quarta-feira, 14 de janeiro de 2009

Guiné 63/74 - P3740: Historiografia da presença portuguesa em África (15): Filatelia, da medicina tropical à Missão do Sono (Beja Santos / Luís Graça)

Guiné > 1970 > Selo de 2$50 > I Centenário da Comissão Arbitral de Bolama [1870-1970] . No lado esquerdo, a efígie do presidente norte-americano Ulysses Grant (1822-1885). Bolama foi uma ilha disputada por ingleses e portugueses, já na 2ª metade do Séc. XVIII. Em 1860 foi anexada pelos ingleses à colónia da Serra Leoa. Uma comissão arbitral internacional, presidida por Ulysses Grant, devolveu a soberania aos portugueses. Foi capital da Guiné entre 1879 e 1941. (LG)

Guiné > 1952 > Selo de $50. 1º Congresso Nacional de Medicina Tropical, Lisboa, 1952. Sobre a emergência da saúde pública e da medicina tropical em Portugal, no virar do Séc. XIX, vd. textos de Luís Graça. Entre nós, a Escola de Medicina Tropical de Lisboa foi criada em 1902, por iniciativa do Ministro dos Negócios Estrangeiros, da Marinha e do Ultramar, Teixeira de Sousa, também ele médico, poucos anos depois das Escolas de Medicina Tropical de Liverpool e de Londres (1899) e de Hamburgo (1900). Tinha como objectivo: (i) o ensino teórico e prático da medicina tropical; e (ii) a realização de missões científicas às províncias ultramarinas portuguesas bem como a colónias estrangeiras.

Em 1901, Aníbal Bettencourt (1868-1930), médico bacteriologista, director do internacionalmente prestigiado Instituto Bacteriológico, realiza a Missão do Sono a Angola para investigar a doença do sono (tripanossomíase) (**). Esta missão ajudou a reforçar, entre nós, o desenvolvimento da medicina tropical, ligada ao projecto de expansão colonial, nomeadamente em África.

Tem cabimento recordar aqui as palavras de um dos grandes nomes da medicina portuguesa, Miguel Bombarda (1851-1910), em comunicação de 26 de Outubro de 1901 à Sociedade de Ciências Médicas de Lisboa:

"(....) A colonialização não é somente uma questão social e económica, mas ainda uma questão de higiene e uma questão de patologia. A prosperidade e a riqueza de uma colónia dependem primeiro que tudo das facilidades de vida que lá podem encontrar os elementos colonizadores.

"Desgraçado povo aquele que das sua colónias só pode arrancar ouro à custa de sangue! Desgraçadas riquezas aquelas que se conquistarem à custa do depauperamento da metrópole pelas vidas ceifadas e pelas existências mutiladas! Todos os dispêndios empregados em salvar vidas não podem senão redundar em riqueza e prosperidade nacionais.

"O remédio para os graves riscos que importa uma colonialização empreendida às cegas está na intervenção da medicina, com os altamente poderosos recursos de que dispõe na actualidade. A Inglaterra, a Alemanha e a França acabam de o reconhecer pela criação de centros de estudo e de ensino que hão-de simplesmente converter-se em facilidades colonizadoras e em prosperidade colonial" (...).

Historicamente falando, o herdeiro desta Escola é o actual Instituto de Higiene e Medicina Tropical, da Universidade Nova de Lisboa, mais conhecido por alguns de nós, amigos e camaradas da Guiné, pela sua sua Consulta do Viajante (LG)


Guiné > 1959 > Selo de 2$50 > 1º Centenário da morte de Honório Barreto [1813-1859]. Honório Pereira Barreto, natural do Cacheu, filho de pai caboverdeano e mãe guineense, é nomeado provedor de Cacheu, por decreto de 30 de Março de 1843; em 3 de Fevereiro de 1844, domina a revolta dos Manjacos no Cacheu, com o auxílio do seu tio, Francisco Carvalho Alvarenga, comandante de Ziguinchor; no mesmo ano, em 11 de Setembro, eclode a "guerra de Bissau"; Honório Barreto domina depois a revolta dos grumetes do Cacheu, com reforços vindos de Ziguinchor; concede-lhes depois perdão, uma vez feita a paz ... Em 26 de Abril de 1859, morre na Fortaleza de São José de Bissau. (LG)

Guiné > 1964 > Selo de 2$50 > 1º Centenário da Fundação do Banco Nacional Ultramarino (BNU). Efígie do seu seu fundador, Francisco Oliveira Chamiço. Originalmente criado como Banco Emissor para as ex-colónias portuguesas e como banco de desenvolvimento, o BNU foi abrindo sucessivamente sucursais e agências em Angola (1865), em Cabo Verde (1865), na Índia (1868), em S. Tomé (1868), em Moçambique (1877), na Guiné (1903), em Macau (1902) e em Timor (1912).

Como se pode ver selo acima reproduzido, o logótipo do Banco era um emblema com um navio a vapor e a legenda, “Banco Nacional Ultramarino”, na parte superior, e “Colónias, Comércio e Agricultura” , na parte inferior. (LG)

Fotos : ©
Beja Santos / Luís Graça & Camaradas da Guiné (2009). Direitos reservados [Legendas: LG]


1. Mensagem do Beja Santos:

Malta, fui à Feira da Ladra no sábado passado, dia 7 de Janeiro, continuo a ser um sortudo: para além de livros que me serão indispensáveis para um dos meus próximos empreendimentos, fui até aos filatelistas e aqui vos deixo uma selecção de selos com mais de 20 anos.

Alguns são muito belos, como o de 1952 alusivo ao 1º Congresso Nacional de Medicinal Tropical; o de 1959, dedicado a Honório Pereira Barreto, e o alusivo ao centenário da sentença arbitral de Bolama também são muito belos.

As colecções temáticas de selos da Guiné têm grande importância filatélica, caso das dedicadas aos insectos, répteis e fauna. Esta série que aqui hoje mostro vai para o blogue, espero que um dia se façam leilões que permitam angariar dinheiro para as despesas de manutenção com que nos devemos solidarizar.

2. Comentário de L.G.:

Agradeço, em meu nome e em nome da Tabanca Grande, estes mimos do nosso camarada e amigo Beja Santos, o maior rato de biblioteca que eu conheço e que nunca mais cortou o cordão umbilical dos afectos e das emoções que, desde 1968, o liga à Guiné e às suas gentes...
Agradeço a sua generosidade mas também o exemplo pedagógico que nos dá a todos: mesmo um pequeno selo, insignificante, pode ajudar-nos a contar uma história, a história da Guiné, das gentes que por lá passaram, incluindo estes tugas que teimam em cultivar a saudade saudável e preservar uma frágil memória...

Aqui fica um apelo: quem tiver velhos selos da Guiné, por favor guarde-os, digitalize-os e mande-nos as imagens em formato.jpg... É preciso alimentar a nossa memória... e este blogue (voraz).
_________

Notas de L.G.:

(*) Vd. poste de 21 de Dezembro de 2008 >
Guiné 63/74 - P3658: Historiografia da presença portuguesa (15): Postais antigos, um relicário de João Loureiro (Beja Santos)
(**) Mário: Tens memórias trágicas da Missão do Sono, sita na tabanca de Bambadincazinha onde ficava o Grupo de Combate (da CCAÇ 12, do Pel Caç Nat 52...) que guardava as costas aos snehores de Bambadinca, durante a noite....
Era uma antiga estrutura sanitária, criada no âmbito do Programa de Luta contra a Doença do Sono, e na altura desactivada - presumivelmente em consequência da guerra. Era um edifício térreo, de tijolo de adobe, rachas de cibe e telhado de zinco (ou de colmo ?, já não me recordo). A nossa posição era mais do que conhecida pela população e pelos elementos simpatizantes do PAIGC que havia em Bambadincazinha e em Bambadinca. Em caso de ataque ao aquartelamento de Bambadinca (sede de batalhão), éramos um alvo fácil. Uma simples roquetada punham-nos a todos fora de combate.
Ali morreu um dos teus homens, num estúpido acidente com uma G3...

Guiné 63/74 - P3739: O Nosso Livro de Visitas (50): O interesse de António Araújo, pelas nossas cartas das ilhas

1. Mensagem de António Araújo, nosso leitor, que se nos dirigiu no dia 26 de Dezembro passado:

Assunto: Cartas da Guiné

Boas Festas e muito boa noite

Gostaria em primeiro lugar de o felicitar pela louvável iniciativa. Não fiz a guerra na Guiné mas vivi alguns anos por lá entre 90 e 98, conheço bastante bem o país e regresso regularmente.

A informação disponível no blog é interessante e útil. As cartas topográficas agora acessíveis são uma ferramenta de prospecção insubstituível para todos os que se interessam pela GB mas infelizmente, à parte Bolama, não consigo encontrar as cartas das ilhas: Bubaque, Galinhas, Orango, Unhocomo, etc.

Agradecia informações a este respeito pois gostaria de aceder às cartas do arquipélago.

Muito obrigado, parabéns uma vez mais e até breve.
António Araújo

2. Hoje foi enviada esta mensagem a este nosso leitor

Caro Senhor:

Muito obrigado pelas suas amáveis palavras.

Provavelmente ainda este ano irão ser alojadas na nossa página algumas cartas em falta, nomeadamente as da zona do Boé e Ilhas. Temos digitalizadas (mas ainda não disponíveis em linha, na Internet) as cartas de 1 / 50.000 de Beli, Bubaque, Caio, Cansambel, Capebonde, Cassumba, Dalaba, Gobije, Ilha Caravela, Ilha de Carache, Ilha de Jeta, Ilha de Orango, Ilha de Orangozinho, Ilha de Unhocomo, Ilha de Uno, Ilha Formosa, Ilha João Vieira, Ilha Roxa, Ilhéu do Meio, Jufunco, Sare Jaube, Tarije, Tendinto, Vendu Leidi... Trata-se de uma oferta do nosso mecenas Humberto Reis...

Temos dois problemas para resolver: (i) falta de espaço (não temos um site próprio, que de resto custa dinheiro; as restantes cartas estão alojadas na página pessoal do nosso editor, alojado por sua vez num servidor institucional...); (ii) falta de tempo...

By the way, dqui mandamos um SOS a quem puder e quiser ajudar-nos a resolver estes dois problemas...

Entretanto, se o nosso amigo Araújo nos disser porquê do seu interesse nas cartas da Guiné (científico, turístico, económico, sentimental, etc.), é possivel que o Editor do Blogue, Dr. Luís Graça, as faça chegar até si em CD Rom.

