sábado, 5 de dezembro de 2009

Guiné 63/74 - P5409: Postais ilustrados (18): Postais Antigos da Guiné, de João Loureiro - O Povo e os Costumes (Beja Santos)

1. Mensagem de Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, Comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 3 de Dezembro de 2009:

Carlos e Luís,
Aqui se põe termo à viagem pelos postais antigos da Guiné.
O pior é saber que nem tudo mudou significativamente, que há um pano de fundo de estagnação, até podemos especular sobre retrocessos. Este povo merecia mais e melhor.
Andei a fingir que o esquecia durante décadas, como se ele não tivesse sido determinante para o que sou hoje. Mas também não sei como recuperar o tempo perdido, a não ser amando-o.

Um abraço do
Mário


Uma relíquia: Postais antigos da Guiné (4)

Por Beja Santos

Chegamos hoje ao termo da homenagem que rendemos a João Loureiro e os seus “Postais Antigos da Guiné”, obra que bem merecia reedição. A quarta e última secção do livro arrancou em 1905 e vai terminar em 1970, e tem a ver com o que o autor denomina “o povo e os costumes”. Intervêm alguns fotógrafos portugueses, logo no início do século, seguem-se postais editados em França, ao longo de 1920 e depois, provavelmente devido às celebrações do V Centenário da descoberta da Guiné, irrompem as imagens exóticas dessa Guiné que é preciso mostrar a portugueses esquecidos e indiferentes. 1960 marcou um novo tipo de imagens graças a novos editores: Confeitaria Império, de Bissau, Casa Mendes, Foto Serra, Foto Iris, Agência Geral do Ultramar, Casa Gouveia.

O que há a dizer deste percurso? Estas imagens permitem visualizar o desenvolvimento ou a sua ausência, as actividades laborais, as infra-estruturas, a vida social, as hierarquias étnicas, os mercados, o folclore e a sua música. Há momentos em que o leitor sente que o tempo parou: aqueles régulos com os seus séquitos a cavalo tanto podem ser de 1905 como de 60 anos depois. Bissau, como é evidente, transfigurou-se nesses 60 anos: no casario ou nas fainas portuárias, mas o povo parece vestir a mesma indumentária que eu conheci entre 1968 e 1970. A construção da habitação parece-me intocada, as canoas são as mesmas, as imagens dos Balantas a caminho do trabalho não têm século, talvez pudessem ter sido tiradas ontem. É isso que constitui a memória paradoxal de uma Guiné parada no tempo e cuja curiosidade é o atractivo de um mundo perdido e não comparável com a nossa civilização: a alegria dos dançarinos Felupes, do homem Papel adornado com o que hoje chamaríamos piercings, um ferreiro Mandinga tirado de uma qualquer Idade Média, o mesmo se podendo dizer dos alfaiates, das lavadeiras, das vaqueiras, das mães a amamentar ou a dar banho aos meninos dentro da cabaça, ou os tocadores de Korá, imemoriais. Enviámos para as nossas famílias muitos destes postais datados dos anos 60 e até 1970. São antigos? É evidente que não, fazem parte do nosso património, ainda a levedar.

Estas imagens são belas mas igualmente terríveis, assinalam as razões por que se protestou e se lutou. Quem via o postal podia deslumbrar-se com o exotismo, mas foi penoso, ilegítimo até, ter submetido estes povos à paralisia económica e cultural e à mera atracção do bizarro turístico. É nesse sentido, parece-me, que também vale a pena rever estas imagens.

Hipopótamo caçado no Rio Grande de Buba, Editor A. Chevier, de Bordéus, cerca de 1915. Os escritores desta época ainda falam de elefantes e outra caça grossa que desapareceu com a guerra.

Embarque no vapor “Pinhel” na ponte-cais de Bissau. Não está identificado o fotógrafo, data cerca de 1945. É uma imagem soberba, quase temos dificuldade em acreditar que se trata do Pidjiquiti.

Estamos no tempo da divulgação do exotismo. O editor foi a Neogravura de Lisboa, cerca de 1945. Os ocidentais, apanhados de surpresa, são confrontados com danças tribais, tatuagens, um mundo arabizante, um pedaço do continente perdido sob a nossa custódia. A imagem é poderosa, destaca o vigor físico de alguém que nos fita, orgulhoso de quem é.

Pescadora Papel do Biombo. O editor foi a Foto Serra, cerca de 1966. Quantos de nós não enviaram esta imagem para a terra? Mesmo com prudência, não era coisa que se mandasse à namorada (insinuações à parte)...

Mercado, edição da Casa Gouveia, cerca de 1970. Senti-me transportado para Bambadinca ou Bafatá, mercados mais pequenos do que os de Bissau. Não acredito que as cores tenham perdido vivacidade. Como eu gostava de deambular, comprar especiarias, sentir-me penetrado por esta atmosfera de vozes, movimentos, odores.

Morros de baga-baga, edição da Foto Iris, cerca de 1969. Que idades terão estes meninos hoje, que sonhos, que venturas? Despeço-me do álbum de João Loureiro com a nostalgia do futuro. Os meninos merecem sempre mais, em sonho e em esperança. O postal pode não ser muito bom mas gosto muito da linha do horizonte e da pureza das nuvens. E os meninos são sempre os meninos.
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 4 de Dezembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5404: Postais ilustrados (17): Postais Antigos da Guiné, de João Loureiro - Algum interior da Guiné (Beja Santos)

Guiné 63/74 – P5408: Histórias do Jero (José Eduardo Oliveira) (23): Amizade nunca cederá


1. O nosso Camarada José Eduardo Reis de Oliveira (JERO), foi Fur Mil da CCAÇ 675 (Binta, 1964/66), enviou-nos a sua 23ª mensagem, com data de 4 de Dezembro de 2009:

Camaradas,

Remeto um texto sobre a visita que fizémos a 6 cemitérios do Norte do País, para homenagear ex-Combatentes da "675".

Segue também um editorial do "Jornal de Famalicão" publicado em 4 de Dezembro.

