do teu pai... E agora passaste o bichinho ao teu filho, Hugo Costa. São três gerações de fotógrafos. O bichinho da fotografia e do vídeo mas também o teu grande amor pela Guiné e pelas suas gentes. A prova disso é o Hugo ter voltado lá em Abril de 2006. Ele merece uma série só para ele, tu já tens uma (embora aguarde novos posts, novas fotografias, mas a culpa não é tua...) (2).
___________

Notas de L.G.:


(2) Vd. posts de:
(...) "O Albano Costa já era fotógrafo (profissional) quando fez a sua comissão de serviço, como 1º cabo, operacional, na CCAÇ 4150 (Guidage, Bigene, Binta, 1973/74).
"A sua paixão pela fotografia fez com que ele seja, de longe (com o Humberto Reis), um dos nossos tertulianos com mais documentação sobre a Guiné, de ontem e de hoje.
"Ele já aqui nos contou como, em Novembro de 2000, quebradas as últimas resistências psicológicas, voltou à Guiné, agora como simples turista, revisitando sítios por onde estivera vinte e seis anos antes e conhecendo muitos outros de que só ouvira falar...
"Nessa viagem de 15 dias (...), com um grupo de camaradas, ele não só fez um excelente vídeo (realização, montagem e insorização do Hugo Costa, seu filho) como tirou muitas e óptimas fotografias, que eu já tive o privilégio de ver, em Guifões, Matosinhos, no seu estabelecimento comercial"...

Guiné 63774 - P2180: Blogpoesia (5): O vigésimo sexto aniversário de um gajo nada sério, Missirá, 6 de Novembro de 1970 (Jorge Cabral)

1. Finalmente recebi notícias do meu/nosso amigo e camarada Jorge Cabral a quem tinha escrito há dias telegraficamente: Jorge: Como vai isso ? A tua saúde ? A luta contra o tabaco ? A ressaca ? Precisas de muita força... Um Alfa Bravo. Luís

Querido Amigo!

Obrigado pela tua preocupação. Estou vivo, mas cada vez mais à margem deste tempo, no qual passámos de cidadãos a hiper-consumidores. Quem me dera voltar à minha Tabanca…

Pelos vistos, a fome deu em fartura. Teremos Guerra todos os dias (1). Oxalá, não se exagere. Por mim já tive a minha dose…

Escreveu-me um Camarada do Pelotão insurgindo-se contra este "consertador de catotas, engatatão de bajudas, anfitrião da putaria, oferente de soutiens, e pai de todos os meninos da Tabanca", dizendo para eu escrever "à séria". E, surpresa das surpresas, manda-me um Poema que eu fiz, no dia do meu vigésimo sexto aniversário. É este, que ora te envio. Garanti-lhe que estou reformado das bajudas e que não me tem aparecido nenhuma "catota" para consertar, embora pense não ter perdido o jeito…

Grande Abraço

P.S.: Conta com este gajo "nada sério", sexta-feira no Cinema (2).

___________

Aniversário

por Jorge Cabral

Vinte e seis ou Mil, conto pelos dedos
Os anos que vivi, eu não sonhei
Este tempo de angústia e de medos,
Que soletro e nunca sei.
Que Guerra é esta? Onde não estou!
Que rio aquele? Não cheira a Tejo!
Que combate? Combato, mas não sou.
E quando olho o espelho, não me vejo!
Aqui em Missirá, escravo e senhor
Invento-me. E guarda – prisioneiro
Bebo, fingindo em alegria, a Dor.

Hoje faço anos… e continuo inteiro.

Missirá, 6 de Nov. 1970

2. Comentário dos editores:

O Jorge Cabral foi Alferes Miliciano de Artilharia, comandante do Pel Caç Nat 63, Fá Mandinga e Missirá, Sector L1 - Bambadinca, Zona Leste, 1969/71. É autor da série Estórias Cabralianas (3), cuja publicação no nosso blogue já vem do princípio de 2006. É preciso (re)ler estas estórias para se perceber o que o Jorge Cabral quer dizer quando diz que é um gajo nada sério... Não tomem isso à letra...

Jorge Cabral, hoje jurista e professor universitário, não é mais o mesmo Cabral que nós conhecemos em Fá Mandinga, Bambadinca e Missirá, entre 1969 e 1971... O slogan mais célebre da guerra no leste foi justamente o seu célebre grito de guerra, iconoclasta e provocador, típico de um homem do non-sense, de um actor do teatro do absurdo: Cabral, só há um, o de Missirá e mais nenhum!

Jorge Cabral, que as circunstâncias obrigaram a ser comandante de um pelotão de caçadores nativos e chefe de tabanca, malgré-lui - entre muitos outros papéis sociais - foi talvez aquele de nós, milicianos, que nunca se levou a sério... Acho que isso o ajudou muito a manter em equilíbrio dinâmico a sua saúde mental... Talvez um dia alguém o eleja como case study das técnicas de sobrevivência em teatro de guerra... (LG).

_______

Notas dos editores.:

(1) Possível referência à série de documentários, A Guerra, que estreia amanhã, dia 16 de Outubro de 2007, na RTP1, às 21h00. Argumento: Joaquim Furtado. Sinopse Geral:

Moçambique…Angola…Guiné…Até onde nos levou a Guerra Colonial. Recorrendo a imagens de arquivo nunca antes vistas, esta é uma página da nossa história com muito por revelar.Mais de três décadas depois, Joaquim Furtado foi ao terreno ouvir os dois lados do conflito.Na primeira pessoa, o relato fiel dos acontecimentos.Os traumas que não se esquecem, as feridas físicas e psicológicas que teimam em não sarar. (Fonte: RTP 1).

(2) Temos encontro marcado na Culturgest, no edifício-sede da Caixa Geral de Depósitos, em Lisboa, Rua Arco do Cego (vd. localização), para a estreia do filme-documentário de Diana Andringa e Flora Gomes, "As Duas Faces da Guerra", dia 19 de Outubro, às 23h, no Grande Auditório (cerca de 650 lugares)...

Quem quiser e puder chegar mais cedo, lá estarei à entrada da portaria ou no hall do Grande Auditório, por volta das 22 horas, para dois dedos de conversa... Há 15 convites para os amigos e camaradas da Guiné, por gentileza da co-realizadora Diana Andringa...

Além de mim, Luís Graça, e do Jorge Cabral, conto com mais alguns camaradas que já manifestaram a intenção de vir: o Mário Fitas, o Gabriel Gonçalves, o Luís R. Moreira, o José Martins, o Vitor Alves (ex-Fur Mil Vaguemestre da CCAÇ 12, Bambadinca, 1971/73, que vem de Santarém com mais amigos, prescindindo por isso do convite)... O Paulo Santiago também gostaria de poder vir, embora more longe (Águeda)... O Virgínio Briote prefere ir à sessão de 2ª feira, no Cinema Londres... O Humberto Reis, idem aspas, embora admita poder vir no dia 19. Contactem-me, se for necessário: Telemóvel > 93 281 0872. (LG)

(3) Vd. lista (re)ordenada das Estórias Cabralianas:

20 de Abril de 2007 > Guiné 63/7 4- P1682: Estórias cabralianas (1): A mulher do Major e o castigo do Alferes (Jorge Cabral)

23 de Abril de 2007 > Guiné 63/74 - P1688: Estórias cabralianas (2): O rally turra (Jorge Cabral)

23 de Abril de 2007 > Guiné 63/74 - P1689: Estórias cabralianas (3): O básico apaixonado (Jorge Cabral)

18 de Janeiro de 2006 > Guiné 63/74 - CDLVIII: Estórias cabralianas (4): o Jagudi de Barcelos.

23 de Janeiro de 2006 > Guiné 63/74 - CDLXXV: Estórias cabralianas (5): Numa mão a espingarda, na outra...

