quinta-feira, 17 de janeiro de 2008

Guiné 63/74 - P2445: Em louvor da G3, no duelo com a AK47 (Mário Dias)

1. Mensagem de Mário Dias, recebida na terça-feira, 15 de Janeiro de 2008, com o título: Em louvor da G3

Caro Luís:

Por ser tão comum enaltecer a vantagem do PAIGC sobre as NT a propósito da AK47 versus G3, o que não considero verdadeiro, junto em anexo a minha opinião mais ou menos fundamentada sobre o assunto.

Aproveito para anunciar que, contrariamente ao meu desejo, não me vai ser possível estar presente no lançamento do livro do Beja Santos que profundamente admiro. Daqui lhe envio um grande abraço e continue a escrever. Que nunca as mãos lhe doam.

Boa viagem até Guiledje e votos que o Simpósio venha a constituir-se numa mais profunda amizade e compreensão entre todos nós.

Um grande abraço.
Mário Dias
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2. Resposta do VB:
Meu Caro Furriel Mário Dias,

Não é o Luís, sou eu, o Briote que assumo o encargo de publicar a tua (minha também) defesa da G3, essa namorada que, tanto quanto me lembre, me foi fiel durante a minha comissão na Guiné.

Não dei muitos tiros em combate. Ainda hoje me lembro que foram 22, em toda a comissão. Só que de uma vez, logo no início da comissão, quando me encontrava ainda em Cuntima, na CCAV 489, despejei o carregador até ao fim numa emboscada entre Faquina Fula e Faquina Mandinga.

Depois nos Comandos, a minha história com a G3 quase dava um romance. Na carreira de tiro que havia lá para os lados do aeroporto (lembras-te?), esvaziei um cunhete. Há quem diga que foram cinco, não acredito. Certo é que o cano, sem tapa-chamas, rachou. E o Saraiva obrigou-me a pagar a asneira.
Achei, na altura, que ela me tinha sido ingrata, pela vergonha que me fez passar. E que o cap Saraiva era um exagerado. Troquei-a por uma FN, também sem tapa-chamas (ainda estou para saber porque é que eu as preferia assim).

Meses depois, reconciliámos-nos, fizemos as pazes e foi a minha namorada até ao fim. Custou-me tanto a liquidação da dívida que, a partir daí, passei a ser eu a tratar dela. Como tu dizes, com as mãos na massa.

Mário,

Foste um dos instrutores que me ensinaste a pegar nela. A pôr os meus olhos no cano, a usá-la o estritamente necessário, a trazê-la no colo, com meiguice.

Não vou aqui falar de outras coisas que me ensinaste, que a hora é de honrar a G3. Mas é sempre tempo para publicamente reconhecer que foste um instrutor que nos deixou marcas muito positivas, nomeadamente pelo teu saber e conhecimento daquela terra e daquelas gentes que, eu sei, tanto apreciavas.

vb
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3. Texto de Mário Dias:
Em louvor da G3.

É muito vulgar e frequente tecerem-se comentários depreciativos à espingarda G3, quando comparada à AK47. Em minha opinião, nada mais errado. Analisemos, à luz das características de cada uma e da sua utilização prática, os prós e contras verificados durante a guerra em que estivemos empenhados em África:

Comprimento: G3 - 1020mm; AK47 - 870mm
Peso com o carregador municiado: G3 - 5,010Kg; AK 47 – 4,8Kg
Capacidade dos carregadores: G3 – 20 cartuchos; AK47 – 30 cartuchos
Alcance máximo: G3 – 4.000m; AK47 – 1.000m
Alcance eficaz (distância em que pode pôr um homem fora de combate se for atingido):
G3 – 1.700m; AK47 – 600m
Alcance prático: G3 – 400m; AK 47 – 400m

Passemos então a comparar.

No comprimento e peso a AK47 leva alguma vantagem. A capacidade dos carregadores, mais 10 cartuchos na AK47 que na G3, será realmente uma vantagem?

Se, por um lado, temos mais tiros para dar sem mudar o carregador, por outro lado esse mesmo facto leva-nos facilmente, por uma questão psicológica, a desperdiçar munições. E todos sabemos como o desperdício de munições era vulgar da nossa parte apesar de os carregadores da G3 serem de 20 cartuchos.

O usual era, infelizmente, “despejar à balda” sem saber para onde nem contra que alvo. Sem pretender criticar a maneira de actuar de cada um perante situações concretas, eu, durante todas as acções de combate em que participei ao longo de 4 comissões, o máximo que gastei foi um carregador e meio (cerca de 30 cartuchos). Por tal facto, em minha opinião, a dotação e capacidade dos carregadores da G3 é mais que suficiente, além de que os próprios carregadores são mais maneirinhos e fáceis de transportar que os compridos e curvos carregadores da AK47.

Também quanto ao poder balístico, a G3 leva vantagem pois, embora na guerra em matas e florestas seja difícil visar alvos para além dos 100/200 metros, tem maior potência de impacto e perfuração sendo a propagação da onda sonora da explosão do cartucho muito mais potente na G3, o que traz uma maior confiança a quem dispara e muito mais medo a quem é visado. A G3 a disparar impõe muito mais respeito.

Porém, os principais motivos que me levam a preferir a G3 à AK47 (creio que a fama desta última é mais uma questão de moda) são as que a seguir vou referir ilustradas, dentro das possibilidades, com gravuras:



G3


AK47

Deixem-me, então, começar a vender o meu peixe em louvor da G3. Todos sabemos a importância do silêncio e da rapidez de reacção numa guerra de guerrilha e de como o primeiro a disparar leva vantagem.

Normalmente o combatente numa situação de contacto possível em qualquer lado e a qualquer momento leva geralmente a arma com um cartucho introduzido na câmara e em posição de segurança. Eu e o meu grupo tínhamos bala na câmara e arma em posição de fogo desde a saída à porta de armas do aquartelamento até ao regresso e nunca houve um único disparo acidental. Mas, partindo do princípio que nem todos teriam o treino necessário para assim procederem, a arma iria então com bala na câmara e na posição de segurança.

Quando dois combatentes se confrontam, o mais rápido e silencioso tem mais possibilidades de êxito e, nesse aspecto, a G3 tem uma enorme vantagem sobre a AK47. Talvez poucos se tivessem dado conta dos pequenos pormenores que muitas vezes são a diferença entre a vida e a morte.

Um caso concreto:

Vou por um trilho no meio do mato e surge-me de repente um guerrilheiro. Levo a arma em segurança e tenho rapidamente de a colocar em posição de fogo. Do outro lado o guerrilheiro terá de fazer o mesmo. Em qual das armas esta operação é mais rápida e fácil? Sem dúvida alguma na G3.

Se olharmos para as gravuras observamos que na G3, levando a arma em posição de combate, à altura da anca com a mão direita segurando o punho dedo no guarda mato pronto a deslizar para o gatilho, utilizando o polegar sem tirar a mão do punho com toda a facilidade e de forma silenciosa passo a patilha de segurança para a posição de fogo e disparo.

E o portador de AK47? Sendo a alavanca de comutação de tiro do lado direito da arma e longe do alcance da mão terá que, das duas uma: ou larga a mão do punho para assim alcançar a alavanca de segurança ou então tem que ir com a mão esquerda efectuar essa manobra. Em qualquer das soluções, quando a tiver concluído já o operador da G3 terá disparado sobre ele.

Suponhamos agora que o homem da G3 vê um guerrilheiro e não é por este detectado. A passagem da posição de segurança à posição de fogo, além de rápida, é silenciosa pois a patilha de segurança é leve a não faz qualquer ruído ao ser manobrada. O guerrilheiro não se apercebe de qualquer ruído suspeito e mais facilmente será surpreendido. Ao contrário, um guerrilheiro que me veja sem que eu o veja a ele e tenha que colocar a sua AK47 em posição de fogo para me atingir, de imediato me alerta para a sua presença pois a alavanca de segurança dá muitos estalidos ao ser accionada. Assim, não é tão fácil a um portador de AK47 surpreender alguém a curta distância.

Outro caso concreto:

Todos certamente estaremos recordados de quantos vezes era necessário combinar o fogo com o movimento nas manobras de reacção a emboscadas ou na passagem de pontos sensíveis. Nessas ocasiões, em que fazíamos pequenos lanços em corrida para rapidamente atingirmos um abrigo para o qual nos teríamos de lançar de forma a ficarmos automaticamente em posição de podermos fazer fogo (a chamada queda na máscara), a G3, devido à sua configuração era de grande ajuda pois, não tendo partes muito salientes em relação ao punho por onde a segurávamos, (o carregador está ao mesmo nível) permitia que de imediato disparássemos com relativa eficácia.

E a AK47? Reparem bem naquele carregador tão comprido e saliente do corpo da arma. Como fazer manobra idêntica? Impossível. Mesmo colocando a arma com o carregador paralelo ao solo para facilitar a “aterragem”, isso faz com que tenhamos que perder tempo a corrigir a posição de forma a estarmos aptos a disparar. E em combate cada segundo é a diferença entre a vida e a morte.

Um defeito geralmente apontado à G3 é que encravava facilmente com areias e em condições adversas.

Quero aqui referir que ao longo dos muitos anos da minha vida militar, tanto em combate como em instrução ou nas carreiras de tiro, tive diversas armas G3 distribuídas e nunca nenhuma se encravou. A G3 possui de facto um ponto sensível que poderá impedir o seu funcionamento se não for tomado em conta. Trata-se da câmara de explosão, onde fica introduzido o cartucho para o disparo, que tem uns sulcos longitudinais (6 salvo erro)* destinados a facilitar a extracção do invólucro. Acontece que se esses sulcos não estiverem limpos e livres de terra ou resíduos de pólvora não se dá a extracção porque o invólucro fica como que colado às paredes da câmara. Se houver o cuidado em manter esses sulcos sempre livres de corpos estranhos nunca a G3 encravará. Outra coisa que poderá levar a um mau funcionamento é as munições estarem sujas ou com incrustações de calcário ou verdete.

Nós tínhamos por hábito, como forma de prevenir este inconveniente, untarmos as mãos com óleo de limpeza de armamento, para esfregarmos as munições na altura de as introduzirmos nos carregadores. E resultou sempre bem.

São pequenos pormenores que deveriam ter sido ensinados na recruta mas, pelos vistos, nem sempre havia essa preocupação bem como muitas outras que foram, a meu ver, causa de algumas (muitas) mortes desnecessárias.

CONCLUSÃO

Depois de passados tantos anos sobre a guerra, continuo fã incondicional da G3. Se voltasse ao passado e as situações se repetissem, novamente preferia a G3 à HK47.

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Notas e fixação do texto: vb

(*) Quatro estrias ou seis, Mário?

Foi a arma de infantaria padrão do exército alemão, Bundeswehr, até 1997, e continua a ser utilizada por vários exércitos nacionais. A G3 é tipicamente um fuzil de calibre 7.62 x 51 mm NATO, capaz de fogo semi-automático ou totalmente automático com um cartucho desmontável. Pode ainda ser anexada uma baioneta à G3.

Foi desenvolvida pelos engenheiros da Mauser, após terem passado algum tempo em Espanha a trabalhar para outros fabricantes de armas nesse país. Ajudaram a criar a espingarda CETME e levaram-na de volta para a Alemanha. De facto, por algum tempo as G3 tiveram a palavra "CETME" estampada num dos lados; o design levou contudo várias modificações, como por exemplo, a CETME tinha um apoio em madeira e a G3 não.


G3 significa "Gewehr 3", Espingarda, 3 em alemão. A G3 foi adoptada em 1958 como substituta para a G1 da Bundeswehr, uma versão modificada da belga FN FAL, que estava em serviço desde 1956, o ano em que a Alemanha Ocidental tinha entrado para a NATO.

Portugal teve necessidade de adotar uma nova arma no inicio dos anos 60, por conta da guerra colonial na África. As possibilidades não eram muitas. Os Estados Unidos mantinham um claro embargo a Portugal durante a era Kennedy. Assim, a escolha tinha que recair numa arma fornecida por um país que estivesse na disposição de transferir a tecnologia para a sua fabricação em Portugal. A escolha foi pela arma alemã, que passou a ser fabricada em Portugal pela Fábrica de Braço de Prata.

Quando chegou a África, em comparação com as antigas armas ligeiras das forças armadas a G3 era vista como extremamente sofisticada. Tratava-se de uma arma automática, que podia disparar rapidamente uma considerável quantidade de tiros.
Foi necessário bastante treino de forma que a tropa se habituasse a entender que a posição normal da arma devería ser a posição tiro-a-tiro, porque do ponto de vista operacional, gastar rapidamente a munição no meio do mato, sería um problema.

Em 1965, já o numero de espingardas automáticas G3 tinha ultrapassado as 150.000 nas forças armadas, e mesmo assim, ainda existiam em funcionamento 15.000 espingardas automáticas FN, fornecidas de emergência pelo exército alemão, antes da introdução da G3.

A arma esteve presente nos vários cenários de guerra, em Angola, Moçambique e Guiné-Bissau. Viu-se ainda a G3 ser utilizada em Timor leste pelas guerrilhas das Falintil.

Até ao ano 2000, ainda algumas velhas G3 se encontravam operacionais naquele território.
A substituição da G3 nas forças armadas portuguesas aproxima-se a passos largos. A sua provável substituta será provavelmente a
G36, que é vista internacionalmente como a substituta lógica da G3, embora outras possibilidades continuem em aberto.

Extraído da Wikimedia Commons. Com a devida vénia.

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De Mário Dias, ver também postes de:

15 de Janeiro de 2006 > Guiné 63/74 - CDLI: Falsificação da história: a batalha da Ilha do Como (Mário Dias)

17 de Novembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCXCV: A verdade sobre a Op Tridente (Ilha do Como, 1964)

15 de Dezembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCCLXXII: Op Tridente (Ilha do Como, 1964): Parte I (Mário Dias)

16 de Dezembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCCLXXV: Op Tridente (Ilha do Como, 1964): II Parte (Mário Dias)

17 de Dezembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCCLXXX: Op Tridente (Ilha do Como, 1964): III Parte (Mário Dias)

Sobre a Kalash, vd. os seguintes postes publicados no nosso blogue:

30 de Maio de 2006 > Guiné 63/74- DCCCXVIII: Confissões de um pacifista: A minha paixão pela bela Kalash (João Tunes)

17 de Maio de 2005 > Guiné 69/71 - XX: "Foi você que pediu uma kalash?" (David Guimarães)

quarta-feira, 16 de janeiro de 2008

Guiné 63/74 - P2444: Arsénio Puim, ex-Alf Mil Capelão, CCS/BART 2917, hoje enfermeiro reformado e um grande mariense (Luís Candeias)


Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Xitole > 1970 > O Padre Puim, capelão militar, de origem açoriana, com o furriel Guimarães da CART 2716. Infelizmente é a a única fotografia que temos dele, no nosso blogue. Devido às suas homilias, este capelão teve problemas com a PIDE/DGS, acabando por ser expulso do Exército, em 1971, tal como outros (o caso talvez mais mediático foi o do Padre Mário da Lixa, membro da nossa tertúlia). 

 O Arsénio Puim, natural da Ilha de Santa Maria acabou por deixar o sacerdócio, foi enfermeiro e casou-se com uma enfermeira. Hoje está reformado, segundo informação do nosso amigo Luís Candeias (1), vivendo na Ilha de S. Miguel. 

 Foto: © David J. Guimarães (2005). Direitos reservados. 

  1. Mensagem do Luís Candeias, com data de 14 do corrente: 

 Bom Dia, Luís. Hoje foi uma manhã muito especial para mim. Consegui falar com o amigo Arsénio e com a Leonor. Ele vai já tentar entrar no blogue e participar também na nossa conversa. Para o ajudar, dei-lhe vários links para ele ter menos dificuldade em chegar lá. Fiz inclusivamente o copy-paste para ele do teu endereço de e-mail. Estou muito feliz hoje por ter talvez já dado o primeiro passo para vos ajudar a reencontrar o nosso Arsénio. 

 Um grande abraço Luis Candeias 

  2. Comentário de L.G.: 

 Obrigado, Luís, é uma excelente notícia. Espero que lhe tenhas feito chegar o comentário que escrevi na nossa última mensagem. Fico, entretanto, a aguardar notícias, em primeira mão, do nosso amigo comum. Ele muito provavelmente já não se lembra de mim, mas deve recordar-se bem do Abílio Machado que, de resto, escreveu sobre ele um texto memorável (2). 

 Não é preciso repetir-lhe que a nossa Tabanca Grande não tem portas nem janelas, como nas tabancas do regulado de Badora que o Arsénio conheceu, a começar por Bambadinca, onde vivemos entre meados de 1970 e o fatídico dia 1 de Janeiro de 1971. 

 Como eu te disse, há tempos tinha deixado este comentário no blogue, em mensagem dirigida ao David Guimarães que estava no Xitole (2): 

  Convivi pouco com o capelão Puim. Já não ia missa nessa idade, e muito menos na Guiné, em Bambadinca. Além disso, a malta da CCAÇ 12 tinha uma intensa actividade operacional, ao serviço do comando do do batalhão, sobrando pouco tempo para conviver com a malta da CCS. Levei-o, a ele, Puim, uma vez, numa das nossas colunas logísticas ao Xitole, a ele e à mulher do Carlão... (Ainda me recordo de a ver, de camuflado, e de sapatos de salto alto, vermelhos, à guarda do angélico Puim... Não sei se te recordas: o Carlão era um dos alferes da CCÇ 12, estando na altura destacado no reordenamento de Nhabijões... Alguém se recusou, por razões de segurança, a levar a mulher do Carlão. Deve ter sido o comandante da coluna, um dos nossos alferes ou talvez o Beja Santos, do Pel Cal Nat 52, já não me recordo ao certo... Julgo que a coluna ia mesmo até ao Saltinho. Já não tenho a certeza se ela acabou por ir ou por ficar. O Puim foi dessa vez, e terá sido essa uma das quatro vezes que ele te visitou, no Xitole)... 

 Bom, hoje estou arrependido de nunca ter ouvido uma homilía do Puim, mesmo por simples curiosidade intelectual, por solidariedade humana ou por camaradagem... Na altura, eu achava que todos os capelães militares eram escolhidos a dedo e estavam bem integrados no sistema. Não me dei conta que os efeitos devastadores da guerra também afectavam os homens encarregues de zelar pelo conforto espiritual dos nossos combatentes. Além disso, o Concílio Vaticano II mexeu profundamente com a Igreja (ultraconservadora) que nós conhecímos, desde o nosso tempo de meninos e moços... 

Claro, eu tinha ouvido falar do Padre Mário de Oliveira, o Padre Mário da Lixa, também expulso do exército dois anos antes (Esteve em Mansoa, ali perto de nós, mas só vim a conhecê-lo, pessoalmente em 1976, no dia do meu casamento, civil, em Candoz, Paredes de Viadores, Marco de Caneves)... 

 Por outro lado, as autoridades militares de Bambadinca e a polícia política fizeram a coisa discretamente, pela calada... Poucos de nós, deram conta do que se passou, no início do ano de 1971 em que ele foi preso e levado de helicóptero para Bissau ... 

Em retrospectiva, tenho que considerar o Puim como um homem bom, vertical, coerente e corajoso, talvez o melhor de todos nós, não obstante o seu ar frágil, de menino de coro... Já não me recordo, mas tivemos seguramente conversas, no subversivo bar de sargentos, a respeito do que se passou, na altura, já que o Machado era seu e nosso amigo... 

 O texto do Abílio Machado (2), já aqui publicado, fez-me aumentar a minha admiração por ele: "A coragem de um padre que não abdicou de o ser lá onde era o seu sítio: o altar"... Poucos de nós tiveram tomates para tomar as posições que ele tomou: refiro-me àqueles de nós, como eu, que eram contra a guerra mas que a fizeram... 

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 Notas de L.G.: (1) Vd. postes anteriores: 



  (...) Ele foi meu professor de História no Liceu e sempre um bom amigo. Foi enfermeiro aqui no Hospital, em Santa Maria, casou com a Leonor, também enfermeira, e acabou mudando a sua residência para Vila Franca do Campo, na vizinha Ilha de S. Miguel, terra de origem da Leonor. Tem 2 filhos já crescidotes, o Pedro e o Miguel, estudantes universitários. É hoje um Enfermeiro reformado e um Mariense muito empenhado na Cultura e História marienses, e sua divulgação, com intervenção permanente no jornal 'O Baluarte de Santa Maria' (...). 

(2) Sobre o Arsénio Puim, ex-Alf Mil Capelão, da CCS do BART 2917 (Bambadinca, 1970/72), vd. postes de: 


Guiné 63/74 - P2443: Pami Na Dono, a Guerrilheira, de Mário Vicente (8) - Parte VII: O prisioneiro Malan é usado como guia (Mário Fitas)

Guiné > Região de Tombali > CCAÇ 763 (1965/66) > Área de actuação dos Lassas, aquartelados em Cufar, entre Catió e Bedanda (posições das NT, assinaladas a verde)... A partir da margem esquerda do Rio Cumbijã, estendia-se a mítica mata do Cantanhez, onde o PAIGC estava fortemente implantado.

Guiné Cufar > CCAÇ 763 (1865/66) > Os Lassas na estrada Catió-Cufar. Na foto vê-se um dos oitos cães de guerra (pastores alemães) que os Lassas usavaram em operações, a título experimental.


Guiné > Região de Tombali > Cufar > CCAÇ 763 (1965/66) A bela Miriam, a lavadeira que fazia converso giro com O Furriel Mamadu...

Fotos: Mário Vicente, Putos, Gandulos e Guerra. Ed. de autor (Cucujães, 2000).



PAMI NA DONDO, A GUERRILHEIRA (1)
por Mário Vicente
Prefácio: Carlos da Costa Campos, Cor
Capa: Filipa Barradas
Edição de autor
Impressão: Cercica, Estoril, 2005
Patrocínio da Junta de Freguesia do Estoril
Nº de páginas: 112


Edição no blogue, devidamente autorizada pelo autor, Mário Vicente Fitas Ralhete (ex Fur Mil Inf Op Esp, CCAÇ 726)

Revisão do texto, resumo e subtítulos: Luís Graça.

Parte VII - Os Lassas utilizam o prisioneiro Malan como guia (pp. 52-61)

(i) Em novo interrogatório, o Furriel Rafael ameaça matar a professora de Flaque Injã

Já esquecida dos interrogatórios (2), Pami estremeceu quando em princípios de Setembro [de 1965], é novamente levada para interrogatório. A cena da primeira vez, Quêba intérprete, o alferes Telmo com o seu caderno, e o furriel Rafael com a sua pistola.