AMIZADE NUNCA CEDERÁ


O dia 2 de Dezembro, 4ª feira, tinha sido longo.

Desde as 6 e meia da manhã que estávamos de pé. Tínhamos percorrido já uns centos de quilómetros e a noite tinha entretanto chegado.

O nosso último “destino” desse dia de peregrinação às campas de camaradas de guerra dos velhos tempos da Guiné (1964-66) estava à vista.Passámos a “placa” de Famalicão e entrámos na cidade à procura de estacionamento.

Com o Moreira ao volante desde Irijó (Rocas do Vouga) já tínhamos visitado ao longo do dia cinco cemitérios: Caldelas, São Martinho do Campo, Maia, Fânzeres e Mindelo.Faltava o Álvaro Vilhena Mesquita, o Furriel de Famalicão que tinha morrido em combate em 28 de Dezembro de 1964.Nas horas anteriores já tínhamos deposto placas da “C. Caç. 675” nas campas de António Silva Lopes – Soldado Condutor, Serafim Silva Santos-1º Cabo Rádio Telegrafista, Jerónimo Justo - Soldado Atirador e José Miranda Pereira - 1º. Cabo R. T. Condutor Auto.

Não tínhamos conseguido localizar a campa de Adriano Almeida - Soldado Atirador no Cemitério de S. Martinho do Campo mas entregámos a lápide a um vizinho do lugar, por sinal também antigo militar da “675”.

Cabe aqui dizer que chefiava esta equipa de “romagem” o antigo Alferes Belmiro Tavares, cérebro e guardião dos nomes e direcções de todos os antigos militares que tinham estado dois anos em Binta - Norte da Guiné nos idos de 60. O 3º. Mosqueteiro era o cronista da Companhia, autor destas linhas, agora também investido nas funções de fotógrafo.

Mais uns minutos e voltaríamos a estar junto do nosso amigo e camarada Mesquita.Quarenta e cinco anos depois eis nos chegados ao local do encontro com a sua irmã Teresa Mesquita.

Na praça de estacionamento frente ao Restaurante “O Tanoeiro” deu-se ao encontro. Abraçámos longamente a irmã do Álvaro.


Tinham passados tantos anos e minutos depois, a caminho do cemitério, parecia que sempre tínhamos estado por perto.O Belmiro Tavares e o autor destas linhas tinham estado naquele cemitério no 7 de Abril de 1967.A data não nos esqueceu jamais.

Tínhamos vindo de longe – um de Lisboa e outro de Alcobaça – para ir ao casamento do Figueiredo, de Monção e pernoitámos em V. N. de Famalicão para visitar a campa do Mesquita e conhecer seus Pais.Ali estávamos de novo.

O local parecia-me outro pois naturalmente o cemitério estava bastante maior.

O Belmiro Tavares, Teresa Mesquita e Luís Moreira (Foto JERO)


A Teresa conduziu-nos até à campa do seu irmão. A sua dor ouvia-se… nos soluços que não conseguia evitar.

Também nós chorámos mais uma vez o Mesquita.

Colocámos a lápide.

Registámos o momento.

Falando por mim senti-me invadido por uma paz imensa.

Dei um braço à Teresinha, como a passei a tratar desde então, e seguimos até ao jazigo de seus Pais, que também quisemos homenagear naquela visita ao cemitério de Famalicão.

Seguiu-se um convite para visitar as instalações do “Jornal de Famalicão, fundado pelo seu Pai, Rebelo Mesquita, local onde tivemos o prazer de conhecer seu filho Francisco José.


Estivemos alguns momentos em salas diferentes e a Teresinha contou-me a mim e ao Moreira uma recordação do dia morte do seu irmão, que nos abalou bastante.

Inexplicavelmente a Teresa, então com 18 anos de idade, teve um ataque de choro em casa de uma amiga na tarde do dia 28 de Dezembro de 1964. Também à mesma hora, em local diferente, seu Pai sentiu-se mal e teve que ter assistência hospitalar. Tiveram ambos um pressentimento.

Tinha acontecido alguma coisa de muito grave ao Álvaro. Três dias depois, no dia 31 de Dezembro, tiveram a confirmação oficial da sua morte.

Desanuviou este momento dramático a entrada na sala de seu filho Francisco (de nome completo Francisco José Vilhena Mesquita Moreira de Azevedo), que era portador de dois álbuns de fotografias de seu Tio “Varinho”, como era e é conhecido na família o “nosso” Álvaro Mesquita”. Revimos nessas fotos o “nosso” jovem Furriel.

Fur Mil Mesquita, Sargento Marques e Fur Mil Enf Oliveira
(Foto da Família Mesquita)

Uma das fotografias confirmou o que eu pensava: o Álvaro tinha sido um dos feridos na Operação Lenquetó, (6 de Julho de 1964) onde tivemos o “baptismo de fogo”.

Na foto que reproduzimos o Álvaro teve o cuidado de pedir ao fotógrafo que não apanhasse o seu ombro e braço direito.

Os nossos anfitriões convidaram-nos depois para jantar.

Fomos ao “Tanoeiro”, onde as recordações continuaram.O Álvaro esteve sempre presente nas nossas conversas.

Chegou a hora das despedidas com a promessa de nos voltarmos a encontrar em breve.

Afinal já éramos todos da família. Da Família “675”.

A noite ia longa. Chovia e tínhamos ainda muitos quilómetros para chegar à Irijó, que me lembrava nomes de outrora. À distância no tempo recordava Lenquetó, Canicó, Genicó. Guiné 1964.Que bem me fez chorar alguns momentos abraçado à irmã do Mesquita.

Não mais esquecerei este longo dia de 2 de Dezembro de 2009.A Teresa Mesquita é Directora do “Jornal de Famalicão”.

Termino reproduzindo o título do “Editorial” (e depois o texto) do seu jornal nº 4.114, Ano LX, de 4 de Dezembro de 2009.

Amizade nunca cederá.