13 de Março de 2006 > Guiné 63/74 - DCXXIV: Estórias cabralianas (6): SEXA o CACO em Missirá

17 de Março de 2006 > Guiné 63/74 - DCXXXIX: Estórias cabralianas (7): Alfero poi catota noba

13 de Abril de 2006 > Guiné 63/74 - DCC: Estórias cabralianas (8): Fá Mandinga no Conde Redondo ou o meu Amigo Travesti

20 de Abril de 2006 > Guiné 63/74 - DCCXVII: Estórias cabralianas (9): Má chegada, pior partida

3 de Junho de 2006 > Guiné 63/74 - P836: Estórias cabralianas (10): O soldado Nanque, meu assessor feiticeiro

4 de Julho de 2006 > Guiné 63/74 - P936: Estórias cabralianas (11): a atribulada iniciação sexual do Soldado Casto

20 de Julho de 2006 > Guiné 63/74 - P974: Estórias cabralianas (12): A lavadeira, o sobretudo e uma carta de amor

28 de Setembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1128: Estórias cabralianas (13): A Micá ou o stresse aviário (Jorge Cabral)

24 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1313: Estórias cabralianas (14): Missirá: o apanhado do alferes que deitou fogo ao quartel (Jorge Cabral)

14 de Dezembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1344: Estórias cabralianas (15): Hortelão e talhante: a frustração do Amaral (Jorge Cabral)

14 de Dezembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1369: Estórias cabralianas (16): As bagas afrodisíacas do Sambaro e o estoicismo do Sousa

10 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1419: Estórias cabralianas (17): Tirem-me daqui, quero andar de comboio (Jorge Cabral)

26 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1463: Estórias cabralianas (18): O Dia de São Mamadu (Jorge Cabral)

18 de Fevereiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1534: Estórias cabralianas (19): O Zé Maria, o Filho, Madina/Belel e um tal Alferes Fanfarrão (Jorge Cabral)

0 de Abril de 2007 > Guiné 63/74 - P1679: Estórias cabralianas (20): Banquetes de Missirá: Porco turra e Vaca náufraga (Jorge Cabral)

24 de Abril de 2007 > Guiné 63/74 - P1696: Estórias cabralianas (21): O Amoroso Bando das Quatro em Missirá (Jorge Cabral)

12 de Maio de 2007 > Guiné 63/74 - P1752: Estórias cabralianas (22): Alfa, o fula alfacinha (Jorge Cabral)

5 de Junho de 2007 > Guiné 63/74 - P1816: Estórias cabralianas (23): Areia fina ou as conversas de Missirá (Jorge Cabral)

19 de Junho de 2007 > Guiné 63/74 - P1857: Estórias cabralianas (24): O meu momento de glória (Jorge Cabral)

29 de Junho de 2007 > Guiné 63/74 - P1900: Estórias cabralianas (25): Dois amores de guerra e uma declaração: Não sou pai dos 'piquinos Alferos Cabral' (Jorge Cabral)

27 de Setembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2135: Estórias cabralianas (26): Guerra escatológica: o turra Boris Vian (Jorge Cabral)

segunda-feira, 15 de outubro de 2007

Guiné 63/74 - P2179: Fado da Guiné (letra original de Joaquim Mexia Alves)

Fado da Guiné > Vídeo: 2 m e 19 s > Alojado no You Tube > Nhabijoes > Letra do Joaquim Mexias Alves. Música: Pedro Rodrigues (Fado Primavera) (com a devida vénia).

Vídeo: © Luís Graça & Camaradas da Guiné (2007). Direitos reservados.


Photo Sharing and Video Hosting at Photobucket


Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Xitole > CART 3942 / BART 3873 > 1972 > O nosso autor e cantor Joaquim Mexia Alves...


Foto: © Álvaro Basto (2007). Direitos reservados (Do Álbum Guiné 74 > Camaradas, de Álvaro Basto, alojado em Photobucket.com, com a devida vénia...).



1. Em 18 de Agosto último, o Joaquim Mexia Alves fez-me uma agradável surpresa:

Caro Luis Graça

Mando-te, a ti somente, a letra que hoje me foi inspirada, num repente, para o fado que pediste [ no 2º encontro da nossa tertúlia, em Pombal, 28 de Abril de 2007] (1).

Tem uma música tradicional do Fado de Lisboa e por isso a métrica está à mesma adaptada. Claro que pode ser refeita, corrigida, etc.

Gostava de saber a tua opinião, por isso mesmo apenas mando para ti, pedindo que não divulgues para já.

Não sei se estás de férias e se por isso mesmo não tens acesso ao mail, mas não há pressas. Vou sair agora para a Mealhada para uma almoço com alguns elemento da minha companhia do Xitole.

O culpado és tu!!! Obrigado!!!

Abraço amigo do

Joaquim Mexia Alves


2. Depois de pequenas correcções da letra e de trocas de mensagens entre nós, em 12 de Outubro de 2007 o Joaquim Mexia Alves mandou-me uma gravação do seu Fado que, por minha sugestão, chamar-se-á apenas Fado da Guiné. Recorde-se que este nossoa amigo e camarada foi Alf Mil Op Esp e esteve na Guiné, entre Dezembro de 1971 e e Dezembro de 1973, tendo percorrido nada menos que três unidades (caso raro!): CART 3492 (Xitole), Pel Caç Nat 52 (Mato Cão / Rio Udunduma) e à CCAÇ 15 (Mansoa). O seu talento de fadista também não passou despercebido na Guiné (2)

Caro Luis:

Aqui vai uma versão melhorada do Fado dos Ex-Combatentes da Guiné.

Deixo à tua consideração a imediata publicação do mesmo, ou guardá-lo para a presentação do livro do Beja Santos, (não sei se fará sentido), ou as duas coisas (3).

Uma coisa é certa, terás de ser tu, ou os teus adjuntos do blogue a colocarem no You Tube, ou onde quer que seja, pois eu não percebo nada disso (4).

Depois diz-me se recebeste e qual a decisão tomada.

Já foste visitar o novo blogue, Xitole (5) ?

Abraço amigo do

Joaquim Mexia Alves

3. Comentário de L.G.: Joaquim, se o culpado sou eu, então ficámos todos a ganhar... És um homem de grande sensibilidade e espírito solidário que a ti próprio te apresentas como (i) "Cristão e Católico, vivendo a espiritualidade do Renovamento Carismático Católico", (ii) pertencendo à "Comunidade Luz e Vida", (iii) "Pai e Avô" (babadíssimo...) e, last but not the least, (iv) "Português, sem dúvidas", com o "Serviço militar cumprido e comprido". Camarada da Guiné, não quiseste esquecer, não quiseste deixar esquecer todos os camaradas que contigo partilharam o melhor e o pior desse tempo e desse lugar que nos calhou em sorte, na nossa juventude. Obrigado por este Fado da Guiné.
_____________

Fado da Guiné

Letra (original): © Joaquim Mexia Alves (2007)

Música: Pedro Rodrigues (Fado Primavera)


Lembras-te bem daquele dia
Enquanto o barco partia
E tu morrias no cais.

Braço dado com a morte,
Enfrentavas tua sorte,
Abafando os teus ais.
(bis)

Dobrado o Equador,
Ficou para trás o amor
Que então em ti vivia.

Da vida tens outra margem
Onde o medo é coragem
E a noite se quer dia.
(bis)

Aqui estás mais uma vez,
Forte, leal, português,
Sempre de cabeça erguida.

Não te deixas esquecer,
Nem aos que viste morrer
Nessa guerra em tempos ida.
(bis)

Que o suor do teu valor
Que vai abafando a dor
Que te faz manter de pé,

Seja massa e fermento
Desse nobre sentimento
Que nutres pela Guiné.
(bis)

Joaquim Mexia Alves
Monte Real,
18 de Agosto de 2007

________

Notas de L.G.:

(1) Vd. post de 1 de Maio de 2007 > Guiné 63/74 - P1717: Tertúlia: Encontro em Pombal (8): Ah, tigres! Ou uma dupla de fadistas (J.L. Vacas de Carvalho / J. Mexia Alves)

(2) Vd. post de 16 de Setembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1078: Estórias avulsas (2): Uma boleia 'by air' até Nova Lamego para uma noite de fados (Joaquim Mexia Alves)

(3) Vd. post de 27 de Julho de 2007 > Guiné 63/74 - P2003: Blogoterapia (30): Mário, direi orgulhoso a quem ler o teu livro: Eu também comandei o 52 !!! ( Joaquim Mexia Alves)

(4) Um especial agradecimento é devido ao Gabriel Gonçalves (6), e a um dos seus filhos que fez a conversão da gravação do ficheiro áudio, enviada pelo J. Mexia Alves, e a colocou no You Tube. Os ficheiros em formato.wav não podem ser carregados directamente no You Tube, que só aloja vídeos. De resto, já não há muito espaço na Net para ficheiros áudio... Foi também o Gabriel que identificou a música, com sendo o Fado Primavera, da autoria de Pedro Rodrigues. Obrigado, mais uma vez, ao nosso arcanjo Gabriel... Só quem não conhece este alfacinha, é que dirá que ele é uma caixa de surpresas...