Foram repetidas todas as perguntas do primeiro interrogatório, o que levou Pami a um terrível esforço, para não cair em contradição. Depois da repetição, os militares olharam-se e o alferes disse:
- Certo, agora vamos fazer a invenção da Míriam, O.K.?
- Vamos então! - retorquiu Rafael, sentando-se no chão, junto de Quêba. Voltou a puxar pelo cigarro como da primeira vez e falou para Quêba:
- Pergunta-lhe lá se ela conhece a Míriam!

Queba foi traduzindo:
- Sim! Diz que é mulher de pessoal que está na Catió.
- Muito bem! O que é que ela lhe disse de mim, e dos militares.

Pami estremeceu e pensou o pior. Não podia mentir, seria extremamente perigoso. Tinha de descrever as conversas havidas entre ela e a lavadeira do furriel.
- Diz que lava a roupa e que quer um filho do furriel.

Os três homens riram efusivamente. Mas o alferes baralhou tudo, quando solicitou a Quêba para perguntar se conhecia Caboxanque. Pami, sempre atenta, disse que sim. E aqui começou uma autêntica caça nas perguntas e respostas:
- Quantas vezes esteve no Cafal?
- Diz que passou uma vez lá, quando foi a Cabedu, mas não conhece.
- O que é que os militares fizeram em Flaque Injã?
- Não sabe! Mas ouviu falar que tropa queimou morança e escola. E matou pessoal.
- Ela fazia conversa giro só com militar ou com outro pessoal!?

Pami viu-se quase a entrar na ratoeira. Pensou um pouco, e só depois respondeu. O intérprete meneou a cabeça em sinal de negação, e disse:
-Este gaja, meu arferes, é mesmo maluco. Diz que nunca fez aquele conversa, só uma vez pessoal levou ela na mato e tirou cabaço.
- Então porque mentiu?

Rafael tirou a pistola do coldre, puxou a culatra e deve ter metido uma bala na câmara, e disse:
- Mentiu? Então vai morrer.

Aproximou-se de Pami e sorriu. A Queba ordenou que lhe dissesse tudo o que ele ia dizer:
- Então tropa dá-lhe de comer, deixa ela estar sossegada e descansada no quartel, trata ela como uma princesa! E ela paga com a mentira? Assim só pode morrer, foi ela que escolheu!


(ii) Pami teme que os Lassas faça de novo uma operação do outro lado do Rio Cumbijã, utilizando Malan como guia...


Pami começou a soluçar, não era medo. Não fazia mal morrer, e o melhor seria o maldito militar, despejar o carregador todo na cabeça dela. Não suportava era aquele jogo, ao mínimo descuido poderia ser levada a trair os seus e isso ela nunca o quereria fazer. Tentou levantar a cabeça, num assomo de dignidade, e pedir para a matarem. Mas raciocinou. Eles não poderiam ser mais fortes que ela. Jogaria até ao fim! Se um dia conseguisse sair dali, levaria um manancial de informações que seriam de capital importância para o Partido. Limpou com o pano que lhe cobria o corpo, os lacrimejantes olhos e, olhando para o furriel falou, e o milícia foi traduzindo:
- Ela diz que tem vergonha de dizer mentira, mas está com medo de furriel, porque Miriam diz a ela que furriel não tem medo de ir na mato. Pensava que estavam a brincar com ela. Ela disse tudo verdade, só mentiu naquele coisa de conversa giro! E que gosta de tropa ali da Cufar e quer ficar aqui sempre.

Instintivamente, o furriel tirou o carregador da pistola e mostrou este vazio e a câmara sem bala. Olhou para a prisioneira. Mostrou, sorriu e para o alferes disse:
- Só estamos a perder tempo com esta merda! Queba, pergunta-lhe lá se é capaz de nos levar à nova Casa de Mato de Flaque Injã.

Estremeceu toda, e ao intérprete apenas respondeu com uma negação de cabeça.

Agora sim, a prisioneira apercebeu-se de toda a manobra no interrogatório e ficou a saber muito mais do que os militares calculavam que ela soubesse, pois continuaram conversando num à vontade total, com plena certeza de que a prisioneira não entenderia nada sobre o assunto. O alferes encostou-se à parede, puxou uma longa fumaça, começou a deitar círculos de fumo para o ar e entrou em diálogo com o furriel:
- O gajo que vem do Batalhão deve saber tudo! É aquele que trouxemos de Cobumba, quando veio esta gaja. É bem possível que o gajo da PIDE lhe tenha dado a volta.
- Certo, Telmo! Mas se vier para enganar e foder a malta, como o outro gajo que andou connosco às voltas em Cabolol, até nos enfiar na emboscada das abelhas, em que morreu o Martinho?
- Se armar em esperto, foge como o outro e fica por lá para o enterrarem!
- Achas que sim?
- É, pá, o que é que nós podemos fazer?
- Sim, tens razão! O terreno já está mais ou menos conhecido. Mas... a casa de mato? Aí é que é o busílis!
.-O Alfa conhece aquilo bem, vais ver que depressa se localiza! Preocupa-me mais alguma emboscada, aquela zona é fodida!
- Arferes Telmo tem razão! Ali tem manga de chatice com emboscada, se pessoal do Cafal tem tempo e chegar ali! – pronunciou Queba, entrando na conversa. O alferes olhou para o furriel e este encolheu os ombros, num gesto de logo se vê.

O alferes Telmo mandou o milícia levar a prisioneira, e ficou, continuando a conversa com o furriel.

Pami apercebeu-se de tudo. Os Lassas iam voltar ao outro lado do rio. Mas ficou aterrorizada, seria que o alferes se estava a referir a Malan? Não!... não seria possível ele trair o seu povo. Nuvens negras toldaram o pensamento da professora. Teria possibilidades de ainda rever Malan? Tinha de estar atenta a todos os acontecimentos e verificar as movimentações dentro do aquartelamento nas próximas horas.

A meio da tarde, a professora de Flaque Injã apercebeu-se de uma avioneta, a sobrevoar o Cantanhez, na direcção de Cabedu para Bedanda. Passado um tempo, viu sair uma autometralhadora seguida de uma viatura com soldados. Momentos depois uma avioneta, fazia a aterragem na pista de Cufar. Não havia dúvidas, estavam a preparar tudo. Pami pensou quão preciosas seriam as informações que tinha em seu poder. Seria maravilhoso podê-las transmitir à guerrilha. Mas como assim?... Pela sua cabeça, passou a hipótese de evasão. Não conseguiria!... Era impossível. Ainda pensou em aliciar Meta ou Míriam, mas seria loucura, estas não iriam trair os militares. Teria de ficar passiva e isso entristeceu-a bastante.

(iii) Pami apercebe-se de que nem todos os Lassas estão ali, na guerra, de livre vontade

Agora sim, tomou a noção do que era ser prisioneira, embora pudesse circular à vontade. A avioneta levantou e tudo regressou ao normal, à exclusão da entrada para o Comando, dos oficiais e sargentos, os quais saíram em silêncio e sem falarem com ninguém. A seguir ao jantar, o Aquartelamento tomou um movimento fora do normal. O pessoal da milícia preparava o seu armamento e os soldados recolheram aos seus abrigos. Pami ouviu o comentário de dois desses incógnitos soldados que, vindos do jantar, se dirigiam para o abrigo da metralhadora pesada, virado na direcção Norte para a mata de Cufar Nalu. Dizia o mais alto:
- Cabrões, não dizem nada! Só à última da hora é que avisam a malta!

O outro mais baixo e gordinho retorquiu:
- É para a malta não se baldar. Assim já não podes imbentar nada e ficares doente, carago.
- É o caralho! Anda aqui um gajo a dar o cabedal, para os ricaços andarem a gozar em Lisboa! Foda-se esta merda toda! Esses é que se baldam a esta porra!

O gordo atalhou:
- E se não lebarmos ,um tiro nos cornos, estamos cheios de sorte, carago.

Pela primeira vez, Pami teve conhecimento que nem todos ali estariam voluntariamente, muito menos por gosto. Já noite escura os militares começaram a concentrar-se em frente ao comando. Devidamente equipados, viam-se os cinturões repletos de carregadores. Os homens das metralhadoras ligeiras, com serpentes de munições em volta de todo o tronco. Enquanto outros com um cordel a servir de bandoleira, carregavam granadas de bazooka. Os bornais completamente cheios, levariam granadas de mão e munições de reserva.

Aí estavam os Lassas preparados para mais uma incursão novamente ao outro lado do rio. A prisioneira verificou depois que cada chefe de equipa, após confirmar os seus homens, transmitia ao furriel que informava o alferes comandante do grupo de combate, e a serpente humana, em fila de pirilau, começou a deslizar rumo à saída Porta de Armas.

Junto ao Leão de Cufar, Pami, apesar da noite estar escura, conseguiu observar um soldado com uma corda à cintura, cuja ponta passava em laço, em volta do pescoço de um negro. Mesmo de costas não se enganou, a silhueta do homem que seguia preso como um animal, era a de Malan Cassamá. Tentou sair da proximidade da palhota prisão, mas de imediato foi interceptada por um soldado milícia que lhe proibiu o afastamento. Verificou que os seus passos não eram assim tão livres como pensava. Alguma liberdade, mas só de dia.

A professora prisioneira não se enganou. Não dormindo, apercebeu-se do roncar silencioso das lanchas, Cumbijã acima.

Manhã cedo ouvia os comentários que iam passando de boca em boca, dos que tinham ficado, e que geralmente se juntavam junto das transmissões, para seguirem os acontecimentos.

Pami atenta apercebeu-se que novamente o acampamento de Flaque Injã tinha sido destruído, e que os militares tinham capturado material. A meio da manhã, para lá do rio, começaram a ver-se nuvens de fumo, e a ouvirem-se sons cavos, lá longe, de rebentamentos. Pela localização das colunas de fumo, Pami apercebeu-se de que Caboxanque e Flaque Injã eram pasto das chamas. Novamente as duas povoações tinham sido vítimas e destruídas, pelo poder dos Lassas.

O céu estava encoberto, com nuvens relativamente baixas. As comunicações abrandaram, e o regresso deveria estar a processar-se. Passado que seria uma hora, os militares muito agitados, correram novamente para o centro de transmissões, e do lado de lá do rio, ouviam-se agora perfeitamente grandes rebentamentos. O céu continuava um pouco nublado. Junto ao seu presídio, Pami ouviu a conversa de soldados que se concentravam junto ao Comando.
- O que é que se passa, meu alferes? Que barulho é este?
- A Companhia foi emboscada! A coisa está preta e os cabrões dos T6 não podem actuar, por causa das nuvens!
- Então é uma porra! Estamos fodidos! Será que já há feridos?
- Julgo que de momento estamos a reagir bem, mas se os aviões não aparecerem depressa, a coisa está mesmo má.
- Meu alferes, escute!?

(iv) Um bombardeiro T-6 é atingido poelo fogo do IN e obrigado a fazer uma aterragem de emergência em Cufar

Fez-se silêncio e ouviu-se o roncar dos motores de aviões, muito alto. O sol descobria agora por entre as nuvens que aos poucos se dissipavam.
- São eles! Haja Deus! Velhinhos, mas aquilo dá uma força dentro de nós! ... Grandes homens aqueles que andam naquela merda.

Os dois militares correram para as transmissões. Pami ficou observando o horizonte, por cima da igreja em construção. Voando em círculo, dois bombardeiros faziam evoluções. Uma nuvem de fumo vermelho apareceu por sobre o lado esquerdo de Caboxanque. Um dos aviões fez uma evolução, passando quase por cima do tarrafe de Impungueda e, passado uns segundos, viu-se novamente subindo quase a pique. Daí a momentos, ouviram-se fortes rebentamentos. O avião voltou a fazer nova evolução, agora menos visível, por ser do lado contrário. Nova subida e novos rebentamentos. Os militares junto ao posto de transmissões, gritavam agora, dando vivas e batendo palmas.

O bombardeiro voltou a fazer evoluções, passando por sobre o tarrafe, e desaparecendo por detrás deste, em direcção ao cais de Caboxanque. Nova subida, e agora sons cavos de roquetes se ouviram. De repente, Pami verificou que a efusão e alegria dos soldados se desfazia e que começavam em movimento louco a correr por todos os lados. Os homens das autometralhadoras arrancaram com os seus blindados em direcção à pista. E logo pouco depois duas viaturas carregadas de gente. Que teria acontecido? Interrogava-se a prisioneira. Mas breve teve a resposta, um soldado, passando a correr, gritava para os camaradas:
- É, pá! Preparar rapidamente! Os cabrões dos Turras atingiram um T6, o piloto vai ver se consegue aterrar aqui na pista!

Pami sorriu e fez força para que ele caísse do outro lado do rio para os seus companheiros o poderem apanhar.

Mas não, o avião passou a rasar por sobre o aquartelamento e aterrou na pista. Ficou sem saber mais nada, apenas se apercebeu da entrada do piloto no Comando.

Agora era nítido o fragor e a intensidade dos rebentamentos. Ouvia agora, junto à varanda do comando, a conversa entre o piloto do bombardeiro, o tenente médico e o alferes que tinha ficado no comando do aquartelamento.
- Parabéns, meu tenente, se o motor falha, aquela merda vem directamente cá para baixo! Não é!?

O alferes transmitia assim a sua solidariedade, ao tenente piloto que ainda não estava completamente consciente, como tinha escapado daquela.
- A vossa companhia está em terreno descoberto junto ao tarrafe, a norte de Caboxanque, e os gajos estão a avançar da mata junto ao cais de Caboxanque.
- Mas porque é que a nossa companhia aparece na bolanha? - pergunta o tenente médico, pouco sabedor desta matéria. Pois o trabalho dele, era tratar as causas da guerra e não fazê-la. Olharam-se interrogativamente, os militares uns para os outros e seguiram-se entretanto uns minutos de silêncio. O alferes cofiou a barba e em tom calmo falou:
- Eu não sei bem o que se está a passar mas, pelas informações do rádio, a malta terá sido emboscada e teria divergido no sentido Norte pela bolanha, para não cair na zona de morte. Aquela descida para o cais de Caboxanque é perigosa e as forças que estão no terreno cheiram-me a E.P. [exército popular]. O capitão deve ter cheirado qualquer coisa. Para pedir a ajuda do Vaso de Guerra, e das lanchas, a complicação é grande.
- Sim! Quando piquei pela primeira vez, só via dezenas de Turras a rebolarem no chão, eles devem ter lá muita malta, vejam que os gajos fizeram-me próximo de vinte furos no avião e furaram o depósito do óleo. Hoje é de facto o meu dia de sorte!

Mas o médico voltou de novo à carga:
- É, pá! Não percebo, nem o comando aéreo aparece! Ainda não vi a avioneta, nem tão pouco helicóptero, para o caso de alguma evacuação! Eu não percebo bem isto!
- Não!? - atalhou, o piloto - É que o céu estava encoberto! Mas eu ainda entrei em contacto com a Dornnier do CA [comando aéreo], que estaria a levantar de Catió com o oficial de operações. E deve estar a chegar outro grupo de T6!
- Olha lá, parece ela!... Mas vem bem alto! - pronunciou o médico, apontando para o céu.


(v) O desânimo de Pami: será que o seu sonho de uma Pátria Livre é irrealista ?


Entretanto por sobre o Cantanhez, mais dois bombardeiros T6 aparecem. Ouve-se o barulho de um helicóptero, que aterra em Cufar. O grupo da varanda no Comando retirou-se e a prisioneira ficou sem mais informações.

A meio da tarde as viaturas saíram, regressando pouco depois com os Lassas. Pelas conversas que ouviu junto dos milícias, a Companhia ter-se-ia esquivado a uma emboscada, junto ao cais de Caboxanque. Detectando a segurança à retaguarda, os Lassas mataram esses elementos e, saindo do caminho que vai dar ao cais, divergiram para a bolanha para não entrarem na emboscada, que deveria ter muita gente do PAIGC.

Sobre Malan o qual tinha seguido como guia, a prisioneira nada conseguiu saber.

Uns dias mais tarde, Míriam contou a Pami tudo o que tinha acontecido, conforme lhe descrevera o furriel Mamadu. O pessoal do PAIGC mais uma vez tinha sido humilhado, pelos Lassas. Tinha sofrido grandes baixas, vários mortos e muitos feridos. A professora de Flaque Injã chorou e pela primeira vez o desânimo entrou no seu pensamento. Seria que o sonho de uma Pátria era irrealista?

(Continua)
__________

Notas de L.G.:

(1) Vd. posts anteriores desta série:

23 de Novembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2298: Pami Na Dondo, a Guerrilheira, de Mário Vicente (2) - Parte I: O balanta Pan Na Ufna e a sua filha (Mário Fitas)

28 de Novembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2307: Pami Na Dondo, a Guerrilheira, de Mário Vicente (3) - Parte II: A formação político-militar (Mário Fitas)

5 de Dezembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2328: Pami Na Dondo, a Guerrilheira, de Mário Vicente (4) - Parte III: O amor em tempo de guerrilha (Mário Fitas)

10 de Dezembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2340: Pami Na Dondo, a Guerrilheira, de Mário Vicente (5) - Parte IV: Pami e Malan são feitos prisioneiros (Mário Fitas)

18 de Dezembro de 2007 > Guine 63/74 - P2363: Pami Na Dondo, a Guerrilheira, de Mário Vicente (6): Parte V: O primeiro interrogatório da prisioneira (Mário Fitas)

30 de Dezembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2391: Pami Na Dondo, a Guerrilheira , de Mário Vicente (7) - Parte VI: Malan é entregue à PIDE de Catió (Mário Fitas)

(2) Resumos dos posts anteriores:

(i) A acção decorrer no sul da Guiné, entre os anos de 1963 e 1966, coincidindo em grande parte com a colocação da CCAÇ 763, como unidade de quadrícula, em Cufar (Março de 1965/Novembro de 1966)…

No início da guerra, em 1963 Pan Na Ufna, de etnia, balanta, trabalha na Casa Brandoa, que pertence à empresa União Fabricante [leia-se: Casa Gouveia, pertencente à CUF]. A produção de arroz, na região de Tombali, é comprada pela Casa Brandoa. Luís Ramos, caboverdiano, é o encarregado. Paga melhor do que a concorrência. Vamos ficar a saber que é um militante do PAIGC e que é através da sua influência que Pan Na Ufna saiu de Catió para se juntar à guerrilha, levando com ele a sua filha Pami Na Dono, uma jovem de 14 anos, educada das missão católica do Padre Francelino, italiano.

O missionário quer mandar Pami para um colégio de freiras em Itália mas, entretanto, é expulso pelas autoridades portugueses, por suspeita de ligações ao PAIGC (deduz-se do contexto). Luís Ramos, por sua vez, regressa a Bissau, perturbado com a notícia de que seu filho, a estudar em Lisboa, fora chamado para fazer a tropa.

É neste contexto que Pan Na Una decide passar à clandestinidade, refugiando-se no Cantanhês, região considerada já então libertada.

(ii) De etnia balanta, educada na missão católica, Pami Na Dondo, aos catorze anos, torna-se guerrilheira do PAIGC. Fugiu de Catió, com a família, que se instala no Cantanhês, em Cafal Balanta. O pai, Pan Na Ufna entra na instrução da Milícia Popular. Pami parte, com um grupo de jovens, para a vizinha República da Guiné-Conacri para receber formação político-militar, na base de Sambise. O pai, agora guerrilheiro, na região sul (que é comandada por João Bernardo Vieira 'Nino') , encontra-se muito esporadicamente com a filha. Num desses encontros, o pai informa a filha de que a mãe está gravemente doente. Pami fica muito preocupada e quer levá-la clandestinamente a Catió, enquanto sonha com o dia em que se tornará companheira do pai na Guerrilha Popular.

Entretanto, o destino prega-lhe uma partida cruel: na instrução, na carreira de tiro, tem um grave acidente, a sua mão esquerda fica decepada. No hospital, conhece Malan Cassamá, companheiro de guerrilha de seu pai, que recupera de um estilhaço de morteiro, que o atingiu na perna, no decurso da Batalha do Como, em Janeiro de 1964 (Op Tridente, Janeiro-Março de 1964, levada a cabo pelas NT) . Malan fala a Pami da coragem e bravura com quem seu pai se bateu contra os tugas.

Pami é destacada para dar aulas ao pessoal do Exército Popular e da Milícia Popular, em Flaque Injã, Cantanhês. No dia da despedida, canta, emocionada, o hino do Partido, 'Esta é a Nossa Pátria Amada', escrito e composto por Amílcar Cabral. Segue para Flaque Injã, com o coração em alvoroço, apaixonda por Malan Cassamá. De regresso à guerrilha, a Cansalá, Malan fala com o pai da jovem, e de acordo com os costumes gentílicos, Pami torna-se sua mulher.

(iii) Na actual região de Tombali (Catió), no sul da Guiné, o PAIGC, logo no início da guerra, ganha terreno e populações (nomeadamente, de etnia balanat). A resposta das autoridades portuguesas não se fez esperar, com uma grande contra-ofensiva para reconquista a Ilha do Como (Op Tridente, Janeiro-Março de 1964).

Entretanto, começam a chegar a Catió chegam reforços significativos. O Cantanhês, zona libertada, assusta o governo Português. Em contrapartida, no PAIGC, Nino, o mítico comandante da Região Sul, manda reforçar os acampamentos instalados nas matas de Cufar Nalu e Cabolol.

Em finais de 1964, Sanhá, a mãe de Pami, morre de doença na sua morança na tabanca de Cadique Iála. O guerrilheiro Pan Na Ufna, acompanhado da sua filha, faz o respectivo choro, de acordo com a tradição dos balantas.

Em Março de 1965, os homens da CCAÇ 763 - conhecidos pela guerrilha como os Lassas (abelhas) - reconquistam ao PAIGC a antiga fábrica de descasque de arroz, na Quinta de Cufar, e respectiva pista de aterragem em terra batida. Nino está preocupado com a actuação dos Lassas, agora instalados em Cufar, juntamente com o pelotão de milícias de João Bacar Jaló, antigo cipaio, agora alferes de 2ª linha.

Entretanto, Pami e Malan continuam a viver a sua bela estória de anor, em tempo de guerra, de sacrifício e de heroísmo. Ela, instalada em Flaque Injá, onde é professora. Ele, guerrilheiro, visita-a sempre que pode.A 15 de Maio de 1965, os Lassas destroem o acampamento do PAIGC na mata de Cufar Nalu. A guerrilha sofre baixas mas, durante a noite, consegue escapar com o equipamento para Cabolol. Na semana seguinte, os militares de Cufar tentam romper a estrada para Cobumba. Embrenham-se na mata de Cabolol, destroiem várias tabancas na zona.

Em princípios de Junho de 1965, os Lassas (abelhas) vão mais longe, destruindo o acampamento de Cabolol. Em Cafal, o comando político-militar do PAIGC está cada vez mais preocupado. Em Julho, Pami chora de dor, raiva e revolta ao ver a sua escola destruída, em Flaque Injã. Grande quantidade de material desaparece ou fica queimado. As casas de Flaque Injã ficam reduzidas a cinzas.

Mas a luta continua... Psiquicamente recuperada, a população começa a reconstrução de Flaque Injã e Caboxanque. A guerrilha recebe mais reforços e armamento novo. Pami entra voluntariamente numa coluna de reabastecimento que a leva à República da Guiné. Segue o corredor de Guilege, e sobe de Mejo para Salancaur, daqui para o Xuguê [Chuguè, segundo a carta de Bedanda,] terra de seus avós paternos. Desce até Cansalá, onde se encontra com seu marido. Não encontra seu pai, pois este fora transferido para o Cafal, e ali integrado numa companhia do Exército Popular.

Em meados de Agosto de 1965, Pami Na Dondo desce com Malan Cassamá até Cobumba. Malan e o seu grupo levam a cabo várias acções contra a tropa e o quartel de Bedanda. O grupo regressa a Cansalá. Uma delegação da OUA visita as zonas libertadas, a convite do PAIGC.

(iv) Madrugada de 24 de Agosto de 1965, Pami e Malan dormiam nos braços um do outro quando a tabanca, Cobumba, sofre um golpe de mão do exército português, que tem a assinatura dos Lassas.

No grupo de prisioneiros que são levados para Cufar, estão Malan e Pami que terão destinos diferentes. Pami estão integrada num grupo de cinco mulheres e procura nunca denunciar a sua condição de professora. Em caso algum falará recusará falar em português ou em crioulo. Mas os seus olhos de águia vão observado tudo, no caminho até ao quartel dos Lassas. No rio Cadique o grupo embarca em lanchas da Marinha. O Alferes Telmo não deixa que ninguém toque nas mulheres. Fala em psico, uma palavra que Pami desconhece. O grupo é entregue à guarda ao Furriel Mamadu.

Pami mal reconhece a antiga fábrica de descasque de arroz, a Quinta de Cufar, onse se instalaram os Lassas. Os prisioneiros são recebidos por militar dos óculos que, mais tarde Pami vem a saber tratar-se de Carlos, O Leão de Cufar, comandante do aquartelamento. Homens e mulheres são instalados em sítuios diefrentes. Malna e Pami entrecuzram o olhar, sem se denunciaram. Sabem que dizem ali adeus para sempre. Lágrimas nos olhos, Pami sente a dor da separação. )Pami e as prisioneiros ficam à guarda da milícia de João Bacar Jaló. Recusa-se a comer, bebe só água. No dia seguinte, a vida no aquartelamento retoma o seu ritmo. Pami pode agora ouvir e até ver perfeitamente, por entre as frestas das paredes de capim ao alto entrançado com lianas, tudo o que acontece por fora da palhota onde tinha passado a noite.

(v) Começam os interrogatórios dos prisioneiros, em Cufar. Um soldado milícia, da torpa de João Bacar Jaló, vem buscar Pami. Pelo caminho, Pami vai-se preparando mentalmente para mentir aos seus captores e sobretudo para não comprometer Malan. Entretanto, com os seus olhos de águia, vai observando e registando todos os pormenores da vida no aquartelamento dos Lassas.

Um milícia serve de intérprete. O interrogatório é conduzido pelo Alferes Telmo, acompanhado pelo Furriel Rafael (de alcunha, Mamadu), um e outros reconhecidos de imediato pela Pami. Respondendo apenas em balanta, diz chamar-se Sanhá Na Cunhema (nome da mãe) e ter nascido na Ilha do Como.
Os militares decidem mudar de táctica. Rafael encosta-lhe o cano da pistola ao seu ouvido, e pergunta-lhe, através do intérprete, o que aconteceu à sua mão esquerda... Um pouco trémula, diz que, quando era criança, fora mordida por uma cobre, tendo o pai sido obrigado a cortar-lhe a mão para a salvar...

Pami parece não convencer os seus interlocutores. Os dois Lassas entram em provocações de teor sexual, pensando tratar-se de uma eventual prostituta ao serviço da guerrilha... O interrogatório irá continuar nos dias seguintes. Pami regressa, exausta, para junto das suas companheiras de infortúnio. Mas, ao mesmo tempo, sente-se orgulhosa por. neste primeiro round, não ter traído os ideais de seu pai, Pan Na Ufna e de seu marido, Malan, valentes guerrilheiros do PAIGC.

(vi) Pami está exausta e confusa, depois do primeiro interrogatório com os rangers Telmo e Rafael (ou Mamadu). Próximo da hora de almoço do dia seguinte, Pami foi levada novamente para ser interrogada. Só que para surpresa sua, o interrogatório não era com os mesmos do dia anterior. Sente que tem de ter muito cuidado. Não pode cair em contradição, ou ceder qualquer pista, pois não sabe nada sobre o que está a acontecer ao seu marido Malan Cassamá, e agora tinha muitas mais razões para a sua inquietação, resultante das revelações feitas pelos seus inquiridores. Sim, ficou a saber que Telmo e Rafael pertenciam a tropas especiais. Porquê a sua inclusão numa companhia normal do exército colonialista, interroga-se ela?

Entretanto Malan é denunciado como guerrilheiro do Exército Popular e é entregue à PIDE de Catió. A professora apercebe-se que os seus companheiros, homens, estão a ser interrogados com a ajuda de cães para aterrorizar mais. Entre as mulheres prisioneiras, já teria havido confissões. Uma, pelo menos, foi alvo de abusos sexuais. As que colaboram com os Lassas são soltas.

Entretanto, a balanta Pami torna-se confidente de fula Miriam e sente um ódio profundo pelo Furriel Rafael (Mamadu, segundo o seu nome de guerra). Os Lassas, por sua vez, voltaram a ir ao outro lado do Rio Cumbijã. Meta, casada com um milícia e amiga da Miriam, contou que tinham andado por Cadique Iála, e que tinham morto muita gente, e queimado as casas todas. E não tinham tido nem mortos nem feridos.

Pami apercebeu-se que de facto as coisas deveriam ter corrido bem, porque houve grande festa no Comando. Mas também poderia ser festa de anos do furriel Rafael, como afirmara Miriam. Era certo que quando algum furriel ou alferes fazia anos, havia sempre grandes festas. Era uma forma de criar corpo de unidade, delineado pelo macaco velho do Leão de Cufar, o chefe dos Lassas.

terça-feira, 15 de janeiro de 2008

Guiné 63/74 - P2442: O Nosso Livro de Visitas (3): Carmindo Pereira Bento, Esq Rec Fox 8840 (Bafatá, 1973/74)

1. O nosso camarada Carmindo Pereira Bento deixou no dia 1 de Janeiro o comentário, que se segue, na postagem Guiné 63/74 - DCLXXI: Esquadrão de Reconhecimento Fox 2640 (Manuel Mata) (4): Elevação de Bafatá a Cidade.

Colegas de Bafatá, vejo tudo o que tem neste e noutros sites relativos à Guine.

Sou ex-militar do Esquadrão de Reconhecimento Fox 8840. Estive lá no início de 1973 até perto do fim do ano de 1974.

Tenho histórias a contar como vocês contam as vossas. Tivemos lá dos maiores atentados registados até essa data. Lamento principalmente o meu ex-capitão e comandante Carvalhais do Esquadrão de Cavalaria 8840 (hoje coronel) nada registar na Internet.

Não vos conheço mas gostaria de ter contacto convosco para vocês conhecerem o meu Esquadrão e recordarmos por onde e como passamos.

Um abraço...

Para meu contacto: Carmindo Pereira Bento.
Restaurante Ângulo-Real
2425-022 Monte-Real- Leiria.

2. Caro camarada Bento

Na impossibilidade de te contactarmos via mail, por desconhecermos o teu endereço e, esperando que continuando a ler-nos, venhas a ver esta mensagem para ti, convidamos-te a contactar-nos de novo através do nosso endereço luisgracaecamaradasdaguine@gmail.com.

Queremos saber pormenores dos acontecimentos de que falas, nomeadamente os atentados (?) e do teu Comandante.

Se quiseres aderir à nossa Tabanca Grande, manda as tuas fotos e começa a contar-nos as tuas estórias.

Tens aí bem perto de ti um camarada do nosso Blogue, o ex-Alf Mil Joaquim Mexia Alves, co-proprietário das Termas de Monte Real.

Tudo leva a crer que o nosso próximo encontro, este ano, será precisamente na vossa terra. Não tens desculpa para não nos ires conhecer.

Ficamos à espera de notícias tuas.

Um abraço
CV

Guiné 63/74 - P2441: Diorama de Guiledje (3): Torpedos bengalórios (Idálio Reis /Nuno Rubim)

Guiné > Região de Tombali > Gandembel > CCAÇ 2317 (1968/69) > O artefacto apoiado ao muro (lado esquerdo) é um torpedo bengalório... Fazia parte integrante de inúmeras apreensões de material que os pára-quedistas obtiveram à volta de Gandembel/Ponte Balana. 

 Foto e legenda: © Idálio Reis (2007). Direitos reservados. 

  1. Mensagem do Idálio Reis, enviado ao Nuno Rubim com conhecimento à Tabanca Grande: 

 Antes do mais, cordiais saudações a todos vós. Na troca de correspondência que venho mantendo com o Nuno Rubim, a quem endereço um particular agradecimento pelo modo como se empenhou na elaboração desse primor, que é o diorama de Guileje, deixa-nos sempre muito sensibilizados este tipo de dedicação. Embora defrontando-se com a falta de elementos, mesmo assim conseguiu reconstruir Guileje, uma terra que bem conheceu. E é admirável, que passados tantos anos, consiga repor todas as infra-estruturas, com quase o mesmo grau de pormenor como ali não houvesse sinais de um qualquer efeito erosivo. Falei-lhe nos torpedos bengalórios (1). O Luís continua a ser um homem da investigação, ainda que não seja esta a matéria que seja mais exímio, conquanto o pareça. Do que me foi dado a conhecer, o torpedo bengalório utilizado pelo PAIGC era uma arma ofensiva que, dadas as suas características, servia para abrir uma clareira por efeito do poder explosivo, nomeadamente para danificar uma cerca de arame farpado. Parecia ser um artefacto artesanal, mas se acaso fosse devidamente colocado e o seu detonador bem concebido, era efectivamente terrível. Num dos ataques a Gandembel, 1 ou 2 unidades foram accionadas, que deterioram uma parte significativa da fiada externa da cerca. Dos despojos deixados, não havia mais nenhum. De todo o modo, julgo que esta(s) localização(ões) não foi(ram) a(s) melhor(es), já que o(s) guerrilheiro(s) incumbido(s) desta missão incorria(m) em perigos à beira do abismo, ainda mais que se aproximaram do local com maior vigilância: o paiol. A fotografia que envio, onde se vê esse artefacto apoiado ao muro (lado esquerdo), é parte integrante de inúmeras apreensões de material que os pára-quedistas obtiveram à volta de Gandembel/Ponte Balana.

 Um apertado abraço amigo do Idálio Reis.


  2. Resposta do Nuno Rubim: Caro Idálio Reis Mais uma vez o camarada e amigo me fornece indicações importantes. E estou sempre a aprender... No que se refere aos torpedos bangalore tenho vária informação, porque também os tivemos cá em Portugal. Mas era um modelo dos EUA. Quando, na minha 3ª comissão, no CIC (Centro de Instrução de Comandos), Grafanil, Luanda, frequentei no BENG o curso de Minas e Armadilhas, tendo obtido a classificação de Mestre, aí estudei, entre outros dispositivos, os torpedos bangalore, cuja origem remonta à 2ª Guerra Mundial ( embora na 1ª GG tivessem sido empregues uns dispositivos primitivos para obtenção dos mesmos fins : abrir brechas nas redes de arame farpado). Mas o camarada Idálio vem agora, a meu ver, clarificar totalmente a questão. E é a fotografia que envia ! Percebe-se agora que o que foi designado na altura por torpedo bengalório, utilizado pelo PAIGC, era afinal um sistema improvisado, artesanal ( como muito bem diz ) desenvolvido talvez por influencia soviética, já que tenho informação que os russos utilizaram um semelhante em operações na Crimeia, entre outras acções, durante a 2ª Guerra Mundial. E o que é que vemos ? Uma simples calha em forma de U, com petardos de explosivo ( provavelmente trotil ), dispostos uns a seguir aos outros e provavelmente ligados ( enrolados ) por cordão detonante. Depois era só aplicar, no 1º elemento de explosivo, um detonador pirotécnico com cordão lento ! Finalmente colocar a calha debaixo da rede de arame farpado e ... fogo ! É claro que o sapador corria grandes riscos ... Normalmente era efectuados ataques de diversão, utilizavam-se meios fumígenos, etc... para proteger o homem. Obrigado, camarada, por mais esta importante achega. 

 Um abraço Nuno Rubim ______________ 



Guiné 63/74 - P2440: História do BCAÇ 2879, 1969/71: De Abrantes para Farim: O Batalhão dos Cobras (1) (Carlos Silva)

1. Mensagem do Camarada Carlos Silva, ex-Fur Mil do BCAÇ 2897 (1969/71) (*):

Meu caro Virgínio Briote:

Tal como pedes, envio-te aqui o 1º fascículo da História do BCAÇ 2879, que vou enriquecendo com a minha vivência na Guiné e a dos meus camaradas. O 2º fascículo seguirá brevemente.

Era bom se houvesse possibilidade de englobar toda a matéria sobre o sector de Farim. Caso contrário, será difícil a busca, porque os estranhos ao blogue desconhecem em que pacote estão arquivados os Postes, para poder abri-los. Uma pequena história ou trabalho isolado não há problema, mas um trabalho substancial já se torna mais complicado para se fazer a busca, se ficar disperso.

Bato nesta tecla, porque tenho um acervo grande de documentos, fotos e 600 páginas escritas. Tal como disse ao Luís Graça num mail anterior, tenho tema para um bate-papo e para vos dar ou partilhar o meu arquivo.

Pelas fotos que vos enviei, e por este pequeno resumo que junto, já poderás avaliar do trabalho que anda por aqui.

A minha sugestão era de aglutinar todos os trabalhos sobre o sector de Farim, mas vai-se fazendo o que se puder.

As minhas fotos e dados pessoais para a Tertúlia, para vocês inserirem no Blogue caso entendam, já enviei para o vosso mail principal.

Tenho insistido mais contigo relativamente ao tema de Farim, devido ao facto de termos pisado o mesmo chão.
(...)

Recebe um abraço,
Carlos Silva

2. Comentário de vb:

A ordem do blogue é cronológica, por data de edição, não é temática. O blogue é uma espécie de diário ou de jornal. O arquivo dos postes é semanal. Podes sempre, utilizando a janelinha ao canto superior esquerdo, fazer pesquisas por palavra-chave: por exemplo, "BCAÇ 2879" + Farim. Ou: "Ten Cor Manuel Agostinho Ferreira". É importanmte usar aspas para conjuntos de palavras. Atenção às abreviaturas que nós usamos no blogue: por exemplo "Cap Mil" e não "Capitão Milº", "BCAÇ 2879" e não "Bat. Caç. nº 2879"...

Temos links (ligações para clicar) para Mapas, Memórias dos Lugares e Postes, tanto da 1ª Série (Abril de 2005 a Maio de 2006) como da 2ª Série (a partir de Junho de 2006) do nosso blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné. Com tempo, vagar e documentação (fotográfica) faremos uma página sobre Farim, para a secção Memória dos Lugares... O problema é que não há tempo para tudo, Carlos... Aqui não há editores profissionais, apenas gente voluntária, que dá um pouco do seu tempo a esta causa comum. De qualquer modo, obrigado pelo teu valioso contribuinte para a preservação das nossas memórias. vb
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INTRODUÇÃO

As Histórias das Unidades, presumo que eram escritas em execução de normas regulamentares, emanadas das autoridades militares, não só com o objectivo de constituir um acervo de documentos e fontes históricas sobre a Guerra Colonial que se desenvolveu nos três teatros de operações das ex-Províncias Ultramarinas de Angola, Moçambique e Guiné, bem como, presumo também que eram documentos que serviriam às Unidades e não só, que iriam render outras em fim de comissão, para estudo e conhecimento sobre os antecedentes de actuação das NT, conhecimento do terreno, para no futuro definir estratégias ou tácticas face à postura de actuação e poder do In.

Nesta lógica e por imperativo de tais normas que desconheço, a História do Batalhão de Caçadores nº 2879 (1), que presumo foi escrita pelo então Maj. de Infª Calisto Aires, oficial de operações e informações do Batalhão com base nos factos que eram entendidos como relevantes e descritos em relatórios remetidos para a sede do Batalhão.
Tive apenas conhecimento deste documento histórico, quando o Coronel Calisto Aires, teve a amável gentileza de me oferecer um exemplar em Maio de 1990, aquando da realização do almoço de confraternização que teve lugar no restaurante O David da Buraca, que li sofregamente de princípio ao fim.

A págs. 91 do Cap. II deste documento, consta a seguinte passagem, que passamos a citar:

Chegamos assim ao fim da História do Batalhão de Caçadores nº 2879.
É uma história árida, seca, verdadeira nos factos. Mas a verdade total não foi apresentada, nem podia ser. Essa constará da segunda parte da história, que não será, escrita, mas será falada por todos quantos viveram e sofreram nela, e enquanto as recordações que de modo algum podem ser boas se mantiverem vivas no seu espírito.
Perdurarão amizades criadas, algumas. Recordar-se-ão momentos de camaradagem, bastantes. Ficam com a consciência tranquila os que a tiverem tranquila.
Termina-se esta história com um voto de BOA SORTE para o BArt 3844 que rendeu o BCaç 2879.
Deixa-se um abraço e votos de felicidades para todos que nele participaram e que regressem às suas terras e às suas famílias.
Recorda-se com saudade aqueles que tombaram no cumprimento do seu dever.

Ora, como é referido, a nossa História não está completa nem temos a veleidade de a completar, no entanto, tendo sido eu um dos protagonistas, enquanto elemento de tão glorioso Batalhão, e na medida em que contribuí, embora modestamente, para ELA, porque não “ deitar mãos à obra” e passar a escrito alguns dos bons e maus momentos vividos e que vão sendo contados pelos intervenientes dela, ou seja , por todos os camaradas do Batalhão?

Embora, por ocasião de reuniões e convívios com os nossos familiares, amigos e camaradas, se vá recordando os momentos bons e mais difíceis, por que passámos durante a nossa estadia em terras da Guiné, durante os anos de 1969 a 1971, e, nesse contexto se vá falando de certos factos passados, isto é, sobre factos que integram a “história falada e não escrita “ conforme acima é mencionado, resolvi dar o meu contributo, para o desenvolvimento da nossa História escrita, e, assim, ficar para a posteridade um testemunho dos factos, mais amplo e tão próximo quanto possível da sua veracidade, contribuindo deste modo para o aperfeiçoamento da nossa já conhecida História do Batalhão nº 2879.

Porque não lançar mãos a este desafio, enquanto for possível, enquanto por aqui andarmos por este planeta e tivermos o testemunho dos actores reais que são os nossos camaradas?
Apesar de terem decorrido mais de 37 anos sobre os factos e situações vividas, vamos tentar exprimir o que nos vai na alma, os nossos sentimentos de alegria e de tristeza gravados na nossa memória, os quais jamais esqueceremos.
Deste modo, lançaremos mão a algumas notas que registamos, a factos que fomos ouvindo ao longo da nossa comissão de serviço, assim como a recordações volvidas em conversas com ex-camaradas e amigos que ficaram para sempre.

No entanto, advertimos desde já que este trabalho que passamos a desenvolver, incluindo transcrições, segue uma ordem cronológica muito próxima da nossa História depositada no Arquivo Histórico Militar, no que concerne à formação, embarque e actividade operacional do Batalhão até ao nosso regresso à Metrópole, embora não corresponda ipsis verbis ao mesmo, porquanto, por um lado, há situações irrelevantes que não se transcreve por ser despiciendo e por outro, são acrescentados outros factos e situações que não constam do texto original.
Algumas dezenas de camaradas já possuem o documento.

Acresce dizer, que para além do nosso testemunho ou depoimentos de outros camaradas ou outras referências a livros e outras publicações, sempre que possível, apesar de parecer repetitivo, invocamos o texto da História do Batalhão correspondente, a fim de corroborar os factos.

Acresce dizer também, que este trabalho surge apenas agora, 37 anos após o nosso regresso, devido a um amadurecimento de ideias, a fim de poder reflectir sobre os factos vividos e conhecidos, bem como, devido à eventual possibilidade de confrontar com outros escritos, onde por vezes se encontram omissões e contradições, comprovadas, sobre factos narrados neste trabalho, como resulta por exemplo de entre alguns casos aqui salientados, o caso dos acontecimentos que envolveram o Ronco, captura das 24 toneladas de material bélico ao IN, em Agosto de 1969, junto à fronteira do Senegal, em Faquina Fula e Mandinga, em que o nosso Comandante e duas Companhias (CCaçs 2547 e 2549) do nosso Batalhão, ao nível de pelotão, participaram na apreensão de parte desse material e nem sequer mereceram um mínimo de referência num Livro com o peso Histórico, cuja autoria é da Comissão para o Estudo das Campanhas de África, edição do Estado Maior do Exército, apesar de ter sido alertada por mim para tão grave omissão histórica.

Depois, seguem-se os capítulos relativos às características da Província, estadia e actividade operacional no CTIG e respectivo regresso à Metrópole.

Por último, convém referir que é preciso que cada um registe para a História tudo o que souber.
Daí a importância de escrever. Daí a importância de editar. Sem complexos.
Por isso, mãos à obra.
Massamá, 10 de Janeiro de 2008

Carlos Silva

Ex Fur. Mil. Bat. Caç/CCaç 2548


HISTÓRIA DO BATALHÃO DE CAÇADORES 2879 (1)

GUINÉ 1969/1971

Texto: Adaptação de Carlos Silva – ex-Fur Mil CCAÇ 2548

fixação de texto: vb



Guião do Batalhão 2879. Foto de Carlos Silva.

CAPÍTULO I

Mobilização, Composição e Deslocamento para o CTIG

No mês de Janeiro de 1969 foram mobilizados os quadros destinados a várias Unidades entre as quais estava incluído o BCAÇ 2879. Como Comandante foi designado o Ten Cor Inf Manuel Agostinho Ferreira, regressado do Comando de um Batalhão na Guiné havia menos de 1 ano . (Nota nº 2273 da 1ª Sec. da RO/DSP/ME de 22-01-1969).

Foram atribuídas ao Batalhão as CCAÇ 2547, 2548 e 2549.




Abrantes > Regimento de Infantaria nº 2 > 1969 > Edificio do Comando e Museu

Foto cedida pelo ex-Alf Mil Carmo Ferreira, da CCAÇ 2549.

Como Unidade Mobilizadora foi designado o Regimento de Infantaria nº 2 – Abrantes.

A Nota-Circular nº 896/PM – Pocº nº 18/2876 a 2883 e 18/2538 a 2583 da Sec Adm e Mobilização de Pessoal da 1ª Rep do EME/ME, de 19 de Fevereiro, atribui o BCAÇ 2879 ao CTIG.

Em 23-02-69, o Comandante de Batalhão apresentou-se no CIM – Santa Margarida a fim de tomar parte no 1º Turno de Estágio de Observação Aérea.

Em 02-03-69 seguiu para o CIOE – Lamego, onde tomou parte no 2º Turno de Estágio de Actualização sobre o Ultramar.

Em 10-03-69 apresentaram-se na Unidade Mobilizadora os oficiais, sargentos e cabos milicianos que iriam tomar parte na Instrução Especial do 1º Turno/69.

Em 11-03-69, começou a Escola de Aperfeiçoamento de Quadros e nela tomaram parte os seguintes militares:

Ten Cor Inf Manuel Agostinho Ferreira
Maj Inf Alexandre Augusto Durão Lopes
Maj Inf Lourenço Calixto Aires
Tenente do SGE Elias Garcia da Saúde Raio
Asp Of Mil Secret António Luís Rodrigues Cabral
2º Sargento Inf João Baptista Cipriano

1ª Companhia de Instrução (destinada a enquadrar a CCAÇ 2547)

Cap Mil Art José Fernando Covas Lima de Carvalho
Asp Of Mil Joaquim Manuel Gomes da Silva
Asp Of Mil Luís Filipe da Paiva Nunes
Asp Of Mil José Manuel Tavares Castilho
Asp Of Mil Duarte Joaquim das Neves Pinto
2º Sargento Inf João Gardete Cabaço
2º Sargento Inf Viriato Gomes de Castro
1º Cabo Mil António Maria dos Santos Teixeira
1º Cabo Mil Joaquim Luís Saramago Glórias
1º Cabo Mil Manuel Dias de Carvalho
1º Cabo Mil António Rufino Correia
1º Cabo Mil João Carlos de Macedo Lourenço
1º Cabo Mil José Machado Pacheco
1º Cabo Mil António de Freitas
1º Cabo Mil Manuel Rocha
1º Cabo Mil João António Sampaio Vaz Monteiro

2ª Cª Instrução (destinada a enquadrar a CCAÇ 2548)

Cap Mil Inf Alcino de Sousa Faria (3)
Asp Of Mil António Gil Dias André
Asp Of Mil João Abel Rebelo
Asp Of Mil Manuel Fernandes Pinheiro
Asp Of Mil Horácio João de Sousa Marques
2º Sargento Inf Martinho da Silva
2º Sargento Inf José Leitão Sombreireiro
1º Cabo Mil Jorge Manuel Gomes da Conceição
1º Cabo Mil Idino Claudino Silva Évora
1º Cabo Mil Fernando Amado Vitorino
1º Cabo Mil Dionísio Frazão Galo
1º Cabo Mil Aníbal Manuel Leça Marques da Silva
1º Cabo Mil António José Lopes do Nascimento
1º Cabo Mil Domingos da Silva Tavares
1º Cabo Mil Manuel de Oliveira Pontes

3ª Companhia de Instrução (destinada a enquadrar a CCAÇ 2549)

Cap Mil Inf Luís Fernando da Fonseca (3)
Asp Of Mil João Borges Frias Sampaio
Asp Of Mil Luís Fernando da Silva Carvalho
Asp Of Mil Manuel do Carmo Ferreira
Asp Of Mil Joaquim Manuel Baptista
2º Sargento Infriato Correia Gonçalves
2º Sargento Inf é Luís de Jesus Varanda
1º Cabo Mil Joaquim Alberto Sequeira Fortes Vaz
1º Cabo Mil António Manuel Mano Nunes
1º Cabo Mil Francisco António Brotas
1º Cabo Mil Armindo Aníbal Pinto da Costa Paulo
1º Cabo Mil António Simões Biscaia
1º Cabo Mil António Francisco Almeida Couto
1º Cabo Mil Victor José Martinho Ferreira
1º Cabo Mil Carlos Manuel Pereira Fragoso
1º Cabo Mil Domingos Mário Barros de Miranda
1º Cabo Mil Nelson Jorge Ferreira Duarte

Em 09-04-69 começaram a apresentar-se no RI 2 os recrutas que iriam frequentar a IE/1º Turno/69 e que seriam a grande massa do Batalhão de Caçadores nº 2879.

Em 10-04-69 e até 31-05-69 entra-se no período de organização do Batalhão de acordo com a Nota-Circular nº 02.611/PM – Proº 18/2879, 18/2547, 18/2548 e 18/2549 de 22-05-69 da Sec Adm e Mob de Pessoal da 1ª Rep do EME.

Em 09-06 e até 14-06-69 teve lugar a EAQ/IAO.

Em 16-06-69 e até 5-07-69 decorreu a Instrução de Aperfeiçoamento Operacional – IAO, na região de Arreceadas – Rossio ao Sul do Tejo, pois o terreno escolhido tinha algumas características semelhantes às da Guiné.

A instrução decorreu com entusiasmo e bom rendimento apesar das dificuldades materiais com que se lutou.

Em 07-07-69 todo o pessoal entra de licença das NNAPU – Normas de Nomeação e de Apoio às Províncias Ultramarinas.

O BCAÇ 2879 é assim formado e organizado no R I 2 em Abrantes passando a ter por Divisa “Excelente e Valoroso”.

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Texto e notas de Carlos Silva:

(1) Este documento histórico pode ser consultado no Arquivo Histórico Militar situado em Santa Apolónia – Lisboa, sob o título “ História do Batalhão de Caç. nº 2879 - Guiné 1969/1971 – Farim “ - [ 2ª Div/4ª Sec, Caixa nº 110 nº 3, do AHM ]

(2) O Ten Cor Manuel Agostinho Ferreira, falecido a 29-10-2003, com a patente de Major-General ficou conhecido pela rapaziada do Batalhão pelo Metro e oito.

Distinto oficial, inteligente e corajoso, que, sendo Comandante de Batalhão, não se poupava a esforços nem a sacrifícios, assim como não hesitava em participar nas operações, a fim de poder apreciar in loco a justeza dos factores de planeamento, quantas vezes abstractos, que os manuais forneciam.

Esta postura do nosso Comandante que, por um lado, era altamente louvável, por outro ncutia na rapaziada uma confiança que fazia ultrapassar o medo que porventura existisse. Tal atitude granjeou-lhe da nossa parte uma grande simpatia e admiração que ainda hoje se faz sentir e há-de perdurar ao longo dos tempos até ao último sobrevivente do Batalhão. expressão de tal sentimento resulta bem claro nos almoços de confraternização do Batalhão.

(3) Os Capitães Alcino de Sousa e Luís Fernando da Fonseca, que inicialmente haviam sido nomeados para o Comando das CCAÇ 2548 e CCAÇ 2549, em virtude de terem feito a comissão anterior na Guiné, foram por autorização ministerial substituídos respectivamente pelos Capitães Luís Fernando da Fonseca Sobral e Vasco Correia Lourenço, que antes estavam nomeados para Angola.
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Nota de vb:

(*) Vd. postes de:

8 de Janeiro de 2008 > Guiné 63/74 - P2417: Tabanca Grande (51): Carlos Silva, ex-Fur Mil da CCAÇ 2548/BCAÇ 2879 (Jumbembem 1969/71)

20 de Julho de 2007 > Guiné 63/74 - P1976: Tabanca Grande (27): Carlos Silva, mais um 'apanhado do clima' (CCAÇ 2548, Jumbembem)

segunda-feira, 14 de janeiro de 2008

Guiné 63/74 - P2439: Guiledje: Simpósio Internacional (1 a 7 de Março de 2008) (8): Informações úteis (Pepito)


1. Mensagem que acabo de receber do Pepito, em nome da organização, com pedido urgente de divulgação:


SIMPÓSIO > DIA A DIA > Informações úteis




(i) VISTO DE ENTRADA NA GUINÉ-BISSAU


A organização do Simpósio pretende, através da Direcção Geral de Cooperação do Ministério dos Negócios Estrangeiros, facilitar a obtenção do visto de entrada em Bissau, pelo que solicita a todos os oradores, convidados e participantes no Simpósio, para que até às 13h00 do dia 17 de Janeiro, façam chegar à organização (ad@orange-bissau.com):

- Nome
- Número de passaporte
- Nacionalidade.



Em tempo útil a organização informará das disposições que cada um deverá tomar para ter acesso a esse visto.


(ii) ALOJAMENTO E ALIMENTAÇÃO


A todos os oradores e convidados a organização do Simpósio irá assegurar o alojamento em quartos individuais, alimentação e transporte em Bissau e em Guiledje.

Para os restantes participantes a organização irá assegurar o transporte de Bissau para Guiledje, o alojamento e alimentação em Iemberém [, sede de delegação da AD - Acção para o Desenvolvimento, no Cantanhez] , pedindo desde já, a maior benevolência a todos, para que compreendam e aceitem as condições de alojamento durante os 2 dias em que permanecerem na zona de Cantanhez.

Consideramos ser um dever nosso receber todos os amigos, sem exclusão, que um dia estiveram em Guiledje e que desse tempo guardam uma recordação da sua juventude e que agora regressam de avião e carro.


(iii) CARTÃO DE ACESSO AO SIMPÓSIO


Todos os oradores, convidados e participantes no Simpósio disporão de um crachá que lhes dará acesso a todas as organizações e sessões do Simpósio.

Para isso cada um deverá enviar para a organização ((ad@orange-bissau.com) os seguintes elementos:

- Nome
- Funções que ocupa actualmente,
- Foto tipo passe
- indicação da data de chegada e partida


para que seja produzido o cartão, o qual lhe será entregue logo à chegada a Bissau.

Para todos os que foram militares em Guiledje, agradecemos que nos informem do nome da Companhia e do ano de estada.


(iv) PARTICIPANTES INSCRITOS NO SIMPÓSIO


Até este momento está confirmada a vinda dos seguintes participantes que se deslocam do exterior da Guiné-Bissau:


Adelino Handem (Guiné-Bissau)

Agnelo Dantas (Cabo Verde)

Alexandre Coutinho e Lima (Portugal)

Alfredo Caldeira (Portugal)

Álvaro Manuel Oliveira Basto (Portugal)

António Jorge Neto Pimentel (Portugal)

António M. Almeida e Silva (Portugal)

Armando Gonçalo Silva Oliveira (Portugal)

Armindo Ferreira Pereira (Portugal)

Carlos José Pereira da Silva (Portugal)

Carlos Matos Gomes (Portugal)

Catarina Santos (Portugal)

Delfim Joaquim Marques Santos (Portugal)

Diana Andringa (Portugal)

Diana Lima Handem (Guiné-Bissau)

Eduardo Costa Dias (Portugal)

Fátima Proença (Portugal)

Francisco Allen (Portugal)

Francisco J. F. Silva (Portugal)

Iva Cabral (Guiné-Bissau)

João Alfredo Teixeira da Rocha (Portugal)

Jorge Neto (Portugal)

José António Carioca (Portugal)

José Estêvão Ferreira Pires (Portugal)

Josep Sánchez Cervelló (Espanha)

José Teixeira (Portugal)

José Rocha (Portugal)

Julião Soares (Guiné-Bissau)

Júlio Balde (Guiné-Bissau)

Júlio de Carvalho (Cabo Verde)

Leopoldo Amado (Guiné-Bissau)

Luís Graça (Portugal)

Luís Moita (Portugal)

Luís Torgal (Portugal)

Manuel Amante da Rosa (Cabo Verde)

Maria Alice Ferreira Carneiro (Portugal)

Nuno Rubim (Portugal)

Óscar Oramas (Cuba)

Patrick Chabal (Inglaterra)

Paulo Santiago (Portugal)

Pedro Lauret (Portugal)

Silvério Ribeiro Lobo (Portugal)

Ulisses Estrela (Cuba)

Victor Ramos (Portugal)

Guiné 63/74 - P2438: História de vida (9): O Último Adeus ou as peripécias da minha partida no N/M Ambrizete (Helder Sousa)


Guiné > Bissau > s/d [1970-1972] > O Hélder Sousa no seu quarto em Bissau... Sinais dos tempos: um poster do 'Che' Guevara, um ícone da juventude da época, mas também um grande amigo do PAIGC... Ao ler a história de vida do Hélder, podemos perguntar-nos se o Exército não foi ver a ficha dele na PIDE/DGS, para saber se ele era um tipo de confiança para trabalhar em transmissões...

Foto: © Helder Sousa (2007). Direitos reservados.



1. Texto do Hélder Sousa (ex-Fur Mil de Transmissões TSF, Piche e Bissau, 1970/72) (1):


História de vida > "O Último Adeus"

Caro Luís e ilustres co-editores:

Conforme prometi, pretendo agora ser um pouco mais proactivo e, para isso, nada melhor do que começar pelo princípio.

Mas o que é o princípio?

Disse, na minha apresentação, que tendo vivido a minha infância e juventude em Vila Franca de Xira, fui naturalmente infuenciado pelas suas muitas e variadas escolas.

Podia então começar por aí, falando como fui formado no meio do gosto pela tauromaquia, nos ecos (e não só...) das lutas operárias da região, dos camponeses do outro lado do Tejo, do Ribatejo e Alentejo, da observação da vivência dos Avieiros, do facto de se estar no seio onde o neo-realismo materializou maior expressão, das Tertúlias das discussões sobre a política que se vivia e que se queria mudar, discussões essas levadas para outros locais, Nazaré, Foz do Arelho, etc.. Depois podia continuar pela descoberta da vida na cidade grande, o natural integrar no movimento associativo estudantil, o serviço militar nas suas etapas, 1º Ciclo do CSM em Santarém, 2º Ciclo em Lisboa, no BT, estágio em Tancos, na EPE, colocação para dar instrução e formação no Porto, no RT, a mobilização, etc.

Podia, de facto, começar por aí, onde certamente algumas coisas melhor se explicariam, mas é sempre bom deixar alguma coisa para dar largas à imaginação, para cada qual encontrar a sua leitura e, por isso, vou começar pelo último adeus.

E o que é isso? Pelo menos colocado deste modo?

Trata-se simplesmente de relembrar o que foi para mim a despedida dos familiares aquando do embarque para a Guiné, certamente idêntica à de tantos de nós que estão representados na Tabanca e dos outros também.

A minha teve algumas particularidades. Se na essência foi igual à de muitos outros, teve a vantagem (ou desvantagem) de ser quase confidencial pois, por minha vontade, foi restringida aos familiares mais chegados (pais, irmã e namorada) já que me tinha despedido do círculo de amigos e companheiros em tempo oportuno. Por esse aspecto não se reuniu do dramatismo que estavam associados ao grande aglomerado de pessoas que eram presentes aquando da partida dos Batalhões e cujo clamor eu ouvia distintamente, aumentando de forma a assumir um tom angustiante, nas manhãs em que chegava cedo a Lisboa e passava algum tempo no Jardim sobranceiro ao Cais.

A partida/despedida ocorreu na manhã do dia 23 de Outubro de 1970, 6ª feira, data em que oficialmente embarquei para a Guiné mas, na verdade, não foi assim.

Fui em rendição individual, como relatei quando me apresentei à porta da Tabanca, e o transporte designado foi um velho cargueiro, o Ambrizete, que foi abatido ao serviço algum tempo depois, sendo que esse cargueiro dispunha de 6 cabinas duplas para passageiros e, desse modo, levava nessa viagem 6 civis e 6 militares.

Os seis civis eram uma mulher grande e seus três filhos que ocupavam duas cabinas sendo a outra dos civis lotada com um homem já com uma idade relativamente avançada (pelo menos era isso que me parecia, naquela altura em que eu tinha 22 anos) que tinha estado emigrado em França e que ia agora para a Guiné trabalhar por conta da Tecnil na construção duma estrada qualquer e um outro indivíduo, mecânico de automóveis, da zona da Malveira, que encontrou na entrada naquele barco para um serviço qualquer à aventura na Guiné a solução para o problema que tinha pelo facto de se ter tomado de amores pela legítima esposa dum padeiro o qual, tendo descoberto a paixão e não concordado com ela, queria limpar-lhe o sebo, situação para a qual encontrou uma aliada na esposa do mecânico, razão do nosso homem se encontrar a bordo apenas com a roupa que tinha no corpo. Durante a viagem, e porque já tresandava, lá arranjámos maneira de, conluiados com a tripulação, lhe darmos um banho forçado ....

Os militares eram todos Furriéis de Transmissões, sendo 3 TPF de cursos posteriores ao meu e que não conhecia nem me lembro hoje como se chamam (disso me penitencio e peço-lhes desculpa) e os outros 3 eram, para além de mim, o Nélson Batalha que levei ao encontro em Pombal, que esteve em Catió onde foi ferido num ataque ao quartel, em Abril de 1991, e o Manuel Martinho Martins que esteve em Tite, os quais mais tarde, apartir de Agosto de 1991, formaram comigo e também com os Furriéis Eduardo Santos Pinto e José Manuel Lopes Fanha, o núcleo duro do Centro de Escuta do Agrupamento de Transmissões.

Acontece então que na época tinham ocorrido algumas acções que procuravam corporizar a oposição ao esforço de guerra através de actos como a sabotagem das Berliets e a bomba no navio Cunene, razão pela qual o nosso Ambrizete, para mais carregado com material de guerra, para além de géneros alimentícios e outras peças e maquinarias, estava ancorado ao largo, no meio do Tejo. Quando abandonámos o cais, com os familiares a dizerem o último adeus, e entrámos na lancha que nos levaria ao transporte, os elementos da tripulação que iam fazer a rendição dos que estavam lá de serviço confidenciaram-nos que "não vale a pena tanta lamúria na despedida porque não vamos hoje de certeza". E assim foi!

O barco estava com problemas de arrumação e distribuição da carga, tinha uma inclinação para a esquerda que nos fazia andar de lado, tendo o Comandante informado que iríamos largar para navegar ao largo da baía de Cascais para tentar resolver o problema, voltaríamos ao porto de Lisboa para manutenção das câmaras frigoríficas e, na melhor das hipóteses, sairíamos então a partir da 2ª feira seguinte, dia 26. É claro que os familiares, no Cais, não sabiam nada disto e ficaram a ver o barco manobrar, aproar à barra do Tejo e lá ficaram a acenar o último adeus.

Bem, encurtando a narrativa, posso adiantar que a partida aconteceu apenas no dia 3 de Novembro, mais de uma semana depois do que o Comandante previra e, durante esse tempo, não voltei mais ao barco. Todos os dias de manhã apresentava-me na Companhia de Navegação, informava-me das previsões e ia acompanhando as indicações: se era só para o dia seguinte já não contactava mais, se diziam "talvez logo à tarde já se saiba",então telefonava com as devidas cautelas para efeitos de identificação.

E assim fui andando até que no dia 3 de Novembro, dia em que efectivamente embarquei, fui com a minha namorada, ainda hoje minha mulher e companheira, ver um filme que tinha estreado na véspera, no então cinema Tivoli, com o sugestivo e felizmente não premonitório título de O Último Adeus, filme com o título original de I Girasoli, de Vittorio de Sica, com Marcello Mastrioani e Sofia Loren, que relatava a odisseia de uma mulher italiana numa desesperada busca pelo seu marido, soldado considerado desaparecido algures na Rússia quando integrava um dos Batalhões de italianos que acompanharam os alemães na invasão e acções bélicas naquele imenso território gelado.

Por ocasião do 2º intervalo estava na hora de contactar para saber das novidades quanto à partida. De manhã tinham-me dito que era muito provável que fosse o dia, mas para ligar por volta das 17 horas. Assim fiz, do foyeur do 2º Balcão (não havia dinheiro para plateis), telefonando dum daqueles orelhões que por lá havia, tendo sido o primeiro a chegar e nem tendo reparado que depois se formou uma pequena fila à espera de vez. É que eu já estava a ver as horas a passar, já seriam 17.10, quando o intervalo ocorreu e precisamente numa daquelas interrupções em situação dramática, que deixam os mais sensíveis a retomar o fôlego, quando o protagonista, alvo da busca pela mulher, é retratado em flashback andando perdido no meio da estepe gelada (andava às voltas) e reencontra o cadáver congelado dum camarada seu e ao tentar erguê-lo quebra-se o braço congelado, ficando com uma parte separada do corpo.

Certamente que essa cena estaria na mente das pessoas que estavam atrás de mim para telefonar e que me ouviram identificar como "O Furriel que ia para a Guiné no barco avariado", confirmando então que a partida seria nessa noite. Quando acabei de telefonar, pousei o telefone e me virei, deparei com três ou quatro rostos com olhos muito abertos a olhar para mim, fazendo-me sentir como a próxima vítima. Para além da ida p'ra guerra em si, a palavra Guiné era na altura já sinal de uma angústia maior.

Felizmente não foi assim. Nem sempre o último é o último. Pelo menos naquela ocasião O Último Adeus foi apenas o título de um filme, e o nosso último adeus foi apenas o último daquele dia.

Outros dias se sucederam!


Até breve

Hélder Sousa
Fur Mil Transmissões TSF

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Nota dos editores:



(...) Chamo-me Hélder Valério de Sousa, vivo actualmente em Setúbal, fui Furriel Miliciano de Transmissões, do STM, cumprindo a comissão de serviço na Guiné entre 9 de Novembro de 1970 e 10 de Novembro de 1972, tendo estado cerca 7 meses em Piche (contemporâneo do BCAV 2922) e o resto da comissão ao serviço do Centro de Escuta e de Radiolocalização do Agrupamento de Transmissões da Guiné (...).