Um abraço,
JERO
Fur Mil Enf da CCAÇ 675

EDITORIAL
«AMIZADE NUNCA CEDERÁ»



No 10 de Junho – Dia de Portugal, o meu grande amigo e famalicense de gema António Luís Araújo Brandão (filho do Zeca da Maia), teve conhecimento pela net, que um soldado do Ultramar de nome José Eduardo Reis de Oliveira, residente em Alcobaça tinha escrito o livro «Golpes de Mão’s – Memórias de Guerra».Desconhecendo-o, mas sabendo que foi tal como ele um dos muitos portugueses que heroicamente defenderam a sua Pátria no Ultramar, na passagem para Lisboa parou em Alcobaça.

Comprou o livro e foi procurar o seu autor. Tratava-se do Furriel Miliciano Reis de Oliveira da Companhia de Caçadores 675, à qual pertenceu o Furriel Miliciano Vilhena Mesquita, seu conterrâneo e amigo. O autor tinha recordado «in memoriam» Álvaro Mesquita.

Ali mesmo pediu-lhe uma dedicatória para a irmã do Furriel Mesquita. E assim, quis o destino que passado quarenta e cinco anos eu pudesse saudosamente «viver» os últimos tempos do meu irmão Álvaro Manuel.

Obrigado António Luís.Emocionada e com a voz embargada pois «as lágrimas nunca secam», entrei em contacto com o Furriel Miliciano Reis de Oliveira agradecendo ao «amigo que nunca esqueceu o amigo».

Entretanto, e mais uma vez o António Luís Brandão, comunica-me que há um Blogue na net onde os «Companheiros da 675» escreveram sobre o Varinho.

Desta vez, era o Alferes Miliciano Belmiro Tavares.

Entramos em contacto. E passados quarenta e cinco anos, na quarta-feira ao fim da tarde, debaixo de uma intensa chuva que teimosamente não parava, tive a agradável surpresa de os conhecer.

Representando a Companhia Caçadores 675, eles ali estavam com mais uma lápide aos pés do jazigo do nosso irmão Furriel Miliciano Álvaro Manuel Vilhena Mesquita.

«Os amigos de sangue» que viram o seu a ser derramado naquela terra de África, estavam presentes para lhe dizer: «Amizade nunca cederá».

Que lição, patriótica e de valores, o Alferes Miliciano Belmiro Tavares e os Furriéis Miliciano José Eduardo Reis de Oliveira e Luís Moreira acabavam de dar!

Tinha prometido ao António Luís Brandão que lhe comunicaria para quando esse encontro, mas a visita foi inesperada e tal não aconteceu.
Perdoa António Luís pois foi graças a ti que «este passado foi terrivelmente presente».

Neste reencontro dos companheiros vivos com o que já partiu, o «coração de todos sangrou muito…». E em pensamento mais uma vez responderam à chamada – Presente!

Nesta transcendência de «Vida e Morte» momentos foram vividos pelos presentes e ausentes.

Jamais os esquecerei.

Em meu nome e da Família Rebelo Mesquita o nosso obrigado aos «Bravos Soldados da Companhia de Caçadores 675».

Foi há quarenta e cinco anos que escrevi uma «Carta Para o Céu» ao meu irmão Varinho.

Hoje, aqui te envio esta, com um até sempre.

Maria Teresa Vilhena Mesquita


Fotos: José Eduardo Oliveira (2009). Direitos reservados.
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Nota de M.R.:

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Guiné 63/74 - P5407: Os nossos camaradas guineenses (17): A morte do Aliu Sanda Candé (António Carvalho)



1. Mensagem do nosso Camarada António Carvalho, ex-Fur Mil Enf da CART 6250/72, Mampatá, 1972/74, que nos foi enviada em 3 de Dezembro de 2009:


Camaradas Editores:

Começo por lhes agradecer todo o trabalho que têm na organização de nosso fantástico blogue. Não quero com isto dizer que concordo com tudo o que aqui aparece escrito mas é também, por isso, que este blogue é tão importante para todos nós.

Hoje, depois de um longo jejum, venho dizer aqui alguma coisa sobre «os fuzilamentos». Se acharem que tem algum interesse, publiquem, caso contrário, mandem para o lixo.

É que eu, com muita pena minha, não fiz, na Guiné, registo diário dos acontecimentos nem anotações avulsas. Assim e porque o meu arquivo cerebral também já não é o que era, pouco tenho para contar mas há sempre coisas que não se apagam.

Então vamos lá à narração:

Camaradas,

Em Mampatá, passe a imodéstia, relacionava-me, de modo geral, bem com a população local e muito bem com a família mandinga dos Sanés.

Naqueles anos de 72/74 o filho do Queba Sané, chamado Saliu Sané, integrava o Grupo Especial do Marcelino da Mata e estando aquartelado em Bissau, deslocava-se periodicamente a Mampatá em gozo de férias.

Em longas conversas aprendi com ele alguma coisa sobre aquele estranho mundo mas sobretudo forjámos uma amizade para sempre. Quando ocorreu o 25 de Abril, achei estranho o seu optimismo e confiança num futuro melhor. Santa ingenuidade!...

Dizia-me ele que "agora vamos todos os Guineenses de ambos os lados, combater sem armas pela construção de uma nova Pátria, pois somos todos irmãos». Disse-lhe insistentemente que não seria assim porque ao longo da história não era costume ser assim.

Dispus-me a pagar-lhe a viagem para Lisboa antes que o PAIGC passasse a controlar a situação. Não aceitou porque se julgava com direito a participar na génese de um novo país.

Por volta de 1995, vim a localizar o Saliu Sané, em Paço de Arcos, na Rua Indiveri Colucci, onde o visitei. Enquanto nos abraçávamos, o Saliu Sané chorando dizia-me: Carvalho tu tinhas razão... só não me mataram porque me apercebi a tempo de fugir de Mampatá para o Senegal e deste país vim, alguns anos mais tarde, para Lisboa.