(5) O novo blogue é apresentado nestes termos:

"Ponto de encontro para partilhar histórias, experiências, vivências e documentos, (seja eles quais forem), de todos aqueles e aquelas que passaram pelo Xitole, seja em que altura e por quanto tempo tenha sido. Espaço de viver a camaradagem que nos uniu e ainda une".

Para já a animação deste novo espaço (que o blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné saúda com muito afecto e camaradagem), está a cargo da malta da CART 3492 / BART 3873 (1971/74). Para além do J. Mexia Alves (Monte Real / Leiria), o Artur Soares (Figueira da Foz), o Álvaro Basto (Leça do Balio / Matosinhos), mas também o David Guimarães (Espinho), este da CART 2716 / BART 2917 (1970/72) e um dos mais antigo dos nossos tertulianos e outro tocador de viola.

(6) Vd. post de 3 de Outubro de 2007 > Guiné 63/74 - P2150: O Hino de Gandembel, cantado pelo GG [Gabriel Gonçalves], o baladeiro da CCAÇ 12 (Bambadinca, 1969/71)

domingo, 14 de outubro de 2007

Guiné 63/74 - P2178: Efemérides (6): 24 de Setembro de 1973... Quo Vadis, querida Guiné ? (António Rosinha / Leopoldo Amado)

Guiné-Bissau > Saltinho > Abril de 2006 > "Quo vadis, Guiné ? Para onde vais, minha pátria ?", parece perguntar este jovem, de bicicleta, parado na ponte sobre o Rio Corubal, no Saltinho...

Guiné-Bissau > Abril de 2006 > Canjambari > Restos de antigo aquartelamento das NT > "Em África a vida não se fez / Para os que nada fazem".

Guíné-Bissau > Bissau > Abril de 2006 > Anúncio publicitário: Guinetel Rede Móvel: Aproximamos os guineenses"

Guiné-Bissau > Bissau > Abril de 2006 > Peças do Museu Nacional de Etnologia

Guiné-Bissau > Mansoa > Abril de 2006 > As velhas profissões que subsistem, 33 anos depois da independência

Guiné-Bissau > Bissau > Abril de 2006 > O direito à esperança

Guiné-Bissau > Bissau > Abril de 2006 > Bissau, a capital de um Estado que é um caso perdido ? Fazemos votos para que os/as guineenses não desistam de lutar pelo seu direito ao futuro...

Fotos: © Hugo Costa / Albano Costa (2006). Direitos reservados.


O nosso amigo António Rosinha, que foi Furriel Miliciano em Angola (1961) e, como civil, topógrafo da TECNIL (Guiné-Bissau, 1979/84) (1):

1. Mensagem do António Rosinha, a propósito de mais um aniversário da independência da Guiné-Bissau, no passado dia 24 de Setembro, e que no essencial nos vem dizer que a Guiné-Bissau, de hoje, já nada tem a ver com a Guiné do tempo da guerra do ultramar / guerra colonial / guerra de libertação (uma taxinomia que a RTP agora também usa, mas que paga direitos de autor: de facto, teremos sido nós, aqui, no blogue, a usar o trinómio, porque a guerra quando nasce é para todos, os que luta pela independência, os que são contra a guerra e a política colonial e, por fim, os que acreditam estar a defender a Pátria, que vai do Minho a Timor...):

Passou o aniversário da cerimónia da independência da Guiné na Madina do Boé (2), e a tertúlia não teve oportunidade de ter conhecimento das comemorações e dos respectivos discursos referentes à efeméride.

Será que não seria possível, com o relacionamento que já existe com os tertulianos guineenses, obter relatos da imprensa e da comunicação social local, como decorreu o dia e os respectivos discursos?

Esta seria uma maneira, tambem, de pressenstir uma realidade da terra e das pessoas que por mais anos que passem, nunca sairão do consciente e subconsciente durante a nossa existência.

Tenhamos em conta que a maioria de nós sabe que existiu uma terra, e umas gentes, mas que já pouco têm a ver com a Guiné actual.

Exceptuando, a paisagem, que pouco mudou.

Um abraço
António Rosinha

2. Reprodução, com a devida vénia, da crónica semanal do nosso querido amigo, o historiador Leopoldo Amado, na sua página Leopoldo: Diário (6 de Outubro de 2007)... É,. para todos nós, amigos e camaradas da Guiné mais uma prov(oc)ação... Será que a Guiné-Bissau está à beira de tornar-se um narco-Estado e, pior ainda, de ser um caso absolutamente perdido ? Evitamos, ao máximo, na nossa Tabanca Grande, imiscuirmo-nos nos assuntos internos dos nossos irmãos guineenses mas não podemos ficar indeferentes ao que se lá passa, desde a independência... Fazmeos figas, por outro lado, para que as nuvens negras que pairam sobre a Guiné-Bissau se dissipem... Que os nossos maigos guineenses têm direito à esperança e a ver cumprido o sonho de Amílcar Cabral

O FANTASMA DOS "LOST CASES"
por Leopoldo Amado

A actual noção de "Estados falhados”, na qual se inclui a Guiné-Bissau, não é nova. Porém, no contexto colonial e da guerra-fria, tanto as análises dos grandes centros de decisão mundial como a dos grandes centros de difusão massiva se limitavam a interpretar os problemas dos países periféricos como sendo “por procuração”.

Bem entendido, o conceito de “Estados falhados” era nessa altura inexistente, pois à escala mundial, afinava-se o diapasão dos problemas vários do planeta na perspectiva da dualidade que então comportava a partilha de influência geoestratégica entre os Estados Unidos de América e a ex-União Soviética, as duas únicas superpotências da altura em torno das quais gravitava tudo e o resto, mesmo as legítimas lutas de libertação como a nossa, ocorridas aqui e acolá, um pouco por todo o mundo.

Ora, de lá para cá é quase unânime a constatação de que os “Estados falhados”, a par do terrorismo e da proliferação de armamento de destruição maciça, são uma ameaça à paz mundial, se bem que, à semelhança do que acontece nas chamadas regiões periféricas do mundo, a situação geral da Guiné-Bissau não mudou muito, não obstante nas análises dos centros de decisão mundial e dos correspondentes centros de difusão massiva ser notório o facto de que a designação “por procuração” apenas ceder lugar ao epíteto “Estados falhado”.

Ora, esta mudança conceptual não correspondeu a uma hipotética melhoria do nível de vida nos países pobres, antes pelo contrário, é em si demonstrativo de que, para lá do mal que grassa nos países periféricos, com o seu cortejo de défices de gestão pública e de auto-capacidade de governação, existe igualmente, à escala planetária, algo de pernicioso no sistema mundial vigente, designadamente, nos termos de trocas comerciais e na redistribuição da riqueza, tudo isto, convenhamo-nos, apesar das ténues oportunidades que, no contexto capitalista, a globalização ainda assim oferece aos mais fracos.

Com efeito, e porque em termos de opções políticas e de política económica de nada valerá combater o capitalismo na presente conjuntura mundial, injustíssima que seja, é neste contexto que a Guiné-Bissau deverá apostar fortemente para tirar proveito das suas vantagens competitivas, que as possui, magras que sejam, à semelhança do que vem sendo feito com relativo êxito nalguns países com trajectórias históricas e políticas semelhantes.

Do mesmo modo, de nada serve também a opção política por panaceias como a que na Guiné-Bissau estabeleceu o primado do “puro fidjo di tchon [*]” sobre todas as premências, de resto, postura essa eivada de uma atroz visão retrógrada, aliás, a qual subjaz um pretenso discurso apologético de regresso às raízes genuinamente guineenses, mas que a todos os títulos se afigura também pernicioso, redutor, ilusório, para além de populista e altamente lesivo aos esforços de estabilização política, do estabelecimento de um Estado de Direito e do desenvolvimento.

Nesse sentido, parece ter alguma razão José Pacheco Pereira quando diz que “ (...) na Guiné-Bissau, nem vale a pena pensar, porque se tornou inabitável. É talvez a única parte do império que pensamos que perdeu as cores verde-rubras e voltou a dissolver-se no negro de África, na África não recomendável em que não entramos. Nunca pensamos Angola e Moçambique só como África, mas a Guiné é África de vez, ou seja, é-nos indiferente (…) [**]”.