Deverá utilizar preferencialmente o endereço luisgracaecamaradasdaguine@gmail.com

Com os melhores cumprimentos

Carlos Vinhal

Co-editor do Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné
____________

Nota de CV

Vd. último poste da série de 10 de Janeiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3719: O Nosso Livro de Visitas (49): Mateus Sousa, suzanense que vive em Aveiro, Portu

Guiné 63/74 - P3738: Recortes de Imprensa (13): A minha Guerra - José Paulo Pestana, Correio da Manhã, de 4/1/ 2009 (José Martins)

Mensagem do José Martins, de 5 de Janeiro de 2008

Caros amigos

Como não podia deixar de ser, mesmo antes de tomar o café adquiro o CM, que de imediato me leva ao texto Especial Guerra.

Para mim é uma história pessoal, por isso contada na primeira pessoa, mas que traduz, na realidade, uma vivência colectiva: ninguém esteve sozinho na guerra, pelo que cada história pessoal, passa a história colectiva.

O texto do Cor Ref Nogueira Pestana

No texto enviado pelo nosso camarada, hoje Coronel na Reforma, José Paulo Abreu Nogueira Pestana, consta que viu descarregar, no cais de Pidjiguiti, 47 caixotes de madeira tosca, que continham os restos mortais dos camaradas falecidos em 6 de Fevereiro de 1969 no rio Corubal, aquando do desastre havida com a jangada que fazia a última travessia do rio Corubal, durante a operação "Mabecos Bravios".

Os corpos dos nossos Camaradas não foram recuperados

Foi mal informado, porque os corpos daqueles camaradas não foram recuperados. Os restos mortais encontrados, mais tarde, foram sepultados numa ilhota no meio do rio, enquanto os restantes foram sendo enterrados nas margens do rio pelos elementos do PAIGC.

Sobre este triste acontecimento há muitos textos, inclusive do autor destas linhas que, por inerência das funções que exercia na altura e no local mais próximo do desastre (Furriel de Transmissões e Adjunto do Centro Cripto), Destacamento de Canjadude guarnecido na altura pela CCaç 5 e CArt 2338, foi quem obteve os elementos de identificação dos que NÃO RESPONDERAM À CHAMADA no final da operação.

Este é apenas um contributo para que, cada vez mais, se conheçam os contornos que aquela guerra teve.

José Martins

Fur Mil Trms Inf CCaç 5
Nova Lamego e Canjadude
Guiné Junho/68 a Junho/70

Com a devida vénia, seguem-se algumas passagens do artigo de 4 Janeiro 2009, "Correio da Manhã" , revista Domingo,A Minha Guerra - José Paulo Pesta na

"Conheci os três majores assassinados"

(....) A minha história refere-se à comissão na Guiné, onde cheguei no princípio de Fevereiro de 1969. Estava com a companhia que comandava no cais do Pijiguiti, em Bissau, à espera que o resto do batalhão desembarcasse do navio que nos transportara da Metrópole, quando se aproximou uma lancha da Marinha que depositou no cais, ao pé de nós, 47 caixotes de madeira tosca, que continham os corpos dos camaradas falecidos no desastre da jangada no rio Corubal, no Sudeste do território, durante a evacuação de Madina do Boé.

Nós estávamos destinados a Catió, na foz do rio Corubal, 'chão Manjaco', que não escapava a flagelações diárias de concentrações de tiros de canhão sem recuo. O quartel tinha uma antena de comunicações que fornecia ao inimigo um ajuste perfeito da direcção. Outra das companhias foi para Cufar, onde ficou sujeita ainda a uma maior intensidade diária de fogos.

O sector dispunha de uma companhia adida aquartelada em Guileje, que era a 'carreira de tiro' do inimigo, após a evacuação de Madina do Boé. Fomos sempre ripostando com a nossa artilharia pesada, tarefa a que me dediquei por ser de Artilharia, efectuando tiros de retaliação sobre os constantes ataques de morteiros pesados dos bigrupos comandados pelo Nino (Bernardino Vieira, actual presidente do país) ou seus subordinados, quer ao nosso quartel, quer aos quartéis vizinhos das nossas tropas.

Mais tarde fui substituir o capitão Santana Pereira, ferido com uma mina antipessoal na zona de Có-Pelundo ('chão Felupe'), onde se construía uma estrada entre Bula e Teixeira Pinto. Nunca podíamos descurar as minas colocadas nos trilhos, que já haviam vitimado um alferes e ferido o capitão.

A minha companhia foi depois destacada para Teixeira Pinto, no Oeste, onde substituiu a actividade operacional das três companhias de Forças Especiais, deslocadas para Buba, onde a situação se complicara. Teixeira Pinto estava sob tréguas fingidas, propostas por um suposto grupo dissidente do PAIGC, que convenceu tudo e todos que se iria deixar integrar no Exército Português, chegando a ter postos atribuídos. Após algum tempo, a minha companhia, bastante experiente, pois vinha da zona do Morés, foi de novo deslocada para Norte, para a zona do rio Cacheu, na fronteira do Casamance, onde reforçou o batalhão de Cavalaria 'Os Chicotes', em intensa actividade operacional.

Passámos a actuar na zona onde vieram a ser barbaramente assassinados com catanas os três majores mais prestigiados do Exército (Raúl Passos Ramos, Joaquim Pereira da Silva e Esteves Osório) e um alferes miliciano que os acompanhava em missão pacífica de estreitamento de relações com o falso grupo de integracionistas, que os traiu e os matou de surpresa.

O major Pereira da Silva havia sido meu comandante na minha primeira comissão em Angola; o major Osório, que era o oficial de operações, ia sempre à entrada e à saída da minha companhia em todas as operações em que participei, fosse a que horas fosse, para dar uma palavra de estímulo ou de apreço, e o major Passos Ramos, chefe de Estado-Maior, normalmente sobrevoava num avião de reconhecimento DO27 o agrupamento na mata, referenciando-me aí com granadas de fumo.


O capitão destinado a substituir-me, requisitado à Metrópole, chegou entretanto, mas eu mantive-me em sobreposição com ele várias semanas, pois sendo aquele um oficial de qualidade faltava-lhe a necessária experiência para uma área de risco elevado, visto tratar--se da sua primeira comissão no Ultramar e a minha já era a terceira. Depois, o oficial superior que me comandara uns meses antes em Có achou por bem convidar-me para seu oficial de operações no batalhão que, entretanto, iria comandar. Por isso, segui em demanda de Piche, no Leste , 'chão Fula', onde estive uns meses em operações intensas até à chegada de um batalhão de Cavalaria.

72 (setenta e duas) baixas num só ataque...


(...)Destaco nessa zona uma forte actividade inimiga que havia já produzido 72 baixas num só ataque. Os corpos de militares e civis reunidos no posto de socorros produziam na valeta da rua um apreciável caudal de sangue.

(...) Numa noite, ao princípio da madrugada, enquanto aguardava a hora aprazada para embarcar com parte da minha companhia para mais uma operação, ouvíamos rádio e bebíamos uma última cerveja, quando de súbito irromperam gritos do locutor em linguagem nativa, transparecendo algo de grave.


Radio Conakry



O administrador do posto, dono do rádio, informou que estávamos sintonizados para a rádio Conacri. Os guarda-marinhas que nos iam pôr no mato com as suas lanchas de desembarque ouviam atentamente e concluíram que era um ataque àquela capital feito pelas nossas tropas, pois na véspera todo o material naval da base de Bissau tinha saído para parte incerta.

Era a operação 'Mar Verde', cujo melhor resultado foi a libertação de 35 elementos do nosso Exército presos em Conacri e o pior a deserção do grupo de 17 homens pertencentes ao batalhão de comandos africanos que efectuou o ataque. (...) "


__________

Notas de vb:

1. Títulos e sublinados da responsabilidade do editor.

2. Sobre a op "Mabecos Bravios" ver artigo em

25 de Junho de 2008 > Guiné 63/74 - P2984: Op Mabecos Bravios: a retirada de Madina do Boé e o desastre de Cheche (Maj Gen Hélio Felgas † )

3. Último artigo da série em

6 de Janeiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3706: Recortes de Imprensa (12): Jornal de Notícias: Trasladações de camaradas nossos, mortos em Moçambique (Jorge Picado)

4. Conforme consta nos comentários apensos a este artigo, no depoimento do Cor José P. Pestana ao "Correio da Manhã" existem alguns lapsos que merecem ser esclarecidos:

(I). Catió não fica na foz do rio Corubal;
(II). Catió não pertencia ao "chão manjaco";
(III). Não existem relatos de alguma vez terem ocorrido na Guiné 72 baixas num só ataque;
(IV). Os PDG libertados pela op "Mar Verde", segundo os relatórios oficiais, foram 24 militares do Exército, 1 da FAP e 1 civil.

Guiné 63/74 - P3737: A retirada de Guileje, por Coutinho e Lima (11): Um erro de 'casting', o comandante do COP 5 (António Martins de Matos)

Guiné > Região de Tombali > Guileje > CCAÇ 726 (1964/65) > Vista aérea do aquartelamento e tabanca, após o ataque de 8 de Dezembro de 1964. Foto Alberto Pires (o Teco). São vísiveis os estragos provocados nas moranças, uma parte das quais ficaram totalmente queimadas.

Cortesia da AD - Acção para o Desenvolvimento, Bissau (que nos disponibilizou o acervo fotográfico de Guileje, a figurar no futuro museu).



1. Mensagem de António Martins de Matos, ex-Ten Pilav (BA12, Bissalanca, 1972/74):

Amigo Luis Graça (permite-me tratar-te por amigo, já que, não te conhecendo, ambos andámos por terras da Guiné)

Após a leitura do livro A retirada de Guileje, junto te envio um pequeno texto que me senti na obrigação de escrever.
Dispõe dele como melhor te aprouver.

Saudações amigas

António Martins de Matos



2. Guileje vista do céu (*)
por António Martins de Matos

[Título e subtítulos, a negrito, da responsabilidade do editor, L.G.]

Confesso ser assíduo leitor do blogue e ter hesitado durante largos meses sobre a ideia de, um dia, quebrar esta barreira e contribuir, também eu, para esta tertúlia.

A leitura do livro A retirada de Guilege pelo Cor Coutinho e Lima (*) e os vários comentários sobre este tema foram a pedra de toque que me levaram a escrever estas linhas.