O Saliu Sané casou em Lisboa com uma rapariga mandinga que lhe mandaram de Mampatá pois a primeira que deixara em Mampatá foi tomada por alguém do PAIGC. Soube este ano que o Saliu deixou o mundo dos vivos. Paz à sua alma e para os seus filhos o dobro do que para as minhas filhas desejo.

Quando estive em Mampatá, em Março deste ano soube que, até o More, simples milícia, foi morto pelo PAIGC.

Soube ainda que mais não foram fuzilados porque fugiram a tempo.

Muito tem sido dito sobre os culpados. O PAIGC? O governo português? O MFA?

Há uma coisa que sei: não bastava trazer os comandos africanos, era preciso também trazer os militares das CCAÇs, dos Pel.s Caç. Nat. e das milícias e ainda as suas famílias que, como se sabe, são bem numerosas e... já agora... será que quereriam vir?

Devíamos evacuar todos os que quisessem vir? Devíamos.

E podíamos? Não sei!

Um grande abraço do,
António Carvalho
Fur Mil Enf da CART 6250
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Notas de M.R.:

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sexta-feira, 4 de dezembro de 2009

Guiné 63/74 - P5406: Os nossos camaradas guineenses (16): A morte do Aliu Sanda Candé (José Teixeira)



1. Mensagem de José Teixeira*, ex-1.º Cabo Enfermeiro da CCAÇ 2381, Buba, Quebo, Mampatá e Empada , 1968/70, com data de 2 de Dezembro de 2009:

Camaradas,

Junto mais um texto sobre a polémica que nunca conseguiremos "abafar" nas nossas consciências: A morte ou assassínio dos combatentes guineenses.

O José Belo e o Mexia Alves voltaram ao velho e para sempre inacabado problema relacionado com a morte ou assassínio de antigos combatentes guineenses, que alinharam ao nosso lado, pela Pátria Portuguesa.

O Grande problema é que muitos destes combatentes como o Aliu Sanda Candé, que conheci em Aldeia Formosa, foram fuzilados sem julgamento legal, mas em julgamento popular manobrado por forças do PAIGC, sem que haja documentação escrita do acto. Assim, não é possível provar o acto de fuzilamento que nos permita actuar junto do Ministério do Exército, para se conseguir o subsídio de morte ao serviço da Pátria.

No caso do Candé, tive conhecimento da sua morte por um primo, meu ajudante de enfermeiro, que alguns anos depois conseguiu fugir para Portugal. Ele, o Candé, ou o Alfero da milícia, Aliu Candé, que toda a gente do meu tempo se recordará, pelo seu porte e pela forma como geria o seu grupo de combate, pela forma como reagia perante o inimigo, avançando de peito aberto. Há que dizê-lo, quantos de nós não lhe deverão a vida. Possivelmente eu sou um deles.

Ele, que se orgulhava de cortar as orelhas dos desgraçados que caíam varados pelas balas da sua G3. Após a independência, recebeu o ”chorudo” prémio que Portugal lhe ofereceu pela dedicação à Mãe Pátria, creio que seis meses de ordenado, entregou a G3 e foi dedicar-se à agricultura na Chamarra, sua terra adoptiva, para continuar a dar á família o apoio necessário, até então suportado pelo exército português com o Pré mensal a que tinha direito por passar a vida a lutar contra conterrâneos e, eventualmente, familiares. Podia ter vindo para Portugal e integrado no exército português com o posto de alferes.

Posto conquistado na árdua luta de vida ou morte pois,  tanto quanto sei, foi lhe dada essa oportunidade, quando lhe ofereceram os seis meses de Pré. Ele que,  de soldado raso em Bolama, passou a cabo por mérito, logo a seguir alferes da milícia, comandante de um grupo de combate. Posteriormente, chamado de novo ao Exército como furriel e,  por fim, alferes comandante de grupo de combate de uma Companhia de Comandos africanos.

Apenas, e aqui está o busílis da questão, teria de vir para Portugal só. Deixar a família na Guiné. A sua família. Optou pelos seis meses de pré e pela família.

Um dia, andava na Lala, quando lhe apareceu um grupo da juventude do PAIGC. Levaram-no para Bambadinca, de onde era natural, promoveram um julgamento popular e condenaram-no à morte, por prego enterrado na cabeça... Morte horrorosa!

Os pormenores desse “julgamento” também são terríveis, segundo o seu primo, entretanto já falecido, o Mudé Embaló. Mobilizaram a população para uma manifestação ao homem grande de Bissau que iria fazer uma visita a Bambadinca. Juntada a população, apresentaram o Candé, como criminoso de guerra e promoveram o julgamento popular que conduziu à sua morte.

A vinda do homem grande de Bissau (Presidente Luís Cabral) fora apenas o engodo para atrair a população e assim lhe poderem demonstrar com se tratavam os chamados inimigos da Pátria

A informação que tenho é que viveu umas horas em sofrimento, até morrer (como me dói o coração ao imaginar tal morte!).

Quando em 2008, encontrei a sua filha Cadidjtu Candé, em Guiledje, uma bebezinha de meses, quando passei pela sua terra, ela disse-me que o pai tinha sido fuzilado. Esta informação da Cadi contradiz o que o primo me tinha dito, no entanto, nada está escrito que comprove a sua morte por fuzilamento em resultado de um julgamento militar legal.

Assim sendo, não se pode provar que tenha sido condenado por servir Portugal, logo, a família terá muita dificuldade em provar que morreu ao serviço de Portugal, por falta de provas testemunhais e documentais. Apenas se sabe que a mãe ainda conseguiu visitá-lo uma vez. Depois oficialmente está morto. Aonde foi enterrado? Não se sabe. A sua morte resultou de quê? Não se sabe, porque não há dados oficiais.

Pergunto, numa situação destas,  do pós-guerra e ajuste de contas, quem se atreveria a descrever e registar dados tão comprometedores?

Como se poderá provar que não foi apenas um ajuste de contas de alguém que combateu pelo PAIGC e sofreu os efeitos da acção guerrilheira do grande Candé?