Assim, parece pois poder concluir-se que não somos apenas um “Estado falhado” por força da transmudação que o conceito sofreu nas esferas de decisão mundiais ou porque nos rankings mundiais nos posicionamos na cauda de tudo ou quase tudo, mas certamente porque o quisemos deliberadamente, pois continuamos ingénuos a acreditar que podemos facilmente continuar a enganar os bailleurs de fonds a nos financiarem isto e aqueloutro, sem ao menos nos darmos ao trabalho de traçar as directrizes da internacionalização e do desenvolvimento no actual contexto, como se a corrupção e o narcotráfico possuíssem todas as virtualidades mágicas para resolver a panóplia de problemas próprios de uma sociedade desmembrada e em que vivemos paredes-meias com a intolerância e com o egotismo, em suma, um ambiente de autêntico salve-se quem puder.

Efectivamente, num momento em que as ténues possibilidades da globalização apresentam oportunidades únicas, sobretudo através da aposta em novas tecnologia de comunicação e informação, não se entende como é que o Estado da Guiné-Bissau logrou vender a sua ciber-identidade a uma empresa multinacional, ou seja, o seu domínio GW, podendo o mesmo dizer-se relativamente a um ou dois assentos importantes junto da CEDEAO alienados pelo Estado guineense em favor do Senegal (a troco de dinheiro, é evidente!), como se ao país faltassem cabeças pensantes para se compreender que muito do que se possa potenciar-se positivamente passa, neste era da globalização, por acertados posicionamentos político-diplomático no âmbito das relações internacionais, ou seja, pela maior ou menor capacidade de persuasão e de dissuasão no plano externo.


Sintomaticamente, há uns dois anos, a Revista Foreign Affairs e o Fund for Peace estabeleceram uma lista dos 60 países que, pelas suas características, se podiam considerar preencherem os critérios de “Estados falhados”. Curiosamente, nesta lista onde Moçambique e Angola se posicionam em 42º e 43º, respectivamente, a Guiné-Bissau simplesmente não consta. E não consta não por mérito próprio e nem por lapso, mas porque no conjunto da comunidade internacional desenha-se no horizonte uma forte tendência, senão para uma nova transmudação do conceito de “Estados falhados”, pelo menos para a criação de uma nova subcategoria denominada lost cases (casos perdidos), de resto, fantasma esse que, de algum tempo a esta parte, quer queiramos quer não, paira tristemente sobre a Guiné-Bissau e os guineenses.

Leopoldo Amado
(Crónica de Sábado)

Notas de L.A.:

[*] – Puro filho da terra, tradução não literal.

[**] – Cf. http://catacrese.blogspot.com/2006_06_01_archive.html

___________

Notas dos editores:

(1) Vd. post de 29 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1327: Blogoterapia (7): Furriel Miliciano em Angola, em 1961; topógrafo da TECNIL, em Bissau, em 1979 (António Rosinha)

(2) 1973 - Ainda sob administração portuguesa, a Assembleia Nacional Popular da Guiné-Bissau, eleita em 1972, reúne-se em Madina do Boé, território libertado, proclamando a independência do país, a 24 de Septembro e elegendo Luís Cabral, meio-irmão de Amílcar Cabral, Presidente do Conselho de Estado.

Guiné 63/74 - P2177: Artistas guineenses (1): Augusto Trigo, nascido em 1938, em Bolama

do co-editor vb:
Com a vénia que é devida a Jorge Magalhães, reproduzimos uma pequena nota sobre um artista da Guiné. Para muitos de nós um desconhecido, Augusto Trigo retrata, a óleo e a aguarela, as gentes, os animais e as paisagens da sua terra.
__________

Etnias da Guiné. Quadro no Ministério do Comércio. Pintor: Augusto Trigo. Rui Fernandes foi o autor da foto, que a cedeu à AD (Pepito Schwartz). Com a vénia devida.

Augusto Trigo > Um caso de Talento

Augusto Fausto Rodrigues Trigo nasceu em Bolama (Guiné-Bissau), a 17 de Outubro de 1938. Aos 7 anos, devido à morte do pai num acidente de caça, ele e dois dos seus irmãos vieram para Portugal, ficando a mãe a residir na Guiné, com o filho mais novo.

Aluno da Casa Pia, não se destacou pelo aproveitamento nas disciplinas mais clássicas, mas suscitou a admiração dos professores ao fazer uma escultura em madeira representando as figuras do Presépio, que lhe valeu o 1º prémio num concurso organizado entre vários estabelecimentos de ensino.
Foi a partir daí que os mestres, adivinhando as suas aptidões artísticas, o encaminharam no rumo certo, transferindo-o para a Secção de Pina Manique, onde frequentou o curso de entalhador e escultor, sob a orientação do conceituado professor Martins Correia.

Em 1957, com 19 anos, saiu da Casa Pia, obtendo o primeiro emprego como pintor de publicidade. Mas, sempre insatisfeito, sonhando com os horizontes e as vivências da sua infância, não tardou a regressar à Guiné para rever a mãe e os irmãos, acabando por arranjar colocação como desenhador cartográfico.

Cedo, porém, deu provas de não estar grandemente talhado para essas funções demasiado técnicas. E ei-lo a aproveitar todos os momentos livres para pintar quadros a óleo e aguarela sobre temas da sua terra natal.


Painel que representa o Porto de Bissau. Em exposição na Casa do Estivador, junto ao Forte de Amura. Trabalho de Augusto Trigo. Autor da foto: Rui Fernandes. Imagem cedida à AD (Acção para o Desenvolvimento, Pepito Schwartz). Os nossos agradecimentos, com a devida vénia.

Em 1964, realizou a sua primeira exposição de Pintura, que lhe valeu a encomenda de uma série de pinturas e painéis por parte do governo dessa (na altura) província ultramarina portuguesa.


Painel de 1977. Autor: Augusto Trigo. Encontra-se na sala de reuniões do BCAO (Banco). Foto de Rui Fernandes, cedida à AD.

No ano seguinte, executou um painel de grandes dimensões para o novo edifício do Centro de Informação e Turismo, inaugurando-se aí a sua 2ª exposição de Pintura.


Luta felupe, de Augusto Trigo. Encontra-se numa parede de um ex restaurante/café em Varela. Foto de Rui Fernandes, cedida à AD.

Em Abril de 1966, realizou nova exposição, dessa feita no Palácio Foz, em Lisboa, que obteve grande êxito, chamando a atenção do público e da crítica para um talento emergente no cenário das artes plásticas portuguesas.

Repartindo a sua actividade especialmente pela Pintura, a Ilustração e a Escultura, Trigo foi também professor de Trabalhos Manuais e de Desenho. Além dessa prática docente, ilustrou livros didácticos para a 1ª e a 2ª classes.

Após a independência da Guiné, em 1975, foi convidado pelos novos governantes a dirigir o Departamento do Artesanato Nacional, estruturando o artesanato em moldes definitivos e recolhendo algumas peças valiosas do património do seu país.

Para o Banco Nacional da Guiné executou um quadro a óleo de grandes dimensões, que seria posteriormente reproduzido numa das faces da nota de mil pesos, emitida pelo novo governo.


Paisagem, de Augusto Trigo. Em exposição no hall do Banco (BCAO). Com a devida vénia ao Rui Fernandes (autor da foto) e à AD (que detém a imagem no site da AD.

Mas, em 1979, Augusto Trigo decidiu regressar definitivamente a Portugal, fixando residência com a família, também de origem guineense, numa localidade perto de Lisboa.

Foi então que optou por uma nova forma de expressão artística, retomando uma experiência iniciada aos 19 anos com uma história aos quadradinhos intitulada O Visitante Maldito, que assinalaria a sua estreia como autor de BD ao ser publicada em Fevereiro/Março de 1980 no Mundo de Aventuras.

A partir dessa data, graças a um intenso labor repartido por quase todas as revistas da especialidade existentes em Portugal, suplementos de jornais, livros didácticos, álbuns e outras publicações, o talento de Augusto Trigo impôs-se à admiração dos leitores, da crítica e dos seus pares, granjeando-lhe um lugar de relevo no panorama da BD portuguesa dos anos 80 e 90. Dotado de um preciosismo estético invulgar, na linha da grande tradição de BD Clássica - com especial relevo para os artistas que mais o influenciaram: Harold Foster, Eduardo Teixeira Coelho e Vitor Péon -, o estilo de Augusto Trigo pode definir-se como hiper-realista, assentando num intenso (quase mimético) poder de observação e numa concepção gráfica e narrativa que o aproxima de autores mais modernos como Hermann, Derib ou Blanc-Dumont, sobretudo nas histórias de ambiente "western".