Não pretendo demonstrar que a minha verdade é melhor que a verdade de outros; digo-o simplesmente porque, ao contrário da maior parte dos comentadores, participei nos combates em Guidaje, Guileje e Gadamael, com uma visão “de cima”, nunca antes explorada neste blogue.


(i) Conhecer a Guiné de DO-27 e de FIAT G91...


Passada esta introdução, aqui vão as minhas coordenadas:

Era, ao tempo da guerra, Tenente piloto aviador, enviado para a Guiné em 10 de Maio de 1972, aí permanecendo até 10 de Fevereiro de 74.

Em relação à controvérsia (estúpida) instalada a quando do programa PRÓS E CONTRAS da RTP sobre o nome da guerra, Colonial, do Ultramar, ou de Libertação, confesso ter ido para a Guiné pensando que aquele território era Portugal, mas bastou-me uma semana de observação in loco para me aperceber que estávamos lá apenas e só como potência colonizadora.

O que me fez continuar? A ideia de que os 40.000 portugueses espalhados pela Guiné precisavam do meu apoio.

Sendo verdade que todas as noites dormia no ar condicionado de Bissau, também é verdade que, durante o dia, percorria todas as áreas da Guiné, de Susana a Cacine ou de Bubaque a Buruntuma.

Entre Maio72 e Abril73 voava os aviões DO-27 e FIAT-G91.

Voar o DO-27 permitiu-me conhecer todos os aquartelamentos que tinham pista (à excepção de Nova Sintra, vá-se lá saber porquê)

Levei víveres para o Guidaje, correio para o Guilele, comandantes engomadinhos do QG para Tite, Fulacunda ou Cabuca, padres e artefactos de missa para S. Domingos.

Também dormi em Pirada e fiz destacamentos em Nova Lamego.

Para abastecer a messe em Bissau, fui buscar peixe ao Cacheu e carne com moscas a Bafatá.

Fiz muitos PCVs com os Coronéis/Majores a controlarem a guerra de cima (alguns eram completamente enganados pela tropa, outros nem tanto).

Com eles fiz pequenas, médias e grande operações, no Morés, Caboiana, Cantanhez, Porto Balana.

Fui buscar feridos e doentes (militares e civis) a muitas unidades .

Sempre fui recebido nos aquartelamentos com estima e simpatia.

E descobri que quanto pior e mais isolado fosse o quartel, melhor era recebido, Paunca e, em especial os Gringos do Guileje, os campeões.


(ii) A chegada dos mísseis Strella e mudança de 'modus operandi'


Em Abril73, com a chegada dos mísseis Strella passei a voar apenas FIAT-G91.

A Força Aérea foi forçada a alterar o seu modo de operar, deixando de ir a algumas unidades por manifesta falta de segurança na aterragem e descolagem (vide o caso do DO-27 que transportava o Major Comandante do COP de Bigene e que desapareceu ao sair do Guidaje).

No que respeita a apoio de fogo e apesar dos aviões voarem a uma maior altitude e isso ter influenciado negativamente o moral das tropas, as missões passaram a ser muito mais efectivas (novo armamento até aí não utilizado).

Contrariamente ao que é habitual ouvir dizer, a Força Aérea aumentou substancialmente o número de saídas de combate, muitas delas ao estrangeiro ( Kandiafara, Kumbamori, Kandara, ...) o que aliviou a nossa tropa de inúmeros ataques do PAIGC.


(iii) Principais conclusões a retirar da análise do livro do Cor Art Ref Coutinho e Lima

Do que vivi in loco e da leitura do livro leva-me a concluir:

Desde 6 de Maio que os GC do Guileje não efectuavam qualquer saída do quartel (excepção à tentativa de coluna a 18Maio), o que os deixou sem uma segurança avançada e sem saber o que se passava para além do arame farpado.

Ao contrário do que muitos pretenderam fazer crer, o Guileje não podia estar cercado.

Prova disso é o facto de terem fugido cerca de 600 pessoas sem que o IN desse conta. Há mesmo quem afirme que saíram com grande confusão e barulho, o que teria forçosamente de ser notado.

Prova disso é igualmente o facto do IN ter continuado os ataques (sempre e só de artilharia) já com o quartel deserto.

Felizmente que o Guileje não estava cercado pois que se o estivesse ter-se ia verificado o maior desastre da guerra colonial.

Na exploração do inesperado sucesso o PAIGC pretendeu fazer crer à posteriori que teria executado dois cercos em simultâneo (Guidaje e Guileje), o que não é verdade. Duas operações de grande envergadura e em simultâneo não estava ao alcance de nenhum dos contendores.

O PAIGC limitava-se a flagelar o Guileje de longe (morteiro 120, canhão sem recuo, ...), sem mesmo entrar no território da Guiné. Há a confirmação de que as bases de fogo se situariam para além da fronteira (não é fácil transportar centenas de munições e elas não nascem nas árvores).

Com o seu alcance, os obuses de 14cm seriam das poucas armas aptas a contrariar o fogo inimigo. No entanto só muito esporadicamente foram usados. Há mesmo um depoimento de alguém afirmando que o pessoal que as operava nem sequer saía dos abrigos.

Passados todos estes anos ainda hoje não consigo perceber por que razão os quartéis equipados com potente artilharia não se defendiam mutuamente.


(iv) Guileje, uma manobra de diversão, para desviar a FAP de Guidaje...

Os ataques ao Guileje destinavam-se apenas a tentar desviar as saídas da Força Aérea em direcção ao Guidaje, o que em parte foi conseguido, visto que entre 19 e 21 de Maio a FAP foi obrigada a dividir o apoio, com 16 missões no Guidaje e 14 em Guileje, 8 das quais no dia 21.

Pelo acima referido, não se pode afirmar que o apoio ao Guilege tenha sido menosprezado.

A questão que se põe é a de saber porque razão as missões no Guileje não terão tido sucesso?


(v) 'Vamos comprar um B52 e já voltamos'...

A meu ver por falha do QG Bissau que até essa data, e ao contrário do que se passava em Guidaje, não autorizava a FAP a ir ao estrangeiro, e igualmente por falha do Guileje, que já não era capaz de indicar de onde tinham partido os ataques, limitando-se a afirmar “bombardeiem todas as matas à volta do quartel”.

A afirmação do homem do rádio (que no livro vim a descobrir ser o Fur Alfaiate), a mando do seu comandante, de que “não usamos a nossa artilharia para que o IN não referencie o quartel”, resultou na minha resposta, de mau gosto, “vamos comprar uma B-52 e já voltamos”, dita com a raiva de quem sente que o seu apoio estava a ser inútil e era mais necessário noutro lado.

Havendo apenas 6 pilotos de FIAT-G91 a acudirem aos pedidos de apoio de toda a Guiné, a comparação dos números de mortos e feridos em Guilege e Guidage é, por si só, clarificadora do que efectivamente ocorreu nesse período e de quem mais necessitava de apoio.

Ao contrário do que a maioria do pessoal do Exército pensava (pensa), o apoio aéreo em voo baixo, com metralhadoras e foguetes, ainda que possa aumentar o moral das tropas, era, é e será sempre, completamente inadequado.

O facto dos aviões voarem mais alto não tem a ver com a sua segurança mas sim com o tipo de armamento transportado, sendo que um apoio eficaz só poder ser conseguido com a utilização de bombas.

A FAP foi pioneira a ser alvejada com mísseis Strella e igualmente pioneira neste tipo de apoio próximo, procedimentos semelhantes foram utilizados anos mais tarde no Kosovo ou actualmente na Faixa de Gaza.


(vi) Um homem sem perfil, ou um 'erro de casting'


Não obstante já ter feito duas comissões na Guiné, o Maj Coutinho e Lima não tinha o perfil adequado para chefiar o COP 5 e algumas das suas decisões não terão sido as mais correctas.

O estabelecimento da sede do COP 5 em Guileje em vez de Cacine ou mesmo Gadamael, a troca de armamento sem razão aparente, a suspensão da actividade operacional, foram alguns dos factores que contribuíram para o agravamento da situação.

Tais decisões deveriam ter sido questionadas por quem o indigitou para o lugar.

Houve no entanto outros militares que contribuíram para a queda de Guileje, a saber:

- Os que no QG Bissau entendiam que o Guileje era tão só um local para onde mandar os corrécios;

- Os que no QG Bissau não avaliaram correctamente a situação;

- Os que, de uma maneira ou de outra, demoraram a cadeia logística;

- Os que não autorizaram os FIAT a passarem a fronteira (o ataque a Gadamael foi sustido depois de se ter bombardeado Kandiafara);

- Em última análise, a responsabilidade tem de ser atribuída a quem, conhecendo o perfil do militar, o nomeou para o cargo.


Na introdução do seu livro A retirada de Guileje, por Cor Coutinho e Lima põe a questão de se saber qual o termo correcto, entre “amnistiado” e “ilibado”.

Não é minha intenção julgá-lo, mas confesso que me incomoda as várias tentativas que vêm sendo feitas de o apresentar como um herói, que não foi.

Todos nós, que estivemos na Guiné, temos alguns fantasmas que, de tempos a tempos, nos vêm lembrar quem fomos, o que fizémos e como nos comportámos.

Há 35 anos que os meus fantasmas estão em fuga de Gadamael e continuam mortos e entalados no tarrafo do rio Cacine.

Como nota final, a minha homenagem ao BCP 12 (CCP121, CCP122 e CCP123). Sem eles, Gadamael tinha seguido o destino do Guileje.


António Martins de Matos (**)


3. Comentário de L.G.:

Caro camarada:

Não é todos os dias que recebo, na caixa de correio, um texto como o teu: claro, conciso, preciso, assertivo, elegante... e ao mesmo tempo politicamente incorrecto, incómodo, lúcido, desassombrado, sofrido, solidário...

É um privilégio para mim dar-te, em meu nome e dos meus dois co-editores, as boas vindas à nossa tertúlia ou Tabanca Grande, enfim, ao nosso blogue, que é teu, é meu, é de todos nós... O nosso maior denominador comum é a Guiné (1963/74)... O resto é periférico...

Como já te apercebeste, aqui ninguém precisa de puxar dos galões ou dos títulos ou das medalhas para aceder à palavra: basta entrares, dizeres bom dia ou boa tarde, puxares de um banco e contares a tua história... Eus ei que há diferenças de literacia, de talentos, de conhecimentos... Procuramos atenuá-las...