Perguntas a que eu muito gostaria de poder responder, mas a única verdade que sei, é que o Candé sofreu uma morte horrorosa.

Saibamos nós honrar a sua memória e o seu nome.

José Teixeira
1º Cabo Enf da CCAÇ 2381
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Nota de MR:

Vd. último poste da série em:


Guiné 63/74 - P5405: Estórias avulsas (19): O Cavalo de Ferro de visita ao Dulombi (Luís Dias)

1. Mensagem de Luís Dias*, ex-Alf Mil da CCAÇ 3491/BCAÇ 3872, Dulombi e Galomaro, 1971/74, com data de 1 de Dezembro de 2009:

Caros editores
Uma pequena história sobre a projecção de um filme no Dulombi e o efeito que provocou.

Um grande e fraterno abraço do tamanho do Rio Corubalo.
Luís Dias


O CAVALO DE FERRO DE VISITA AO DULOMBI
Aquartelados no Dulombi, desde Janeiro de 1972, os elementos da CCAÇ 3491 íam passando os dias em operações semanais para os lados do Rio Corubalo, em emboscadas nocturnas, picagens para as colunas semanais a Bambadinca / Bafatá / Galomaro, para reabastecimento e em serviços que o capitão tratava de arranjar diariamente no quartel para os manter ocupados (limpeza do quartel, arranjo das valas, segurança e transporte de água do rio para abastecer o aquartelamento, etc.).

Como distrações lá tínhamos umas futeboladas, umas trocas bem assanhadas de caneladas, mormente quando ao fim de semana fazíamos um Benfica-Outros (Sporting + FC Porto), em que havia as habituais apostas (grades de cerveja ou garrafas de uísque), entre mim (um lampião orgulhoso) e o Furriel Enfermeiro Nevado (ferrenho lagarto), isto para além dos jogos de cartas habituais.

Outro momento alto de distracção, isto para alguns dos graduados, eram os “petiscos” organizados por uma comissão, formada pelos Alferes Dias (2.º GC) e Parente (4.º GC), 1.º Sargento Gama, Furriéis: Nevado (Enf.º), Batista (1.º GC), Gonçalves (2.º GC), Espírito Santo (2.º GC), Machado (4.º GC e já falecido), Carvalho (4.º GC) e Fonseca (o nosso Vaguemestre, recentemente falecido no trágico acidente da praia Maria Luísa). Todos os meses eram nomeados dois membros para gerirem as quotizações com que todos entravam para conseguir adquirir géneros, ou na tabanca ou em Bafatá, para elaborar uns tentadores petiscos com que nos banqueteávamos, quando regressávamos das operações “famintos” e para reforçar os almoços domingueiros, normalmente com uma belíssima sopa alentejana, feita pelo nosso 1.º Sargento (alentejano de gema).

Um dia surgiu no Dulombi uma equipa projeccionista de Bissau que vinha entreter as tropas com a passagem de um filme: coisa diferente, tremenda alteração da rotina.

Privados de televisão e de cinema, a chegada desta equipa itinerante foi um acontecimento recebido com entusiasmo por todos. O cinema improvisado foi instalado no refeitório dos praças. Nesse princípio de noite, lá se acomodaram as tropas, os milícias e também muitos elementos da população que estavam ansiosos por verem o filme. Não sei se os guerrilheiros do PAIGC sabiam da projecção, mas de facto fomos deixados em paz.

A projecção era de um daqueles tradicionais filmes de cowboys e indíos, já não sei se protagnizado pelo John Wayne, o Henry Fonda, o Yul Brynner ou outro famoso actor daqueles tempos. A coisa foi correndo de feição com o público entusiasmado com a acção que se passava no ecrã. Contudo, a determinado momento, surge no filme, vindo do fundo da cena, um comboio, o qual avançava a todo o carvão em direcção à boca de cena, enchendo num repente todo o cenário, com um barulho ensurdecedor, parecendo querer saltar da lona ou pano que servia de ecrã para para galgar para cima dos assistentes. A rapaziada já habituada a estas fitas ficou impávida e serena, mas com o pessoal africano é que a coisa fiou fino.

Aquele cavalo de ferro, como lhe chamavam os índios, parecia vir mesmo para cima dos espectadores e, como é sabido, não havia comboios na Guiné, isso provocou um alvoroço muito grande e muitos deles desataram a fugir, causando o gáudio do resto da assistência. Alguns ainda regressaram depois de chamados pelos militares, outros só devem ter parado já bem dentro da tabanca.

Foi um momento engraçado, de grande perplexidade da nossa parte por vermos a maioria dos africanos a fugir do filme… mas também alguns dos nossos efectuaram uma retirada “estratégica”, não por causa do comboio, mas por verem os africanos a dar o gosse convenceram-se que era por causa do IN.

Os africanos, na sua maioria, nunca tinham visto um comboio e aquilo era, na altura, muita carruagem para formar uma coluna normal, das que eles estavam habituados, ainda por cima a resfolegar daquela forma.

Foi um dia/noite bem diferente, que provocou a boa disposição entre o pessoal.

Luís Dias
Ex-Alf Mil
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Notas de CV:

(*) Vd. poste de 1 de Julho de 2009 > Guiné 63/74 - P4616: Ainda sobre a ataque a Campata (Luís Dias)

Vd. último poste da série de 1 de Dezembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5381: Estórias avulsas (61): 111 – O «Têmpera de aço» (José Marques Ferreira)

Guiné 63/74 - P5404: Postais ilustrados (17): Postais Antigos da Guiné, de João Loureiro - Algum interior da Guiné (Beja Santos)

1. Mensagem de Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, Comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 2 de Dezembro de 2009:

Malta,
Aqui vai algum interior da nossa Guiné. Evitei aquelas que falam de uma arquitectura degradada, sobretudo de Bafatá e Farim.
Preparem-se, na próxima edição junto os postais do nosso tempo, imagens tranquilas de folclore, mercados, tocadores de corá e fainas domésticas com que enganávamos as nossas famílias, procurando convencê-las que estávamos em pacífica aventura africana.