Excelente desenhador naturalista, particularmente do reino animal, é nas criações de temática africana, como Kumalo - A Vingança do Elefante (onde Trigo segue o apelo das suas próprias raízes), que se espelham de forma mais evidente as qualidades que o distinguem como artista de Banda Desenhada - predestinadamente, o seu meio de expressão mais genuíno, síntese e confluência de todas as vocações anteriores.

Distinguido com vários prémios de prestígio, ao longo de 20 anos de carreira, Augusto Trigo continua a produzir BD, embora num ritmo mais moderado, colaborando regularmente, com histórias de índole humorística, nas selecções BD e no Clube Tio Pelicas, do Montepio Geral."

Texto de Jorge Magalhães

Vd. Mais trabalhos de Augusto Trigo

Guiné 63/74 - P2176: DocLisboa2007: As Duas Faces da Guerra e a trágica história de um poeta e contestatário, José Bação Leal (1942-1965)

O DocLisboa é um festival de cinema dedicado ao documentário. É, aliás, o único do género que se realiza no nosso país. Com este ano, vai já na 5ª edição. O ano passado terá sido a definitiva consagração do festival. As salas da Culturgest encheram-se de um público, fã do documentário, consciente da riqueza e diversidade que este género cinematográfico representa e do impacto e das potencialidades que
pode ter.

Os seus objectivos deste festival são, segundo a organização : (i) Mostrar ao público português filmes importantes e multi-premiados internacionalmente que ainda não chegaram às salas de Lisboa; (ii) Permitir uma reflexão mais aprofundada sobre temas contemporâneos e de actualidade; (iii) Dar a conhecer de forma mais sistemática a cinematografia de outros países; (iv) Organizar debates que mobilizem o público em torno de filmes importantes e de temas transversais, presentes em várias obras.

Com o DocLisboa 2007 vamos ter de novo o privilégio de conhecer, em primeira-mão, o melhor da que se faz hoje em matéria de produção de documentário, tanto a nível nacional como internacional: são onze dias de projecções de festival, de 18 a 28 de Outubro, em várias salas (Culturgest, Cinema São Jorge e Cinema Londres). O preço dos bilhetes varia entre 2,5 € e os 2 €.

O 5º Festival inclui, entre outras iniciativas (como debates, retrospectivas, masterclasses, oficinas de cinema, etc.), uma Competição Internacional e uma Competição Nacional (ambas para primeiras obras e longas e curtas metragens), e vai opermitir mais uma vez o encontro do público com os realizadores e profissionais (produtores, distribuidores, programadores,
jornalistas...) .

Enfim, será um fórum aberto de reflexão e discussão sobre o estado do mundo e a situação do documentário contemporâneo.

Para mais informação, vd. o sítio do DocLisboa2007, na Internet.

De entre as obras de temática africana (incluindo a guerra colonial e o período pós-independência), destaco os que vêm a seguir listados (a informação e as fotos são retiradas do programa oficial, com a devida vénia). Permito-me fazer uma especial chamada de atenção para: (i) Poeticamente exausto, verticalmente só - A história de José Bação Leal; e (ii) As duas faces da guerra.


19 OUT. 16.30 - CULTURGEST (GRANDE AUDITÓRIO)
21 OUT. 16.00 - CINEMA LONDRES (SALA 2)
Poeticamente exausto, verticalmente só [P]
A História de José Bação Leal , de Luísa Marinho
56´Portugal 2007

"Poeticamente Exausto, Verticalmente Só" é uma aproximação à vida e obra de José Bação Leal, morto em Moçambique durante a Guerra Colonial, com apenas 23 anos, e que viria a transformar-se no símbolo de uma juventude por cumprir. A sua personalidade fascinante e o seu espírito vanguardista marcaram para sempre as pessoas que lhe estavam mais próximas. Este documentário revela um poeta e pensador corajoso, injustamente desconhecido, que contestou a ditadura dentro da própria instituição militar. (1)

19 OUT. 23.00 - CULTURGEST (GRANDE AUDITÓRIO)
22 OUT. 23.00 - CINEMA LONDRES (SALA 1)
As 2 Faces da Guerra [I] , de Diana Andringa e Flora Gomes
100´Portugal 2007

Diana Andringa, figura de referêcia do jornalismo televisivo português, e Flora Gomes, o mais importante cineasta guinenense (com presença regular em Cannes e Veneza), acordaram fazer um documentário a quatro mãos e duas vozes sobre a guerra colonial. Luta de libertação para uns, guerra de África para outros, o conflito que, entre 1963 e 1974, opôs o PAIGC às tropas portuguesas é descrito de maneira diferente nos livros de história dos dois países. Mas não são só estas as "duas faces" desta guerra. Para lá do conflito, houve sempre cumplicidades entre as duas partes: "Não fazemos a guerra contra o povo português, mas contra o colonialismo", disse Amílcar Cabral, e a verdade é que muitos portugueses estavam do lado do PAIGC. Não por acaso, foi na Guiné que ganhou forma o Movimento dos Capitães que levaria ao 25 de Abril. De novo duas faces: a guerra termina com uma dupla vitória, a independência da Guiné e a democracia para Portugal. É esta "aventura a dois" que o filme conta, pelas vozes dos que a viveram (2).

19 OUT. 14.15 - CULTURGEST (PEQUENO AUDITÓRIO)
23 OUT. 20.30 - CINEMA LONDRES (SALA 2)
El ejido, La Loi du Profit [I] , de Jawad Rhalib
80´Bélgica 2006

O que acontece aos imigrantes africanos que arriscam a vida para a chegar à Europa atravessando o mar em "pateras" sobrelotadas? El Ejido é um dos primeiros lugares onde vêm parar. Para fazer o que? Trabalhar ilegalmente em estufas de agricultores espanhóis membros de uma associação ultra-legalistas cuja regra é não dar emprego a ilegais. Mas não é por preocupações humanitárias que os agricultores fogem a regra (arriscando a expulsão da associação) e dão trabalho aos imigrantes ilegais. A agricultura em estufas tornou-se uma mina de ouro e El Ejido tem a maior concentração de estufas agrícolas do mundo. Este filme, que denuncia claramente os abusos do princípio de lucro aqui instituído, revela também os meandros de um sistema que poderia ser considerado o novo trabalho escravo: formas de contratação, subserviência, condições de vida. Ao lado da fronteira portuguesa. Prémio Fespaco 2007.

19 OUT. 20.45 - CULTURGEST (PEQUENO AUDITÓRIO)
24 OUT. 18.00 - CINEMA LONDRES (SALA 2)
Jean Paul [I] de Francesco Uboldi
8´Itália 2006

"Jean Paul" é a história terrível de um homem natural de Baloum, uma aldeia situada na região montanhosa dos Camarões. Vítima de uma doença mental e das superstições da aldeia, Jean Paul foi amarrado a uma árvore e ali abandonado pela sua própria família, sem comida nem água, para morrer.

19 OUT. 20.45 - CULTURGEST (PEQUENO AUDITÓRIO)
24 OUT. 18.00 - CINEMA LONDRES (SALA 2)
The Devil Came on Horseback [I] , de Annie Sundberg e Ricki Stern, 85´EUA 2007

"The Devil Came on Horseback" dá conta da tragédia humanitária do Darfur através das fotografias e o testemunho de Brian Steidle, um antigo observador internacional destacado para o Sudão. Na sua condição de observador, este militar americano pôde visitar locais do país inacessíveis aos jornalistas e sentir na pele o drama das populações vítimas do conflito. Frustrado, Steidle demite-se e regressa aos EUA onde inicia uma campanha para dar a conhecer o que tinha visto, esperando assim poder contribuir para despertar atenção do mundo para o genocídio do Darfur. "The Devil Came on Horseback" é, além disso, um filme sobre a perda da inocência de Steidle que, a pouco e pouco, vai percebendo a profunda indiferença das instituições americanas (em que tinha tanta confiança) e da comunidade internacional face a esta enorme tragédia humana.


21 OUT. 18.30 - CULTURGEST (GRANDE AUDITÓRIO)
22 OUT. 20.30 - CINEMA LONDRES (SALA 2)
Adeus, até amanhã [P], de António Escudeiro
60´Portugal 2007

António Escudeiro nasceu, cresceu e trabalhou em Angola, até ao dia em que se viu forçado a vir embora, contra a sua vontade. Jurou voltar. Mas esse regresso a casa só se tornou realidade 32 anos depois. "Adeus, até Amanhã" é o documentário deste regresso onde se cruzam e confrontam dois universos visuais. As memórias do realizador e a Angola hoje. Há tempos diferentes, encontros e reencontros. Alguns nunca imaginados. Escudeiro percorre, durante 25 dias, a sua geografia angolana - Lobito, Huambo, Huíla. Para no fim ficar a saber melhor o que já sabia: que Angola é a sua terra, que África é o seu continente.