O nosso blogue serve isso mesmo, serve - modestamente - para a nossa geração que combateu na Guiné (não interessa o posto, a arma, a especialidade, o local, o ano...) contar a história que os outros nunca poderão contar... por nós.

E aqui está, em corpo inteiro, a tua história, a tua personalidade, os teus valores, o teu CV (***)... E com que elegância fazes a tua análise!... Não dizes: "o homem (o comandante do COP 5) era fraco e incompetente"... (de resto, como muitos de nós, a começar por alguns dos homens que nos comandavam....); dizes simplesmente, houve um "erro de casting", o homem não tinha o perfil... Mas a culpa foi de quem o nomeou... (Esclareça-se: quando digo, "competente", referindo-me à generalidade das NT na Guiné, do meu tempo, quero significar "treinado, preparado, equipado, motivado")...

É muito diferente de um "juízo moral" ou de "carácter", que evitamos fazer em relação ao "comportamento operacional" de qualquer camarada, ainda vivo... Coutinho e Lima, ao publicar o seu livro, passa a expor-se em público... E mais, ele pede explicitamente o veredicto do leitor... (Por outro lado, ele não é um operacional qualquer: é um profissional, um oficial superior do Exército, comandante de um COP, com responsabilidades muito superiores às de um simples furriel ou alferes, milicianos; e isso não quer que ele não tenha, da minha parte, a simpatia e a solidariedade que me merecem todos os os camaradas da Guiné que se identificam com este blogue, e que escrevem neste blogue).

António Martins de Matos, camarada e doravante amigo António: Tu és mais do que um leitor atento e interessado do livro do Coutinho e Lima. És um actor de Guileje (bem como de Guidaje e de Gadamael)... És um actor, não és um simples figurante. O teu ponto de vista, ao ser publicitado no blogue, vai ser escutado, analisado, divulgado, discutido, aplaudido, criticado... Vai ser escutado com o respeito que merecem todos os que "estavam lá", no sítio, na hora, na terra, no ar, na água... Só esses podem falar de cátedra... No fim, os que visitam e nos lêem podem concordar ou não concordar com o teu raciocínio e a sua fundamentação...

Tu mesmo o dizes: esta é a minha verdade (leia-se: a minha leitura dos acontecimentos), não tem que ser a verdade dos outros, ou imposta aos outros. Mas o que importa sublinhar é que trazes novos elementos para o conhecimento e o debate sobre Guileje (e não só, sobre os três GG)... Tu és o primeiro "ver Guileje de cima"... (É pena não termos acesso a uma cópia dos registos da tua caderneta de voo nesses dias no subsector de Guileje).

Eu, que não estava lá nessa época nem nesse local (sou de 1969/71 e estive no leste), não posso nem quero "tomar partido"... Nem acho que seja importante "tomar partido": também sou, por princípio, contra programas do tipo Prós e Contras, que fazem do conflito espectáculo, em vez de promover a pedagogia do debate...

Como editor do blogue, também tenho que ser o garante da pluralidade de pontos de vista, logo equidistante, uma tarefa que seguramente não é fácil. Não confundo, de resto, amizade e camaradagem, com objectividade e independência de pensamento e análise...

Também acho que a verdade é uma construção: há o verso e o verso, o texto e o contexto, o discurso e as condições de produção do discurso... A única coisa que detesto, nalgumas pessoas (incluindo algumas camaradas nossos) é a tendência para o juízo sumário (que é sempre uma execução sumária), própria de quem vê o mundo a preto e branco, dicotomizado: o herói e o cobarde, o bom e o mau, nós e o inimigo... Felizmente, não é o teu caso...

Vou publicar o teu texto, com uma ou duas imagens (que irei seleccionar), mais logo... Já está em edição. Mais para o fim da noite, poderás ver o teu texto en linha, no nosso blogue, na série "A retirada de Guileje, por Coutinho e Lima"....

Em minha opinião, é um valioso contributo para o conhecimento de Guileje e do que se passou entre 18 e 25 de Maio de 1973... De Guileje e dos seus actores. De Guileje visto dos ares.

Espero que aceites ficar entre nós, voltando a dar a cara, a aparecer em público e, portanto, a escrever... O blogue é teu...

Um Alfa Bravo (ABraço). Luís


4. Comentário do co-editor vb:

O artigo do PilAv dos Fiats é valioso. Não só acrescenta inf de um interveniente que via a guerra de cima (e que portanto podia ver os acontecimentos mais a frio, especialmente porque tinha a paz de espírito para o fazer, o que não acontecia com os "despachados" para os Guidajes, Guilejes e Gadamaéis) como também pelos docs a que certamente tinha acesso. É interessante ver a história, ainda a ser feita ainda pelos vivos...Ao nosso blogue o deve.

Um abraço

vb
_________

Notas de L.G.:

(*) Vd. último poste desta série > 11 de Janeiro de 2009 >
Guíné 63/74 - P3725: A retirada de Guileje, por Coutinho e Lima (10): PAIGC dispara um milhar de granadas entre 18 e 22 de Maio de 1973

(**) Quando o meu comentário já está escrito, vim posteriormente a saber, por uma pesquisa no Google, em casa, à noite, que o autor da mensagem é, com muito provavelmente, o tenente general António Martins de Matos, aqui referido numa notícia da Lusa, publicada pelo Público, de 18/12/2006 ("Força Aérea: novo chefe do Estado-maior sublinha unanimidade da sua escolha"):

(...) "A ultrapassagem na antiguidade militar e o carácter eminentemente político da escolha do ex-director-geral de Política de Defesa Nacional terão estado na origem da decisão dos tenentes-generais Hélder Rocha Martins (actual vice-chefe do Estado-maior da Força Aérea), António Martins de Matos (comandante da Logística e Administração da Força Aérea), David Oliveira (adjunto operacional do chefe do Estado-maior general das Forças Armadas) e João Oliveira (comandante operacional da Força Aérea)" (...). (Negritos, da responsabilidade do editor, L.G.)

terça-feira, 13 de janeiro de 2009

Guiné 63/74 - P3736: (Ex)citações (13): Às vezes, tão perto e tão longe das coisas... (João Coelho)

1. Por sugestão do Mário Fitas que comentou o comentário (*):

Este texto [, do João Colho,] merece um Poste, pela sua singeleza, realidade e escrita. Alguém assistiu a um choro? Eu vi choro de verdade, em representação, com coreografia de sonho. Velhos tempos de malta que passou por Mato Farroba (Cufar). Mário Fitas

2. (Ex)citações (13) > Às vezes tão perto e tão longe das coisas...
por João Coelho

Boa tarde. Este episódio (*) faz-me lembrar uma situação que vivi quando, por razões profissionais estive na Guiné-Bissau, felizmente já em tempo de paz.

Com o padre António Rego,fui dar uma volta pelo país; em dada altura, para cruzarmos um rio - não recordo qual - tivemos de esperar por uma jangada que fazia a ligação entre as margens. Cigarrito fumado apreciando a paisagem, notei,quase que inconscientemente, que pairava por ali um som que me era familiar... e reparei que o António também tinha dado por isso...Olhámos à volta e, prá aí a uns 50 metros, estava um indivíduo, aguardando também pela jangada; encetada uma voltita, chegámo-nos ao homem e vimos que era militar,não muito novo, (percebemos depois que tinha feito a guerra no PAIGC) com um transistor encostado à orelha... ouvindo a Tarde Desportiva da RDP...Saudações trocadas, pergunta o António:
- Então, ouvindo os relatos? - E eis que o tropa nos diz, de memória, e em português coxo, todos os resultados, ao intervalo, da 1ª Divisão do nosso futebol... Sem uma falha!

No mesmo dia regressámos a Bissau e, noite feita, esperámos de novo pela jangada; no negrume, só os isqueiros, de vez em quando, traziam uma chispa de luz...O silêncio quase total começa entretanto a ser quebrado por sons que se aproximam da margem onde estamos e, pouco depois está connosco um grupo de mulheres e homens, gente alta e elegante,vestida com roupa tradicional, que canta e dança, completamente alheados do que os rodeia e sem nos darem nenhuma atenção...

Chega a jangada e embarcamos todos... O grupo continua no seu embalo, como se estivessem em movimento perpétuo... e é o nosso cicerone guineense que nos diz que vêm de um choro algures no interior... Desembarcamos, e eles lá vão, com a sua melopeia, o seu ritmo, entrando pela noite dentro, até os perdermos de vista...

E eu e o António ficámos a pensar como estamos, por vezes, tão perto e tão longe das coisas..

Abraço, bom 2009

João Coelho
__________

Notas de L.G.:

(*) Vd. último poste desta série > 12 de Janeiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3730: (Ex)citações (12): Um dia choraremos os tugas, por nos faltar a água de Lisboa (Osvaldo Vieira)

(**) Vd. poste de 20 de Novembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3485: Gloriosos malucos das máquinas voadoras (13): Os MAN - Mecânicos de Material Aéreo e o outro lado da guerra (João Coelho)

(...) "O João Coelho, que é um leitor atento e apaixonado do nosso blogue, e membro da nossa Tabanca Grande, é daqueles camaradas das Força Aérea que, nunca tendo estando em serviço na BA 12, Bissalanca, Guiné, esteve perto de nós, dos nossos feridos graves, recambiados para Lisboa, para esse outro inferno que era (imagino!) o Hospital Militar Principal, à Estrela, mais os seus anexos...

"É estranho que ao fim de 3 anos e meio de blogue ainda não tenhamos aqui o testemunho, na primeira pessoa do singular, de um camarada que tenha passado pela Estrela" (...)

Guiné 63/74 - P3735: As Nossas Tropas - Quem foi quem (4): Cap Art Ricardo Rei, CART 1792: Lixaram-no, não passou de coronel (Joseph Belo)

1. Mail do José (ou Joseph) Belo, com data de 3 de Janeiro último:

Obrigado pela possibilidade que me foi dada de ler o comentário enviado por anónimo referente ao Cap Rei (*). Para muitos de nós foi um privilégio servir sob as suas ordens, tê-lo como Amigo e, muito principalmente, como um exemplo de integridade pessoal, num tempo e local em que tais exemplos não abundavam (**).

Soube sempre, quando necessário, assumir frontalmente posições politicamente incorrectas (como hoje tanto se diz!) num período em que bem poucos murmuravam entre dentes o que ele se atrevia a dizer em voz alta.