Um abraço do
Mário


Uma relíquia: Postais antigos da Guiné (3)

Por Beja Santos

Nas edições anteriores, percorremos a obra “Postais Antigos da Guiné” (por João Loureiro, Edição de João Loureiro e Associados, 2000, esgotado), primeiro com os postais de Bissau, desde 1900, mostrando as regiões limítrofes, até 1925, é a imagem de cidade entreposto, com os contingentes militares que vieram para as campanhas de pacificação, exibem-se régulos e famílias, mercados, casas de grumetes de Bissau, muitas vezes o porto a fervilhar de actividade, com os seus armazéns e estabelecimentos comerciais e aquelas ruas laterais que ainda conhecemos que ainda conhecemos nos anos 60 e 70, com reminiscências portuguesas; a Bissau capital data de 1941, rasgaram-se artérias, surgiram imponentes edifícios da administração, a fortaleza de São José da Amura foi reparada, emergiram os sinais imperiais com o Palácio, a Avenida Marginal, os monumentos aos heróis, os jardins, a Bissau com os bairros dos altos funcionários, a fanfarra da tropa nativa, o aeroporto. Como observa João Loureiro, os mais antigos postais fotográficos sobre a Guiné foram publicados por casas francesas, o fotógrafo de guerra José Henriques de Mello terá mesmo publicado alguns dos seus clichés em casas francesas, independentemente das imagens que mandou para periódicos portugueses na época.

As imagens que constituem a terceira parte da obra têm a ver com aspectos do interior da colónia e não são alheias à sua divulgação manifestações como a Exposição Colonial do Porto (1934) ou as celebrações do Quinto Centenário da Descoberta da Guiné (1946), surgindo depois firmas comerciais como a Foto Serra, a Casa Mendes, a Confeitaria Império, as Galerias Jotaeme e a Foto Iris, todas sediadas em Bissau, para além das edições da Agência-Geral do Ultramar e o Centro de Informação e Turismo da Guiné.

Muita da memória guineense está perdida ou desfalcada, sobretudo a guerra civil levou ao desaparecimento de documentos, à destruição de livros ou à inutilização de filmes e fotografias. Desapareceram computadores com preciosas bases de dados, tudo isto no apocalipse dos bombardeamentos e de actos de puro vandalismo. Felizmente que no tempo da guerra civil, e graças a um protocolo de cooperação entre o Governo da Guiné-Bissau, o PAIGC e a Fundação Mário Soares se conseguiu recolher documentação valiosa, a começar pelos manuscritos de Amílcar Cabral e o vasto leque de fotografias referentes a este líder político.

Pois estes velhos postais ilustrados proporcionam o registo de memórias como a vida na então capital, Bolama, à época detentora dos edifícios mais sumptuosos da colónia, mas também possuidora de monumentos bizarros como aqueles que Mussolini ofereceu à cidade como recordação da viagem de Italo Balbo de Roma até ao Atlântico Sul. São mostradas vistas de Bafatá, então a terceira povoação da colónia, os seus arruamentos, a ponte sobre o rio Geba, o edifício da Administração civil e a sua torre arabizante, mas também o porto de Farim e outras perspectivas, o imponente edifício da Administração de Nova Lamego (Gabu) e postais de pendor exótico, mostrando Felupes, Bijagós; convém recordar que a ilha de Bubaque e o arquipélago dos Bijagós se transformaram numa atracção turística, o próprio Governador possuía aqui uma residência de veraneio. A última série de postais vem na sequência destes aspectos de interior, mostrando o povo e os seus costumes entre 1905 e 1970. Estarão porventura aqui algumas das imagens mais importantes que nós mandámos às nossas famílias.

Quando cheguei ao porto de Bolama, em 1991, não acreditei no que estava a ver, uma lembrança de Mussolini, Arte Deco da melhor, à entrada de uma cidade em colapso. As estátuas coloniais portuguesas tinham sido apeadas e o monumento fascista ficara de pé? Em conversa com um dirigente do PAIGC, ele explicou-me que se tentou dinamitar a peça colossal, ela nem se mexeu. Os bolamenses habituaram-se a conviver com toda esta tonelagem.

Sonhei vezes sem conta em tomar um veleiro em Bambadinca e fazer este canal sinuoso até Bafatá. Já meti na minha agenda, é viagem obrigatória quando voltar à Guiné.

Lê-se no postal editado pela Foto Serra (cerca de 1966): Campune tocadora, homem tocado e vacabrutos, Bijagós. Os Bijagós tornaram-se uma atracção turística, compreende-se o gosto em enviar estas imagens que se vendiam em Bissau. À minha responsabilidade, mandei pelo menos uma dezena.

Mais dançarinos Bijagós, Foto Serra, cerca de 1966
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 3 de Dezembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5399: Postais ilustrados (16): Postais Antigos da Guiné, de João Loureiro - Da Bissau nos anos 40 até à década de 70 (Beja Santos)

Guiné 63/74 - P5403: Tabanca Grande (193): Victor Alfaiate, ex-Fur Mil Trms, CCAV 8350 (Guileje, 1972/73)



Guiné > Região de Tombali > Guileje > CCAV 8350 (1972/74) > Duas cenas da retirada do aquartelamento e tabanca, em 22 de Maio de 1973. Fotos (já famosas...) de Carlos Santos, ex-Fur Mil, da CCAV 8350 - Piratas de Guileje (com a devida vénia).