24 OUT. 21.00 - CULTURGEST (GRANDE AUDITÓRIO)
21 OUT. 22.30 - CINEMA LONDRES (SALA 2)
Cuba, Une Odysée Africaine [I], de Jihan El Tahri
120´França/Reino Unido 2006

Entre 1961 e 1989, o continente africano foi um dos principais palcos da Guerra Fria. As nações africanas que tinham alcançado a independência, ou que lutavam ainda por ela, tiveram que enfrentar não apenas as antigas potências coloniais europeias, mas também as aspirações hegemónicas sobre o continente das duas super-potências: União Soviética e Estados Unidos. Integrando-se no bloco dos "não alinhados", os novos países africanos procuraram assumir o controlo dos seus próprios destinos e garantir a sua independência nacional através de alianças internacionais. Cuba teve um papel de liderança nesse processo, prestando auxílio aos jovens revolucionários africanos como Patrice Lumumba, Amílcar Cabral e Agostinho Neto. Da estadia frustrada de Che Guevara no Congo à batalha de Cuito Cuanavale, "Cuba, Une Odyssée Africaine" tenta compreender melhor a África contemporânea através da história destes internacionalistas que ganharam todas as batalhas, mas que acabaram por perder a guerra.

26 OUT. 23.00 - CULTURGEST (GRANDE AUDITÓRIO)
Rostov-Luanda [SE]
de Abderrahmane Sissako
60´ Mauritânia 1997

Como muitos outros jovens africanos dos anos setenta e oitenta, o realizador Abderrahmane Sissako foi estudar para a União Soviética em 1980. Na escola de cinema de Rostov conheceu um jovem angolano, Alfonso Baribanga, antigo combatente na guerra de libertação daquele país que, para Sissako, era a encarnação perfeita do idealismo da geração saída dos vários processos de independência africanos. Dezassete anos mais tarde, tendo apenas uma velha fotografia como ponto de partida, Sissako reúne uma equipa de cinema e parte para Angola à procura do seu velho amigo. A viagem em busca do amigo transforma-se progressivamente numa reflexão sobre a derrota dos sonhos de mudar o continente que a geração do realizador partilhava no tempo em que conheceu Baribanga em Rostov.

26 OUT. 23.00 - CULTURGEST (GRANDE AUDITÓRIO)
Outras Frases [SE]
de Jorge António
52´Portugal/Angola 2003

Através da pesquisa e reinterpretação de elementos tradicionais, a coreógrafa e bailarina angolana Ana Clara Guerra Marques tem procurado, ao longo dos últimos vinte anos, criar novas estéticas e linguagens para o desenvolvimento de uma dança contemporânea angolana. Jorge António, que foi produtor executivo da Companhia de Dança Contemporânea de Angola entre 1995 e 1999, mostra-nos em "Outras Frases" o trabalho artístico e pedagógico da bailarina, tendo como pano de fundo a história política e social de Angola.

27 OUT. 16.15 - CULTURGEST (PEQUENO AUDITÓRIO)
Carnaval da Vitória [SE], de António Olé
40´Angola 1978


Filme etnográfico elaborado no primeiro Carnaval após a Independência, o documentário de António Ole, um dos mais importantes artistas plásticos angolanos da actualidade, concentra-se no grande número de trabalhadores que se dividem entre os seus locais de trabalho e os preparativos e ensaios que culminaram no grande dia da festa popular.

27 OUT. 16.15 - CULTURGEST (PEQUENO AUDITÓRIO)
Mopiopio, Sopro de Angola [SE] de Zézé Gamboa
55´Angola 1991

"Mopiopio" foi um dos primeiros filmes de Zézé Gamboa - o realizador de "O Herói", premiado no Festival de Sundance em 2005 - e é um retrato do quotidiano de Angola feito através da sua música.

___________

Notas de L.G.:

(1) José Bação Leal nasceu em Lisboa, em 1942, e morreu em Nampula, Moçambique, durante a Guerra Colonial com apenas 23 anos, tendo-se transfonrado no símbolo de uma juventude por cumprir.

Vítima de um Portugal que pôs em causa o seu próprio futuro numa guerra sem sentido, o jovem era um promissor escritor e pensador. A sua personalidade fascinante, o seu espírito livre e vanguardista são características que ficaram marcadas para sempre nas pessoas que lhe estavam mais próximas.

Em 1971, o escritor Urbano Tavares Rodrigues prefacia o livro póstumo do autor, editado pelos amigos e pelo pai, desta maneira [José Bação Leal, Poesias e Cartas, Porto, Tipografia Vale Formoso, 1971]:

Além de nos fazer conviver humana e esteticamente com quem teria porventura vindo a ser - não lhe houvessem truncado a vida a crueldade e a insânia que ele denuncia - um dos maiores escritores da língua portuguesa do nosso tempo, este livro fica para sempre, no seu valor testemunhal, como um marco histórico (resumindo a agonia e o martírio de tantos e tantos jovens absurdamente torcidos ou, como ele, quebrados, ao arrepio da história na sua natureza e nas suas opções), eis-nos pois, perante um extraordinário, um apaixonado documento de consciência, que por ser rigorosamente localizado, resulta ainda mais universal.

O documentário "Poeticamente Exausto, Verticalmente Só" propõe-se dar a conhecer a figura fascinante que foi José Bação Leal através dos lugares que percorreu, dos testemunhos dos seus amigos íntimos, das suas cartas e poemas, tendo sempre em conta a contextualização histórica em que o seu pensamento surge.

Fonte: Zed Filmes > Poeticamente exausto, verticalmente só


No blogue O Gin Tónico, pode ler-se o seguinte post de 22 de Julho de 2004 > José Bação Leal (2):

César: Vou ser punido, e consequentemente transferido. Espetei um murro no of. de transmissões, e o canalha (felizmente) queixou-se.

Total, de momento, o meu desinteresse por esta vida ou por outra. Mueda? Guiné? Ninguém me rouba a flor (vermelha!) dos lábios.
...

Ainda não saiu à ordem (não é assim que eles dizem?). Espero que saia em breve e forte. Não tenciono ceder mais. Aqui, não posso (NÃO DEVO) ficar.
César: inadiável o verão das acácias.


(«no trigo o gume do país, no povo a seara pura»)

25/5/65

(José Bação Leal in Poesias e Cartas)

Fonte: O Gin Tónico


(2) Vd. posts de:

8 de Outubro de 2007 > Guiné 63/74 - P2165: As Duas Faces da Guerra, filme-documentário de Diana Andringa e Flora Gomes, no DocLisboa2007 (18-28 Outubro 2007)

9 de Outubro de 2007 > Guiné 63/74 - P2170: As Duas Faces da Guerra: Espero ver alguns de vós na estreia do filme em Lisboa (Diana Andringa)

sábado, 13 de outubro de 2007

Guiné 63/74 - P2175: Tabanca Grande (36): Albino Silva, ex-Soldado Maqueiro (CCS/BCAÇ 2845, Teixeira Pinto, 1968/70)



1. Mensagem do nosso novo camarada, Albino Silva, com data de 10 de Outubro de 2007

Caros Camaradas:

Junto envio os dados que me pedem para o Blogue, que aliás conheço bem, pois todos os dias lhe faço uma visita.

Chamo-me Albino F. P. Silva e moro em Esposende.

Posto: ex-Soldado Maqueiro N.º Mec 01100467

Unidade a que pertenci: CCS/BCAÇ 2845

Prestei serviço na Guiné de 1968 a 1970 em Teixeira Pinto

Junto envio a minha foto como militar, aprumadinho que era, uma à civil e ainda o emblema do meu Batalhão.

Um grande abraço para vocês que têm sido incansáveis nas informações que nos transmitem no dia a dia, falando no nosso passado que já tem uma certa idade, mas que nos está na memória, com tendência a não mais esquecer.

Tenho mais fotos para enviar sempre que seja preciso, pois estou ao dispor.

É evidente que futuramente falarei do meu Batalhão e de tudo que tenho conhecimento, mesmo relacionado com outras Companhias, enquanto comandadas por este Batalhão.