Eu, que andei metido em muita politiquice do antes, durante e pós-25 de Abril, sei que ele nunca empunhou bandeiras de esquerda, centro ou direitas, tendo mesmo um dia comentado:
-Sou um Oficial do Exército de Portugal e nunca esqueço que o meu dever é servir os portugueses e, logicamente, o governo... quando este os representa!

Terminaram a sua carreira militar reformando-o no posto de Coronel. Nesta tão simples manobra de secretaria, conseguiram, pouco tempo passado, literalmente, acabar com a sua vida.

De Estocolmo um abraço amigo do

José Belo
_________

Notas de L.G.:

(*) Comentário de um anónimo ao poste de 19 de Agosto de 2007 > Guiné 63/74 - P2062: Da Suécia com saudade (José Belo, ex-Alf Mil, CCAÇ 2381, 1968/70) (5): O General que não gostava de bigodes

(...) "Aquando da ida dos obuses 14 cm para Aldeia Formosa, como não podia deixar de ser integrei a coluna, Buba/Aldeia Formosa, comandada pelo Cap Rei, comandante da CCAÇ 1792, o de bigode. O Cap Rei foi o militar mais organizado e mais valente que encontrei nos dois anos de comissão, na Guiné, Fev 67/Fev 69.

"Lixaram-no. Não passou de coronel" (...)

(**) Vd. postes da série Tuags - Quem é quem:

23 de Outubro de 2007 > Guiné 63/74 - P2207: As Nossas Tropas - Quem foi quem (1): Vasco Lourenço, comandante da CCAÇ 2549 (1969/71) e capitão de Abril

4 de Novembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2239: As Nossas Tropas  - Quem foi quem (2): António de Spínola, Governador e Comandante-Chefe (1968/73)

21 de Fevereiro de 2008 > Guiné 63/74 - P2569: As Nossas Tropas - Quem foi quem (3): João Bacar Djaló (1929/71) (Virgínio Briote)

Guiné 63/74 - P3734: Fauna & flora (8): O estudo do Papio hamadryas papio (Maria Joana Ferreira Silva)

Fig. 1: Fêmea sub-adulta encontrada presa em Bissau


Fauna & flora (8) > Os babuínos da Guiné na Guiné-Bissau (*)
por Maria Joana Ferreira Silva


Introdução

Os babuínos da Guiné (de nome científico Papio hamadryas papio, ver Fig. 1) são uma de cinco subspécies que constituem o género Papio. Este género tem sido um dos mais extensamente estudados dentro da Primatologia contemporânea, tanto em relação a características intrínsecas dos próprios babuínos (como a sua ecologia, estrutura social e sócio-ecologia, genética e filogenia), como em analogia com a evolução humana, já que ambos evoluíram durante o Pleistoceno (**) e sofrendo as mesmas pressões ecológicas (evoluíram em savana, um ambiente altamente imprevisível em termos de recursos alimentares).

O Babuíno da Guiné, no entanto, é das subespécies menos estudadas e menos compreendidas. Os mais recentes trabalhos publicados acerca de populações selvagens datam dos anos 80 (com excepção de um trabalho de 2006) e os trabalhos acerca de populações em cativeiro (como aquelas dos jardins zoológicos) apresentam inúmeras limitações metodológicas que impedem analogias com as populações selvagens.

Um dos constrangimentos dos estudos realizados com populações selvagens prende-se com o habitat (de baixa visibilidade, como todos os bloguistas puderam experimentar em situações bem mais difíceis que qualquer cientista...) e com a instável situação política dos países que constituem a sua pequena área de distribuição (ver Fig. 2).

Fig. 2: Área de distribuição dos babuínos da Guiné

Os babuínos da Guiné ocupam uma pequena área de distribuição (com apenas 250 000 Km2) na zona oeste do continente Africano, e porque se estende num eixo norte-sul, é caracterizado por uma elevada variação ambiental: o nível anual de pluviosidade varia entre os 200mm na Mauritânia até 1400mm no sul da Guiné-Conacri, e a temperatura máxima diária pode variar entre os 20ºC e os 50ºC. Ocorrem numa grande variedade de habitats e a sua dieta aparenta ser altamente variável, o que é também um indicador da elevada flexibilidade ecológica dos babuínos da Guiné.

Estudos recentes concluíram que os babuínos da Guiné possuem uma estrutura social multi-nível, em que 4 níveis podem ser distinguidos. Estes níveis fragmentam-se ou unem-se em ajustamento com determinada estação do ano e altura do dia, de forma a optimizar o número de indivíduos com as condições ecológicas encontradas. Assim, durante a procura de alimentos, ocorre a separação dos OMU (One male Unit, grupos com um macho adulto, 3 ou 4 fêmeas e respectivas crias) por forma a reduzir a competição alimentar dentro do grupo.

Em locais com um risco de predação acrescido, estas unidades reúnem-se para uma melhor defesa (e dão origem ao 2º, 3º e 4º nível de organização). Um exemplo desta união é os dormitórios (normalmente árvores de grande porte) onde se podem juntar centenas de indivíduos. As frequentes vocalizações emitidas durante o dia (os latidos que lhes deram o nome de macaco cão ouvidas pelos bloguistas) servem 2 propósitos: avisam as outras unidades fragmentadas de um qualquer perigo percepcionado e coordenam os movimentos das unidades (indicam onde está a unidade e onde se devem unir mais tarde) (***).

O meu trabalho:

Com a inovação das técnicas moleculares que aconteceu nos últimos 30 anos, é possível, neste momento, obter inúmeras informações acerca de animais selvagens sem requerer a sua observação. É possível, por exemplo, extrair quantidades razoáveis de ADN de excrementos, que depois de vários tipos de análises moleculares nos permite estimar:

i) o número de indivíduos em determinado local;

ii) distinguir entre “excrementos fêmea e macho”;

iii) estabelecer relações de parentesco entre indivíduos (quem é filho de quem, quem é primo de quem);

iv) determinar o grau de consanguinidade (que é inversamente relacionado com o estado de saúde de uma população);

v) determinar rotas de migração (quando são amostradas várias populações) ou se alguma população está isolada reprodutivamente de outra,

vi) determinar o sexo migrante;

vii) revelar os constituintes da dieta...

É costume dizer-se que o limite está na imaginação do investigador!

Estas potencialidades que são oferecidas pelos adeptos da “amostragem não-invasiva de ADN” têm, claro, um reverso: por norma, estas técnicas envolvem maior custo e maior investimento temporal, estando também mais sujeitas a maior taxa de erro. No entanto, em determinadas situações (como a que se apresenta no caso dos babuínos da Guiné) é a única forma de obtenção de informação relevante.

O meu projecto de doutoramento tem três principais objectivos:

1 – Determinar o estatuto de conservação dos babuínos da Guiné na Guiné-Bissau.

O actual estatuto de conservação dos babuínos da Guiné é de “Baixo risco, baixa preocupação” (IUCN 1994), pelo que não foram planeadas ou implementas medidas de conservação especificas. No entanto, existem indícios de que estas populações possam estar ameaçadas pela perda drástica de habitat que ocorreu nos últimos anos, pela elevada pressão de caça, pela captura de infantes como animais de estimação e ainda, pelo uso de peles ou partes de animais na medicina tradicional.

Os dados genéticos irão permitir a estimativa do número efectivo de indivíduos na Guiné-Bissau, que ao ser reduzido poderá levar a uma mudança no estatuto de conservação e à aplicação de medidas de conservação. Por outro lado, a existência de populações isoladas (e consequentemente mais consanguíneas) por causas antropogénicas (estabelecidas através dos dados genéticos) permitirão definir melhor essas medidas de conservação, criando por exemplo, corredores ecológicos entre populações isoladas.

2 – Investigação de aspectos socio-ecológicos:

Tendo em conta a sua enorme flexibilidade ecológica, gostaria ainda de testar a influência do habitat na estrutura social. Isto é, será que a fragmentação dos vários níveis se mantêm em habitats variáveis em termos de recursos alimentares ou risco de predação (por exemplo entre as florestas de Cantanhez e a savana do Boé)?
Isto será obtido com base nos dados de relações familiares entre grupos e na determinação do sex-ratio (número de machos para cada grupo de fêmeas). Por outro lado, os dados genéticos irão permitir determinar qual é o sexo migrante e como essa migração ocorre entre diferentes habitats, o que também terá implicações conservacionistas.

3 – Investigação da história demográfica passada

Esta parte do meu trabalho irá permitir responder às seguintes questões:

(i) Os babuínos da Guiné da Guiné-Bissau vieram de onde?

(ii) Há quanto tempo existem na Guiné-Bissau?

(iii) Sofreram algum evento demográfico no passado (como seja, uma diminuição drástica populacional, conhecido por bottleneck)?

(iv) Quando?

É nesta parte do trabalho que os depoimentos dos bloguistas se inserem. Imaginemos que é de opinião geral que, em Cantanhez, os babuínos existiam em grande número durante 1963-1974 e só diminuíram a partir dos anos 80 mas noutro local qualquer, a diminuição começou em 1963 ou nem existiam mas agora passaram a existir.

Todas essas pistas serão usadas para a interpretação dos dados moleculares que (espero...) terão resolução suficiente para determinar estas variações populacionais específicas. No caso de se sobreporem os dados moleculares e os depoimentos dos bloguistas, será um grande avanço científico, pois a causa mais provável da diminuição populacional terá sido determinada!

Texto e fotos: Maria João Ferreira Silva

___________

Notas de L.G.:

(*) Vd. último poste da série Fauna & flora > 13 de Janeiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3733: Fauna & flora (7): Babuínos, chimpanzés, caçadores, militares, pitéus e... turismo científico (Pepito)

(**) Vd. Wikipédia > Pleistoceno:

(...) "Na escala de tempo geológico, o Pleistoceno ou Plistocénico é a época do período Neogeno da era Cenozóica do éon Fanerozóico que está compreendida entre 1 milhão e 806 mil e 11 mil e 500 anos atrás, aproximadamente" (...)

(***) Para saber mais: vd. artigo em inglês sobre o Baboon, Wikipedia

Guiné 63/74 - P3733: Fauna & flora (7): Babuínos, chimpanzés, caçadores, militares, pitéus e... turismo científico (Pepito)



Guiné-Bissau > Região de Tombali > Iemberém> Simpósio Internacional de Guileje > 1 de Março de 2008 > Primatas do Cantanhez: o dari, o fatango... Desenhados nas paredes das instalações da AD - Acção para o Desenvolvimento em Iemberém

Fotos: © Luís Graça (2008). Direitos reservados.