Fotos: © Carlos Santos (2008). Direitos reservados


1. Em Setembro passado, recebemos um texto, em duas partes, sob o título "Ainda e sempre Guileje". Era assinado por Victor Alfaiate, ex-Fir Mil Trms, CCAV 8350 - Piratas de Guileje (Guileje, 1972/73). O texto vinha escrito todo em maiúsculas, pelo que foi pedido ao Victor para mandar uma versão normalizada. Sugerimos-lhe também sua entrada na Tabanca Grande, devendo para o efeito cumprir as regras que estão instituídas. Eis o mail, de 27 de Outubro, que nos mandou:


Olá, meus amigos

Como referi no meu mail de 26 de Setembro, é evidente que terei muito gosto em fazer parte da lista dos camaradas da Guiné, simplesmente como me encontro ausente de Portugal, só em Dezembro, quando me lá deslocar, terei oportunidade de vos enviar as fotografias. Posto isto, passo a apresentar-me:

Chamo-me Victor Manuel Ferreira Alfaiate, tenho 58 anos e resido em Tomar, momentaneamente encontro-me na Suíça, e fui o muitas vezes referido já Furriel de Transmissões de Guileje.

Fui incorporado no 4º. turno de 71 nas Caldas da Rainha, passei por Tavira tirar a especialidade de Transmissões de Infantaria, após o que, como Cabo Miliciano, passei pelo RI 12 - Guarda e BC 5 - Campolide de onde fui transferido para o RC 3 - Estremoz, onde fui colocado na CCav 8350 com destino à Guiné.

Na Guiné, para além de Guileje e Gadamael, passei por seis ou sete destacamentos sendo os dois últimos Colibuía e Cumbijã em cuja entrega ao PAIGC participei.

Quanto ao texto "Ainda e Sempre Guileje", como também referi, desconhecia da impossibilidade de ser publicado em maiúsculas, pelo que irei reescrevê-lo e reenviá-lo posteriormente.

Um Abraço

Victor Alfaiate

2. Sobre o texto "Ainda e sempre Guileje", o editor Luís Graça mandou ao Victor Alfaiate um primeiro mail, com algumas observações, comentários e sugestões, em 29 de Outubro:

Meu caro Victor, camarada da Guiné:

Obrigado pela tua amável resposta ao meu pedido, pondo o teu texto em formato normal (estava erm maísculas).

É um depoimento importante, de um camarada que foi actor dos acontecimentos e que, além disso, estava numa posição-chave, como responsável pelas transmissões, em Guileje, em Maio de 1973... Guileje é o descritor, a par de Bambadinca, com maiores ocorrências no nosso blogue... Nisso estamos de acordo, "ainda e sempre Guileje"...

Mas antes que me mandes a segunda parte do teu depoimento, deixa-me dizer-te duas ou três coisas:

(i) Sentir-me-ia honrado (e mais confortável) se tu aceitares o meu convite para integrar a nossa Tabanca Grande, passando o teu nome a figurar na lista alfabética, de A a Z, que aparece na coluna do lado esquerdo do blogue (preciso, nesse caso, de duas fotos tuas, uma do antigamente e outra actual);

(ii) Temos um conjunto de princípios que, no meu entender, são pacíficos: são eles que nos têm permitido atingir, enquanto blogue, a provecta idade de seis anos (em Abril de 2010)...

(iii) Os dois primeiros dos dez mandamentos do nosso blogue dizem: (1) respeito uns pelos outros, pelas vivências, valores, sentimentos, memórias e opiniões uns dos outros (hoje e ontem); (2) manifestação serena mas franca dos nossos pontos de vista, mesmo quando discordamos, saudavelmente, uns dos outros (o mesmo é dizer: que evitaremos as picardias, as polémicas acaloradas, os insultos, a violência verbal);

(iv) A guerra da Guiné já acabou há 35 anos... O nosso blogue não a vai ressuscitar... Estamos todos aqui para recordar e partilhar memórias... A visão de cada um é fragmentada... Não tivemos em todos os sítios... Muitas coisas nunca chegaram ao nosso conhecimento... Hoje, eu sei muitissimo mais do que sabia quando por lá passei (1969/71)... E, inclusive, visitei Guileje, em Março de 2008.

(v) Tenho muito respeito pelos que desde 1964 defenderam a bandeira portuguesa e deram o mellhor da sua saúde e da sua juventude (e alguns a vida) na mítica povoação e aquartelemento de Guileje... Como respeito os que arrearam a bandeira portuguesa e retiraram de Guileje, em 22 de Maio de 1973...

(vi) Nunca mais poderás esquecer Guileje, mas também tens o "dever de memória"... Fico honrado por quereres exercer esse direito aqui no blogue... Mas, como eu faço questão de dizer, o nosso blogue não é um tribunal da opinião pública, não é uma arena de combate, é apenas um fórum onde contamos as nossas histórias, fazemos os nossos depoimentos e podemos tambémn discutir uns com os outros tudo o que esteja relacionado directa ou indirectamente com a guerra colonial da Guiné...

(viii) O teu texto (que eu gostaria de publicar na íntegra) tem algumas, expressões e frases que são susceptíveis de ofender alguns camaradas nossos... Há, nomeadamente, camaradas da Força Aérea que poderão sentir-se melindrados com insinuações tuas como, por exemplo, as "loirinhas" (cervejas), o "ar condicionado" de Bissalanca, e outras picardias que, no meu entender, não valorizam o teu depoimento, não acrescentam nada....

(ix) Meu caro Victor, seria pedir-te muito para "rever", "reexaminar", "eliminar" ou "substituir" as palavras, expressões e frases que estão a amarelo (no teu texto, que segue em anexo)? Não estou a censurar-te, apenas a pedir-te que não confundas as palavras com pedras de arremesso ou balas de G3...

(x) Quero que entres pela porta grande da no nosso blogue, com orgulho, pundonor e altivez, cingindo-te aos factos, aos acontecimentos que viveste ou presenciaste... Não precisas de tratar os tenentes da Força Aérea como senhores nem entrares em polémica com eles por via do insulto, independentemente da mágoa e da raiva que ainda hoje podes ter no teu coração (mas eles não podem ser o teu bode expiatório...). O que saiu da boca de cada um, no calor da batalha, já lá vai... Há maneiras elegantes, e com piada, de reproduzir certas conversas entre nós... Eu também chamei nomes feios a alguns dos meus superiores hierárquicos, no calor da batalha... Hoje falo disso a rir, com sentido de humor (que é, com a compaixão, um dos traços distintivos dos seres humanos, da inteligência e da nobreza dos seres humanos).