Tenho um Livro que eu próprio editei e que tem o título História da Unidade BCAÇ 2845 e que tem sido vendido na Associação Portuguesa de Veteranos de Guerra, em Braga. Nele conto as histórias passadas com todas as Companhias do Batalhão, mas tenho outras que não foram lá contadas.

Abraços
Albino Silva
Ex-Sold Maqueiro
CCS/BCAÇ 2845

2. Comentário de CV

Caro Albino Silva, bem-vindo à nossa Tabanca Grande, onde poderás contar as tuas histórias e mostrar as tuas fotos.

Aconselho-te a enviares directamente para nós a tua correspondência, endereço luisgracaecamaradasdaguine@gmail.com

Não te preocupes com o estilo literário, pois na nossa Caserna convivemos e compreendemo-nos, independentemente da formação académica de cada um e do antigo posto militar que se teve.

O tratamento, por tu, institucionalizado pelo nosso Comandante Luís Graça, serve exactamente para aprofundar a camaradagem e a amizade entre antigos combatentes, que têm em comum as difíceis e incontáveis horas vividas na Guiné, aquando da nossa quase meninice.

Não posso deixar de transcrever um período da crónica escrita pelo grande mestre da literatura portuguesa, António Lobo Antunes, na Revista Visão de 4 de Outubro de 2007 e que poderás ver na íntegra no Post 2169 - De repente a certeza de ter voltado anos atrás e nós quase meninos, julgando-nos homens, nas Terras do Fim do Mundo, desamparados, a marcarmos cruzinhas nos calendários a cada dia que passava.

Para ti novo amigo
Um abraço da Tertúlia
Carlos Vinhal

sexta-feira, 12 de outubro de 2007

Guiné 63/74 - P2174: Operação Macaréu à Vista - Parte II (Beja Santos) (5): Aquela Terceira Semana Prodigiosa de Setembro


Capa do romance policial de Agatha Christie, O assassinato de Roger Ackroyd. Lisboa: Livro so Brasil. s/d. (Colecção Vampiro). Capa de Cândido Costa Pinto.

Foto: © Luís Graça & Camaradas da Guiné (2007). Direitos reservados.

Texto enviado, em 21 de Agosto último, pelo Beja Santos (ex-alf mil, comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70).

Luís, aqui vai o quinto episódio. Prometo que o sexto seguirá até sexta feira. Julgo-te em férias, mais do que merecidas. Farei também uma semana de férias, até 3 de Setembro. Não te esqueças do meu pedido quanto ao Coronel Coutinho e Lima, o último comandante de Guileje. Um abraço do Mário.


Operação Macaréu à Vista - Parte II (Beja Santos) (5): Aquela Terceira Semana Prodigiosa de Setembro


Ligeiro foguetório sobre Finete e Missirá


Tudo começou a 20 de Setembro de 1969,quando pelas 18h30, mal tínhamos chegado a Missirá, Finete foi flagelada durante uma hora. Não foi um ataque devastador, do alto dos abrigos e nas vigias dos sentinelas cedo se percebeu que era um tiroteio proveniente de um grupo pouco numeroso, vieram armados de morteiros e rockets, mas era um fogo intermitente, pausado e bastante económico, como se viessem só para cansar ou intimidar pelo factor surpresa daquele pânico repentino e não pelo caudal tumultuoso, avassalador da metralha.

Houve tempo para pedir a Bambadinca que fizesse fogo de morteiro sobre Malandim, notificando igualmente o Xime para estar atento, pois talvez viesse a ser necessário mais tarde foguear Chicri, infernizando-os na retirada para Madina. Feitos estes contactos, preparou-se uma coluna de auxílio a Finete que chegou a Canturé, já há muito cessara o fogo. Após uma caminhada prudente, encontrámos Finete moralizada, resistira bem com as suas Mauser, G3, dilagramas e o recém-chegado morteiro 60. Só destoara um ferido ligeiro e uma morança danificada. Para quem, como eu, vivia o espectro de um ataque intimidatório e brutal, susceptível de neutralizar por largos meses o destacamento onde íamos buscar os meios humanos para patrulhar Mato de Cão, o que acontecera era tranquilizador, o menor mal possível.

Mas não se confiava nestes pequenos surtos de fogo, a que Madina parecia querer habituar-nos. A 24 de Setembro de 1969, regressados igualmente ao anoitecer de Mato de Cão, a gente de Madina, de novo a partir das estrada de Cancumba, lançou um curto ataque com rockets que esvoaçaram sobre o quartel enquanto um punhado de atiradores metralhavam a porta de armas e três abrigos. Um morteiro flagelou meia dúzia de vezes o interior de Missirá, felizmente nas hortas e outros locais não habitados. Eu estava entregue aos cuidados do alfaiate Malâ Mané, um dos homens mais sorridentes que conheci, era um riso largo com dentes de ouro e óculos à Stevie Wonder e que veio de escantilhão atrás de mim, até sossegar dentro de uma vala, deixando-me entregue aos afazeres da resposta.



Amigos turras em Missirá ?


Foram escassos dez minutos em que a resistência firme, sobretudo dos morteiros e das bazucas, cortou cerce a intenção da gente de Madina em aterrorizar também com aquele fogo esparso e cadenciado, à semelhança do que fizera em Finete. Na manhã seguinte, verificámos com apreensão que o inimigo retirara a corta-mato, fugindo aos trilhos normais, que estavam armadilhados. Nessa manhã, alguns soldados diziam em voz alta:
-Estes gajos estão informados das picadas por onde não podem andar, têm amigos turras em Missirá.

Sempre procurei desqualificar este tipo de crítica, hoje sei que havia fundamento acerca da passagem de informações para a gente de Madina, a partir de Missirá e Finete. Não se devem esquecer os laços de sangue: havia mandingas de Missirá em Madina, balantas de Finete em todo o Oio.


As reivindicações dos caçadores nativos do pelotão


Depois da curta flagelação, recolhidas as amostras do fogo inimigo e verificada a inexistência de estragos, recolhemos aos leitos para sair pelas cinco e meia da manhã, pois havia patrulha de reconhecimento e pelas dez partiríamos para Mato de Cão. Exactamente quando saio ao alvorecer do abrigo para ir tomar uma chávena de café, descubro que tenho o pelotão formado em U à porta, impecavelmente indumentados, boina castanha na cabeça. O Domingos Silva apresenta o pelotão, limito-me a mandar descansar e regresso ao abrigo para me fardar a rigor. Regressado, igualmente de G3 no braço, pergunto ao que vêm. Noto que não estão presentes os furriéis nem os cabos brancos. É o mesmo Domingos quem vai ser o porta-voz: o Pel Caç Nat 52 está em Missirá desde 1967, tem vivido os patrulhamentos diários a Mato de Cão, ajudou a refazer o quartel, tem colaborado nas obras de Finete, consideram todos que chegou o momento de serem transferidos, merecem um pouco de repouso, vêm por este meio expressar ao seu excelentíssimo comandante os protestos da mais elevada consideração, não estão revoltados, sentem-se bem tratados mas acham que chegou a hora da mudança, o excelentíssimo alfero que providencie junto de Bambadinca para que haja uma transferência, tão depressa quanto possível, estamos cansados, este clima arrasa, o nosso inesquecível comandante é um exemplo de trabalho, parece que nasceu em África, é o pai de todos nós, queremos que ele parta connosco.

É uma longa oração, o Domingos está num momento feliz da oratória, não se ouve uma mosca, o meu olhar vagueia por todos estes semblantes rígidos, agora o meu olhar paira sobra as copas dos bissilões, desce como se pudesse ver Canturé, o coração aperta-se, é o pronuncio da despedida, começo a enfrentar o luto por essa Missirá inesquecível e profundamente amada. Com os olhos humedecidos, mas sem vacilar na voz, respondo-lhes que percebo o sentido da transferência e comunico que hoje mesmo procurarei expor em Bambadinca o que me acaba de ser pedido. O que se segue, deixa-os estupefactos. Digo-lhes que compreendo que tem havido muita canseira em Missirá mas que em Bambadinca nunca mais seremos esta família: ali trabalharemos em secções, andaremos a reboque de uma escala de serviços e de múltiplas necessidades, é mentira que descansaremos mais, não haverá Mato de Cão todos os dias, nem os reforços, nem as colunas de reabastecimento nem as obras, mas haverá colunas a qualquer hora, oiço o protesto dos camaradas que fazem emboscadas à volta de Bambadinca, eles devem falar com os camaradas de Bambadinca como eu faço. Garanto-lhes que tudo farei para que haja esta transferência, mas vou por arrasto, aqui ainda sinto dignidade, lá andaremos aos baldões da sorte a cumprir a escala de serviço e as necessidades operacionais, seremos uma serventia, cumpriremos as ordens dos outros. Vou com vocês, deixo o meu coração aqui.

Feito o reconhecimento, partimos para Mato de Cão, os batelões vieram à hora, avançámos para o quartel de Bambadinca, o Pires, o Teixeira e o Benjamim irradiaram para as sua missões, eu fui procurar o Comandante Corte Real.


Uma conversa extraordinária com todo o comando reunido


Jovelino Corte Real recebeu-me com deferência mas cedo observei que o olhar era gelado. E transmitiu-me as suas preocupações: era facto que Missirá e Finete estavam a sofrer pequenas flagelações, mas ele e o Major de operações estimavam que o inimigo circulava à rédea solta, parecia que tínhamos perdido a mentalidade ofensiva e queriam saber porquê.

Com o rosto afogueado pela torpeza da insinuação, pedi licença para responder na presença do Major de operações. Para minha surpresa, entrou igualmente o segundo comandante, o Major Cunha Ribeiro, presumo que acidentalmente. Aclarei a voz, procurando repor a verdade dos factos e sem me enervar: qualquer inimigo tinha, nas circunstâncias actuais, capacidade para pequenas, médias e grandes flagelações, ele estava informado dos nossos patrulhamentos diários, na época das chuvas há sempre mais gente doente, era do conhecimento do novo comando que Missirá ficara num escombro em meados de Março, era hoje de novo um destacamento graças aos soldados e à população civil, mesmo com algum apoio de Bambadinca e da engenharia de Brá. Quando chegara a Missirá, encontrara quase dois pelotões. Hoje tinha um pelotão e uma secção. Se o novo comando entendia que houvera perda de mentalidade ofensiva, em nome dos meus soldados pedia formalmente que fôssemos transferidos prontamente. Aliás, aproveitava para transmitir o pedido dos caçadores nativos que se encontram em Missirá há mais de dois anos e meio.

Na réplica, o Comandante suavizou o nível das críticas e prometeu reapreciar a situação nos próximos dias. Furioso com a injustiça da insinuação, virei as costas e desci apressadamente a rampa de Bambadinca, com a fome no corpo e na alma. E só depois de duas bifanas no Zé Maria é que ganhei coragem de me lançar na bolanha ainda enlameada, sem gozar a magnitude do palmar à distância.


Uma primeira conversa esotérica com o padre Lânsana Soncó



Anoitece quando empunhando o meu caderninho preto onde consta a palavra Soncó que tem lugar a minha apalavrada reunião com o Padre Lânsana, meu vizinho e admirado sábio. Estamos acompanhados pelo Benjamim e, sempre que necessário, Cherno traduz directamente para mandinga. Peço primeiro a Lânsana que fale sobra a duração da época das chuvas. Ele beberricara chá de erva cidreira e comera pãezinhos quentes preparados pelo Jobo, servindo-se generosamente de talhadas de marmelada. Respondeu dizendo que a época das chuvas vai desde o princípio de Março até finais de Outubro, mês em que normalmente já chove pouco. Recordou que é uma época com ondas de calor sufocante, grande trovoadas no princípio e no fim, redemoinhos que começam por ser manchas pretas que começam nas bolanhas e se transformam em colunas de ar destruindo tudo à sua passagem.

Perguntei-lhe depois quais as culturas desta época. Com gestos serenos, as suas mãos mascarradas pela tinta com que desenha elegantes caracteres árabes, ele que tem uma pose de Fu Manchu, fala do cultivo do milho preto e basil, da mandioca, do arroz e da batata doce. Observo que sobre a cultura de arroz tinha estado a conversar com o chefe da tabanca de Finete, N’cuia, um gentil balanta que me aturava estes interrogatórios. Afinal, muitas destas questões eram cuidadosamente versadas em livros publicados pelo Centro de Estudos da Guiné Portuguesa.

Perguntei-lhe à queima roupa se Missirá sempre existira com esta nome, ao qual ele respondeu:
-Só a partir do pai de Malã é que Mansacunda é que passou a chamar-se Missirá, em homenagem ao lugar santo.

Avancei depois para a questão delicada da lealdade dos Soncó e dos Mané à bandeira portuguesa. Como se estivesse a filosofar olhando para um ponto fixo, o padre lembrou que em todas as culturas há ressentimentos, traições, mudanças de opinião. Toda a gente sabia que Seco Soncó, um irmão de Malã que vivia em Canturé, nunca aceitara a escolha de Malã para régulo com o patrocínio das autoridades portuguesas, tinha logo apoiado o PAIGC desde o início da luta armada. E foi exactamente quando eu me preparava para fazer perguntas sobre a época seca que Umaru pedi licença para pôr a mesa, dez militares esperavam à porta da messe que acabassse aquela conversa esotérica. Lãnsana prometeu continuar a dar-me todos os esclarecimentos necessários.

Leituras: de Simenon a Agatha Christie

A casa do canal, de Georges Simenon não é um policial mas é um denso romance psicológico onde não vai faltar um homicídio. Uma jovem de dezasseis anos parte de Bruxelas para ir viver com familiares em terras flamengas, em Neroeteren. Ela chama-se Edmée, é cosmopolita e nunca se sentirá bem em meio rural, vendo os barcos passar entre comportas, no meio de tios e primos que chapinham passos na lama.

Para quem duvide que Simenon seja um grande escritor, este livro dissipará todas as dúvidas, tal a capacidade dos registos humanos, o poder descritivo perfeitamente controlado, os diálogos enxutos, a riqueza de pormenores da Bélgica profunda: os objectos domésticos, as conversas à mesa, o vestuário, a contenção dos sentimentos, o patinar na neve, o ciclo das estações. Edmée é assediada pelo primo primogénito, indiferente à paixão que desencadeara noutro primo que a irá assassinar, brutalizado pela perda. Leitura magnífica e não paro de acariciar a linda capa de Bernardo Marques, um modernista que soube elevar o design gráfico à categoria de grande arte.



Capa do romance de Georges Simenon, A Casa do Canal. Lisboa: Livros do Brasil. s/d.. Capa de Bernardo Marques.

Foto: © Luís Graça & Camaradas da Guiné (2007). Direitos reservados.


Soube-me bem reler O assassinato de Roger Ackroyd, de Agatha Christie. Para quem está esquecido, este romance dos anos trinta continua a ser uma singularidade nos anos sessenta: é o assassino que veste a pele de narrador, o Dr. Sheppard, médico de King’s Abbot, uma aldeola da Inglaterra rural. O romance deu controvérsia na época, a criadora de Hercule Poirot foi acusada de excesso e quebra de regras ao inviabilizar que o leitor pudesse participar na decifração do enigma. O que é importante é a textura com que a grande senhora do crime promove os inquéritos de Poirot, acolitado pelo próprio homicida e pela sua irmã bisbilhoteira. Uma obra prima absoluta, além do mais com uma bela capa do Cândido da Costa Pinto.


Estão a chegar alguns dias trágicos, para mim e para Missirá. Vem aí o colapso nervoso do [Furriel] Luís Casanova, que me vai deixar ainda mais sozinho; o correio de Lisboa faz-me descer às profundezas do inferno, há cóleras que se destilam em tinta, diferentes juizes e juízas que proferem sentenças de acusação, o possível casamento com a Cristina é censurado em coro; Missirá será de novo flagelada e depois, em meados de Novembro, por íncúria minha, deflagrará uma poderosa mina anti-carro em Canturé, agravando o moral das tropas.

Estamos numa época em que as chuvas são inclementes, os atoleiros das viaturas uma prática corrente, os soldados cada vez mais exaustos e a acreditar que a transferência [para Bambadinca] ia melhorar as coisas. É um tempo de prodígios, e Deus voltou a manifestar a Sua infinita misericórdia comigo. É um tempo em que se perderam vidas e em que julguei que Cherno Suane, o mais devotado dos amigos, ia morrer. Falemos então desse tempo.

___________

Nota de L.G.:

(1) Vd. post anterior desta série > 5 de Outubro de 2007 > Guiné 63/74 - P2154: Operação Macaréu à Vista - Parte II (Beja Santos) (4): Cartas de Missirá, Setembro de 1969