1. Mensagem do Pepito (AD- Acção para o Desenvolvimento, Bissau, que tem apoiado e incentivado o ecoturismo, incluindo o turismo científico, no Parque Nacional de Cantanhez):

Luís

O macaco (em geral) foi a base da alimentação proteica dos guerrilheiros, pelo que logo após a independência foi completamente interdita a sua caça. Isto foi mesmo cumprido (o Estado naquela altura tinha mesmo força).

Mais tarde, em finais de 80 o macaco cão passou a ser considerado em Bissau como um grande pitéu e passou a ser moda ir-se comer esta carne nos vários mini-restaurantes que foram surgindo nos bairros populares. Conheço o caso de um proprietário que vinha do sul com 50 macacos-cão mortos de cada vez que lá ia. Foi sobretudo este factor que acelerou a sua caça.

Acresce que outros grandes consumidores são os militares guineenses que, à falta de alimentação nas casernas, fazem autênticas razias.

A sua diminuição é um dado adquirido. Um dos indicadores é a queixa recorrente que ouvimos aos agricultores com quem trabalhamos pelo cada vez maior número de cobras e das suas picadas, muitas vezes mortais. É que para o macaco-cão, a cobra é o seu pitéu favorito... O desaparecimento de um corresponde ao aumento do outro.

O aumento de chimpanzés em Cantanhez (mesmo se contestado pela equipa da senhora investigadora em causa, que nós contestamos) também é um pouco o fruto da diminuição dos macacos-cão, eternos rivais e que conduzem frequentemente a autênticas batalhas campais pela posse de espaço na Mata de Cantanhez.

abraço
pepito

Guiné 63/74 - P3732: Fauna & flora (6): A mensagem da Maria Joana e a resposta do Patrício Ribeiro

o Babuíno da Guiné, conhecido entre nós por Macaco Cão


1.
Recordamos a mensagem da Maria Joana Ferreira Silva, de 9 de Janeiro de 2008:

Boa noite Sr. Luís Graça

O meu nome é Maria Joana Silva e sou uma aluna de doutoramento da Universidade de Cardiff (Reino Unido). O meu projecto de doutoramento é acerca da genética do babuíno da Guiné (mais conhecido na Guiné-Bissau por macaco Kom).

Tenho-me deslocado à Guiné-Bissau, mais propriamente a Cantanhez, onde comecei por fazer uma recolha de amostras biológicas exploratória. Logo percebi que a história demográfica desde primata está intimamente ligado à história daquele local.

Fiz algumas entrevistas a antigos caçadores da tropa portuguesa que me falaram do tempo da guerra, do facto dos babuínos terem sido caçados principalmente por tropas do PAIGC e que durante o tempo da guerra era relativamente fácil encontrar babuínos.

Gostaria de pedir a ajuda dos bloguistas para obter informações acerca dos babuínos daquele tempo (1963-1974). O que gostaria de saber é:

(i) Onde foram avistados os grupos de babuínos;

(ii) quantos animais existiriam num grupo social e quantos machos adultos;

(iii) se os babuínos eram caçados pelos caçadores das tropas para os portugueses;

(iv) se as crias de babuínos eram levadas para os quartéis;

(v) se os bloguistas ouviram falar de medicinas tradicionais que usassem peles de mamíferos (nomeadamente babuínos);

(vi) onde se comeria "cabrito pé de rocha" na Guiné;

(vii) e outras informações deste teor que considerem relevantes.

Estas informações poderão ser enviadas para o meu e-mail: silvamaria_ju@hotmail.com.

Por outro lado, os antigos caçadores referiram alguns nomes de antigos combatentes (e também amigos). Gostaria de saber se algum dos bloguistas conhece as seguintes pessoas (com quem gostaria de ser posta em contacto):

- do destacamento de Cabedú, da milícia G3, o coronel Peixoto;
- Do grupo caçador 6 de Bedanda/1974, companhia 34/1993, o capitão Pimenta e o capitão Miliciano Pereira da Silva.

Estas pessoas que entrevistei pareceram-me bastante saudosistas dos portugueses e gostariam de saber notícias dos seus amigos!
Agradeço qualquer ajuda que vocês possam prestar.
Atenciosamente,

Maria Joana Silva

2. A resposta do Luís Graça

Joana

Já tens aqui a nossa Tabanca Grande, solidária, a funcionar... O Patrício Ribeiro respondeu-me, de imediato, ao apelo que lancei no meu/nosso blogue... Prometo, a ele e a ti, fazer chegar um CD-ROM com as cartas digitalizadas que não estão 'on line' (nomeadamente de todas as ilhas...).

Obrigado aos dois.

Luís

3. Mensagem do Patrício Ribeiro, de 9 de Janeiro de 2008

Luís Graça,

Joana, o teu colega, Fernando de Gadamael Porto, é o padrinho da Badjuda. Ela está hospedada, no Hotel / Restaurante do Senegalês, junto à UICN.

Junto fotos dos finais do mês de Novembro de 2008 do Sul. Por lá andei nos meus passeios, entre Tite e Catió, passando por Banta e Ilhéu de Colbert. A instalar equipamentos solares e rádios de comunicação, em 14 Centros de Saúde, em Vilas e Tabancas de Quínara e Tombali.

A Bic em Buba, no Hotel do Senegalês, junto à ICN (Instituto da Conservação da Natureza?)

Junto mais alguns contactos de Hotéis, para o Blogue:



- Hotel da Boa Vista(ou Bela Vista?), Buba, junto ao rio – Sra. Gabi, tel. 00 245 6647011, (18,00€ quarto).



- Hotel do Filipe, em Catió, tel. 00 245 6624455 (10,00€ quarto)

Um abraço Patrício Ribeiro

IMPAR Lda. Av. Domingos Ramos 43D – C.P. 489 – Bissau, tel. / Fax 00 245 214385 – Guiné-Bissau

Lisboa , tel. / Fax 00 351 218966014 – Portugal impar_bissau@hotmail.com
__________

Notas de vb:

Último artigo em

12 de Janeiro de 2008 > Guiné 63/74 - P3727: Fauna & flora (5): Coluna de Macacos Kom dizimada na estrada de Cutia para Mansabá. (Jorge Picado)

Guiné 63/74 - P3731: Em busca de... (61): O Capitão José Curto, comandante da CCAÇ 153 (Fulacunda, 1961/1963) (José Martins)



Brsão da CCAÇ 153 (Fulacunda, 1961/63)


1. Mensagem do José Martins, a quem pedimos um pequena pesquisa sobre o Cap Curto (*)

Bom dia:

Sobre o Capitão Curto, na pesquisa na listagem das unidades (**), apenas encontrei dois:

(i) Capitão de Infantaria José dos Santos Carreto Curto, da CCAÇ 153 - 1961/1963

(ii) Capitão SCGE José Curto - Companhia Transportes 2642 - 1969/1971

Quanto ao Renato Jorge [George] Cardoso Matias Freire (***), que esteve na CCaç 153 - mas tambem comandou a 3ª CCaç I (a antecessora dos Gatos Pretos) e a 4ª CCaç I, antecessora da CCaç 6, do Hugo Moura Ferreira - , merece um pouco mais de atenção, para tentarmos avivar as memórias com a conjugação dos textos e dos escritos do George.

Infelizmente estas unidades não têm registos no AHM [Arquivo Histórico Militar].

Um abraço

José Martins



2. Ficha de unidade > Companhia de Caçadores nº 153

Identificação CCaç 153
Unidade Mob: RI 13 - Vila Real
Cmdt: Cap Inf José dos Santos Carreto Curto
 Partida: Embarque em 27Mai61; desembarque em 27Mai61 | Regresso: Embarque em 24Jul63

Síntese da Actividade Operacional

Inicialmente, ficou colocada temporariamente em Bissau, integrada nas forças à disposição do CTIG.

Em 26Jul61 foi colocada em Fulacunda, então ocupada militarmente pela primeira vez, ficando integrada no dispositivo e manobra do BCaç 237, com vista à realização de acções de segurança e controlo das populações e procurando impedir a instalação de elementos inimigos na zona. 

Destacou ainda um pelotão para ocupação militar de Empada, onde se manteve até ser substituído por igual força da CCaç 84, em 23Fev62 e manteve ainda forças destacadas em Cufar, Catió e Bolama, por períodos variáveis.

Em 7Fev63, foi rendida pela CCaç 274 e foi colocada em Bissau, onde substituíu, em11Fev62, a CCaç 74 no dispositivo do BCaç 236, com vista a cooperar na segurança e protecção das instalações e das populações da área.

Em 21Ju163, foi substituída em Bissau pela CCaç 510, a fim de efectuar o embarque de regresso.

Observações: Não tem História da Unidade.
____________

Fonte: Excerto de: CECA - Comissão para Estudo das Campanhas de África: Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África (1961-1974) : 7.º Volume - Fichas de unidade: Tomo II - Guiné - (1.ª edição, Lisboa, Estado Maior do Exército, 2002), p. 309

___________

Notas de L.G.:

(*) Vd. poste de 12 de Janeiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3726: Em busca de... (61): O Capitão Curto, que esteve no cerco de Darsalame, em 1963 (Luís Graça)

(**) Estado-Maior do Exército - Comissão para o Estudo das Campanhas de África - Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África [1961-1974] - 7º Volume - Fichas das Unidades - Tomo II - Guiné, 1ª edição, Lisboa 2002 .


(***) Vd. postes de:

11 de Janeiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3724: História de Vida (13): 2ª Parte do Diário do Cmdt da 4ª CCaç (Fulacunda, N. Lamego, Bedanda): Abril de 1963 (George Freire)

10 de Janeiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3717: História de Vida (12): Completamento de dados (George Freire)

29 de Dezembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3681: Tabanca Grande (106): George Freire, ex-Comandante da 4ª CCaç (Fulacunda, Bissau, N. Lamego, Bedanda). Maio 1961/Maio 1963)

segunda-feira, 12 de janeiro de 2009

Guiné 63/74 - P3730: (Ex)citações (12): Um dia choraremos os tugas, por nos faltar a água de Lisboa (Osvaldo Vieira)

1. Excerto de mensagem de hoje do Pepito (*):

(... ) "Osvaldo Vieira: não tenhas dúvidas absolutamente nenhumas que o Osvaldo foi um combatente que viveu naquela barraca (acampamento) e fez dela ponto de partida para numerosas acções de guerrilha.

"As estórias dele naquele local são mais do que muitas, algumas até divertidas: quando lhe dava a sede, mandava um dos seus guerrilheiros comprar vinho no Quartel de Cacine. Uma vez o mesmo saboreado e estalada a língua de satisfação, recostava-se e dizia:
- Um dia ainda vamos chorar a partida dos portugueses, nunca mais beberemos bom vinho"…

2. Comentário de L.G.:

Não há dúvida que os guineenses (o Spínola gostava de os tratar por guinéus...) também têm, tal como os portugueses (diminuitivo, tugas, tuguinhas...), um grande sentido de humor, atributo que, para mim, é um traço de inteligência superior nos indivíduos...

Aprecio o humor. E esta tirada (atribuída pelo Pepito ao Osvaldo) é de génio: O Osvaldo Vieira merecia estar vivo, só para poder apreciar, no Séc. XXI, as boas pingas portuguesas, cada vez mais excelentes e algumas até geniais (v.g., Barca Velha, dizem!), graças ao talento e ao trabalho dos nossos viticultores e dos nossos enólogos...

Este é o outro lado da guerra, a do Solnado...Quem se lembraria de ir à tasca do inimigo beber um copo de vinho ou mandar comprar uma litrada para beber antes do combate ? Dito isto, como foi possível a guerra da Guiné ? Como nós (e eles), que gostamos do nosso copo e do nosso petisco, nos deixámos cair naquela armadilha ?

Obrigado, Pepito. Foi o primeiro dia do ano de 2009 em que me ri a bom rir!

__________

Nota de L.G.:

(*) Vd. poste de 12 de Janeiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3728: PAIGC: O acampamento (barraca) Osvaldo Vieira (Pepito)

Guiné 63/74 - P3729: Fauna & flora (6): Macaco-kom, a ração de combate do PAIGC (António Rosinha)

1. Comentário que o António Rosinha deixou no poste de 12 de Janeiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3727: Fauna & flora (5): Coluna de Macacos Kom dizimada na estrada de Cutia para Mansabá. (Jorge Picado):

O Com, não o avec, mas o macaco, foi a ração de combate por excelência e por necessidade, dos Combatentes da Liberdade da Pátria, pois que havendo já alguma tradição no consumo desse petisco, tornou-se como que prato nacional.

Nos primeiros anos de independência, era vulgar ver alguém caminhando ao longo dos caminhos com um animal amarrado a um pau ao ombro e uma Kalash na mão.

O povo compreendia este consumo com a maior naturalidade.

António Rosinha (*)
__________

Nota de L.G.:

(*) Vd. poste e 29 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1327: Blogoterapia (7): Furriel Miliciano em Angola, em 1961; topógrafo da TECNIL, em Bissau, em 1979 (António Rosinha)

Guiné 63/74 - P3728: PAIGC: O acampamento (barraca) Osvaldo Vieira (Pepito)

Guiné-Bissau > Região de Bafatá > 1 de Março de 2008. Saltinho, na Estrada Bissau - Mansoa - Bambadinca-Saltinho - Quebo - Gandembel - Guileje. Paragem no Saltinho, no Clube de Caça, para tomar um segundo pequeno-almoço reforçado. Que a viagem era longa até ao Guileje (chegada prevista às 12h30), no âmbito do programa social do Simpósio Internacional Guiledje Na Rota da Independência da Guiné-Bissau. Com a ponte sobre o Rio Corubal ao fundo, o Pepito está atento à caravana que vai retomar a marcha... Por detrás da realização do Simpósio Internacional de Guileje havia uma logística impressionante, de que os participantes a pouco e pouco se foram dando conta...

Foto: © Luís Graça (2008). Direitos reservados.


Guiné-Bissau > AD - Acção para o Desenvolvimento > Foto da Semana > 9 de Novembro de 2008 > "Cada vez maior número de pessoas, maioritariamente estrangeiros trabalhando em organizações internacionais, embaixadas e projectos, saem de Bissau aos fins de semana e demandam a Mata de Cantanhez.

"Dispondo de excelentes condições de alojamento em bungalows cobertos a palha segundo o modelo tradicional, mas com todos os requisitos de higiene e comodidade, Cantanhez propicia bonitos percursos na mata onde se podem ver árvores centenárias e com sorte chimpanzés.

"Em breve estarão igualmente disponíveis bungalows descentralizados nas tabancas de Faro Sadjuma, Canamine e Ilhéu de Melo, que dispõe de uma enorme praia de areia finíssima" [Foto tirada em 13 de Setembro de 2008; do lado esquerdo, em primeiro plano, o nosso amigo Domingos Fonseca, técnico da AD, do Programa Integrado de Cubucaré (PIC), um dos incansáveis braços direitos do Pepito, na organização da visita, ao Cantanhez, dos participantes do Seminário Interncional de Guileje ].


Foto (e legenda) : © AD - Acção para o Desenvolvimento (2008). Direitos reservados.

1. Mensagem do nosso querido amigo Pepito, director executivo da AD - Acção para o Desenvolvimento, com sede em Bissau, ideólogo e principal responsável da organização do Simpósio Internacional de Guileje (Bissau, 1 a 7 de Março de 2008):

Amigo Luís;

Duas precisões em relação ao poste de hoje do nosso blogue (*):

(i) Nome do velho nalú a que te referes: chamava-se Mussá Camará e acaba de falecer há cerca de dois meses atrás;

(ii) Osvaldo Vieira: não tenhas dúvidas absolutamente nenhumas que o Osvaldo foi um combatente que viveu naquela barraca (acampamento) e fez dela ponto de partida para numerosas acções de guerrilha.

As estórias dele naquele local são mais do que muitas, algumas até divertidas: quando lhe dava a sede, mandava um dos seus guerrilheiros comprar vinho no Quartel de Cacine. Uma vez o mesmo saboreado e estalada a língua de satisfação, recostava-se e dizia:
- Um dia ainda vamos chorar a partida dos portugueses, nunca mais beberemos bom vinho…

Um grande abraço
pepito

2. Comentário de L.G.:

Peço-te desculpa, a ti e aos demais guineneenses, por este lapso de lesa-história. Não sei por quê, fiquei com a ideia, por ocasião da visita que fizemos a esse local mítico da luta de guerrilha (***), em 2 de Março de 2008, em pleno coração do Cantanhez, que o título dado era meramente honorífico, e que o Osvaldo nunca tinha andado por estes dados...

Dou agora a mão à palmatória, e mais uma vez lamento a falta de resenhas biográficas dos principais comandantes do PAIGC e heróis nacionais, como é o caso do Osvaldo Vieira (1938-1974), cujos restos mortais repousam no Panteão Nacional da Amura (**).

Quanto ao velho e simpático Mussá Camará, valente combatente da liberdade da Pátria, aqui fica, para a posteridade, o seu nome. Lamento que a morte o já tenha levado. Fica, pelo menos aqui, o pequeno vídeo com o seu testemunho, e em que tu, Pepito, foste o expedito, paciente e competetente intérprete de circunstância. A morte destes homens que estiveram no início da luta armada, é também uma perda para todos nós, guineenses e amigos da Guiné.... Em muitos casos, estes homens (e mulheres) morrem sem terem contado, em primeira mão, a sua história... Ou pelo menos sem ter ficado registo dessa memória... A AD tem feito procurado registar, em suporte digital, a história de vida destes velhos combatentes, no âmbito do projecto Guileje (ou Guiledje), já aqui tão falado.

_________

Notas de L.G.:

(*) Vd. poste de 12 de Janeiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3726: Em busca de... (61): O Capitão Curto, que esteve no cerco de Darsalame, em 1963 (Luís Graça)

(**) Vd. poste de 9 de Abril de 2008 >Guiné 63/74 - P2737: Dando a mão à palmatória (8): Erros factuais nas notas biográficas sobre Osvaldo Vieira (1938/74) e Pansau Na Isna (1938/70)

(***) Vd. postes de:

5 de Abril de 2008 > Guiné 63/74 - P2721: Uma semana inolvidável na pátria de Cabral (29/2 a 7/3/2008) (Luís Graça) (13): Visita ao Acampamento Osvaldo Vieira (I)

12 de Abril de 2008 > Guiné 63/74 - P2752: Uma semana inolvidável na pátria de Cabral (29/2 a 7/3/2008) (Luís Graça) (14): Acampamento Osvaldo Vieira (II)

Guiné 63/74 - P3727: Fauna & flora (5): Coluna de Macacos Kom dizimada na estrada de Cutia para Mansabá. (Jorge Picado)

O babuíno da Guiné (mais conhecido na Guiné-Bissau por macaco Kom)

1. Mensagem do Jorge Picado
, ex-Capitão Miliciano (engenheiro agrónomo, na vida civil)... Conta aqui como na região do Oio os soldados africanos do Pelotão de Caçadores Nativos 61 (qual a etnia predominante?) fizeram um 'massacre' de babuínos.



Caro Luís e Camaradas

Acerca deste assunto tenho também uma "triste" lembrança dos meus tempos em Cutia. Como o camarada António Costa refere ter tido "contacto" com macacos-cães em Mamboncó, eu tive um "encontro", numa das muitas escoltas que efectuei nessa estrada, precisamente por essa zona.

Não posso precisar o dia, mas foi um daqueles em que saímos de Cutia para Mansabá afim de receber a coluna que íamos escoltar até Mansoa. Eram ainda só as viaturas militares, as duas primeiras com soldados africanos (que julgo seriam do Pel Caç Nat 61) e eu, invariavelmente na terceira com pessoal da CCaç 2589, seguindo-se as restantes, quando por alturas da zona (não "aldeia") de Mamboncó rebenta um tiroteio de G-3 à minha frente. Mas que valente susto me pregaram aqueles guineenses...e tudo para ver quem conseguia matar mais macacos.

Um grande bando, adultos, jovens e muito jovens (alguns pela mão talvez de fêmeas), atravessaram a estrada, que naquele local era ladeada por revestimento arbóreo relativamente denso, mesmo à frente do início da coluna e os soldados africanos não estiveram com meias medidas. Atiraram a matar, de rajada e tudo, incitando os condutores a passarem por cima deles, ao mesmo tempo que saltavam dos Unimogs e atiravam com os mortos e feridos para cima das viaturas.

O choro dos feridos, grandes ou pequenos, era nitidamente humano. Posso garantir que os mais pequeninos gemiam nitidamente como os nossos bébés. E eu que tinha os meus filhos ainda bem pequenos, lembrava-me bem desses gemidos e choro...Fiquei bastante traumatizado e nem quis olhar para "os troféus" que os soldados exibiam. Sei que lhes passei uma descompostura, mas eles nem ligaram.

Para eles aquilo ia servir para duas coisas. Ganharem dinheiro com a venda de alguns, nomeadamente aos...que estavam em Mansabá (não te assustes que não eram vocês, Carlos) e para uma melhor refeição preparada pelas suas mulheres.

Porém, o pior para mim, foi ao fim da tarde quando se me apresentaram algumas dessas mulheres, que quase garanto vinham acompanhadas pelo Alf Semião (Alô Vítor Junqueira, vê se confirmas isto com o teu vizinho), para me presentearem com uns pedaços daquela carne cozida, salvo erro, com massa. Encontrávamo-nos na nossa "messe" ao ar livre para o jantar, possivelmente. Vocês não calculam o sacrifício que fiz para comer dois ou três pequenos pedaços, para "garantir a amizade com que era distinguido". E os gemidos ainda a soarem aos meus ouvidos...

Também confesso que nunca ouvi a expressão "cabrito pé de rocha". E já agora para terminar, quando o Vítor Junqueira nos deu a conhecer uma história do Alf Semião, lembrei-me de contar este acontecimento, mas como eles são médicos, a ideia que me ocorreu tinha a ver com um assunto do foro, digamos, clínico. Como não saiu logo, por falta de tempo, quando ia para a reproduzir, parei, porque era um tanto ou quanto melindrosa

Jorge Picado

__________

Notas de vb:

Último artigo da série

Guiné 63/74 - P3726: Em busca de... (61): O Capitão Curto, que esteve no cerco de Darsalame, em meados de 1962


Guiné-Bissau > Região de Tombali > Mata do Cantanhez > Acampamento Osvaldo Vieira, nas proximidades de Madina do Cantanhez, na picada entre Iemberem e Cabedu > Simpósio Internacional de Guiledje > Domingo, de manhã, 2 de Março de 2008 > Visita guiada e animada por antigos guerrilheiros e população local, ao Acampamento (Baraca) Osvaldo Vieira, outro dos momentos gratificantes da nossa viagem à pátria de Amílcar Cabral.

Vídeo (4' 52 ''): © Luís Graça (2008). Direitos reservados. Alojado em: You Tube >Nhabijoes


1. Escreveu George Freire (*), um antigo oficial do exército português, antecipadamente reformado como capitão, hoje engenheiro e empesário, a viver há 45 anos nos EUA (e, além disso, do mesmo curso da Escola do Exército que o meu antigo comandante de companhia, Carlos Brito) (**):

(...) "A companhia que originalmente fiz parte quando partimos para a Guiné, no dia 26 de Maio de 1961, foi criada em Vila Real de Trás-os-Montes, onde eu ainda tenente, segundo comandante e o capitão Curto, comandante (do curso um ano mais velho do que o meu), passámos semanas a organizá-la.

(…) Comecei em Fulacunda como tenente na Companhia 164 [julgamos tratar-se de lapso, deve ser 153], comandada pelo capitão Curto. Passados dois meses, fui promovido a capitão e segui para Bissau como comandante de uma Companhia de nativos. Daí passei para Nova Lamego (Gabu), como comandante de uma Companhia mista de nativos e tropas brancas. Nos últimos 6 meses estive em Bedanda como comandante da 4ª CCaç. Foi nessa altura que as coisas começaram a aquecer de verdade" (...).


2. Na vídeo acima apresentado, um dos homens grandes do Cantanhez conta como foram os primórdioos da luta... Infelizmente não consegui fixar o seu nome. Creio que é nalu. Entrou no mato, como ele diz, em 1962. Ou seja: passou à clandestinidade, depois de aderir ao PAIGC.

Estava convencido que a designação (actual) deste acampamento não teria nada a ver a verdade fáctica, histórica: seria  apenas uma homenagem, póstuma, a um dos heróis do PAIGC (cujos restos mortais repousam na Amura, a antiga fortaleza colonial de Bissau dos Séculos XVIII-XIX, hoje transformada em panteão nacional)... 

De facto, vim depois a sabê-lo, Osvaldo Vieira não actuou só no Óio (Frente norte), também passou pelo Cantanhez (Frente sul). Esta designação é, pois, correcta.

"Éramos só sete nessa altura. O comandante do grupo era o José Condição. Ficámos no mato de Caboxanque, aqui perto. Numa barraca, parecida com esta"... 

Fala num crioulo difícil. O Pepito vai traduzindo. Vê-se que nem sempre percebe o antigo guerrilheiro...

E a narrativa continua: "Até que chegou à região de Tombali o capitão Curto"...

Atenção, diz o Pepito, não confundir com o outro Capitão Curto, que teria andado a espalhar o terror no chão manjaco... O Pepito devia estar a referir-se ao cap António Curto (?), comandante da CCAÇ 6, conhecida pela Companhia Manjaca de Bachile …

O Cap Curto, que terá actuado na região  do Tombali era outro,  mas também era dos duros, a acreditar na versão deste velho nalu.  Lenda ou não, o seu nome - quarenta e cinco anos depois - é ainda  lembrado no Cantanhez, por razões que não serão propriamente piedosas...

Enfim, não tive, no Cantanhez, entre 1 e 3 de Março de 2008, oportunidade de saber mais pormenores sobre eventuais métodos de trabalho da chamada contra-subversão,  resultantes da colaboração entre Exército, PIDE, polícia administrativa, etc., nos anos de chumbo que antecederam a guerra e nos primeiros tempos de guerra...

Também não achei apropriado o momento, que era de festa e de reconcialição entre inimigos de outrora, para falar  de homens que, a confirmarem-se os seus métodos de actuação, não podem ser tomados como representativos do exército português, e muito menos da generalidade dos militares portugueses que fizeram a guerra, entre 1961 e 1974, e onde todos nós nos incluímos....

E prossegue a narrativa, de resto muito mais extensa do que sugere a duração do nosso vídeo. Na mesma altura apareceu o 'Nino'. O tal cap Curto, de Fulacunda - que deve ser o mesmo a que refere o nosso camarada George Freire, ou seja, o comandante da CCAÇ 153 - cercou Darsalame, entrou aos tiros na tabanca, mandou toda a gente pôr as mãos na cabeça… 

Das cinco da tarde às cinco da manhã, a aldeia esteve cercada e as pessoas foram interrogadas… Os mais jovens acabaram por ir pedir apoio à baraca onde estavam acampados os guerrilheiros do PAIGC, diz o nosso entrevistado. Guerrilheiros ? Bom, deve ser ironia... Eram camponeses, mal treinados e pior armados...

O 'Nino' ficou muito preocupado e quis saber o que se passava. Reuniu os camaradas, entre eles o 'Mão de Ferro', com a missão de ir a Darsalame saber o que se estava a passar e tentar ajudar o povo. Não deixou ir o José Condição. Mas, quando lá chegarm, já o grupo de combate do cap Curto tinha partido...

Foi também nessa altura que o grupo, que tinha aumentado, já não cabia em Caboxanque.

“Este mato é pequeno. Não vamos ficar aqui, disse eu… E foi então que fomos para o mato de Cantomboi” (um dos catorze actuais matos do Canhanez)…


3. Pergunta do editor L. G. ao George Freire, antigo comandante da 4ª CCAÇ (Bedanda, 1963) depois de ouvir com atenção o vídeo (que foi feito por mim, na visita que fiz ao Cantanhez em 2 de Março de 2008):

(i) Confirmas que este tal cap Curto, que fez o cerco a Darsalame para identificar elementos suspeitos de serem simpatizantes ou militantes do PAIGC, era o teu camarada, comandante da CCAÇ 164 (ou da CCAÇ 153, como me parece mais correcto) ?

(ii) Estes acontecimentos serão contemporâneos da tua estadia em Bedanda, à frente da 4ª CCaç ?

(iii) Ainda te tembras de mais peripécias, no sul, em que ele (e os seus homens) tenha estado envolvido, da altura em que tu estiveste em Bedanda, à frente da 4ª CCAÇ ?

(iv) No sul, no Cantanhez, vocês faziam prisioneiros e entregavam-nos ao Batalhão. Ouviste falar desse tal cap António Curto (?) que terá actuado no chão manjaco ? Seria também do teu tempo ?

(v) O que será feito deste teu antigo camarada, que comandou a companhia em que foste tenente, que esteve em Fulacunda, e que tu dizes que é a CCAÇ 164 (confusão tua, deve tratar-se da  CCAÇ 153) ? Ainda será vivo ? Tens notícia dele ?

Obrigado por nos disponibilizares o que restou do teu diário de guerra e do teu álbum fotográfico. É um valioso contributo para um melhor conhecimento do início da guerra no sul da Guiné, em pleno coração do mítico Cantanhez.

Estamos hoje em condições de falar, o mais desapaixonadamente possível, da guerra da Guiné, das suas peripécias e dos seus protagonistas, sem termos que fazer juízos de valor (moral ou outro) sobre o comportamento dos actores individuais... 

É importante recolher os depoimentos de actores e testemunhas dos acontecimentos. Nunca faremos aqui julgamentos apriorísticos de ninguém, e muito menos sumários...

Ficarei grato, eu - e os demais amigos e camaradas da Guiné -, se nos deres algumas informações e esclarecimentos adicionais sobre esta época, e os seus protagonistas, de quem temos muito poucas informações.
_____

Notas de L.G.:

(*) Vd. postes de:

11 de Janeiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3724: História de Vida (13): 2ª Parte do Diário do Cmdt da 4ª CCaç (Fulacunda, N. Lamego, Bedanda): Abril de 1963 (George Freire)

10 de Janeiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3717: História de Vida (12): Completamento de dados (George Freire)

29 de Dezembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3681: Tabanca Grande (106): George Freire, ex-Comandante da 4ª CCaç (Fulacunda, Bissau, N. Lamego, Bedanda). Maio 1961/Maio 1963)

(**)Vd. poste de 29 de Dezembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3683: Em busca de... (60): Ex-Cap Carlos Alberto M. Brito, comandante da CCAÇ 2590 / CCAÇ 12 (Bambadinca, 1969/71) (Gabriel Gonçalves)