Desejo-te o melhor para a tua vida. Ainda não me disseste onde vives e trabalhas, no estrangeiro. Onde quer que estejas, tens aqui um amigo, além de camarada da Guiné. Luís Graça

[A resposta do Victor Alfaiate será publicada oportunamente, juntamente com o texto "Ainda e sempre Guileje", juntamente com os pareceres dos meus co-editores e do Miguel Pessoa, Cor Ref Pilav, que tem representado, com grande entusiasmo, brilho e valor a menina dos seus olhos, que é a Força Aérea, se bem que sem qualquer mandato da dita cuja... (Poderá evocar sempre, e no máximo, o facto de ter sido, na Guiné, o primeiro piloto a ser atingido por um Strela, tendo felizmente conseguido ejectar-se do Fiat G-91 abatido e sobrevido, na mata de Guileje, até ser recuperado, são e salvo, pelas NT)].
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Nota de L.G.:

Vd. último poste desta série: 3 de Dezembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5400: Tabanca Grande (192): Rui Baptista, ex-Fur Mil da CCAÇ 3489/BCAÇ 3872, Cancolim, 1971/74

quinta-feira, 3 de dezembro de 2009

Guiné 63/74 - P5402: Os nossos camaradas guineenses (15): O que será feito do Ernesto “balanta”… (António Matos)


1. O nosso camarada António Matos, ex-Alf Mil Minas e Armadilhas da CCAÇ 2790, Bula, 1970/72, enviou-nos a seguinte mensagem, onde recorda o apelo já aqui lançado, a quem saiba qualquer informação sobre o seu amigo balanta, de nome Ernesto, de quem nada sabe vai para 40 anos, e lha possa prestar para o seu e-mail: agmatos@armail.pt

Caro Eduardo, estas temáticas mexem com as consciências e fazem-nos falar mesmo quando em abstinência deliberada.

Se assim o entenderes na tua condição de editor ao serviço da liberdade de expressão que se pretende com este espaço, publica-o!

Aqui está:

Nelson Mandela é com toda a certeza uma referência planetária como Homem, como lutador, como resistente, como estadista, como presidente, como intelectual. Da mescla que todas estas valências potenciam, vêm-me à cabeça "As Conversas Comigo Mesmo" que, sem grande esforço, me catapultam para idêntica reflexão sobre a minha vida.

Exercício supremo este de pormos em cima da mesa, desprovido à partida de qualquer adjectivação ou apreciação, os elementos que nos permitam equacioná-los num ponto de vista actual ainda que não esquecendo os contextos nos momentos em que foram vividos.

Juntemos ao individual caldo cultural adquirido a quantidade quanto baste de moral e ética simultaneamente com os dados genéticos que nos advieram por obra e graça do Big Bang e teremos meio caminho andado para perceber as verdadeiras aberrações que nos assaltam diariamente as consciências.

Holocaustos, guerras, crimes contra crianças e velhos, filhos que espancam os pais, pais que vindimam os filhos, etc., etc., etc., entraram-nos num quotidiano impensável há uns tempos atrás.Vinganças que os vencedores impõem como que uma chancela de certificação na carne ou na dignidade dos vencidos, passaram a ser meras banalidades adivinháveis à anteriori.

Navassa, ilha em destino paradisíaco entre a Jamaica e o Haiti transformada em jaula para animais ferozes que sucumbirão no exacto momento em que deixarem de acreditar e se convencerem que aquilo dá pelo nome artístico de Guantanamo, ficará para a posteridade a regatear níveis de influência comparáveis aos de Hitler ou Nino Vieira. Fuzilamentos sumários emparcereirão com os de índole moral onde a destruição da pessoa será levada a cabo com requintes de exposição mediática muitas das vezes inconclusiva.

E a dúvida?Essa permanecerá, corrosiva, violenta e violentadora, num luto sem corpo, à espera duma remissão que os Céus nos conceda.

Já por duas ou três vezes tentei saber do Ernesto, balanta dos sete costados, jovem como nós há 40 anos atrás, solidário com a nossa luta na Guiné que também era a dele, afável, risonho, competente.

A minha dúvida é se o Ernesto engrossa as listas dos fuzilados-desconhecidos, sepultado algures numa cova com mais uns tantos, anónimo, transformado em seiva bruta que alimenta um qualquer embondeiro daquele chão avermelhado...

Execução
(In Wikipédia, Enciclopédia livre)

Que venham poetas e prosadores verter lágrimas de crocodilo e fazerem coro de carpideira com responsáveis políticos sem contudo lhes exigirmos assumir a sua responsabilidade física e moral em mais esta matança, e estaremos a condescender com a nossa inacção, ao perpetuar dum crime que virá, mais tarde, a ser negado como o tem sido o próprio holocausto.

Tomemos Nelson Mandela como paradigma dos que abrem as portas agrilhoadas dos destinos que nos impõem quando pensamos pela nossa cabeça numa toada dissonante das maiorias ditatoriais, bacocas, prenhes de iliteracia, sofrendo de melindres mesquinhos.

O homem é um ser eminentemente violento! Por excepção, temos alturas de "descanso esquizofrénico" e vamos enganando o mundo...

Um mero estalar de dedos e eis que aparecemos em toda a nossa pujança diabólica capazes das maiores atrocidades, saboreando com prazer animalesco o acto de matar!

Esse é um lado do problema. E o outro?

O do aproveitador político ou circunstancial do crime?

Sejamos honestos e no reconhecimento dessa honestidade intelectual aqui fica um abraço ao Manuel Maia pela lucidez explícita nos seus comentários sobre esta temática.

António Matos,
Alf Mil Minas Arm da CCAÇ 2790

Emblema de colecção: © Carlos Coutinho (2009). Direitos reservados.
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Nota de M.R.:

Vd. último poste desta série em: